Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1617/03-1
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
NOTIFICAÇÃO
ALEGAÇÕES
RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/22/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A justificação social da lei, na base da interpretação teleológica, pode levar à conclusão interpretativa de que o sentido da lei ultrapassa a respectiva letra estrita.
II – Olhando à intencionalidade legislativa e não apenas à letra da lei, verifica-se que, ao introduzir a regra do artº 229º-A C.P.Civ., o legislador pretendeu colocar a cargo do mandatário judicial a tarefa de notificar à contra-parte todos os actos escritos da parte que ele representa, actos esses realizados no processo e por forma a produzir efeitos no processo, após a notificação da Contestação e que houvessem de ser notificados a mandatário judicial, incluindo assim as alegações e as contra-alegações de recurso.
Decisão Texto Integral: Acordão no Tribunal da Relação de Guimarães

Os Factos
Recurso de agravo interposto na acção com processo sumário nº287/2000, do 3º Juízo da comarca de Fafe.
Agravante – A.
Agravado – B.
A agravante recorre do despacho judicial que ordenou ao mandatário dela recorrente que procedesse à notificação aos demais mandatários das alegações de recurso de agravo que interpôs.

Conclusões do Recurso de Agravo:
1. A obrigação de os mandatários das partes procederem a notificações em processos pendentes apenas se verifica nos casos prescritos no artº 229º-A C.P.Civ., ou seja, relativamente a alguns articulados (aqueles que são apresentados após a notificação ao autor da contestação) e a requerimentos autónomos, não se enquadrando em nenhuma destas categorias as alegações de recurso;
2. ou seja, segundo a lei o mandatário da recorrente não está sujeito à obrigação de notificar os demais mandatários das alegações de recurso oferecidas;
3. o despacho recorrido violou assim o disposto no artº 229º-A C.P.Civ., pelo que deve ser revogado.
O agravado não contra-alegou.

