Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | TOMÉ BRANCO | ||
Descritores: | INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA REENVIO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/10/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | DECIDIDO DETERMINAR O REENVIO DO PROCESSO PARA NOVO JULGAMENTO | ||
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Sumário: | I – A sentença recorrida dá como não provado que o arguido destinasse o “haxixe” que lhe foi apreendido à venda a terceiros consumidores, mas não considera como provado que tal substância com o peso líquido de 9,700 gramas (quantidade estupefaciente superior à necessária para o consumo médio individual durante dez dias – cfr.artº 28°, da Lei n° 30/2000, de 29.11 e artº 9° da Portaria n° 94/96, de 26.03) era destinada ao seu consumo exclusivo. II – No entanto em sede de fundamentação o Senhor Juiz, observa que a quantidade do produto tóxico detido pelo arguido, muito embora superior à quantidade indicada na tabela anexa à Portaria nº 94/96, de 26 de Março para dez dias de dose média individual, não implica a conclusão imediata e medianamente segura que tal estupefaciente não se destina apenas ao consumo do arguido e muito menos que se destine a venda ou cedência a terceiros, devendo, de resto, acrescentar-se que considerando a concreta substância, em face das próprias regras de experiência pode dizer-se que uma quantidade detida de 9,7 gramas aponta muitíssimas vezes para uma mera detenção para consumo. III – Ou seja, o senhor juiz deixa perceber claramente em sede de fundamentação da matéria de facto que o produto tóxico apreendido ao arguido se destinava, pelo menos em parte ao seu consumo, sendo certo, no entanto, que omite tal factualidade quer nos “factos provados”, quer nos “factos não provados”. IV – Ora, tais aspectos que são relevantes para a decisão da causa têm de ser esclarecidos, pois só desse modo se poderá saber com segurança, se a decisão de absolvição está correcta. V - · Assim sendo, tendo sido diagnosticado na decisão impugnada o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, com impacto na questão suscitada no recurso, há que determinar o reenvio do processo para novo julgamento com vista à averiguação da aludida factualidade artºs 426°, n° 1 e 426°- A, ambos do C.P.P. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em audiência, na Relação de Guimarães: I) No Tribunal Judicial da Comarca de Esposende, o magistrado do Mº Pº acusou, para além do mais, o arguido Valdano C..., id. nos autos, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, pela prática de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes de menor gravidade, p.p. pelos artºs 21º, nº 1 e 25º, a) do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.01, com referência à Tabela I-C, II-A e B anexa a este diploma e à Portaria nº 94/96, de 26.03. A final, foi então proferida sentença, pela qual, se decidiu, para além do mais: «Absolver o arguido Valdano C... pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punível pelos arts. 25.º, alínea a), e 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por que vinha acusado» Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso da sentença, concluindo a correspondente motivação por dizer: (transcrição) «1) A entrada em vigor, no dia 01 de Julho de 2001, da Lei n° 3012000, de 29 de Novembro, ocorrida por força do preceituado no seu art° 29°, trouxe um problema interpretativo mercê de uma porventura pouco clara técnica legislativa, directamente colocado pelo respectivo art° 28°. 2) Nos termos do art° 2°, n° 1, do texto legal em referência, o consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas 1 a IV, anexas ao Decreto-Lei n° 15193, de 22 de Janeiro, passou a constituir contra-ordenação. 3) Restringindo negativamente o âmbito do tipo contra-ordenacional assim definido, preceitua, por seu turno, o n° 2 do normativo em análise que, para efeitos de aplicação da mencionada lei, a aquisição e detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderá exceder a necessária para consumo médio individual durante o período de 10 dias. 4) Sendo Canabis (resina), prevê o art° 9° da Portaria n° 94196, de 26 de Março, como quantidade máxima 05,00 gramas. 