Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
587/05-1
Relator: PEREIRA DA ROCHA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/01/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: A prestação mensal de alimentos definitivos a menores, a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, é devida desde a data da apresentação do respectivo pedido contra o Fundo, deduzido após a verificação da impossibilidade de, judicialmente, os obter do obrigado através de descontos mensais coercivos em rendimentos dele, não sendo, pois, devida desde a data do início do incumprimento pela pessoa judicialmente obrigada a prestá-los.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

1 – Relatório
Neste recurso de agravo é recorrente o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e é recorrida "A".
A Recorrida, mãe do menor Pedro M..., nascido em 27/08/1997, instaurou, em 18/06/2004, no 4.º Juízo Cível da Comarca de Barcelos, incidente por incumprimento da prestação alimentícia a favor daquele menor por parte do pai, por apenso ao processo de regulação do exercício do poder paternal.
Nele alegou, em síntese, o seguinte: por sentença de 21 de Maio de 2004, transitada em julgado, foi o requerido Domingos da M... obrigado a pagar, a título de alimentos ao seu filho menor Pedro M... a quantia mensal de euros 85,00, sendo certo que já em 28 de Novembro de 2003 havia sido fixada uma prestação provisória no valor de euros 75,00 mensais; o requerido nunca pagou a prestação alimentícia a que está obrigado; o requerido está reformado por invalidez desde 2001, auferindo uma pensão mensal no valor de euros 234,25; não conhece outra fonte de rendimento ao requerido; a requerente é jornaleira agrícola, auferindo cerca de euros 300,00 mensais; o menor não tem quaisquer bens ou outra fonte de rendimentos.
Concluiu pedindo a fixação da prestação alimentícia a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores na quantia euros 75,00 mensais desde Dezembro de 2003 até Maio de 2004 e na quantia de euros 85,00 mensais desde Junho de 2004.
Procedeu-se à realização das diligências instrutórias tidas por convenientes e que se traduziram num pedido de informação à Segurança Social e na realização de inquérito sobre as necessidades do menor(cfr. folhas 9 e 13 a 16).
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser fixada uma prestação de alimentos no valor de euros 100,00 mensais.
Foi então proferido despacho em 12/10/2004 que decidiu fixar a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores a prestação de euros 75,00 mensais relativamente ao período compreendido entre Dezembro de 2003 e Maio de 2004 e a de euros 100,00 mensais após esta data, sendo este montante actualizado anualmente, de acordo com o índice de inflação que se houver verificado no ano anterior.
Deste despacho agravou o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que conclui a sua alegação da seguinte forma:
1) Não foi intenção do legislador da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, prever o pagamento pelo Estado do débito acumulado pelo obrigado judicialmente a prestar alimentos aos menores;
2) Foi preocupação dominante, nomeadamente do Grupo Parlamentar que apresentou o projecto de diploma, evitar o agravamento excessivo da despesa pública, um aumento do peso do Estado na sociedade portuguesa;
3) Também o legislador não teve em vista uma situação que a médio prazo se tornasse insustentável para a despesa pública, face à conjuntura sócio económica já então perfeitamente delineada;
4) Deve ter-se presente a "ratio legis" dos diplomas no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores - FGADM - que, na sua razão de ser, visa assegurar a prestação de alimentos a menores, um mês após a notificação da decisão do Tribunal - conf. n.º 5 do artigo 4° do DL n.º 164/99, de 13 de Maio - e não o pagamento dos débitos acumulados anteriormente pelo progenitor responsável pelo pagamento dessas prestações;
5) Dos diplomas que regem o FGADM, deve fazer-se uma interpretação restritiva, pelo que o elemento gramatical tem de ser dimensionado pelo princípio hermenêutico contido no artigo 9° do Código Civil, onde se expressa que "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados";
6) Assim, não se pode considerar objectivamente que esteja aludida nos diplomas, a responsabilidade do Estado/FGADM pelo pagamento de débitos acumulados pelo progenitor relapso;
7) A admitir o contrário e face ao que foi dito quanto à posição do Grupo Parlamentar que apresentou o projecto de lei e a preocupação de que o legislador se revestiu no sentido de evitar um agravamento das despesas públicas, estar-se-ia a iludir o espírito da lei, apostada em não fomentar a irresponsabilidade por parte dos progenitores, quanto à obrigação de zelar pelos alimentos aos seus filhos menores;
