Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
59/07-1
Relator: ANTÓNIO GONÇALVES
Descritores: DESPEJO IMEDIATO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: DADO PROVIMENTO AO AGRAVO
Sumário: 1. A falta de pagamento de rendas na pendência da acção faz com que ao senhorio lhe seja permitida a obtenção do despejo do arrendado, para tanto tão-só ele tendo de deduzir especificada pretensão neste mesmo sentido em acção incidental de despejo, motivá-lo de forma autónoma do da acção principal (a causa de pedir é a falta de pagamento de rendas na pendência da acção) e a que se seguirá a audição do arrendatário.
2. O incidente processual apoiado no preceituado no dito art.º 58.º do RAU aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15/10, incorpora na acção típica de despejo uma diferenciada acção autónoma também de despejo, com causa de pedir autónoma e igualmente com pedido próprio.
3. O pedido de despejo imediato decretado com fundamento na falta de pagamento das rendas respeitantes aos meses de Março, Abril e, entretanto, Maio de 2006, não pode proceder se o autor pediu que o despejo imediato fosse realizado com fundamento na falta de pagamento das rendas referentes aos meses de Novembro/05, Dezembro/05, Janeiro/06 e Fevereiro/06.
Decisão Texto Integral: Do despacho proferido na acção de processo sumário n.º 1359/05.9TBPTL/1.º Juízo do T.J. da comarca de Ponte de Lima que condenou a ré “Automóveis G. & C.” a despejar imediatamente o local arrendado, recorreu a demandada que alegou e concluiu do modo seguinte:
1. A recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que se decidiu pelo despejo imediato do local arrendado livre de pessoas e bens, na parte do logradouro que compõe o prédio rústico inscrito na matriz predial sob o art. 69°, com base no fundamento do não pagamento ou deposito das rendas que se venceram na pendência da acção, referentes aos meses de Março, Abril e, entretanto, Maio de 2006.
2. Por um lado, porque, as rendas relativas aos meses de Maio a Novembro de 2005 não se encontravam em atraso, conforme alegado na contestação.
3. E só por mera cautela é que a Recorrente procedeu ao depósito da quantia de € 6.338,18, correspondente ao valor de sete meses de renda (Maio a Novembro) acrescida de 50 %, e da quantia de € 38,18 correspondente aos juros.
4. Não obstante, com o depósito da referida quantia, a instância deveria ter-se extinguido, por inutilidade superveniente da lide - 287°, al. e), do CPC; assim, ao não fazê-lo, mal andou o Meritíssimo Juiz a quo, tendo pois, violado o disposto no art. 663° do CPC.
5. Por outro lado, os comprovativos dos depósitos das rendas relativas aos meses de Março e Abril de 2006, apesar de terem sido apresentadas fora de prazo, ao contrário do alegado na douta decisão, tal situação foi devidamente justificada por requerimento apresentado nos autos, onde se referia que o representante da Ré ora Recorrente, encontrava-se fora do país, sendo impossível, pois contactar com o mesmo, tendo sido pedido, novo prazo para tal, que foi concedido.



