Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1680/03-2
Relator: MARIA AUGUSTA
Descritores: MEIOS DE PROVA
OBTENÇÃO DE PROVA
PROIBIÇÃO DE PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/29/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Sumário: I – Os meios de prova são os elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca de um facto, conf. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora – Manual de Processo Civil, pág.452.
II – Os meios de obtenção de prova são os instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher meios de prova, conf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, pág. 209 a 210, que distingue os meios de prova dos meios da sua obtenção: “ É claro que através meios de obtenção de prova se podem obter meios de prova de diferentes espécies, v.g. documentos, coisas, indicação de testemunhas, mas o que releva de modo particular é que, nalguns casos, o próprio meio de obtenção da prova acaba por ser também um meio de prova. Assim, por exemplo, enquanto a escuta telefónica é um meio de obtenção de prova, as gravações são já um meio de prova.” podendo, no entanto, “ suceder que a distinção resulte penas da lei ter dado particular atenção ao modo de obtenção da prova, como nos parece acontecer, v.g., com as escutas telefónicas.”
III - Aos meios de obtenção da prova reportam-se os art°s 171° a 190° do C.P.P., sendo eles: os exames (art°171°a 173°), as revistas e buscas (art°174° a 177°), a apreensão (art°178° a 186°) e as escutas telefónicas (187° e seg.), não se mostrando assim expressamente previstos pelo legislador, como meio de obtenção de prova, os meios electrónicos de vigilância, o que não significa, sem mais, que os meios de prova assim obtidos sejam ilegais, mas apenas que não lhes foi dada “particular atenção”.
IV – A nossa lei constitucional, como forma de garantir a defesa dos direitos, liberdades e garantias que consagra, impõe limites à validade dos meios de prova, e na sequência dessas disposições constitucionais, a lei processual, no seu art° 126°, sob a epígrafe “Métodos proibidos de prova”, estabelece, no seu n°3: “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular. “
V – Por outro lado, o art° 260 da CRP consagra o direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada, estando no direito à imagem, implícito, designadamente, o direito de cada um a não ser fotografado ou filmado sem o seu consentimento.
VI – Ainda relativamente ao direito à imagem, dispõe o artº 79º do C. Civil: “ 1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; (...).
2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares que hajam decorrido publicamente.”
VII – Urge, pois, verificar se os fotogramas foram obtidos ou não de forma ilícita, isto é, através de abusiva intromissão na vida privada do arguido e /ou com violação do seu direito à imagem, uma vez que resultaram de gravações em vídeo feitas em posto de abastecimento de combustível, sem a autorização ou consentimento do arguido e sem que tenha havido qualquer despacho a autorizar ou ordenar as gravações. .
VIII – A resposta terá de ser negativa, com base na seguinte ordem de considerações:
1 - A captação de imagens ocorreu em lugar público, entendido este no sentido de lugar de livre acesso de público.
2 - É a própria lei que prevê a obrigatoriedade de adopção de sistemas de segurança privada nos espaços de livre acesso de público que, pelo tipo de actividades que neles se desenvolvem, sejam susceptíveis de gerar especiais riscos de segurança – n°3 do art° 5° do Dec. Lei n° 231/98, de 22/07 - podendo ser utilizados equipamentos electrónicos de vigilância e controlo (n° 1 do art°12° do citado diploma ).
3 - Também a gravação não foi obtida às ocultas, pois foi feita num espaço público, onde é sabido que existem câmaras de vídeo que fazem a vigilância electrónica.
4 - Quanto à reserva da vida privada, verifica-se que o arguido não foi filmado no contexto da sua área privada mas, tal como qualquer utente do posto de combustível, numa área de acesso de público, onde qualquer pessoa, seja ou não cliente, pode aceder, sendo que o que está constitucionalmente protegido é apenas a esfera privada e íntima do indivíduo.
IX – Finalmente se dirá que a imposição da lei no sentido da destruição das imagens no prazo de 30 dias, é, obviamente, para o caso de nada de importante, para fins penais, revelarem, pois que a seguir-se a interpretação defendida pelo recorrente de que as imagens têm que ser destruídas, seja qual for o seu interesse, no prazo de 30 dias, tornar-se-ia, obviamente inútil, a utilização de meios electrónicos de vigilância. ( Síntese ZP nº 141 )
Decisão Texto Integral:
Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

No Processo Comum Colectivo nº.../02 do Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, por acórdão datado de 12/06/03, foram os arguidos "A" e "B", ambos identificados a fls.733, absolvidos dos crimes de que eram acusados e o arguido "C", id. a fls.733, condenado:
§ pela prática de quatro crimes de roubo, p. e p. pelo artº210º nº1 do C.P., na pena de 2 anos de prisão por cada um deles;
§ pela prática de um crime de coacção, na forma tentada, p. e p. pelos artºs155º nº1 al.a), 23º nº2 e 73º nºs 1 als.a) e b) do C.P., na pena de 7 meses de prisão.
Em cúmulo, foi condenado na pena única de 4 anos e 2 meses de prisão.

Inconformado, o arguido "C" interpôs recurso no decurso da audiência, no qual, segundo refere (artº412º nº5 do C.P.P.), continua a manter interesse.
Interpôs também recurso da decisão final.

Termina a motivação do primeiro com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1ª - A falta de pronúncia do Ministério Público relativamente ao requerimento do arguido invocando a nulidade da utilização dos fotogramas como meio de prova, constitui nulidade insanável prevista no art. 119°, alínea b) do Código de Processo Penal.
2ª - O despacho recorrido deve ser declarado nulo, em virtude do prescrito no art. 379°, n.o 1, alínea c), uma vez que se impunha que o Tribunal se pronunciasse imediatamente sobre a requerida nulidade do meio de prova. Porquanto, se tal prova é nula e ilegal, não poderiam as testemunhas ser confrontadas com a mesma, sob pena de o seu depoimento ser totalmente subvertido por urna prova que não poderia ser usada em audiência de julgamento.
3ª - Os fotogramas constantes dos autos constituem prova ilegal que não pode ser valorada pelo Tribunal, nem as testemunhas devem ser confrontadas com a mesma;
4ª - De facto, tal prova foi recolhida sem o consentimento quer do arguido quer das demais pessoas que nesses fotogramas se apresentam e em clara intromissão na vida privada do arguido e dessas pessoas;
5ª - Os postos de abastecimento de combustíveis não são locais públicos, mas sim locais abertos ao público, pelo que o que dentro dos mesmos se passa pertence ao foro íntimo e à vida privada de cada um;
6ª - Tal prova só poderia ser valorada se fosse lícita em face da lei penal, considerando-se como tal quer a lei substantiva, quer a lei adjectiva. No entanto, a recolha de tal prova pode ser considerada como uma conduta típica criminosa, porquanto, nos dizeres do artº 199° nº2 do Código Penal, é punido quem contra a vontade do titular do direito fotografar ou filmar pessoa, utilizar ou permitir que se utilizem tais fotografias e filmes ainda que licitamente obtidos, pelo que a incriminação penal, ainda que se considere que tais provas foram licitamente obtidas, mantém-se.
7ª- Além disso, a recolha de tal prova só seria permitida se se encontrassem preenchidas as formalidades prescritas no artº 188° do Código de Processo Penal, ou seja, deveria ter sido autorizada ou ordenada pelo juiz e lavrado auto que, em conjunto com os ditos fotogramas, fosse levado imediatamente ao conhecimento do mesmo para que este aquilatasse se tal prova seria relevante (cfr. o artº188° nº1 e 3 do Código de Processo Penal).
8ª - Com efeito, se o legislador entendesse que tal prova deveria ser admitida sem quaisquer formalidades na sua recolha -como o foi no âmbito destes autos - tê-lo-ia consagrado em forma de lei. No entanto, apesar de a Lei 5/02 de 11 de Janeiro se referir a gravações de som e imagem para os crimes de o tráfico de estupefacientes, o terrorismo e organização terrorista, o tráfico de armas, a corrupção passiva e o peculato, o branqueamento de capitais, a associação criminosa, o contrabando, o tráfico e viciação de veículos furtados, o lenocínio e o tráfico de menores, a contrafacção de moeda e títulos equiparados e os crimes previstos na Lei 36/94 de 29 de Setembro, não se aplica ao crime de roubo. Sendo que, só no caso de existir investigação quanto a esses crimes é admitida tal meio de prova recolhido sem o consentimento do visado.
9ª - Ainda que se entendesse que tal prova seria admitida pelo disposto no artº 12° do D.L. 231/98 teriam de estar reunidos os pressupostos aí previstos, ou seja, só as entidades que prestem serviços de segurança podem utilizar equipamentos de vigilância e controlo, sendo que tais gravações só devem ser guardadas pelo prazo de 30 dias, usadas nos termos da lei penal, tendo o estabelecimento de ostentar um aviso com os dizeres previstos no nº3 do mesmo normativo, sendo que se ignora se tais requisitos se acham cumpridos.
10ª - De qualquer forma, seria tal recolha de prova nula por não cumprir os requisitos previstos na lei penal (cfr. o artº188° do Código de Processo Penal), sendo que a matéria restritiva de direitos, liberdades e garantias é da exclusiva competência da Assembleia da República, pelo que mesmo que se entendesse que tal meio de prova seria admissível perante tal Decreto-Lei, o Tribunal teria de desaplicar as suas normas por ocorrer inconstitucionalidade orgânica (cfr. os artºs 165° nº1 al. b), 198° al. b) e 204° da Constituição da República Portuguesa.
11ª - As testemunhas inquiridas e confrontadas com os fotogramas dados aos autos têm, ou alegam ter, conhecimento directo dos factos, pelo que ao serem confrontadas com os aludidos fotogramas e com os arguidos na audiência de julgamento, o depoimento das mesmas poderá ser subvertido e parcial em relação ao que dizem ter visto, pelo que se acha violado o artº 138° nº2 do Código de Processo Penal.
12ª - Assim, deve considerar-se a recolha de tal prova, a prova em si e a sua apresentação em juízo nula e ilegal, violando o despacho recorrido o disposto nos artºs 12° do D.L. 231/98 de 22 de Julho, no artº99° nº2 do Código Penal, nos artºs 119° al. b),125°, 126° nº3, 138° nº2, 167°, 188°, 189° e 379° al. c) do Código de Processo Penal, nos artºs 18° nº2 e 3, 26° nºl, 32° n° 8, 165° nºl al. b) e 204° da Constituição da República Portuguesa.”