8) Ressalta, pois, ter sido intenção do legislador, expressamente consagrada, ficar a cargo do Estado apenas o pagamento de uma nova prestação de alimentos a fixar pelo tribunal dentro de determinados parâmetros, artigo 3°, n.º 3 e artigo 4°, n.º 1 do DL 164/99 de 13/5 e artigo 2° da Lei 75/98 de 19/11;
9) A nosso ver, não se encontra no espírito da lei que se tenha querido garantir ao menor os alimentos a que o progenitor estava obrigado por decisão anterior e que nunca satisfez. Não é correcto pôr-se o Estado a pagar os débitos do progenitor relapso;
10) O débito acumulado do devedor relapso não será assim da responsabilidade do Estado;
11) Fazer impender sobre o Fundo a obrigação de satisfazer o débito acumulado anularia ab initio - subvertendo, efectivamente, o espírito da lei - a verificação de tal pressuposto, porquanto deixariam de subsistir prestações em dívida;
12) A nova legislação - Lei 75/98 e Dec-Lei n.º 164/99 - decorre, essencialmente, da falta de cumprimento da obrigação de alimentos, da preocupação do Estado em instituir uma garantia de alimentos ao menor para lhe assegurar os de que carece (por força do incumprimento), garantia que se traduz na fixação de uma prestação em função das condições actuais dos menores e do seu agregado familiar e que podem ser bem diferentes das que determinaram a primitiva prestação;
13) É, pois, uma prestação autónoma e actual que não visa substituir definitivamente a anterior obrigação de alimentos mas antes proporcionar ao menor, de forma autónoma e subsidiária, a satisfação de uma necessidade actual de alimentos;
14) De salientar ainda que não há qualquer semelhança entre a razão de ser da prestação alimentar fixada ao abrigo das disposições do Código Civil e a então fixada no âmbito do Fundo;
15) A primeira consubstancia a forma de concretização de um dos deveres em que se desdobra o exercício do poder paternal, a última visa assegurar, no desenvolvimento da política social do Estado, a necessária protecção à criança, relativamente ao acesso da mesma às condições de subsistência mínimas;
16) A prestação a satisfazer pelo Fundo reveste a natureza de uma prestação social, tendo por objecto o reforço da protecção social que o Estado deve a menores, não assumindo a natureza de uma obrigação de garantia da pensão antes fixada pelo Tribunal, ou seja, é verdade que é uma garantia de alimentos para o menor deles carecido por incumprimento do primitivo obrigado, contudo não se trata de uma garantia de pagamento das anteriormente fixadas que estejam em dívida;
17) Nos termos do n.º 5 do artigo 4° do DL 164/99, de 13/05, o pagamento das prestações por conta do Fundo, inicia-se no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal;
18) A decisão violou assim, o artigo 2° da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e o n.º 3 dos artigos 3° e 4° do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio;
19) Os diplomas em apreço só se aplicam para o futuro, não tendo eficácia retroactiva, conforme o artigo 12° do Código Civil;
20) E isto independentemente de os seus efeitos se produzirem na data da entrada em vigor da Lei do Orçamento para o ano 2000;
21) Na verdade, o pagamento das prestações de alimentos saem das verbas do Orçamento;
22) Os doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra – Agravo 1386/01 de 26/06/01, que bem decidiu no sentido de o Estado não responder pelo débito acumulado do obrigado a alimentos, tratando-se de prestações de diversa natureza;
23) Parece-nos, salvo o devido respeito, que relativamente a esta matéria, ultimamente os Acórdãos têm-se pronunciado no sentido de que não compete ao Estado garantir os alimentos a que o progenitor estava obrigado por decisão judicial anterior e que não satisfez;
24) Não poderá aplicar-se por analogia o regime do artigo 2006° do Código Civil, dada a diversa natureza das prestações alimentares;
25) A omissão da fundamentação de facto e de direito da sentença determina a sua nulidade e reformulação;
26) Saindo o pagamento das prestações de alimentos do Orçamento do Estado, todo o rigor é exigível.
A Requerente e o Ministério Público apresentaram contra alegações em que defendem a manutenção da decisão.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
São as conclusões das alegações do recorrente que fixam e delimitam o objecto do recurso e, por conseguinte, as questões a decidir, sem prejuízo do conhecimento de questões oficiosas(cfr. art.º 684.º, n.º 3, e 690.º e 660.º, n.º 2, este por remissão do art.º 713.º, n.º 2, do CPC).