5) Já o art° 28° deste diploma veio revogar, expressa e indistintamente, os dois números do art° 40°, apenas excepcionando o cultivo. 6) O legislador deu assim ao intérprete o quadro normativo dentro do qual caberá orientar a actividade de subsunção dos factos decorrentes da conduta do agente. 7) A entrada em vigor de tal regime jurídico pretendeu descriminalizar o consumo das substâncias estupefacientes mas, simultaneamente, colocou um problema que em concreto se traduz em saber em que preceito legal se enquadra a factualidade resultante da detenção de quantidade de haxixe que exceda a equivalente a dez dias quando tal produto se destina única e exclusivamente ao consumo. 8) O entendimento mais credível, por correcto, sobre esta temática é aquele que perfilha que o legislador quis claramente descriminalizar o consumo, pelo que sempre que a quantidade detida exceda o consumo médio individual durante o período de 10 dias não se pode sem mais entender existir um crime de tráfico de estupefacientes, nomeadamente o previsto no art° 25° do Decreto-Lei n° 15/93 de 22 de Janeiro, antes sendo a fixação do limite dos 10 dias um critério meramente orientador, nada impedindo que se considere como contra-ordenação a detenção, para consumo, mesmo que a quantidade em causa exceda o limite dos 10 dias. 9) Se não se permitir ao agente provar e afastar o perigo que o art° 25° visa repelir estar-se-á a excluir a possibilidade de fazer contra-prova do perigo de tráfico e de demonstrar que não actuou com esse tipo de dolo mas, contrariamente, com o de consumo. 10) No caso dos autos, o Mm° Juiz, se por um lado andou bem ao não condenar o arguido pela prática de uma contra-ordenação, porque não deu como provado que detivesse o haxixe para consumo, não é menos verdade que não actuou conforme o direito ao não o condenar pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. 11) Efectivamente, ou o agente detém para consumo ou detém para tráfico, afigurando-se-nos impossível encontrar uma posição intermédia em que detenha sem que seja para um ou para outro fim. 12) Nas situações em que se prove a detenção e em que não exista, sequer, prova de consumo, como é o caso dos autos, mister é concluir que a droga se destinava ao tráfico, naturalmente de menor gravidade atendendo à qualidade e quantidade da substância estupefaciente detida. 13) Considerando bondoso o argumento utilizado pelo Mm° Juiz a quo segundo o qual a quantidade e a qualidade da substância em causa aponta, segundo regras de experiência, para o consumo, cremos que, assim, só poderia aquele ilustre magistrado ter concluído, pelo menos, pela condenação do arguido pela prática de uma contra-ordenação dando como provado que a destinava a esse efeito, o que não sucedeu. 14) Uma vez que, apesar de não ter dado como provado que o arguido destinava a droga ao seu consumo, o Mm° Juiz a quo deixou antever em sede de fundamentação que essa era a sua convicção, a douta sentença ora sindicada incorre em manifesta contradição da fundamentação e entre esta e a decisão, assim violando o art° 410°, n° 2, al. b), do Código de Processo Penal. 15) Para além disso, cremos existir violação do princípio da livre apreciação da prova contemplado no art° 127° do Código de Processo Penal. 16) O princípio da livre apreciação da prova significa que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, devendo a decisão deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência. 17) Na situação sub judice o Exm° Senhor Juiz tem como perenes os seguintes factos O arguido detinha 9.700 gramas de haxixe; Não se provou que tal substância fosse para seu consumo; Conhecia a natureza estupefaciente da referida substância; Não tinha qualquer autorização para a deter; Agiu livre, voluntária e conscientemente. 18) Por outro lado, o artº 9° da Portaria n° 94/96, de 26 de Março, estabelece como quantidade máxima a detenção pelo agente de 05,00 gramas de haxixe. 19) Assim, necessário seria concluir pela comissão do tipo imputado ao arguido, tendo sido pois violado aquele princípio. 