Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
809/05-1
Relator: TOMÉ BRANCO
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
PROCESSO PENAL
PROCESSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – A Senhora Juíza a quo considerou que a ofendida deduziu pretensão cuja falta de fundamento era do seu perfeito conhecimento e fê-lo com consciência das implicações processuais, pelo que, com base no circunstancialismo que refere no despacho impugnado, considerou adequada a condenação da ofendida como litigante de má fé.
II – Coloca-se então a questão de saber, se se justifica, in casu, o recurso ao art° 456º do CPC, e a resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa.
III – Na verdade não se pode olvidar que ao direito criminal subjaz o “ius imperii” do Estado, e todo um intento de concretização do seu “ius puniendi” em termos de realização de um interesse público num quadro de acção e de intervenção processual que não se assume como um “processo de partes”.
IV – Daí que não se perfile como compaginável e aplicável ao caso dos autos o instituto da litigância de má fé prevenido e previsto no Código de Processo Civil1 no quadro da prossecução de interesses e direitos privados e civilísticos, dada a natureza estrutural e pública do próprio processo e dos interesses em confronto, não se justificando de todo em todo a aplicação do art° 456°, n° s 1 e 2 do CPC, como se fez na decisão impugnada, não apenas porque como se referiu, está de todo em todo arredado pela natureza estrutural do processo penal em si, mas ainda porquanto não se está diante de um qualquer caso omisso ou lacuna da lei que de algum modo recomendasse a sua aplicação.
V – Na verdade, as “incorrecções” processuais, enquadráveis ou não em má fé, negligência leve, grosseira ou grave e outros comportamentos mais ou menos inqualificáveis dos operadores e intervenientes no domínio dos direitos criminal e processual penal sempre foram tidos em conta pelo legislador, anotando-se que no art° 30° do Decreto-Lei n.° 35007, de 13.10.45, já se prevenia o sancionamento do denunciante que agisse com má fé, sendo certo que o art° 520º, al. c) do actual C.P.P. não deixa de sancionar em custas quando se denuncia “de má fé ou com negligência grave”.
VI – Em suma, no caso em análise, não se justifica o recurso ao disposto no art° 456° do CPC ex vi do art° 4° do C.P.P., pois que, no domínio dos direitos criminal e processual penal não é aplicável o instituto civilístico da litigância de má fé.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do tribunal da Relação de Guimarães.

Relatório:
"A", inconformada com o despacho da Senhora Juiz da comarca de Vila Verde, que a condenou como litigante de má fé, numa multa de10 Ucs, dele interpôs recurso.
Após motivações, conclui: (transcrição)
A ofendida deduziu pretensão que sempre julgou com fundamento legal.
A decisão de que se recorre não interpretou de forma correcta, salvo o devido e muito respeito, o previsto no Artº 456º do CPC
Pede a revogação do despacho recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
Fundamentação
Como é sabido as conclusões da motivação constituem o resumo do pedido e, como tal é o teor de tais conclusões que constitui o âmbito do recurso (artº 412º, nº 1 do C.P.P.).
Assim, no caso em análise temos que a ofendida "A" apenas questiona e discute a sua condenação como litigante de má fé.
Apreciemos então a questão suscitada.
A Senhora Juíza a quo considerou que a ofendida deduziu pretensão cuja falta de fundamento era do seu perfeito conhecimento e fê-lo com consciência das implicações processuais. Com base no circunstancialismo que refere no despacho impugnado, considerou adequada a condenação da ofendida como litigante de má fé.
Coloca-se então a questão de saber, se se justifica, in casu, o recurso ao artº 456º do CPC.
E a resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa.
Na verdade não se pode olvidar que ao direito criminal subjaz o "ius imperii" do Estado, e todo um intento de concretização do seu "ius puniendi" em termos de realização de um interesse público num quadro de acção e de intervenção processual que não se assume como um "processo de partes".
Daí que não se perfile como compaginável e aplicável ao caso dos autos o instituto da litigância de má fé prevenido e previsto no Código de Processo Civil A nossa jurisprudência tem vindo a considerar que "em processo penal não é possível a condenação por litigância de má fé ao abrigo do disposto no artº 456º, nºs 1 e 2 do CPC" - Cfr. entre outros o Ac. de Ac. de 11. 10.95, CJ XX, 4, 51, Ac da RE de 14.04.98 - CJ 1998 -2.0.264; Ac. do STJ de 26.06.2002, CJSTJ, Tomo II, pág. 229. no quadro da prossecução de interesses e direitos privados e civilísticos, dada a natureza estrutural e pública do próprio processo e dos interesses em confronto, não se justificando de todo em todo a aplicação do artº 456º, nº s 1 e 2 do CPC, como se fez na decisão impugnada.
Não apenas porque, como se referiu, está de todo em todo arredado pela natureza estrutural do processo penal em si, mas ainda porquanto não se está diante de um qualquer caso omisso ou lacuna da lei que de algum modo recomendasse a sua aplicação.
Na verdade, as "incorrecções" processuais, enquadráveis ou não em má fé, negligência leve, grosseira ou grave e outros comportamentos mais ou menos inqualificáveis dos operadores e intervenientes no domínio dos direitos criminal e processual penal sempre foram tidos em conta pelo legislador, anotando-se que no artº 30º do Decreto-Lei n.º 35007, de 13.10.45, já se prevenia o sancionamento do denunciante que agisse com má fé, sendo certo que o artº 520º, al. c) do actual C.P.P. não deixa de sancionar em custas quando se denuncia "de má fé ou com negligência grave".
Em suma, no caso em análise, não se justifica o recurso ao disposto no artº 456º do CPC ex vi do artº 4º do C.P.P., pois que, no domínio dos direitos criminal e processual penal não é aplicável o instituto civilístico da litigância de má fé.
Do que se conclui pela procedência do recurso.
Resta, pois, decidir:
DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação, no provimento do recurso, em revogar a decisão recorrida, ficando, consequentemente sem efeito a condenação da ofendida/recorrente como litigante de má fé.
Sem custas.
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º, nº 2 do C.P.P.)
Guimarães,