No recurso da decisão final conclui a sua motivação pela seguinte forma, que se transcreve:
1ª - Os fotogramas constantes dos autos relativos aos factos ocorridos no posto de abastecimento de combustível da "..." sito em Fafe constituem prova ilegal que não podia ser valorada pelo Tribunal, nem as testemunhas deveriam ter sido confrontadas com a mesma;
2ª - De facto, tal prova foi recolhida sem o consentimento quer do arguido quer das demais pessoas que nesses fotogramas se apresentam e em clara intromissão na vida privada do arguido e dessas pessoas;
3ª - Os postos de abastecimento de combustíveis não são locais públicos, mas sim locais abertos ao público, pelo que o que dentro dos mesmos se passa pertence ao foro íntimo e à vida privada de cada um;
4ª - Tal prova só poderia ser valorada se fosse lícita em face da lei penal, considerando-se como tal quer a lei substantiva, quer a lei adjectiva. No entanto, a recolha de tal prova pode ser considerada como uma conduta típica criminosa, porquanto, nos dizeres do artº 199° nº2 do Código Penal, é punido quem contra a vontade do titular do direito fotografar ou filmar pessoa, utilizar ou permitir que se utilizem tais fotografias e filmes ainda que licitamente obtidos, pelo que a incriminação penal, ainda que se considere que tais provas foram licitamente obtidas, mantém-se.
5ª- Não se obtempere em desfavor de tal tese dizendo-se que tal prova é permitida, nos termos do art.º79° do Código Civil, porquanto não se deve considerar que um posto de abastecimento de combustível é um local público, desde logo, porque o mesmo é propriedade de um particular e esta, para efeito do seu comércio, aberto ao público consumidor, o que não o torna num local público.
6ª- Além disso, não incumbe ao tribunal a quo aquilatar da ocorrência de qualquer causa de exclusão da ilicitude de tal prova, pois que tal ilicitude deve ser aferida em abstracto, só se podendo concluir da licitude de tal prova se se houvesse organizado um inquérito criminal e fosse produzida prova que levasse a considerar tal meio se prova como lícito.
7ª- A recolha de tal prova só seria permitida se se encontrassem preenchidas as formalidades prescritas no artº 188° do Código de Processo Penal, ou seja, deveria ter sido autorizada ou ordenada pelo juiz e lavrado auto que, em conjunto com os ditos fotogramas, fosse levado imediatamente ao conhecimento do mesmo para que este aquilatasse se tal prova seria relevante (cfr .o artº188° nº1 e 3 do Código de Processo Penal).
8ª - Com efeito, se o legislador entendesse que tal prova deveria ser admitida sem quaisquer formalidades na sua recolha -como o foi no âmbito destes autos - tê-lo-ia consagrado em forma de lei. No entanto, apesar de a Lei 5/02 de 11 de Janeiro se referir a gravações de som e imagem para os crimes de o tráfico de estupefacientes, o terrorismo e organização terrorista, o tráfico de armas, a corrupção passiva e o peculato, o branqueamento de capitais, a associação criminosa, o contrabando, o tráfico e viciação de veículos furtados, o lenocínio e o tráfico de menores, a contrafacção de moeda e títulos equiparados e os crimes previstos na Lei 36/94 de 29 de Setembro, não se aplica ao crime de roubo. Sendo que, só no caso de existir investigação quanto a esses crimes é admitida tal meio de prova recolhido sem o consentimento do visado.
9ª - Ainda que se entendesse que tal prova seria admitida pelo disposto no artº 12° do D.L. 231/98 teriam de estar reunidos os pressupostos aí previstos, ou seja, só as entidades que prestem serviços de segurança podem utilizar equipamentos de vigilância e controlo, sendo que tais gravações só devem ser guardadas pelo prazo de 30 dias, usadas nos termos da lei penal, tendo o estabelecimento de ostentar um aviso com os dizeres previstos no nº3 do mesmo normativo, sendo que se ignora se tais requisitos se acham cumpridos.
10ª - De qualquer forma, seria tal recolha de prova nula por não cumprir os requisitos previstos na lei penal (cfr. o artº 188° do Código de Processo Penal), sendo que a matéria restritiva de direitos, liberdades e garantias é da exclusiva competência da Assembleia da República, pelo que mesmo que se entendesse que tal meio de prova seria admissível perante tal Decreto- Lei, o Tribunal teria de desaplicar as suas normas por ocorrer inconstitucionalidade orgânica (cfr. os artºs 165° nº1 al. b), 198° al. b) e 204° da Constituição da República Portuguesa.
11ª - As testemunhas inquiridas e confrontadas com os fotogramas dados aos autos tem, ou alegam ter, conhecimento directo dos factos, pelo que ao serem confrontadas com os aludidos fotogramas e com os arguidos na audiência de julgamento, o depoimento das mesmas foi subvertido e parcial em relação ao que dizem ter visto, pelo que se acha violado o artº138° nº2 digo de Processo Penal.
12ª- Em todos os crimes pelos quais o arguido foi condenado foi dado como provado que o arguido trazia consigo uma réplica de uma "Pietro Beretta" que, de facto, era um isqueiro, sendo que apenas no primeiro assalto foi dado corno provado que o arguido apontou esse objecto à funcionária da bomba de gasolina. 13ª- No entanto, a réplica da arma Pietro Beretta não era apta a deflagrar munições, pelo que o recorrente não poderia ter intenção de ofender uma vez que o objecto usado não era apto a ofender o corpo ou a saúde dos funcionários ofendidos.
14ª- O crime de roubo é um crime complexo, pelo que só se encontrara preenchido o seu tipo legal se com o furto concorrerem o crime de ofensa a integridade física, o crime de sequestro, o crime de coacção ou o crime de ameaça.
15ª Percorrendo a matéria de facto dada como provada e mesmo a acusação, não vem imputada ao recorrente qualquer agressão ou qualquer acção violenta sobre os funcionários dos postos de abastecimento de combustíveis que ofendesse o corpo ou a saúde dos mesmos, quer a título doloso quer a título negligente, daí que a qualificação do crime cometido como sendo um roubo produzido pelo recorrente, através da ofensa à integridade física, não é possível. 16ª Por outro lado, o recorrente também não cometeu o crime de sequestro, porquanto o arguido não deteve, nem prendeu, nem privou da liberdade os funcionários assaltados, pelo que, também por esta via, não poderia qualificar-se a conduta do recorrente como roubo.
17ª Além disso, deve considerar-se também que o recorrente não cometeu o crime de coacção, porquanto o recorrente não exerceu qualquer acto de violência para com os funcionários ofendidos, nem poderia ter a intenção de os ameaçar com um mal importante, porquanto por um lado não ficou provado que o recorrente tenha dirigido quaisquer palavras intimidatórias aos funcionários e, por outro, o objecto que empunhava não era apto a produzir qualquer dano físico a não ser que fosse arremessado, não tendo, contudo, sido dado como provado que o arguido o tenha arremessado ou tenha tido essa intenção aquando da subtracção.
18ª- O recorrente não ameaçou nem constrangeu os funcionários a uma acção ou omissão ou a suportar uma actividade, sendo que só relevaria para efeito da incriminação pelo crime de roubo, o constrangimento através da violência ou ameaça com perigo iminente para a vida; no entanto não se logrou provar (nem o acórdão recorrido ou a acusação pública o diz) que o recorrente tenha dito que ia disparar com o objecto que trazia nem que tenha, de alguma forma ameaçado as funcionárias assaltadas.
19ª- Assim, tendo em conta que para efeito da condenação pelo crime de roubo, a ameaça há-de ser com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou pondo a vitima na impossibilidade de resistir, perigo esse que há-de ser aferido em concreto e sendo o objecto usado inidóneo para produzir o resultado, o arguido nunca poderia ter agido com dolo de ameaça nesse sentido, sendo que, por outro lado, as vítimas não ficaram impossibilitadas de resistir e, além disso, se tivessem resistido, provavelmente fá-lo-iam com sucesso.
20ª- Acresce que não se achando verificados quaisquer atitudes qualificativas do roubo (os acima chamados "crimes acessórios") não poderá o arguido ser punido por tal crime, porquanto a asserção contida no anterior artº306° nº1 do Código Penal de 1982 -"pondo-a, por qualquer maneira na impossibilidade de resistir" - e que foi actualmente retirada do texto do artº210° nº1 do Código Penal, impede que o recorrente seja condenado se não se verificarem in casu os pressupostos de que depende a punição por tal crime, ou seja, a impossibilidade de resistir há-de ser causada no crime de roubo ou pela ameaça com perigo iminente para a vida ou pela violência e não já por qualquer maneira. 21ª Assim, o Tribunal a quo ao dar como provado que o arguido empunhava uma réplica de uma arma nos quatro assaltos e ao mesmo tempo ter dado como provado que o recorrente usou tal objecto por forma a ameaçar consciente e voluntariamente com perigo iminente para a vida e integridade física, constrangendo-os a entregar as quantias em dinheiro, quando é certo que não se provou que tal objecto tivesse a capacidade de ofender o corpo ou a saúde dos funcionarios dos postos de abastecimento de combustíveis, incorreu em contradição insanável entre a fundamentação, nos termos do disposto no art°410° nº2 al. b) do Código de Processo Penal.
22ª - O acórdão recorrido, ao tomar em consideração para a punição do arguido pelo crime de roubo no posto "..." em Fafe, os fotogramas juntos aos autos, tendo confrontado ambas as testemunhas com os mesmos fotogramas, valorou prova proibida, pelo que o acórdão recorrido deve ser considerado nulo na parte em que condenou o arguido por tal crime, por violação das normas acima citadas e do vertido no art.º 379°, n.º1, al.c), do Código de Processo Penal, porquanto conheceu de questões de que não poderia tomar conhecimento.
23ª Terá assim o arguido cometido quatro crimes de furto simples previstos no art°203° do Código Penal.
24ª- Ainda que assim não se considere, cumpre dizer-se que, a conduta do recorrente deveria ter sido enquadrada na figura da continuação criminosa (cfr. art. 30°, n.º 2 do Código Penal). De facto, tais crimes de roubo ou furto, têm entre si uma relação de homogeneidade em termos de actuação e de sucessão temporal (cerca de um mês), tendo sido cometidos sob a influência de estupefacientes e por causa destes.
25ª- O arguido terá cometido um só crime, sendo os bens jurídicos violados nos específicos crimes de roubo de que se dá notícia nestes autos a liberdade individual (decorrente da suposta comissão pelo arguido da ameaça contra os funcionários) e a propriedade, pelo que estariam reunidos os pressupostos da aplicação de tal regime (uma vez que não está em causa a vida ou a integridade física), tendo integral cabimento a punição do arguido pelas regras estipuladas para, o crime continuado (cfr. o art°79° do Código Penal), sendo que iguais considerações valem para o crime de furto uma vez que o bem jurídico protegido é a propriedade.
26ª Mesmo que assim não se entendesse, certo é que o recorrente cometeu três dos assaltos de que dá notícia nos presentes autos na mesma bomba de gasolina, sendo que em dois destes estavam presentes as mesmas pessoas, pelo que, ainda que se considere que o arguido atentou contra a vida ou integridade física das pessoas em causa, estão preenchidos os elementos conducentes a punição por um crime continuado, uma vez que: a) os bens subtraídos eram da mesma pessoa; b) as vítimas foram as mesmas; c) circunstâncias exteriores de o arguido ser toxicodependente e de o primeiro assalto ter ocorrido de forma que lhe foi favorável; e d) a sua actuação, como decorre da matéria de facto provada, foi essencialmente homogénea.
27ª O arguido não deveria ter sido condenado pelo crime de coacção grave na forma tentada (cfr. o artº155° nº1 al.a) do Código Penal), porquanto a intenção de matar não se pode presumir, sendo certo que o objecto que o arguido usava não era apto a produzir tal resultado, o que o arguido sabia, tal como sabia que não poderia matar ninguém com tal objecto. Daí que, não poderia dar-se como provado, como aliás não se deu, que o arguido tinha intenção de matar nem tal intenção se poderia inferir das palavras que o arguido dirigiu ao ofendido.
28ª A suposta vítima do crime de coacção já havia previamente visto o arguido a apontar um objecto à sua esposa que em tudo se assemelharia a uma arma de fogo, fez um "compasso de espera" e só posteriormente entrou na aludida loja de conveniência, pelo que seria de presumir, segundo as regras da experiência comum, que a suposta vitima não teve qualquer receio ao enfrentar o arguido. Ademais, tal convicção é reforçada pelo facto de se ter dado como provado que suposta vítima não tinha, previamente, a intenção de criar obstáculos a conduta criminosa do arguido, pelo que a suposta vítima não teve qualquer receio ou sequer temeu pela sua vida ou integridade física, pois que, caso temesse, manter-se-ia na parte exterior da loja de conveniência e não teria entrado.
29ª Daí que não esteja preenchido o tipo legal de crime de coacção. Aliás, do douto acórdão recorrido, não decorre que, a existir ameaça, esta tenha sido "com perigo iminente para a vida ou integridade física do visado" como se pode ver pelo texto da alínea v) da matéria de facto dada como assente.
30ª A actuação do arguido tinha como fim último a apropriação do dinheiro que se encontrava na caixa registadora da loja de conveniência, sendo que apenas se consumaria o crime de roubo quando o arguido havendo invertido o título da posse visse os bens sobre os quais tal posse incidia pacificamente na sua esfera jurídica. Daí que a sua actuação perante o ofendido fosse essencial a sua intenção apropriativa, sendo que o arguido deveria ser punido apenas pelo crime de roubo e não já pelo crime de coacção, uma vez que a toda a actuação do arguido presidiu apenas um desígnio criminoso.
31ª Aliás, a interpretação que o acórdão recorrido faz do art°210° nº1 e do art°154° nº1 do Código Penal no sentido de ser possível a incriminação autónoma do arguido pelos dois crimes, tendo em conta que o está a julgar pelos mesmos factos é violadora do art°29° nº5 da Constituição.
32ª Nem se pode dizer que na procedência da tese ora expendida teria o arguido de ser condenado pelo crime de ameaça, desde logo porque tal crime, nos termos do art.º153°, n.3, do Código Penal, depende de queixa do ofendido, a qual não foi produzida nos presentes autos, conforme se pode ver a fls. 25 e seguintes do apenso n.º119/02.3 GAFAF, pelo que não cumpre sequer fazer alusão ao facto de se encontrarem presentes ou não os elementos constitutivos deste tipo de crime.
33ª Nos termos do vertido no art.º 412, n.º5, o recorrente faz consignar que mantém o interesse no recurso interposto do despacho interlocutório referente à nulidade da prova produzida através dos fotogramas.
34ª O Acórdão recorrido violou ou fez errada aplicação dos art°s 79° do Código Civil, dos art°s 30°,31°,79°, 154° nº1, 155° nº1 al. a), 199° e 210° nº1 do Código Penal, dos arts.125°, 126° nº3, 138° nº2, 167°, 187°, 188°, 189°,269° al. c) e d), 379° e 410 n° 2 al. b) do Código de Processo Penal, dos arts.18° nº2 e 3, 26 nº1, 29° nº5, 32° nº8, 165° nºl al. b), 198° al. b) e 204° da Constituição da República Portuguesa e do art°12° do D.L. 231/98, não podendo, pois, manter-se.”