6. Sendo certo, que posteriormente tais comprovativos foram devidamente juntos aos autos.
7. Deste modo, a comprovar-se o pagamento das referidas rendas, nunca tal seria motivo de despejo imediato, quando muito incorreria a Recorrente em mora.
8. Aliás, é de referir que o art. 58°, n.° 2 remete para o n.° 1 do RAU, que fala expressamente em " ... as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas ... ", o que não é o caso, uma vez que as mesmas foram pagas.
9. Não obstante, mesmo que tais rendas não tivessem sido pagas, o que não se concede, para que o Juiz decrete o despejo imediato em consequência de o réu ter deixado de pagar as rendas vencidas na pendência da acção, é preciso que o autor o requeira, pois o juiz não pode oficiosamente ordenar o despejo - neste sentido o Ac. da Rel. Porto, de 63.03.06, in J.R., 9°, pág. 315.
10. Ora, no caso sub judice, em 11 de Janeiro do corrente ano, os AA., ora Recorridos, requereram o despejo imediato da Ré ora Recorrente, alegando que à data se encontravam em dívida as rendas respeitantes aos meses de Novembro e Dezembro de 2005 e Janeiro e Fevereiro de 2006, tendo o Meritíssimo Juiz a quo, de acordo com o estipulado no art. 58°, n.° 2 do RAU, concedido o prazo de dez dias, para a arrendatária ora Recorrente se pronunciar.
11. O que esta fez, por requerimento a apresentado nos autos a 03 de Fevereiro de 2006, tendo aí comprovado documentalmente que tais rendas se encontravam pagas, para o que juntou os documentos correspondentes e, protestou juntar o documento comprovativo do pagamento da renda do mês de Fevereiro de 2006, que posteriormente foi junto aos autos.
12. Nessa sequência e, uma vez precludido o direito do AA. ao despejo imediato - Ac. da Rel. Lisboa, de 82.02.19, in C.J. de 1982, 1°, pág. 196, seguiram os autos os seus trâmites normais.
13. Sendo no mínimo estranho que a decisão de despejo imediato ora em crise, tenha sido proferida somente agora e, com base na fundamentação de que a Ré ora Recorrente, não pagou ou depositou as rendas que se venceram na pendência da acção, referentes às rendas dos meses de Março, Abril e, entretanto, Maio de 2006 e, pior do que isso, sem que os AA., o tenham requerido.
14. Ora, andou mal o Meritíssimo Juiz, ao proferir a decisão de despejo imediato, sem que tenha sido requerida pelos AA., tal como determina o art. 58°, n.° 2 do RAU.
Termina pedindo que não seja decretado o despejo imediato.

Contra-alegaram os recorridos Jorge B... e mulher Maria M... pedindo a manutenção do julgado e a condenação da recorrente como litigante de má-fé.
O Ex.mo Juiz manteve a decisão recorrida.
Colhidos os vistos cumpre decidir.

Com interesse para a decisão em recurso estão assentes os factos seguintes:
1. Jorge B... e mulher Maria M..., residentes no lugar de S. Gonçalo, Arcozelo, Ponte de Lima, propuseram acção declarativa de condenação, com processo comum e forma sumária, contra “Automóveis G. & C.”, com sede no Lugar de Igreja Velha, Santa Comba, Ponte de Lima, pedindo a resolução do contrato de arrendamento, cuja cópia se encontra a fls. 8/9, a condenação da Ré a despejar imediatamente o locado arrendado e a pagar as rendas vencidas e vincendas.
2. A fundamentar o seu pedido de resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo na falta pagamento das rendas referentes aos meses de Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2005.
3.A Ré contestou, alegando ter pago as rendas referentes aos meses de Maio e Junho 2005, tendo procedido ao depósito do montante de e 6.338.18 (seis mil trezentos e trinta e oito euros dezoito euros) por conta das rendas reclamadas pelos autores, acrescidas da indemnização de 50%.
4. Entretanto os autores vieram pedir o despejo imediato, ao abrigo do disposto no art. 58°, n.° 2, do RAU, alegando que a Ré não tem procedido ao pagamento das rendas vencidas na pendência da acção, nomeadamente, o montante correspondente às rendas referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2005 e Janeiro e Fevereiro de 2006.
5. Notificada, a Ré veio alegar que a renda referente ao mês de Novembro estava incluída no depósito efectuado aquando da apresentação da contestação, juntou os comprovativos de depósito referentes às rendas de Dezembro de 2005 e Janeiro de 2006 e protestou juntar o comprovativo do depósito referente à renda de Fevereiro de 2006, o que veio a fazer mais tarde.
6. Entretanto, em Abril de 2006, a Ré foi notificada para juntar aos autos os comprovativos dos depósitos das rendas referentes aos meses de Março e Abril de 2006, não o tendo feito no prazo concedido, nem tendo justificado essa falta.
7. Com o fundamento em que o arrendatário não pagou ou depositou as rendas que se venceram na pendência da presente acção, referente às rendas dos meses de Março, Abril e, entretanto, Maio de 2006, nos termos do disposto no art. 58°, n.° 2, do RAU, o Ex.mo Juiz condenou a Ré “Automóveis G. & C.” a despejar imediatamente o local arrendado, a seguir identificado, livre de pessoas e bens: parte do logradouro que compõe o prédio rústico inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 69° e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 00781/Arcozelo, prédio que é composto por bouça de mato, sito no monte de São Gonçalo, com pinheiros, junto à estrada nacional.
8. É desta decisão de que se recorre.