Não se vislumbra a existência de qualquer questão de conhecimento oficioso e, atentas as conclusões das alegações do Recorrente, a questão a decidir consiste em determinar o momento temporal a partir do qual é devida pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores a prestação de alimentos ao menor Pedro M... fixada pelo despacho recorrido.

II – Análise da questão e sua solução
O despacho recorrido deu por assente a subsequente factualidade, que não vem impugnada:
1) Mediante decisão provisória proferida no dia 28 de Novembro de 2004, foi determinado que Domingos da M... pagasse a título de alimentos ao seu filho, o menor Pedro M..., a quantia mensal de euros 75,00;
2) Por sentença datada de 21.05.2004, o menor Pedro M... foi confiado à guarda da sua mãe e o seu pai foi condenado a pagar-lhe, a título de alimentos, a quantia mensal de euros 85,00;
3) O pai do menor nunca entregou qualquer quantia a título de alimentos;
4) O pai do menor está reformado por invalidez desde 16 de Janeiro de 2001, auferindo uma pensão mensal de euros 234,25;
5) O pai do menor dá apoio à mulher e aos filhos em alguns trabalhos do campo;
6) Vive da sua reforma e do rendimento deste trabalho.
7) A mãe do menor é jornaleira agrícola, auferindo cerca de € 10,00 por dia;
8) Recebe um subsídio familiar no montante de euros 30,00 mensais;
9) Vive com o menor e com a sua mãe, que aufere uma pensão de reforma no valor de euros 200,00 mensais e com duas irmãs;
10) A mãe do menor despende mensalmente euros 10,00 com o transporte do menor entre a casa e a escola;
11) O menor frequenta o segundo ano de escolaridade.

O despacho recorrido fixou duas prestações alimentícias mensais devidas ao menor Pedro M... pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (FGADM); uma de € 75,00 mensais para o período de Dezembro de 2003 a Maio de 2004; outra de € 100,00 mensais para o período posterior a Maio de 2004, devendo este último montante ser actualizado anualmente segundo o índice da inflação do ano anterior; como o pai do menor havia sido judicialmente condenado, em 28/12/2003, a pagar, a título de alimentos provisórios ao menor, a prestação mensal de € 75,00, e, em 21/052004, judicialmente condenado a pagar, a título de alimentos definitivos ao menor, a prestação mensal de € 85,00, e como ele não pagou qualquer daquelas prestações, a prestação alimentícia ao menor judicialmente fixada pelo despacho recorrido a cargo do FGADM abrange a totalidade do período do tempo em que o pai do menor não pagou a prestação de alimentos e, por conseguinte, quer o período anterior à providência contra o FGADM, quer o período da pendência da providência contra o FGADM, quer o período posterior ao trânsito em julgado da decisão final.
Perante este âmbito temporal de responsabilidade judicialmente fixado ao FGADM pela prestação alimentícia do menor, defende o Recorrente, invocando o disposto no n.º 5 do art.º 4.º do DL 164/99 de 13/05, que o pagamento das prestações alimentícias mensais a menores pelo FGADM apenas se inicia no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, pelo que, ao invés do decidido pelo despacho recorrido, não são por ele devidas as prestações alimentícias dos meses anteriores àquela notificação.
Vejamos se tem razão.
Textualmente, preceitua o invocado normativo, com a epígrafe de atribuição das prestações de alimentos, que o centro regional de segurança inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.
Este normativo regula apenas o início do pagamento das prestações judicialmente fixadas.
Não alude ao âmbito temporal delas.
E, literalmente, como manda pagar as prestações no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal e como as prestações são fixadas por esta decisão, prescreve o pagamento no mês seguinte em conformidade com o decidido na decisão judicial notificada.
A nosso ver, a relevância jurídica deste normativo é a determinação ao competente Centro Regional de Segurança Social de que deve iniciar o cumprimento integral da decisão judicial no mês seguinte à sua notificação, ainda que dela tenha havido reclamação ou recurso e, por conseguinte, sem necessidade do seu trânsito em julgado e com afastamento do regime de cauções previstos para os recursos com efeito meramente devolutivo e para o pagamento ao exequente em execução de decisão de que está pendente recurso com efeito meramente devolutivo.