*****

Os recursos foram admitidos por despachos de fls.781 e 810, respectivamente.

*****

A todos eles respondeu o MºPº, concluindo que lhes deverá ser negado provimento.

*****

O Exmo Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer a fls.878 a 880, concluindo da mesma forma.

*****

Foi cumprido o disposto no artº417º nº2 do C.P.P..

*****

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos prosseguiram os autos para audiência, na qual foram observados todos os formalismos legais que se mantiveram no âmbito das questões levantadas no recurso.

*****

Cumpre decidir:
Recurso interlocutório:
No decurso da audiência de julgamento, o arguido fez o seguinte requerimento:
Os fotogramas constantes dos autos constituem, no ver do arguido "C" prova ilegal que não pode ser valorada pelo tribunal, nem as testemunhas devem ser confrontadas com os mesmos. A prova em causa foi obtida com intromissão na vida privada, quer do arguido quer das demais pessoas que nesses fotogramas se apresentam, sendo certo que não houve consentimento quer do requerente quer das demais pessoas, para que tais fotogramas fossem dados aos autos ou que fossem exibidos por qualquer forma.
Poder-se-á obtemperar, que o posto de abastecimento de combustível é um local público, no entanto os citados fotogramas constituem ainda prova ilegal, uma vez que a art.º167° do CPPenal faz depender a licitude de tal prova quer das normas processuais, quer nas normas substantivas.
Nos termos do artº199º n.º2 do Cpenal “é punido quem contra a vontade fotografar ou filmar pessoas, utilizando ou permitindo tais fotografias e filmes ainda que licitamente obtidos”, pelo que podendo tal prova ser, em abstracto, objecto de acusação em processo criminal não pode ser relevada. Além disso o preceito do n.º2 do art,º167º do CPPenal faz apelo também às normas processuais penais aludindo à aplicação das regras gerais aplicáveis às escutas telefónicas regime, para o qual remete expressamente.
Assim, não tendo a recolha dos fotogramas juntos aos autos, a sua obtenção e a sua apresentação em juízo sido autorizada pelo Juiz de Instrução Criminal, também por esta via tais fotogramas não deveriam ser usados. Como efeito, tal como doutamente se decidiu quanto à gravação das conversas no âmbito do C.Penal de 1982, o S.T.J. por acórdão de 14 de Janeiro de 1999, publicado na colectânea do S.T.J. ano VIII – tomo I pag.179, “o propósito de carrear provas para o processo penal não pode, enquanto tal excluir a ilicitude das gravações. Não se achando cumpridas as regras processuais relativas às escutas telefónicas cumpre frisar a além do mais que o facto de terem sido recolhidos fotogramas durante o processo é violador do art.º269º n.º1 al.d) do CCPenal, uma vez, que compete exclusivamente ao juiz determinar que sejam recolhidas tais gravações.
Finalmente cabe dizer-se que na esteira de Germano Marques da Silva, não será legítimo ordenar a recolha quer de gravações vídeo quer a realização de escutas telefónicas “nos casos em que o resultado probatório alvejado possa, sem dificuldades particularmente acrescidas, serem alcançadas por meio mais hecriguo de afronta aos direitos fundamentais pelo que existindo prova testemunhal relativa aos factos dados aos autos que tem, ou alegam ter, conhecimento directo dos mesmos e uma vez que o depoimento das mesmas testemunhas poderá ser subvertido e parcial em relação no que dizem ter visto, entende o arguido que sendo as testemunhas confrontadas com tais fotogramas se achará violado o art.º138º n.º2 do CPPenal.
Termos em que se requer a V. Ex.ª se digne:
a) declarar a nulidade da obtenção da recolha e da apresentação dos fotogramas constantes dos autos por violação dos art.ºs 126º n.º3 e 167º do C.Penal e 199º do C.Penal e 32º n.º8 da CRP;
b) não confrontar as testemunhas com os aludidos fotogramas sob pena de violação do art.º138º n.º2 do CPPenal..”

Foi, de seguida, dada a palavra ao MºPº e aos mandatários presentes, os quais nada requereram.
Sobre aquele requerimento a MMª Juíza Presidente proferiu o seguinte despacho, de que o arguido interpôs recurso e se transcreve:

A decisão sobre a validade do meio de prova em causa será tomada aquando da ponderação de todos os meios de prova para o efeito de motivação da decisão sobre a matéria de facto.
Quanto à alínea b) do requerimento que antecede, entende este Tribunal que nada obsta ao confronto a que ali se alude, devendo os depoimentos prestados nessas circunstâncias ser valorados, como quaisquer outros, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, razão pela qual se indefere ao requerido sobre a dita alínea.”