Passemos agora à análise das censuras feitas à decisão recorrida nas conclusões do recurso, considerando que é por aquelas que se afere da delimitação objectiva deste (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do C.P.C.).

A questão posta no recurso é a de saber se estão verificados os pressupostos legais pontificados no n.º 2 do art.º 58.º do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15/10, para que possa ser decretado o despejo imediato do arrendado.

I. Dispunha o artigo 58.º do RAU aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15/10: Actualmente vigora o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) aprovado pela Lei n.º 6/2006
de 27 de Fevereiro.

1. Na pendência da acção de despejo, as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.
2. O senhorio pode requerer o despejo imediato com base no não cumprimento do disposto no número anterior, sendo ouvido o arrendatário.
3. O direito a pedir o despejo imediato nos termos deste preceito caduca quando o arrendatário, até ao termo do prazo para a resposta, pague ou deposite as rendas em mora e a importância de indemnização devida e disso faça prova, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que serão contadas a final.

O incidente processual ora em exame destina-se a impor ao arrendatário a obrigação de satisfazer ao senhorio as rendas que se vencerem durante a pendência da acção que aquele lhe moveu com o objectivo de obter o despejo do locado.
Compreende-se que assim seja, já que através desta medida se pode evitar que alguma pessoa continue a usufruir graciosamente um bem imóvel durante o período de tempo necessário à ultimação do pretendido despejo e a impedir que ao dono do locado seja retirada a devida indemnização sempre que se verifique a impossibilidade da sua execução prática - “a lei optou por tal solução não só para prevenir a eventual conflitualidade resultante da pendência da acção de despejo, dispensando nesta fase a oferta de pagamento das rendas e a notificação do depósito, como também para evitar que o réu possa continuar a usufruir do arrendado sem satisfazer a sua contraprestação; este não se poderá defender, por tal motivo, com uma eventual mora accipiendi do senhorio, por ser seu ónus desincumbir-se do pagamento ou do depósito em quaisquer circunstâncias” (Aragão Seia; Arrendamento Urbano; pág. 309/310).
Observemos que este direito do senhorio não é uma prerrogativa absoluta que sempre lhe assiste no caso de, numa acção de despejo, se constate que o arrendatário não demonstra ter pago a renda invocada pelo demandante; para que esta medida possa ser accionada, necessário se torna ter como certas a validade do contrato e a certeza de que as rendas em análise são devidas ao senhorio - só se pode falar em rendas vencidas na pendência da acção se esta tiver subjacente um arrendamento válido, que não é posto de qualquer modo em questão pelo réu ou se este não põe em causa o direito que o autor se arroga de receber as rendas (Aragão Seia; Ob. citada; pág. 307).
É que, se a própria renda ou o seu exacto montante estiverem em litígio na acção, esta vicissitude já não está abrangida pela disciplina estatuída naquele normativo legal (art.º 58.º do RAU) e, por isso, o despejo imediato não pode ser decretado no enquadramento desta particularidade jurídico-positiva.