Na verdade, a prestação alimentícia a menores a cargo do FGADM pode ser judicialmente fixada, a título provisório ou definitivo(cfr. art.º 1.º, 2.º, n.º 1, e 3.º, n.º 2 e 3, da Lei n.º 75/98 de 19/11).
Destas decisões cabe recurso de agravo com efeito devolutivo para o tribunal da relação(cfr. art.º 3.º, n.º 5, da Lei n.º 75/98 de 19/11).
Ao recurso com efeito devolutivo pode ser fixado efeito suspensivo mediante caução(cfr. art.ºs 692.º, n.º 3, e 740.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) e a parte vencedora que não queira, ou não possa, executar a decisão recorrida pode requer que o vencido recorrente preste caução(cfr. art.º 693.º, n.º 2, do CPC).
Em caso de recurso com efeito devolutivo, a decisão recorrida é exequível, não podendo no entanto o exequente, ou qualquer credor, ser pago sem prestar caução(cfr. art.º 47.º, n.ºs 1 e 3, do CPC).
Sobre a questão ora suscitada pelo Recorrente pronunciaram-se já múltiplos acórdãos de todos os tribunais superiores.
A maioria da jurisprudência que sobre ela se tem debruçado é no sentido de haver uma lacuna legislativa sobre o termo inicial da prestação alimentícia a menores a cargo do Fundo.
As soluções jurídicas adoptadas vêm oscilando entre o entendimento de que a prestação de alimentos a menores a cargo do referido Fundo é devida desde o início do incumprimento pelo judicialmente obrigado, desde a data do pedido contra o Fundo, desde o mês seguinte ao da notificação à Segurança Social(IGFSS) da decisão judicial que fixou a prestação a cargo do Fundo.(cfr., a título de exemplo e de fundamentação do afirmado, ac.s do STJ de 12/07/2001, da RP de 19/09/2002, este em CJ, IV, 180, da RG de 31/03/2004 e da RP de 22/11/2004; ac.s da RG de 11/02/2004 e da RC de 12/04/2005; ac.s RG de 11/05/2003, RP de 25/05/2004, RP de 15/06/2004 e da RC de 01/03/2005, todos em www.dgsi.pt .
Ao contrário do que ocorre com outras prestações sociais a cargo do Estado, nomeadamente abono de família e pensões de sobrevivência, o legislador não indica o prazo em que a prestação alimentícia a menores a cargo do Fundo deve ser requerida, nem o momento a partir do qual é devida, indicando apenas o início do seu pagamento.
Quanto à prestação do abono de família, o seu início ocorre no mês seguinte àquele em que ocorreu o facto determinante da sua concessão, desde que requerido nos prazos fixados por lei; se for requerido fora dos prazos legais, o abono de família é devido desde o mês seguinte àquele em que deu entrada o requerimento; no caso em que a atribuição da prestação do abono de família esteja condicionado à apresentação de sentença judicial, o início da prestação reporta-se à data do trânsito em julgado, se requerida nos seis meses subsequentes a esta data, ou ao mês seguinte ao da apresentação do requerimento, decorrido aquele prazo(cfr. art.º 19.º , n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 176/2003 de 2 de Agosto.
Quanto às prestações por morte do beneficiário da segurança social que vivia em união de facto devidas ao seu companheiro sobrevivo, em que o respectivo pedido deve ser instruído com certidão da sentença judicial que fixe o direito a alimentos ou declare a qualidade de titular das prestações por morte, a pensão de sobrevivência é atribuída a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, quando requerida nos seis meses posteriores ao trânsito em julgado da sentença, ou a partir do início do mês seguinte ao da apresentação do requerimento, após o decurso daquele prazo(cfr. art.º 8.º, n.ºs 1 e 2, do DL 322/90 de 18/10 e art.ºs 5.º e 6.º do Decreto Regulamentar n.º 1/94 de 18/01).