Recurso da decisão final:
“Matéria de facto provada
a) No dia 28 de Janeiro de 2002, cerca das 16,25 horas, o arguido "C" dirigiu-se, com o propósito de conseguir dinheiro para aquisição de droga, juntamente com um outro indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, às bombas de gasolina da “...”, sitas na ..., Fafe.
b) Ali chegados, dirigiram-se à loja de conveniência do citado estabelecimento, onde permaneceram por algum tempo, manuseando o arguido "C" três embalagens de óleo para motores automóveis, enquanto aguardava que um cliente saísse, ali se mantendo também o outro indivíduo que o acompanhava, em missão de vigilância.
c) Quando o dito cliente se retirou, bem como a funcionária da dita loja ... Alves, para uma outra divisão da loja, em arrumações, o arguido "C" sacou de um objecto – um isqueiro, réplica da pistola “Pietro Berreta”, de 9 mm, mas sem qualquer capacidade para deflagrar munições - que trazia à cintura e, dirigindo-se à outra empregada da loja, de nome ..., apontando-lhe a dita arma disse-lhe para abrir a gaveta, donde retirou, ele próprio, 460 € (quatrocentos e sessenta euros).
d) De seguida, o "C" e a pessoa que o acompanhava – que se havia, entretanto, apropriado de um maço de tabaco - retiraram-se da loja.
e) No dia 02.02.2002, o arguido "C", actuando sozinho e com o mesmo propósito, ao volante do veículo de marca Peugeot ..., cinzento metalizado, de matrícula XX-XX-XX – com registo de propriedade em nome do avô do arguido "C", de nome ... Peixoto -, dirigiu-se às bombas de gasolina da “...”, na ..., Fafe, cerca das 23,05 horas.
f) Uma vez no interior da loja, dirigiu-se ao balcão e perguntou à empregada ... Costa se tinha tabaco.
g) Enquanto esta funcionária o estava a atender, o arguido sacou do objecto utilizado em 28.01.02, apontou-o à referida funcionária e retirou com as suas próprias mãos quantia não concretamente apurada mas próxima de € 100.
h) À saída, o arguido "C" cruzou-se com o marido da ... Costa, ... Carvalho, que ali se encontrava, auxiliando a sua esposa, para o fecho da loja, e apontou-lhe o objecto acima referido, dizendo-lhe para não se “armar em fino”.
i) Em seguida e sem oposição – dado que o ... Carvalho já antes não tinha intenção de criar obstáculos ao arguido -, o "C" retirou-se no Peugeot ..., que deixara estacionado no exterior do Posto.
j) À saída, o arguido "C" apropriou-se ainda de duas embalagens de óleo “... 9000”, no valor de, aproximadamente, € 32.
l) No dia 27 de Fevereiro de 2002, cerca das 22,50 horas, o arguido "C", com o aludido propósito de conseguir dinheiro para aquisição de droga, fazendo-se transportar num veículo automóvel marca Fiat ..., de cor cinza, dirigiu-se à bombas de gasolina da “...”, sitas em ..., Fafe.
m) O arguido "C" entrou na loja e solicitou à funcionária ... Costa uma embalagem de “Halss”.
n) Quando a funcionária lhe fornecia o troco, o arguido sacou o objecto referido em c) e apossou-se de quantia não concretamente apurada mas próxima de € 100.
o) O arguido retirou-se em seguida da loja, dirigindo-se ao local de estacionamento onde o veículo acima referido se encontrava.
p) No dia 03.03.02, pessoa cuja identidade não foi possível apurar, a bordo de um veículo automóvel Fiat ..., dirigiu-se a Fafe, para as bombas de gasolina da “...”, sitas na Rua ... e ali chegado, estacionou o dito veículo.
q) O referido indivíduo entrou na loja de conveniência cerca das 22,18 horas, de imediato sacou da pistola, apontou-a às duas funcionárias que ali se encontravam de serviço, ... Castro e ... Silva e ainda a ... Rodrigues, e ordenou-lhes que se deitassem ao chão dizendo “Isto é um assalto”.
r) De seguida apossou-se da quantia já guardada num saco, com o dinheiro do turno, e ainda de algum existente na caixa que a funcionária ... Castro foi intimada a entregar-lhe, num total de cerca de € 500.
s) No dia 15.03.2002, cerca das 17,49 horas, o arguido "C" entrou na loja de conveniência do posto de abastecimento de combustível da “...”, sito na Rua ... – Fafe, e após solicitar informação sobre o preço de uma lata de óleo à funcionária ... Pereira, aproximou-se do balcão, exibiu o objecto referido em c) e exigiu o dinheiro da caixa registadora, no total de cerca de € 100, levando ainda a dita embalagem no valor de, aproximadamente, € 25.
t) O arguido "C" fugiu, de seguida, numa viatura de cor branca.
u) O arguido "C" agiu sempre de modo livre, deliberado e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, visando apropriar-se das quantias e objectos referidos.
v) O arguido "C" usou, com as finalidades supra referidas, o objecto descrito em c), de forma a fazer crer que o mesmo fosse uma pistola verdadeira, empunhando-o como se de verdadeira arma de fogo se tratasse, produzindo receio nas pessoas que abordava, fazendo-as crer que de verdadeira arma se tratava e temer pela sua vida e integridade física, caso se opusessem aos seus intentos de apropriação de coisa de outrem.
x) O arguido "C" utilizou, em diferentes momentos, nomeadamente, óculos de sol e chapéu de abas, visando dificultar a sua identificação.
z) O arguido "C" nasceu em ...-...-1973 e não tem antecedentes criminais.
aa) Confessou, no essencial, os factos por si praticados nos dias 02.02.02 e 27.02.02.
bb) O seu processo sócio-educativo foi assumido pela sua progenitora e pelos avós maternos, família com dinâmica interna caracterizada pela funcionalidade, afectividade e coesão, apesar da ausência do pai.
cc) Em idade própria, o arguido integrou o sistema escolar, tendo concluído o 8º ano de escolaridade aquando da maioridade.
dd) A sua trajectória formativa ficou marcada pelo absentismo, várias retenções e desmotivação pelos conteúdos escolares.
ee) Um ano volvido após a desvinculação do sistema de ensino, iniciou o seu percurso profissional, tendo desenvolvido actividade em diferentes ramos, nomeadamente em fábricas têxteis.
ff) Tempos houve em que o arguido contribuía para as despesas do respectivo agregado familiar.
gg) À data da prática dos factos o arguido era dependente de heroína e cocaína há cerca de cinco anos, tendo-se iniciado no consumo de estupefaciente cerca dos 18 anos de idade através do haxixe e efectuado, durante o período da sua dependência, sucessivos tratamentos.
hh) O arguido encontrava-se desempregado há cerca de dois meses quando iniciou as actividades ilícitas a que se reportam os autos.
ii) A conselho da sua irmã, em Fevereiro de 2002, o arguido requereu, no Centro de Apoio à Toxicodependência de Braga, o seu internamento, tendo sido marcado, para início de tal tratamento, o dia 21.03.2002.
jj) O arguido "C" encontra-se detido no Estabelecimento Prisional do Porto desde 21.03.02, tendo adoptado naquele estabelecimento um comportamento formalmente normativo.
ll) Ao nível ocupacional frequenta, desde o mês de Julho de 2002, o Curso de Formação Profissional de Mecânica-Auto, no âmbito do qual trabalha semanalmente cerca de trinta horas, frequentando ainda o 9o Ano de Escolaridade.
mm) Integra a Unidade de Abstinentes a funcionar no E.P.P., usufruindo de consultas de Psicologia e de sessões grupais no âmbito deste programa.
nn) No decurso da institucionalização tem beneficiado de suporte familiar consistente, que se materializa na periodicidade regular com que é visitado por elementos da sua família.
oo) Na comunidade vicinal identifica-se uma representação favorável do arguido, que é um dos impulsionadores das Festas Nicolinas – dedicadas a S. Nicolau pelos estudantes das Escolas Secundárias de Guimarães e que movimentam milhares de pessoas da cidade e de fora desta entre os dias 29 de Novembro e 7 de Dezembro de cada ano -, tendo sido Presidente da Academia Vimaranense no ano lectivo de 19.../19....”
Matéria de facto não provada.
Não se provaram os restantes factos constantes da acusação e da contestação do arguido "C", não se tendo provado nomeadamente que:
a) O arguido "A" tenha acompanhado o arguido "C" na situação referida em a) dos Factos Provados, com a missão de vigiar, actuando os dois de acordo com um plano previamente traçado e em comunhão de esforços e de vontades.