20) Ponderando : os antecedentes criminais do arguido, a moldura penal abstractamente aplicável ao ilícito que lhe foi imputado, a circunstância de os factos aqui em apreciação terem sido praticados durante o período de suspensão da execução da pena em que aquele havia sido previamente condenado, que entre a data do douto aresto relativo àquela condenação e a prática dos factos nestes autos decorreram sensivelmente apenas 17 (dezassete) meses, e que não se vislumbra qualquer circunstância que deponha a favor do arguido, entende-se justa, por adequada e proporcional, e sempre perspectivando os parâmetros fornecidos pelo legislador para a fixação da pena, a aplicação ao arguido de 14 (catorze) meses de prisão devido às manifestas necessidades de prevenção geral e especial. 21 – Assim, e no que tange à matéria de facto, deveria o Mm° Juiz a quo, pelo motivos apontados, ter decidido pela condenação do arguido nos termos propostos, tendo ainda sido violado o art° 127° do Código de Processo Penal, por errónea interpretação, ao não ponderar devidamente a prova produzida conforme conclusões 17. e 18». Termina requerendo a condenação do arguido Valdano C..., como autor material, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p° e p° pelos arts. 21° e 25°, al. a), do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 14 (catorze) meses de prisão. Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no qual aduz bem elaborada argumentação jurídica tendente a demonstrar a existência na decisão impugnada do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto, concluindo, assim pelo provimento parcial do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** Estão dados como provados os seguintes factos:No 26 de Maio de 2005, pelas 7.05 horas, nas traseiras da discoteca “P...”, sita em Fão, Esposende, o arguido Valdano C... e outro indivíduo que não foi possível identificar foram sujeitos a uma revista de segurança efectuada pela Guarda Nacional Republicana de Esposende em virtude de terem sido denunciados por provocar distúrbios no interior de tal estabelecimento, com alegada utilização de armas brancas. Em resultado dessa revista, foram encontrados nos bolsos da roupa o referido indivíduo não identificado vestia: - Um saco de plástico contendo um pó branco no seu interior, que, submetido a exame pericial no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, acusou a presença de cafeína; - 22 (vinte e duas) pastilhas de cor branca, que, submetidas a exame toxicológico no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, revelaram tratar-se da substância denominada “Anfetamina” com o peso líquido total de 5,820 gramas, incluída na tabela II-B anexa ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro; - 35 (trinta e cinco) pastilhas de cor de rosa, que, submetidas a exame toxicológico no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, revelaram tratar-se da substância denominada MDMA, vulgo “Ecstasy”, com o peso líquido total de 9,730 gramas, incluída na tabela II-A anexa ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro; - Três pedaços sólidos de cor castanha escura, que, submetidos a exame toxicológico no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, revelaram tratar-se da substância denominada Canabis (resina), vulgo “Haxixe”, com o peso líquido total de 7,640 gramas, incluída na tabela I-C anexa ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro. Na bolsa que o arguido Valdano C... trazia à cintura, foram encontrados três pedaços sólidos de cor castanha escura, que, submetidos a exame toxicológico no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, revelaram tratar-se da substância denominada Canabis (resina), vulgo Haxixe, com o peso líquido total de 9,700 gramas, incluída na tabela I-C anexa ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro. Por tais factos, foram apreendidas aquelas substâncias aos arguidos, bem como um telemóvel de marca Phiplips, um canivete, 114,35€ em notas e moedas e uma máquina fotográfica de marca NYTCHEC, conforme resulta do auto de apreensão de fls. 17. O arguido Valdano e o indivíduo não identificado conheciam bem a natureza e características estupefacientes dos produtos que detinham, estando conscientes que a sua aquisição, detenção e venda, sem as necessárias autorizações, era proibida e punida por lei penal. Agiu de forma livre, voluntária e consciente. O indivíduo não identificado não destinava as substâncias que detinha exclusivamente ao seu consumo, e pretendia ceder pelo menos parte a terceiros. O arguido Valdano C... imigrou com a família de Angola para Portugal há cerca de 13 anos. Abandonou o ensino aos 15/16 anos, tendo completado o 5.