Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1788/07-2
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: TRIBUNAL SINGULAR
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/07/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I – Sendo um julgamento presidido por um Juiz, não pode outro Juiz apreciar e decidir um requerimento em que o arguido requer que seja justificada a sua falta à audiência e que seja ouvido na segunda data que tinha sido designada.
II – Com efeito, a audiência tem vários momentos – cfr. o Título II do Livro VII do Código de Processo Penal e o essencial, no entanto, está na «produção da prova» (capítulo III), que irá culminar noutra fase do julgamento, a da sentença, que é indissociável da anterior.
III – Assim, iniciada a audiência, tem de ser o mesmo juiz a decidir todas as questões que sejam suscitadas relativas à produção da prova, pois o deferimento, ou indeferimento, de produção suplementar de prova é um acto típico do julgador.
IV – O Tribunal singular, no caso concreto, foi «composto» por dois juízes, pois, apesar de um deles apenas ter tido uma intervenção marginal, não deixou de praticar um acto que está reservado ao julgador.
V – Nesta situação, ocorre violação das “regras legais relativas ao modo de determinar a composição” do Tribunal, o que constitui a nulidade insanável prevista no art. 119 al. a) do CPP, tornando inválido o acto, pelo que deve ser declarado nulo o julgamento e ordenada a sua repetição.
Decisão Texto Integral: No 3º Juízo Criminal de Guimarães, em processo comum com intervenção do tribunal singular (Proc. 481/03.OGDGMR), foi proferida sentença que:
1 - Condenou o arguido LUÍS por um crime de injúria, p.p. pelos arts. 181º/1 e 188º/1,1ªparte, ambos do Código Penal, em de 90 (NOVENTA) dias de multa, à taxa diária de € 5 (Cinco Euros), perfazendo o montante global de € 450 (QUATROCENTOS e CINQUENTA Euros); e
2 – Condenou o mesmo arguido e demandado cível a pagar ao demandante MACHADO a quantia de € 300 (TREZENTOS Euros), acrescida dos juros vincendos à taxa legal anual de 4% (sem prejuízo das taxas que venham sucessivamente a vigorar) desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento.
*
Desta sentença interpôs recurso o arguido LUÍS.
Suscita as seguintes questões:
- a existência de nulidade insanável por ausência do arguido e do seu defensor;
- a existência de nulidade insanável, por falta de competência funcional do juiz prolator do despacho de fls. 194 e por violação do princípio da imediação, da plenitude da assistência dos juízes e do princípio do juiz natural;
- a ineficácia da prova produzida em audiência de julgamento;
- a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- a falta dos elementos típicos do crime de injúria;
- a falta de apuramento da condição económica do arguido para a condenação no pedido de indemnização cível.
*
Respondendo, a magistrada do MP junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.
Nesta instância o sr. procurador geral adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos, realizou-se a audiência.
*
I – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
- No dia 28 de Dezembro de 2003, a hora não concretamente apurada mas situada entre as 19 horas e as 19 H 45m, na Rua S. Paio, próximo da residência do ora assistente sita nessa mesma rua com o nº 183, na localidade de Guimarães, o arguido insultou o referido assistente, dirigindo-lhe as seguintes expressões: “dou-te um tiro nos cornos”; “eu mato-te”; “filho da puta”; “ordinário”.
- O arguido proferiu tais expressões na via pública e em tom de voz alto.
- O arguido agiu com o propósito concretizado e conseguido de ofender o assistente na sua honra e consideração, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.
- O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, ciente da ilicitude da sua conduta, bem sabendo que o que dizia e as expressões que utilizava atingiam o ofendido e ora assistente nas suas dignidade, honra e consideração, causando-lhe elevado dano moral mas, não obstante tal consciência, não se absteve de o fazer.
- O assistente, como pessoa séria, honesta, trabalhadora e respeitada no meio social e na comunidade em que vive, sentiu-se muito ofendido e humilhado com as expressões proferidas pelo arguido, as quais puseram em causa o seu bom nome e a sua seriedade.
*
(…)

Considerou-se não provado que:
(…)
*
FUNDAMENTAÇÃO
Suscita-se a questão, prévia às demais colocadas no recurso, da existência da nulidade insanável prevista no art. 119 nº 1 al. a) do CPP, aliás suscitada pelo recorrente, embora com configuração distinta.