b) O arguido "B" tenha circundado a ... Marinho e retirado da prateleira um maço de tabaco “Winston”, no valor de € 1,95.
c) No dia 27.02.02 o Fiat ... em que o arguido "C" se fez transportar tivesse aposta uma chapa de matrícula falsa YY-YY-YY.
d) No dia 27.02.02 o arguido "B" acompanhasse o arguido "C" e que o mesmo tivesse permanecido ao volante, junto à saída das bombas.
e) No referido dia 27.02.02, o arguido "C" tenha dito à funcionária do posto “Isto é um assalto...” “dinheiro... dinheiro...”.
f) No dia 03.03.02, tenham sido os co-arguidos "C" e "B", quem, em comunhão de esforços e vontades e com o propósito de financiarem o seu consumo de estupefacientes, se deslocou a bordo do veículo automóvel Fiat ... – e que este tivesse a sobreposição de matrícula falsa YY-YY-YY - e se dirigiu a Fafe, para as bombas de gasolina da “...”, sitas na Rua ...
i) No referido dia 03.03.02, tenha sido o arguido "C" a entrar na loja de conveniência e a praticar os actos referidos em p) a r) dos Factos provados.
j) O arguido "C" se tenha feito transportar no dia 15.03.02, no veículo de matrícula XX-XX-XX, ostentando uma matrícula falsa, sobreposta da matrícula ZZ-ZZ-ZZ e com a propriedade em nome do seu avô, ... Peixoto, veículo aquele que estacionara à chegada junto à zona de “ar e água”.
l) Os arguidos tenham sobreposto chapas de matrículas de diferentes viaturas, de forma à não identificação dos veículos que utilizavam, visando assim lograr o Estado e conseguirem os seus intentos.
m) A partir de Setembro de 2001 o arguido tenha deixado de agir no pleno gozo das suas capacidades, encontrando-se a sua capacidade de entender e querer toldada pelo vício da heroína, num estado de semi-inimputabilidade.”
Motivação da decisão sobre a matéria de facto:
A. Questão prévia
Cumpre antes do mais, uma vez que foi arguida a respectiva nulidade, apreciar da admissibilidade e validade dos fotogramas juntos aos autos como meio de prova.
Acompanhando o Ac. da Relação de Guimarães de 21.10.02, publicado na C.J., Ano XXVII, IV, pág.’s 285 e 286, começará por se recordar que é a própria lei que, através do preceituado no art. 12º do Dec. Lei nº 231/98, de 22.07 – diploma que regula o exercício de actividades de segurança privada, cujo objecto é a protecção de pessoas e bens, bem como a dissuasão de acções ilícito-criminais –, impõe a instalação de sistemas de segurança privada nos espaços de livre acesso ao público que pelo tipo de actividades que desenvolvem sejam susceptíveis de gerar especiais riscos de segurança, sendo certo que, nos casos em presença, como no caso sobre o qual versou o aludido acórdão, as câmaras que captaram as imagens a que se reportam os fotogramas constantes dos autos, encontravam-se instaladas em local público, destinavam-se ao sistema de segurança dos postos de abastecimento em questão e da vida e integridade física dos que aí transitavam.
E ainda que tal norma não existisse ou que se entendesse não ter a mesma aplicação às situações em apreço, sempre haveria que considerar excluída a alegada ilicitude das gravações efectuadas dado que o nº 2 do art. 79º do Cód. Civil - o qual, no seu nº 1 consagra o direito à imagem -, estabelece não ser necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem, nomeadamente, exigências de polícia ou de justiça ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de factos que hajam decorrido publicamente.
Excluída, deste modo, pela ordem jurídica na sua totalidade, a ilicitude de utilização, nos espaços aqui em causa, dos ditos sistemas de captação de imagem, excluída haverá que se considerar a ilicitude de tal utilização para efeitos penais (cfr. art. 31º, nºs 1 e 2, do Cód. Penal).
Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente a arguida nulidade dos aludidos meios de prova, reafirmando-se, para efeito da fundamentação da presente decisão sobre a matéria de facto, a total legalidade dos mesmos.
B. Motivação
A convicção relativa aos factos ocorridos no dia 28.01.2002 assentou:
- no depoimento da testemunha ... Marinho – funcionária da ..., à data a exercer funções na loja de conveniência da ..., Fafe -, que atestou encontrar-se no local no momento em que se verificou o primeiro dos assaltos, afirmando que, na ocasião em causa, dois homens entraram na loja, um deles retirou uma garrafa de óleo da respectiva prateleira e, encontrando-se na loja um cliente, esperaram que o mesmo saísse; depois disso, aquele que retirou a garrafa de óleo, apontou na sua direcção aquilo que lhe pareceu uma pistola, ordenou-lhe que abrisse a gaveta da caixa e de seguida retirou da dita gaveta quantia que não soube concretizar; o outro indivíduo retirou um maço de tabaco; em audiência de julgamento esta testemunha identificou, sem margem para dúvidas, a pessoa que lhe apontou o objecto semelhante a uma pistola como sendo o arguido "C" (o que fez em consonância com o reconhecimento já anteriormente efectuado no âmbito dos presentes autos e constante de fls. 291 e 292); usavam ambos óculos de sol.
- no depoimento da testemunha ... Silva, funcionário da “...”, filial da ..., que confirmou ter sido ele a indicar o montante pecuniário subtraído que assentiu ser o constante da acusação.
- no depoimento da testemunha ... Cristina – também ela funcionária da ..., à data a exercer funções na loja de conveniência da ..., Fafe -, que referiu encontrar-se na ocasião do primeiro assalto na loja de conveniência em causa, mas que, no preciso momento em que aquele se deu, estava no interior do armazém; quando saiu, já tinha ocorrido o assalto;
- no exame dos vestígios de cristas papilares encontrados em latas de óleo em exibição no Posto de Abastecimento da ... em ... (fls. 230 a 236).
Deve aqui salientar-se que, não obstante a testemunha ... Marinho ter efectuado, no âmbito dos presentes autos, o reconhecimento do arguido "A" como sendo a pessoa que acompanhava o arguido "C" no dia ora em questão, a verdade é que, em audiência de julgamento, para além de só ter reconhecido o arguido "C", a referida testemunha afirmou mesmo, de forma segura, que, das duas pessoas que havia identificado anteriormente, só uma estava presente (quando é certo que no reconhecimento anterior havia identificado o arguido "A" que, em audiência de julgamento, se encontrava também presente) restando, por isso, a dúvida sobre a nitidez da imagem do segundo assaltante recordada pela aludida testemunha.
***
A decisão relativa à situação do dia 02.02.2002, ficou a dever-se:
- ao depoimento de ... Costa – funcionária da ..., à data a exercer funções na loja de conveniência da , Fafe – que afirmou que, no dia em questão, cerca das 22,55 horas, andava a limpar o chão para encerrar às 23 horas, quando entrou um indivíduo que lhe pediu tabaco, entregando-lhe, para o efeito, dinheiro; enquanto ela o atendia, o dito indivíduo sacou de uma arma, puxou a culatra e disse-lhe para ela lhe passar o dinheiro; ela abriu a gaveta da caixa e o próprio arguido retirou o dinheiro que se encontrava no interior da mesma, num montante de, aproximadamente, 20.000$00; o indivíduo em questão usava chapéu, um kispo desapertado, calça preta e bota preta e estava com a cara descoberta; à saída o referido indivíduo levou duas embalagens de óleo “... 9000”, admitindo a testemunha que o valor daquelas talvez corresponda à quantia de 32 euros; o seu marido também se encontrava na loja e à saída o arguido apontou-lhe a arma e disse-lhe “Põe-te fino”; no decurso da audiência, esta testemunha reconheceu o arguido "A" como sendo o assaltante;
- o depoimento da testemunha ... Carvalho, marido da testemunha ..., que afirmou encontrar-se presente por ocasião dos dois assaltos, tendo visto o indivíduo em questão a sair de uma carrinha Peugeot ..., a entrar na loja, a apontar a arma à sua esposa e a tirar o dinheiro da gaveta; ele encontrava-se a arrumar extintores e fez um compasso de espera para não se cruzar com ele mas, mesmo assim, não logrou evitá-lo à saída; a mencionada pessoa cruzou-se com ele, apontou-lhe a arma e disse-lhe para não se armar em fino, esclarecendo a testemunha que, apesar de provavelmente o arguido ter pensado que ele ia interferir na situação em curso, o certo é que ele “com dois extintores nas mãos, não ia fazer nada”; no decurso do seu depoimento, reconheceu o arguido "C" como sendo o assaltante;