Quanto às pensões de sobrevivência devidas aos familiares por falecimento do beneficiário da segurança social, desde que requeridas no prazo de cinco anos a contar da data do falecimento ou da data do seu desaparecimento nos casos de morte presumida, são devidas a partir do início do mês seguinte ao do falecimento, no caso de serem requeridas nos seis meses imediatos ao evento, e a partir do início do mês seguinte ao requerimento, no caso contrário; nos casos em que a atribuição do direito à pensão dependa de sentença judicial, a pensão é devida desde o início do mês seguinte ao da verificação do evento que o determina e o pagamento das prestações só se efectua após o trânsito em julgado da respectiva sentença(cfr. art.º 36.º, n.ºs 1 a 3, do DL 322/90 de 18/10).
Nestas normas sobre prestações sociais surpreende-se, como regra geral, serem as mesmas devidas desde o mês seguinte à ocorrência do facto que as constituiu ou originou, desde que requeridas no prazo legal; caso sejam requeridas fora do prazo legal, são devidas desde o mês seguinte ao do requerimento.
Os eventos constitutivos ou originários da prestação social alimentícia a menores a cargo do FGADM são a não satisfação das quantias em dívida pelas formas previstas no art.º 189.º da OTM(pagamento coercivo mediante descontos directos mensais em rendimentos da pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos ao menor), a falta de rendimentos líquidos próprios do menor de valor superior ao salário mínimo nacional ou de rendimentos líquidos per capita de igual montante do agregado familiar a cuja guarda o menor se encontre, a indagar pelo tribunal e a declarar por ele em posterior decisão, condicionado a prévio requerimento do Ministério Público ou da pessoa a quem deviam ser entregues as prestações de alimentos em dívida(cfr. art.ºs 1.º , 2.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 75/98, e 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 164/99 de 13/05.
As lacunas da lei são preenchidas segundo a norma aplicável aos casos análogos; há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei; na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema(art.º 10.º, n.ºs 1 a 3, do CC).
Assim, suprindo a lacuna legal, por referência à regra geral sobre o termo inicial das prestações sociais, a prestação de alimentos definitiva a menores a cargo do FGADM seria devida a partir do mês seguinte à data da ocorrência da impossibilidade do seu pagamento coercitivo através de descontos directos mensais em rendimentos do seu devedor; mas como não está fixado prazo legal para requerer a prestação de alimentos aos menores a cargo do FGADM a contar daquele evento e como a relevância jurídica deste para efeitos de prestação alimentícia a menores a cargo do FGADM depende de pedido do Ministério Público ou da pessoa com direito a receber a prestação de alimentos em dívida, a prestação social de alimentos definitivos a cargo do FGADM é devida a partir da data da apresentação em Juízo do seu pedido pelo Ministério Público ou pela pessoa com direito a receber as prestações em dívida do judicialmente obrigado.
A idêntica solução se chega com a aplicação analógica do art.º 2006.º do CC, conforme decidido no acórdão desta Relação de 11/02/2004, relatado pelo Desembargador Manso Raínho, publicado em www.dgsi.pt .
Pelo exposto procede o recurso relativamente às prestações alimentícias anteriores à data da instauração desta providência, ou seja anteriores a 18/06/2004.
III – Decisão
Termos em que, na procedência parcial do recurso, se decide que a prestação de alimentos de € 100,00 mensais, com actualização anual segundo o índice de inflação do ano anterior, a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, é devida a partir de 18/06/2004, revogando-se no demais o despacho recorrido.
Sem custas.
Guimarães, 01/06/2005.

Pereira da Rocha
Carvalho Guerra(vencido, nos termos da declaração junta).
Maria Teresa Albuquerque(mudei de posição relativamente à assumida no acórdão que relatei nesta Relação, n.º 1520/03-2.ª, onde defendi que as prestações do FGADM eram devidas desde o mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal. A solução que agora acolho, sem retirar àquelas prestações a natureza eminentemente social que as caracteriza, surge mais justa, porque não coloca quem delas carece na incerteza do momento em que as mesmas serão devidas e deixa de estar à mercê de eventuais demoras processuais.
Declaração de voto
A questão que se nos coloca consiste em saber se, na fixação a suportar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (FGADM) podem ser abrangidas as prestações já vencidas e não pagas pela pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos ou se apenas podem ser consideradas as vincendas, conforme defende a Agravante.
A questão tem sido amplamente debatida na jurisprudência e com soluções diferentes, sendo os argumentos das duas posições sobejamente conhecidos.
A Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro, ao consagrar a garantia de alimentos devidos a menores a suportar pelo Estado, criando o FGADM, mais não fez do que introduzir na legislação ordinária a. concretização de direitos já constitucionalmente garantidos, como sejam, se referem no despacho em recurso e se reconhece no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 164/99 de 13 de Maio, que regulamentou aquela Lei, o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, impondo--se ao Estado o dever de assegurar a dignidade da criança enquanto pessoa e, por isso, garantir o seu direito a alimentos, pressuposto necessário do direito à vida.
De acordo com o disposto no artigo 1º daquela Lei, o Estado assegura os alimentos devidos aos menores se a pessoa obrigada a prestar os alimentos devidos ao menor não satisfizer tal obrigação pelas formas previstas no artigo 189º da OTM e quando o menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre nesse montante.
É assim, indispensável, para que a obrigação do Estado surja, que a pessoa judicialmente obrigada não satisfaça as prestações, nem mesmo através de recurso aos meios coercivos previstos no citado artigo 189º da OTM e que o menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre nesse montante.
Por outro lado, as prestações são fixadas pelo tribunal que, para o efeito, realizará as diligências que se tomem necessárias para o apuramento das reais necessidades do menor e têm como limite máximo o equivalente a 4 UC mensais por cada devedor.
Não discutimos a diferente natureza jurídica da obrigação da alimentos decorrente do artigo 2.006° do Código Civil da que impende sobre o Estado, verificados aqueles pressupostos, mas isso, só por si, não justifica uma necessária diferenciação de regimes, uma vez que o objecto de ambas é o mesmo: proporcionar ao menor os meios necessários à sua subsistência.
Também não encontramos justificação para que se faça recair sobre o menor em necessidade o ónus das, ainda que inultrapassáveis, demoras de um processo judicial, demoras, afinal, de um serviço da responsabilidade do próprio Estado.
De qualquer modo e como se afirma no acórdão a Relação do Porto de19/09/2002, Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVII, Tomo IV, página 180, "A lei, de resto, faz recair sobre o Fundo o pagamento das prestações de alimentos devidos a menores, não distinguindo entre prestações vencidas e vincendas" e quando o legislador não distingue, não pode distinguir o intérprete; ademais pensamos que, se fosse intenção do legislador impor que só as prestações vincendas eram devidas pelo Fundo, consciente do regime estabelecido no artigo 2.006. do Código Civil, não deixaria de o afirmar expressamente.
E se podemos aceitar o argumento de que não foi intenção do grupo parlamentar que apresentou o projecto de diploma sobrecarregar desmesuradamente a despesa pública e evidenciou tal preocupação na circunstância de ter estabelecido um limite máximo mensal por cada devedor, não se compreende que o não tivesse feito expressamente também em relação às prestações vencidas, se essa fosse a sua intenção.
E não se argumente com a circunstância de a prestação do Fundo é autónoma e actual, que não visa substituir definitivamente a anterior obrigação de alimentos mas antes proporcionar ao menor, de forma autónoma e subsidiária, a satisfação de uma necessidade actual de alimentos: a prestação do fundo é autónoma, já o reconhecemos, subsidiária, já o dissemos, não extingue a obrigação de alimentos do judicialmente obrigado e é actual precisamente porque visa proporcionar ao menor a satisfação de uma necessidade actual de alimentos, mas a necessidade efectiva e real e sabe-se que o que hoje é necessário mais tarde pode tomar-se insuficiente, da mesma forma que o que hoje é necessário mais tarde pode tomar-se supérfluo; porém, a necessidade anterior está comprovada, as prestações são devidas e não se concebe que tudo se passe como se não tivesse existido e o Estado a assuma para o futuro e se demita em relação à anterior.
Também o argumento retirado do disposto do n.º 5 do artigo 4° do DL 164/99, de 13/05, em nosso entender, não colhe: aí se estabelece que o pagamento das prestações por conta do Fundo se inicia no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não que sejam devidas apenas as que se vençam a partir do mês seguinte; a questão que nos ocupa é prévia em relação ao que estabelece essa norma, pois trata-se de saber quais as prestações a cargo do Fundo, cujo pagamento se inicia no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.
Pelo exposto, entendo que a fixação da prestação a suportar pelo FGADM pode abranger as prestações já vencidas e não pagas pela pessoa judicialmente obrigada a pagar alimentos, pelo que confirmaria o despacho recorrido.
Guimarães, 01/06/05.
Carvalho Guerra