II. A falta de pagamento de rendas na pendência da acção faz com que ao senhorio lhe seja permitida a obtenção do despejo do arrendado, para tanto tão-só ele tendo de deduzir especificada pretensão neste mesmo sentido em acção incidental de despejo, motivá-lo de forma autónoma do da acção principal (a causa de pedir é a falta de pagamento de rendas na pendência da acção) e a que se seguirá a audição do arrendatário.
Neste contexto jurídico-processual depreende-se da fundamentação posta na decisão recorrida que o arrendatário não pagou ou depositou as rendas que se venceram na pendência da presente acção, referentemente às rendas dos meses de Março, Abril e, entretanto, Maio de 2006, circunstância factual que é fundamento do despejo que neste enquadramento legal foi decretado.
Considerando que rendas vencidas na pendência da acção são as que deveriam ter sido pagas após a entrada na Secretaria da petição da acção e tendo na devida conta que a sociedade ré não pagou nem procedeu ao depósito das rendas correspondentes aos meses de Março, Abril e Maio de 2006 deste modo não fazendo caducar o direito à resolução do contrato, havendo mora do arrendatário haverá razão para o despejo com fundamento nesta ocorrência factual.
Todavia, o despejo imposto à recorrente não pode manter-se.
O incidente processual apoiado no preceituado no dito art.º 58.º do RAU aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15/10, incorpora na acção típica de despejo uma diferenciada acção autónoma também de despejo, com causa de pedir autónoma e igualmente com pedido próprio.
O senhorio terá de formular particular pedido de despejo imediato do arrendado e comprovar que não estão pagas as rendas vencidas na pendência da acção de despejo.
Para tanto terá o autor de fazer integrar na tramitação da acção proposta uma nova petição a configurar tal pedido e avançar com uma nova causa de pedir que sustente a pretensão assim delineada; o arrendatário, na sua resposta, pode alegar e provar que não há rendas vencidas na pendência da acção de despejo, que pagou as rendas ou que fez o respectivo depósito, acrescido da indemnização, podendo, igualmente, alegar e provar que as rendas não são exigíveis.
Constatando-se que, observada esta tramitação processual, o inquilino não fez prova do pagamento ou do depósito das rendas vencidas na pendência da acção, o despejo imediato do arrendado impor-se-á ao locatário. A acção incidental de despejo tem a dupla natureza de medida preventiva e coactiva (Aragão Seia; Obra citada; pág. 307).
Porém, o despejo ordenado - que teve como fundamento a falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da acção referentes aos meses de Março, Abril e, entretanto, Maio de 2006 - não tem o necessário e exigido pedido a apoiar a decisão proferida contra a recorrente.
Na verdade, o pedido de despejo imediato formulado pelos recorridos/autores tem a sua incidência na falta de pagamento das rendas respeitantes aos meses de Novembro/05, Dezembro/05, Janeiro/06 e Fevereiro/06 (cfr. articulado em 5. do seu requerimento de fls. 44); e a sentença recorrida, extravasando a pretensão dos requerentes assim descrita, não se contém no enquadramento deste condicional curso processual.
O pedido formulado terá de se poder entender como objectivo final da pretensão do demandante. Na sua estrutura formal a sentença deve reconduzir-se a um silogismo, como desde há muito vem sancionando a doutrina, sujeito às rigorosas regras da lógica formal, no qual a lei figura como a premissa maior, os factos considerados provados preenchem a premissa menor e a decisão configura a conclusão.
O autor, ao preparar e organizar a petição, há-de raciocinar como raciocinaria mais tarde o juiz, na sentença, para julgar procedente a acção. O esqueleto da petição terá de ser forçosamente um silogismo, sob pena de não poder desempenhar convenientemente a função que lhe é própria. É da essência do silogismo que a conclusão se contenha nas premissas, no sentido de ser o corolário natural e a emanação lógica delas. Prof. Alberto dos Reis; Comentário; III Volume; pág. 381.

A decisão recorrida, fundamentada que está numa factualidade não alegada pelos demandantes, porque ferida de ilegalidade terá de ser destituída da validade.

III. Não está demonstrado nos autos que a recorrente merece a repreensão cominada pelo artigo 456.º, do C.P.C.

Pelo exposto, dando-se provimento ao agravo, revoga-se a decisão recorrida.

Sem custas - art.º 2.º, n.º 1, al. g), do Cód. Custas Judiciais.

Guimarães, 01 de Fevereiro de 2007