- o depoimento de ... Silva que admitiu como correcto o valor subtraído referido na acusação;
- a confissão parcial produzida pelo arguido "C", após o depoimento das supra referidas testemunhas, sendo de realçar que o arguido admitiu que o veículo por si utilizado foi efectivamente a carrinha Peugeot identificada nos autos, pertencente ao seu avô; o arguido ressalvou que não foi ele quem retirou o dinheiro da gaveta mas sim a funcionária (devendo dizer-se que o tribunal acreditou nesta última dada a forma precisa e desinteressada do seu depoimento).
Quanto ao montante pecuniário subtraído, confrontando os depoimentos das testemunhas ... Isabel e ... Silva, restam-nos dúvidas sobre a correcção do valor apontado pelo segundo.
**
Sobre os factos ocorridos no dia 27.02.02 foram essenciais os seguintes elementos de prova:
- o depoimento da já mencionada ... Isabel , que, de novo, nesta outra ocasião, se encontrava a exercer as suas funções laborais na loja de conveniência em causa; quando a pessoa em causa entrou na loja, reconheceu-o de imediato, como o assaltante da primeira ocasião (o arguido "C"); deste vez, o arguido encontrava-se sem chapéu e apresentava um cabelo “normal”; estavam no local clientes e o gerente também se encontrava na loja; o dito indivíduo deu a entender que pretendia adquirir um “Halls” e, quando a ... Isabel lhe pediu dois cêntimos, mediante a exibição do objecto que a testemunha descreve como uma pistola, retirou um montante pecuniário que a testemunha não soube precisar, mas que se aproximaria de 20.000$00.
- o depoimento da já referida testemunha ... Carvalho, que disse ter reconhecido, nesta segunda ocasião, o indivíduo que praticara o primeiro assalto; nesta oportunidade o dito indivíduo mandou-o deitar no chão, fazendo o mesmo em relação a um cliente que ali se encontrava; no segundo assalto, o assaltante fez-se transportar até ao local num Fiat ... (pensa que cinza escuro); esta testemunha reconheceu o arguido "C" como sendo o assaltante;
- o depoimento da testemunha ... Silva, que se encontrava no interior do escritório, com a porta entre-aberta, apercebendo-se que estava a ocorrer um assalto quando viu os clientes a atirarem-se ao chão; ao verificar o que se passava, permaneceu no interior do escritório; no interior da loja só se encontrava um indivíduo, com a cara destapada; no carro estacionado no exterior – cuja matrícula não viu - encontrava-se um outro indivíduo; informou que o montante subtraído deveria rondar os 200 €, embora não pudesse precisar o valor em causa;
- a confissão parcial produzida pelo arguido "C", após o depoimento das supra referidas testemunhas, afirmando não se recordar por quem se encontrava acompanhado na ocasião, nem se recordar ao certo do montante pecuniário subtraído.
Deve realçar-se que embora a testemunha ... Ricardo tenha dito que a arma não era idêntica nos dois assaltos que presenciou, a verdade é que acabou por se mostrar pouco seguro do que afirmava, sendo certo que o arguido "C" defendeu ter sido sempre a “pistola-isqueiro” o objecto por si utilizado nos dois assaltos em que se encontrava presente o ... Ricardo, nenhum outro objecto semelhante a uma arma lhe tendo sido apreendido.
Quanto ao montante pecuniário subtraído, confrontando os depoimentos das testemunhas ... Isabel e ... Silva, mais uma vez nos restam dúvidas sobre a correcção do valor apontado pelo segundo.
***
Quanto aos factos ocorridos na “...” no dia 03.03.2002:
- a testemunha ... Silva – operadora de caixa da ... – relatou os factos em consonância com a descrição deles efectuada nos “Factos provados” mas não reconheceu o arguido "C" como o assaltante; referiu, aliás, esta testemunha, que o assaltante tinha colocado um chapéu de abas, tinha um cachecol a tapar-lhe a cara e usava um casaco comprido; daí que só lhe tenha visto os olhos; também não viu qual o veículo em que o assaltante se fazia transportar;
- a testemunha ... Castro, namorado da testemunha Diana, que se encontrava no interior do seu automóvel à espera que a namorada saísse da loja quando se deu este assalto, apenas soube dizer que a pessoa em causa se fazia transportar num Fiat ..., cinzento, não tendo, porém, observado a respectiva matrícula;
- o depoimento da testemunha ... Rodrigues, namorado da funcionária Sandra, que no momento do assalto também se encontrava de serviço, a quem o assaltante ordenou que se deitasse no chão, apontando-lhe uma pistola; confirmou que o assaltante trazia colocado um chapéu.
- ... Guimarães, encarregado do posto da ..., que procedeu à entrega à GNR do filme efectuado no momento do assalto com recurso ao sistema de vigilância vídeo, sendo certo que os fotogramas em causa não permitem qualquer identificação do assaltante.
Do exposto, resulta a impossibilidade de identificação do agente destes factos.
***
Relativamente aos factos ocorridos no dia 15.03.2002 no posto de abastecimento da ... serviram de base à formação da convicção deste tribunal:
- o depoimento de ... Pereira que referiu que entre as 16,30 e as 17 horas, um indivíduo, que em audiência de julgamento reconheceu como sendo o arguido "C", entrou no estabelecimento em causa e pediu chicletes, saiu, de seguida voltou a entrar e comprou outras chicletes, saiu de novo, voltou a entrar uma vez mais e quis saber o preço dos óleos, pegou numa embalagem de óleo e levou-a ao balcão e, quando ela se encontrava a registar a venda em causa, o mesmo puxou de uma “arma” e apontou-lha, dizendo-lhe que queria o dinheiro, pedido a que ela acedeu, entregando-lhe cerca de 100 €/120 € que, juntamente com a embalagem de óleo – no valor de cerca de 5.000$00 (25 €) -, o referido indivíduo levou consigo; o assaltante estava sozinho e fazia-se transportar num carro branco;
- o depoimento de ... Soares, sócio gerente da ..., concessionário do Posto da ... em questão, que referiu a existência no aludido posto de um posto de vigilância vídeo e ter entregue às autoridades policiais a cassete referente ao momento do assalto, confirmando que os fotogramas constantes dos autos fazem parte integrante da dita cassete, verificando-se, a partir da observação efectuada em audiência dos referidos fotogramas, que a pessoa cuja imagem ali ficou plasmada é o arguido "C"; também referiu como preço do óleo subtraído a quantia de, aproximadamente, 5.000$00.
Cumpre referir que a conclusão sobre o objecto utilizado, pelo arguido, em todas as referidas ocasiões - uma mera réplica de uma pistola - se extraiu do teor das declarações daquele no que respeita a nunca ter utilizado qualquer outro objecto nos assaltos por si perpetrados que não o “isqueiro-pistola” e ao facto de ter sido esse o único objecto semelhante a uma arma que lhe foi apreendido.
Foram ainda considerados os registos de propriedade juntos aos autos.
***
Quanto à situação pessoal do arguido "C" e aos seus antecedentes, foram relevantes:
- as declarações do próprio, que assumiu a sua dependência de cocaína e heroína e a influência que essa dependência teve nas atitudes por si assumidas objecto dos presentes autos – na medida em que o objectivo dos actos em causa era o de obter dinheiro para financiar o consumo daquelas substâncias -, afirmando que actualmente se encontra abstinente;
- os depoimentos das testemunhas ... Salgado, irmã do arguido "C", ... Fonseca, primo do mesmo arguido, ... Silva e ... Figueiredo, amigos do "C", sendo o último também seu vizinho e conhecendo-o desde criança, testemunhas estas que corroboraram e complementaram o teor do relatório social elaborado pelo I.R.S. e junto a fls. 694 a 698;
- os documentos de fls. 490 a 495;
- o CRC de fls. 359.”