º ano de escolaridade. O seu ambiente familiar foi marcado pelo alcoolismo do pai, que infligia maus tratos à mulher e aos filhos. Actualmente, ausentou-se da casa paterna, desconhecendo-se o seu paradeiro. Por acórdão de 4/12/2003, reportado a factos de 7/11/2001, foi condenado por quatro crimes de roubo na pena única, fixada em cúmulo, de 2 anos e 6 meses de prisão, com execução suspensa por quatro anos, com regime de prova. Até hoje, nunca se apresentou nos serviços do I.R.S. para início do regime de prova, apesar de convocado e contactado para o efeito. O arguido Manuel M... imigrou com o pai de Cabo Verde para Portugal há cerca de 12 anos. Concluiu o 4.º ano de escolaridade. O seu ambiente familiar por pouco acompanhamento pelo pai e por alcoolismo da madrasta. Trabalhou na construção civil. Desconhece-se o seu actual paradeiro. Por acórdão de 23/06/2003, reportado a factos de 30/10/2002, foi condenado por um crime de resistência e coacção sobre funcionário e um outro de detenção de arma proibida na pena única, fixada em cúmulo, de 1 ano e 5 meses de prisão. Por acórdão de 9/01/2004, reportado a factos de 25/01/2002, foi condenado por um crime de detenção de arma proibida na pena de 3 meses de prisão, com execução suspensa por um ano. FACTOS NÃO PROVADOS Que o arguido Manuel M... tivesse alguma intervenção nos factos julgados provados. Que o pó branco com cafeína apreendido seja substância utilizada para a mistura de outros produtos estupefacientes por forma a obter um maior proveito económico dos mesmos. Que os arguidos, em conjugação de esforços e de comum acordo, pretendessem vender tais substâncias a terceiros consumidores que se encontrassem na interior da referida discoteca com o intuito de obter compensações monetárias. FUNDAMENTAÇÃO PROBATÓRIA A maior parte da prova relevante foi recolhida a partir do depoimento de Adelino L..., autor do auto de notícia de fls. 3, que confirmou os factos aí descritos. Confirmou a identificação do arguido Valdano através de documento consular com cópia a fls. 11, e a identificação meramente verbal de M... Constantino. O tribunal não julga suficiente para imputar factos criminosos a quem quer que seja o facto de a sua identificação ser fornecida verbalmente por indivíduo que os tenha praticado, sem qualquer outro tipo de confirmação. Quanto à intenção de venda ou cedência a terceiros do estupefaciente detido pelo arguido Valdano, o tribunal não pode assumi-la meramente a partir da quantidade detida sem outros elementos circunstanciais. A quantidade de 9,700 gramas, muito embora superior à quantidade indicada na tabela anexa à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março para dez dias de dose média individual, não implica a conclusão imediata e medianamente segura que tal estupefaciente não se destina apenas ao consumo do arguido e muito menos que se destine a venda ou cedência a terceiros. De resto considerando a concreta substância, é em face das próprias regras de experiência que se pode dizer que uma quantidade detida de 9,7 gramas aponta muitíssimas vezes para uma mera detenção para consumo. Já em face das quantidades detidas pelo outro indivíduo não identificado, a afirmação de que o estupefaciente não se destinava exclusivamente a consumo do detentor é segura em face das mesmas regras de experiência comum, que informam também o carácter deliberado, livre e consciente da actuação. No mais valeram os exames periciais às substâncias apreendidas, os relatórios sociais e os C.R.C.’s juntos aos autos. *** Como é sabido, os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas suas conclusões das motivações, sem embargo de outras que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artº 412º, nº 1 do CPP).In casu, o recorrente/Mº Pº manifesta a sua discordância relativamente à absolvição do arguido Valdano, defendendo a sua condenação pelo crime de que vinha acusado (tráfico de menor gravidade), ou a não se entender assim, pela prática de uma contra-ordenação, argumentando, para tanto e, desde logo, com a existência do vício da contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, previsto no artº 410º, nº 2, b), do CPP no âmbito da matéria de facto que