Fundamentos
Nos termos do artº 229º-A nº1 C.P.Civ., acrescentado ao diploma processual civil pelo D.-L. nº183/2000 de 10 de Agosto, “nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do artigo 260º-A”.
Questiona-se no processo se as alegações de recurso devem, ou não, ser consideradas um “requerimento autónomo”, para efeito de lhes ser aplicado o regime do citado artº 229º-A nº1.
Resposta negativa foi já dada na doutrina e, embora apenas incidentalmente, na jurisprudência, consoante designadamente o artigo e os arestos a propósito citados nas alegações de recurso (ut Teixeira de Sousa, ROA, 2001-I-95 e Ac.R.L. 5/12/01 Col.V-102).
Para além do argumento literal, o recorrente, que sustenta esta última posição excludente da inclusão das alegações de recurso na previsão do normativo, invoca que “da norma em questão decorre com clareza que o legislador apenas se quis referir a peças processuais cujo relevo na economia do processo não é de primeira grandeza, por forma a salvaguardar, com a segurança jurídica inerente às notificações feitas pelo tribunal, as peças processuais mais relevantes, como seja a contestação, as alegações de recurso e a respectiva resposta”.
O necessário juízo de interpretação da norma deverá englobar, como bem refere o Recorrente, o finalismo da lei, os fins ou objectivos sociais visados pelo legislador.
Como assim, poderá o sentido da norma ultrapassar o que resultaria estritamente da letra da norma, caso em que se imporá ao intérprete a interpretação extensiva (cf. Oliveira Ascensão, Introdução e Teoria Geral, § 222).
O preâmbulo do diploma legal que publicou a norma em referência (já citado D.-L. nº183/2000, que pretendeu a “adopção de medidas simplificadoras” do processo civil) observa que esta medida legislativa visou “desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes”, imprimindo mais celeridade à marcha do processo, ainda que tal venha a importar um maior custo económico para as partes.
Daí que o legislador haja feito reverter, para a parte que pratica o acto, o ónus de notificar à contraparte o dito acto, por forma directa e imediata.
Este regime de notificação de actos processuais só é aplicável, de acordo com o citado artº 229º-A nº1, quando ambas as partes hajam constituído mandatário judicial, já que todo o mandatário judicial que assuma o patrocínio na pendência da causa deve indicar o seu domicílio profissional ao mandatário da contraparte (cf. artº 229º-A nº2); da mesma forma, a redacção de 2000 do artº 467º C.P.Civ. impôs ao autor (nº1 al.b) do normativo) o ónus de indicar na petição inicial o domicílio profissional do respectivo mandatário judicial, sob pena de recusa de recebimento da petição pela secretaria (artº 474º nº1 al.c) C.P.Civ.).
Desta forma, visto o indicado escopo da lei mais que o respectivo teor literal, nada leva a crer que o legislador tenha querido afastar a fase do recurso, e designadamente as alegações de recurso, do regime previsto no artº 229º-A C.P.Civ.
De facto, a previsão legal, quando engloba “articulados e requerimentos autónomos”, visou, isso sim, fazer abranger todo e qualquer acto escrito da parte, realizado no processo por forma a produzir efeitos nesse mesmo processo, em momento posterior à apresentação do articulado Contestação, e não apenas os actos que dependam de “despacho prévio” (cf. Ac.R.L. cit.), com o que ficaria muitíssimo reduzido o âmbito da previsão citada, esvaziando a previsão de sentido prático (sublinha-se que, de resto, também a apresentação de alegações de recurso, constituindo um direito da parte, cujo não exercício se encontra sujeito a cominação, não se encontra sujeito a qualquer despacho prévio de admissibilidade “tout court” – artº 690º C.P.Civ.).
Serão apenas de excluir do raciocínio precedente os incidentes e apensos que sigam os termos do processo declarativo comum, enxertados no inicial processo de declaração, pois que, relativamente aos mesmos, se voltará necessariamente a aplicar a regra de notificação entre mandatários posterior à Contestação, conforme artº 229º-A cit.
De resto, sendo certo que constitui a fase do recurso uma fase nova no processo, relativamente à tramitação que ocorre até ao julgamento, não pode equiparar-se a relevância da apresentação de contra-alegações em recurso à apresentação anterior da Contestação no processo, apenas o conteúdo da Contestação podendo acarretar para a parte (ao contrário das contra-alegações) verdadeiras cominações processuais (artº 490º C.P.Civ.).
A interpretação propugnada não apenas correspondente à intenção do legislador, como também se compagina com a necessária cooperação processual inter-subjectiva, das partes entre si e reciprocamente das partes com o Tribunal, para que apontava já a reforma processual de 95 quando introduziu a nova redacção do artº 266º C.P.Civ.
O princípio da cooperação, com efeito, destina-se a transformar o processo civil numa “comunidade de trabalho”, com a inerente responsabilização das partes e do tribunal pelos seus resultados (ut Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pg. 63).
Nessa base, na impressiva base de uma “comunidade de trabalho”, há que salientar que a aplicação do artº 229º-A C.P.Civ. a todos os actos das partes posteriores à apresentação da Contestação se constituiu como o entendimento pacífico da esmagadora maioria dos mandatários judiciais e “praxis” geral dos Tribunais (salientou-se no Ac.R.C. 22/5/02 Col.III/17, o qual se pronunciou no sentido por nós propugnado).

Resumindo a fundamentação:
I – A justificação social da lei, na base da interpretação teleológica, pode levar à conclusão interpretativa de que o sentido da lei ultrapassa a respectiva letra estrita.
II – Olhando à intencionalidade legislativa e não apenas à letra da lei, verifica-se que, ao introduzir a regra do artº 229º-A C.P.Civ., o legislador pretendeu colocar a cargo do mandatário judicial a tarefa de notificar à contra-parte todos os actos escritos da parte que ele representa, actos esses realizados no processo e por forma a produzir efeitos no processo, após a notificação da Contestação e que houvessem de ser notificados a mandatário judicial, incluindo assim as alegações e as contra-alegações de recurso.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedente o recurso, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pela agravante.