*****

Como é jurisprudência pacífica cfr entre outros, Ac. do STJ de 20/03/96,segundo o qual “A delimitação do recurso é feita pelas conclusões da motivação do recorrente, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria neles não inserida”. , o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso (artº412º nº1 do C.P.P.).
As questões relativas ao recurso intercalar, no qual o arguido declarou manter interesse (artº412º nº5 do C.P.P.) serão conhecidas previamente e resumem-se ao seguinte:
1. Saber se se verifica a nulidade da al.b) do artº119º do C.P.P.;
2. Saber se se verifica a nulidade da al.c) do nº1 do artº379º por o Tribunal não se ter pronunciado imediatamente sobre a nulidade na obtenção da prova por fotogramas imediatamente após tal ser requerido, deixando-o para momento posterior.
3. Saber se os fotogramas obtidos sem o consentimento do arguido podem ser usados como meio de prova.

As questões levantadas no recurso final (e que serão apreciadas por esta ordem processual, na medida em que a procedência pode interferir ou mesmo prejudicar o conhecimento das restantes) são as seguintes:
1. Saber se o acórdão padece do vício de contradição insanável entre a fundamentação.
2. Saber se os factos provados integram o(s) crime(s) de roubo ou antes o(s) de furto simples.
3. Saber se a conduta do arguido deveria ter sido integrada na figura da continuação criminosa ou um só crime.
4. Saber se os factos provados são passíveis de integrar o crime de coacção, tanto mais que o mesmo depende de queixa e o ofendido não a apresentou;

Note-se que a questão dos fotogramas irá ser alvo de apreciação no recurso intercalar, pelo que embora essa mesma questão conste também do recurso final, não serão aí, naturalmente, apreciada.

RECURSO INTERCALAR:

1º Questão:
Saber se se verifica a nulidade da al.b) do artº119º do C.P.P.:
Entende o arguido/recorrente que após o seu requerimento de fls.708/709, no qual requer seja declarada nula a prova obtida através dos fotogramas, o MºPº não se pronunciou sobre tal questão, o que constitui nulidade insanável.
Salvo o devido respeito, conforme consta da acta de julgamento, após o Exmo mandatário do recorrente ter usado da palavra e ditado o seu requerimento, a MMª Juíza Presidente deu a palavra “à Digna Magistrada do MºPº e aos ilustres mandatários presentes” para sobre o mesmo de pronunciarem, tendo os mesmos dito “nada terem a requerer”.
Assim, o MºPº pronunciou-se sobre o requerido dizendo nada ter a requerer. E se nada mais disse foi porque não achou oportuno fazê-lo naquele momento.
Não se verifica, pois, a apontada nulidade, improcedendo, nesta parte, o recurso.

2ª Questão:
Considera o arguido/recorrente que se impunha ao Tribunal pronunciar-se sobre a nulidade na obtenção da prova por fotogramas imediatamente após tal ser requerido, o mesmo é dizer, na acta de audiência. Ao não fazê-lo, incorreu na nulidade do artº379º nº1 al.c) do C.P.P..
Cumpre decidir:
O artº118º do C.P.P. consagra, no domínio da nulidade dois actos processuais, o princípio da tipicidade, isto é, só são nulos os actos que a lei expressamente como tal os classifique.
Distingue, a nossa lei processual entre nulidades (sanáveis e insanáveis) e as irregularidades.
As nulidades insanáveis estão taxativamente enumeradas no artº119º do C.P.P. (para além das cominadas em outras disposições legais).
A par destas, a lei prevê as nulidades dependentes de arguição ou sanáveis (artº120º do C.P.P., para além das previstas noutras disposições legais).
Quando a lei não comine para a prática ou omissão de determinado acto a sanção de nulidade e, com a sua prática ou omissão for violada alguma disposição legal, estar-se-á perante uma irregularidade, a qual determina apenas a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar e tem que ser arguida pelos interessados no próprio acto (ou nos três dias subsequentes se a ele não tiverem assistido) – nº1 do artº123º do C.P.P..
Ora, é óbvio que o arguido pode formular requerimentos (artº98º nº3 do C.P.P.) mas nenhuma norma impõe que o Tribunal se pronuncie imediatamente sobre a questão suscitada, se não considerar ser esse o momento oportuno para o fazer, como considerou a MMº Juíza.
Mas, mesmo que assim se não entendesse, nunca a omissão constituiria qualquer nulidade, pois não está prevista na lei como tal e, muito menos a apontada nulidade do artº379º nº1 al.c) do C.P.P., dado que na sentença o Tribunal se pronunciou sobre todas as questões que deveria pronunciar-se.
Também nesta parte o recurso improcede.

3ª Questão:
Saber se os fotogramas obtidos sem o consentimento do arguido podem ser usados como meio de prova:
Considera o recorrente que as imagens foram obtidas com intromissão na sua vida privada bem como na dos demais utilizadores do posto de combustível e com violação do direito à imagem.
Para melhor percepção da questão começaremos por fazer a distinção entre prova, meios de prova e meios de obtenção de prova.
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artº341º do Código Civil).
Os meios de prova são os elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca de um factoAntunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora – Manual de Processo Civil, pág.452..
Os meios de obtenção de prova são os instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher meios de prova Cfr Germano Marques da Silva – Curso de Processo Penal II, pág. 209..
Ainda a propósito da distinção entre meios de obtenção de prova e de meios de prova, escreve Germano Marques da Silva Obra citada, pág.210.: “É claro que através dos meios de obtenção de prova se podem obter meios de prova de diferentes espécies, v.g., documentos, coisas, indicação de testemunhas, mas o que releva de modo particular é que, nalguns casos, o próprio meio de obtenção da prova acaba por ser também um meio de prova. Assim, por exemplo, enquanto a escuta telefónica é um meio de obtenção de prova, as gravações são já um meio de prova.”
Contudo, prossegue o mesmo autor: “...pode suceder que a distinção resulte apenas da lei ter dado particular atenção ao modo de obtenção da prova, como nos parece acontecer, v.g., com as escutas telefónicas.”
Aos meios de obtenção da prova reportam-se os artºs171º a 190º do C.P.P.. São eles: os exames (artº171ºa 173º), as revistas e buscas (artº174º a 177º), a apreensão (artº178º a 186º) e as escutas telefónicas (187º e seg.).
Não previu expressamente o legislador, como meio de obtenção de prova os meios electrónicos de vigilância. Isto, porém, não significa sem mais que os meios de prova assim obtidos sejam ilegais, mas apenas que não lhes foi dada “particular atenção”.
Vejamos o que, a propósito, prevê a nossa Constituição:
O artº32º nº8 dispõe: “São nulas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.”
Em anotação a este número, escrevem J. Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituição da República Portuguesa Anotada – 3ª Ed., pág.206., “Os interesses do processo criminal encontram limites na dignidade humana (artº1º) e nos princípios fundamentais do Estado de direito democrático (artº2º), não podendo portanto valer-se de actos que ofendam direitos fundamentais básicos. Daí a nulidade das provas obtidas com ofensa da integridade pessoal, da reserva da intimidade da vida privada, da inviolabilidade do domicílio e da correspondência (..). A interdição é absoluta no caso do direito à integridade pessoal, e relativa nos restantes casos, devendo ter-se por abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (art.32º-2 e 4), quando desnecessária ou desproporcionada, ou quando aniquiladora dos próprios direitos (cfr. art.18º-2 e 3)”.
Mas, porque os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados, prosseguem os mesmos autores, “O regime próprio dos direitos, liberdades e garantias não proíbe de todo em todo a possibilidade de restrição, por via de lei, do exercício dos direitos, liberdades e garantias Obra citada, pág.148..
Nalguns preceitos, a Constituição autorizou a lei ordinária a restringir determinados direitos em alguns aspectos ou para determinadas finalidades, ou então atribuiu-lhe expressamente uma competência de regulação geral da matéria que pode ser interpretada como incluindo poderes de restrição. José Carlos Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 – 2ª Ed., pág.288.
Também João Conde Correia, escreve: “A própria Constituição remeteu para o legislador ordinário a conformação normativa das proibições de prova nos domínios da reserva da vida privada e da inviolabilidade da correspondência e das telecomunicações. De tal forma que, as provas obtidas sem a observância destes mecanismos ou são abusivas ou restringem os direitos, liberdades e garantias de forma inadmissível e, portanto, também são proibidas. João Conde Correia - Stvdia Ivridica 44 – Contributo para a Análise da Existência e das Nulidades Processuais Penais, pág.158/159..
Assim, a nossa lei constitucional, como forma de garantir a defesa dos direitos, liberdades e garantias que consagra, impõe limites à validade dos meios de prova.
Na sequência dessas disposições constitucionais, a lei processual, no seu artº126º, sob a epígrafe “Métodos proibidos de prova”, estabelece, no seu nº3: “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.”
Por outro lado, o artº26º da CRP consagra o direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada.
No direito à imagem está implícito, designadamente, o direito de cada um a não ser fotografado ou filmado sem o seu consentimento.
O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar “analisa-se principalmente em dois direitos menores: (a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem (cfr. Cód. Civil, artº80º)”, incumbindo a Constituição “a lei de garantir efectiva protecção a esse direito (nº2), compreendendo-se essa preocupação suplementar face aos sofisticados meios que a técnica hodierna põe à disposição da devassa da vida privada e da colheita de dados sobre ela. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira – Constituição da República Portuguesa Anotada – 3ª Ed., pág.181..
Ainda relativamente ao direito à imagem, dispõe o artº79º do C.Civil:
1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; (...).
2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.
3. (...).