suportou a decisão absolutória. Classificado o vício, dir-se-á que ele ocorre quando há oposição entre os factos provados, entre estes e os não provados ou até entre a fundamentação da matéria de facto – vide, por todos, Ac. do STJ de 14.12.95, CJ, Acs do STJ, 95, 263). Porém é mister que tal vício se configure – como de resto, com os demais vícios prevenidos nas restantes alíneas do nº 2 do citado artº 410º -, que ele resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum (cfr. corpo deste preceito). Pois bem atentando no caso dos autos, logo se constata que tal vício não ressalta da decisão impugnada. Com efeito nada existe de antagónico em dizer-se que não se provou que o arguido Valdano pretendesse vender o “haxixe” que lhe foi apreendido e ao mesmo tempo em sede de fundamentação afirmar-se que “A quantidade de 9,700 gramas, muito embora superior à quantidade indicada na tabela anexa à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março para dez dias de dose média individual, não implica a conclusão imediata e medianamente segura que tal estupefaciente não se destina apenas ao consumo do arguido e muito menos que se destine a venda ou cedência a terceiros. De resto considerando a concreta substância, é em face das próprias regras de experiência que se pode dizer que uma quantidade detida de 9,7 gramas aponta muitíssimas vezes para uma mera detenção para consumo”. O vício que, de facto, se detecta através do texto da decisão recorrida é o da insuficiência da matéria de facto para a decisão, previsto na alínea a) do nº 2 do citado artº 410º do CPP., vício que, diga-se, é invocado pelo Exmº PGA no seu douto parecer. Na verdade, se tivermos presente que este vício ocorre quando o tribunal não dá como «provado» nem como «não provado» algum facto necessário para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição, ou que seja relevante para a medida concreta da pena, logo se constata que tal vício ressalta da decisão impugnada. Demonstremos: Conforme já se sublinhou a sentença recorrida dá como não provado que o arguido Valdano destinasse o “haxixe” que lhe foi apreendido à venda a terceiros consumidores, mas não considera como provado que tal substância com o peso líquido de 9,700 gramas (quantidade estupefaciente superior à necessária para o consumo médio individual durante dez dias – cfr.artº 28º, da Lei nº 3072000, de 29.11 e artº 9º da Portaria nº 94/96, de 26.03) era destinada ao consumo, exclusivo, ou não, do arguido Valdano C.... No entanto em sede de fundamentação o Senhor Juiz, como já acima salientámos, observa que a quantidade do produto tóxico detido pelo arguido, muito embora superior à quantidade indicada na tabela anexa à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março para dez dias de dose média individual, não implica a conclusão imediata e medianamente segura que tal estupefaciente não se destina apenas ao consumo do arguido e muito menos que se destine a venda ou cedência a terceiros. De resto, acrescenta-se ainda a este propósito, que considerando a concreta substância, em face das próprias regras de experiência pode dizer-se que uma quantidade detida de 9,7 gramas aponta muitíssimas vezes para uma mera detenção para consumo. Ou seja, o senhor juiz deixa perceber claramente em sede de fundamentação da matéria de facto que o produto tóxico apreendido ao arguido Valdano se destinava, pelo menos em parte ao seu consumo, mas omite tal factualidade quer nos “factos provados”, quer nos “factos não provados”. Ora tais aspectos que são relevantes para a decisão da causa têm de ser esclarecidos, pois só desse modo se poderá saber com segurança, se a decisão de absolvição está correcta. Assim sendo, tendo sido diagnosticado na decisão impugnada o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, com impacto na questão suscitada no recurso, há que determinar o reenvio do processo para novo julgamento com vista à averiguação da aludida factualidade - artºs 426º, nº 1 e 426º-A, ambos do C.P.P., III) Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se determinar o reenvio do processo para novo julgamento, mas limitado à averiguação da factualidade supra especificada.DECISÃO Sem tributação. Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º, nº 2 do C.P.P.) Guimarães, 10 de Dezembro de 2007 |