O julgamento foi feito na ausência do arguido Luís, nos termos do art. 333 do CPP, tendo a audiência, presidida pelo sr. juiz Paulo, ocorrido no dia 8 de Março de 2007.
No fim da audiência, o sr. juiz designou para a leitura da sentença o dia 12-4-07, a qual, porém, por razões que agora não interessam, só veio a ocorrer em 31-5-07.
No mesmo dia da audiência, o arguido apresentou um requerimento (fls. 184) solicitando:
1 – que fosse justificada a sua falta à audiência do dia 8-3-07; e
2 - que fosse ouvido na segunda data que tinha sido designada aquando da prolação do despacho a que alude o art. 312 do CPP. Pretendia ser ouvido, além do mais, “à matéria da acusação, uma vez que o seu depoimento é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade” (fls. 184).
Conhecendo deste requerimento, o despacho de fls. 194 e 195 indeferiu quer a justificação da falta, quer a audição do arguido.
Este despacho, porém, como resulta de fls. 351 foi proferido por juiz diferente do que presidira à audiência – o sr. juiz Paulo.
Não está em causa a não justificação da falta, tendo, nesta parte, o despacho transitado em julgado.
Mas põe-se a questão de saber se juiz diferente podia proferir alguma decisão, por mais evidente que seja a solução, relativa à requerida produção de prova com interesse para o julgamento.
A audiência tem vários momentos – cfr. o Título II do Livro VII do Código de Processo Penal. O essencial, no entanto, está na «produção da prova» (capítulo III), que irá culminar noutra fase do julgamento, a da sentença, que é indissociável da anterior.
Ora, nos termos do art. 104 nº 1 da Lei 3/99 de 13-1 (LOFTJ) “o tribunal singular é composto por um juiz”.
Iniciada a audiência tem de ser o mesmo juiz a decidir todas as questões que sejam suscitadas relativas à produção da prova. Isso resulta nomeadamente do art. 340 nº 1 do CPP: “o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”. Sob pena de quebra de harmonia do sistema, o requerimento a que se alude nesta norma tem de ser feito ao «tribunal», no caso, ao juiz que faz o julgamento e por ele decidido. A decisão sobre o deferimento, ou indeferimento, de produção suplementar de prova é um acto típico do julgador.
É certo que o requerimento foi feito quando já estava encerrada a audiência.
Porém, embora a «audiência» e a «sentença» sejam fases distintas do julgamento, elas estão, como se disse, incindivelmente ligadas. Não há sentença sem audiência e a lei prevê mesmo a possibilidade de a audiência ser reaberta já na fase da prolação da sentença – cfr. art. 371 do CPP.
Não é este o momento para decidir se a pretensão do recorrente cabia na previsão do art. 371 do CPP, ou na de qualquer outra norma. Isso é uma questão posterior.
Agora há apenas que frisar que, sendo caso de julgamento perante tribunal singular, após o início da produção da prova, apenas um juiz pode e tem de decidir todas as questões que se suscitem durante o julgamento (e que a este digam respeito), nomeadamente todas as que se relacionem com a prova a produzir.
Como se viu, não foi isso que sucedeu. Dois juízes participaram no processo de decisão sobre tais questões.
Ou seja, o tribunal singular foi «composto» por dois juízes. Apesar de um deles apenas ter tido uma intervenção marginal, não deixou de praticar um acto que está reservado ao julgador.
Tal aconteceu em violação às “regras legais relativas ao modo de determinar a composição” do tribunal, o que constitui a nulidade insanável prevista no art. 119 al. a) do CPP.
As nulidades insanáveis são de conhecimento oficioso, devendo ser declaradas em qualquer fase do procedimento – corpo do art. 119 do CPP. Estas nulidades só ficam cobertas pelo trânsito em julgado da sentença.
A declaração de nulidade torna inválido o acto em que a mesma se verificou, bem como os que dele dependerem – art. 122 nº1 do CPP.
Tem, pois, de ser declarado nulo o julgamento e ordenada a sua repetição.
A declaração de nulidade prejudica as demais questões suscitadas no recurso.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, concedendo provimento ao recurso, declaram nulo o julgamento e, consequentemente, ordenam a sua repetição.
Sem custas.
*
Guimarães, 7 de Janeiro de 2008