Urge, pois, verificar se os fotogramas foram obtidos ou não de forma ilícita, isto é, através de abusiva intromissão na vida privada do arguido recorrente e/ou com violação do direito à imagem:
É por todos aceite que os fotogramas foram obtidos a partir de gravações em vídeo feitas em posto de abastecimento de combustível, sem a autorização ou consentimento do arguido.
Também é pacífico que não houve qualquer despacho a autorizar ou ordenar as gravações.
Haverá, neste caso, violação do direito à imagem?
Cremos que não.
Contrariamente ao entendido pelo recorrente, a captação de imagens ocorreu em lugar público, entendido este no sentido de lugar de livre acesso de público.
Por outro lado, é a própria lei que prevê a obrigatoriedade de adopção de sistemas de segurança privada nos espaços de livre acesso de público que, pelo tipo de actividades que neles se desenvolvem, sejam susceptíveis de gerar especiais riscos de segurança – nº3 do artº5º do Dec-Lei nº231/98, de 22/07 -, podendo ser utilizados equipamentos electrónicos de vigilância e controlo (nº1 do artº12º do citado diploma).
Também a gravação não foi obtida às ocultas pois foi feita, como se disse, num espaço público, onde é sabido que existem câmaras de vídeo que fazem a vigilância electrónica..

Quanto à reserva da vida privada:
O arguido não foi filmado no contexto da sua área privada mas, tal como qualquer outro utente do posto de combustível, numa área de acesso de público, onde qualquer pessoa, seja ou não cliente, pode aceder.
O que está constitucionalmente protegido é apenas a esfera privada e íntima do indivíduo.
Ora, a gravação não contende nem com uma nem com outra.
Por último, defende o recorrente que as imagens deveriam ter sido destruídas no prazo de 30 dias.
É verdade que a lei impõe a destruição das imagens no prazo de 30 dias mas óbviamente, se nada de importante, para fins penais, revelarem.
No caso, a gravação continha imagens do assalto ao posto de combustível e, por isso, foram entregues à autoridade policial logo no próprio dia em que ocorreram os factos.
A seguir-se a interpretação defendida pelo recorrente de que as imagens têm que ser destruídas, seja qual for o seu interesse, no prazo de 30 dias, tornar-se-ia inútil a utilização de meios electrónicos de vigilância.

Por tudo quanto fica exposto, improcede, nesta parte, o recurso.

*****

Recurso da decisão final

1ª Questão:
Saber se o acórdão padece do vício de contradição insanável da fundamentação:
Considera o recorrente que há “contradição insanável entre a fundamentação” por o Tribunal ter dado como provado que “empunhava uma réplica de uma arma nos quatro assaltos e ao mesmo tempo ter dado como provado que o recorrente usou tal objecto por forma a ameaçar consciente e voluntariamente com perigo iminente para a vida e integridade física, constrangendo-os a entregar as quantias em dinheiro, quando é certo que não se provou que tal objecto tivesse a capacidade de ofender o corpo ou a saúde dos funcionários dos postos de abastecimento de combustíveis”.
No vício da contradição insanável distinguem-se três situações:
- a contradição insanável da fundamentação - “quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados”;
- a contradição entre os fundamentos e a decisão – quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada;
- contradição entre os factos: quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente Simas Santos e Leal Henriques – Recursos em Processo Penal – 5ª Ed., pág.64..
Assim, este vício tanto pode respeitar à fundamentação da matéria de facto como à contradição na própria matéria de direito Cfr. Germano Marques da Silva – Curso de Processo Penal III, pág.340., ou seja, tanto se verifica quando são dados como provados factos incompatíveis entre si como quando a conclusão a que se chega acerca de um facto não tem suporte na fundamentação.
Cremos que o recorrente se refere à 3ª hipótese.
Vejamos:
No caso, foi dado como provado:
- que o recorrente utilizou, em todos os assaltos, “um isqueiro, réplica da pistola “Pietro Berreta”, de 9mm, mas sem qualquer capacidade para deflagrar munições”;
- que em todos os assaltos, o recorrente apontou ou exibiu “a dita arma” perante a funcionária da loja.
- que o objecto referido foi usado “de forma a fazer crer que o mesmo fosse uma pistola verdadeira, empunhando-a como se de verdadeira arma de fogo se tratasse, produzindo receio nas pessoas que abordava, fazendo-as crer que de verdadeira arma se tratava e temer pela sua vida e integridade física, caso se opusessem aos seus intentos....”(al.V).
Entre estes factos não se vislumbra qualquer contradição, pois o que interessa não é real capacidade do objecto utilizado pelo recorrente para deflagrar munições mas sim que a sua aparência seja idónea a convencer o homem médio de que possui essa capacidade e, dessa forma, intimidá-lo, permitindo ao agente conseguir, como no caso, a entrega dos bens.
Também não se verifica qualquer contradição quer da fundamentação quer entre os fundamentos e a decisão.
Por fim, do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, não resulta que a decisão padeça de qualquer outro vício de conhecimento oficioso, designadamente, dos demais vícios do nº2 do artº410º do C.P.P..
A decisão mostra-se suficiente e coerentemente fundamentada.
Por isso, a matéria de facto deve considerar-se definitivamente assente, improcedendo, também nesta parte, o recurso.

2ª Questão:
Saber se os factos provados integram o(s) crime(s) de roubo ou antes o(s) de furto simples:
Defende o recorrente que os factos provados integram quatro crimes de furto simples e não de roubo porque:
o não lhe é imputada qualquer agressão ou acção violenta sobre os funcionários dos postos de abastecimento, que os ofendesse no corpo ou na saúde;
o não constrangeu, através de violência ou ameaça, os funcionários a uma acção ou omissão ou a suportar uma actividade;
o o objecto utilizado como arma era inidóneo a provocar perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou a colocar as vítimas na impossibilidade de resistir.
O crime de roubo pressupõe que para a apropriação de bens (alheios) seja usada violência contra as pessoas ou ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou a vítima colocada na impossibilidade de resistir.
A violência não é apenas a violência física. Pode ser também a violência psíquica – como escreve Maia Gonçalves Código Penal Português – Anotado e comentado – 15ª Ed.., a violência “pode ser física ou moral (esta para criar no espírito da vítima um fundado receio de grave e iminente mal susceptível de paralisar a sua reacção). E quer se trate de violência física ou de violência moral, não se exige que tenha certa intensidade, bastando que seja suficiente para que o agente se apodere do bem, mesmo que a vítima não esgote a sua capacidade de resistência, ficando no entanto excluídas situações que só levemente perturbem a liberdade de agir, sem normal capacidade para vencer essa resistência”.
A ameaça tem que ser grave e criar no espírito da vítima receio sério de que lhe o mal prometido possa suceder de um momento para o outro (esteja iminente), paralisando a sua capacidade de reacção contra o agente.
A gravidade e idoneidade da ameaça não pode ser vista do ponto de vista subjectivo mas antes tendo em conta o homem médio, colocado na situação da vítima.
Ora, um objecto com a aparência de uma arma de 9mm, mesmo sem capacidade para deflagrar munições, sendo esse facto desconhecido da vítima, tem manifestamente capacidade para a fazer temer pela sua integridade física.
De resto, a nossa jurisprudência é praticamente unânime em considerar que a utilização de uma arma de fogo, seja ou não verdadeira, é idónea a provocar receio sério ao homem médio cfr ente muitos, os seguintes Acórdãos, em www.dgsi.pt.stj : Ac. do STJ de 22/04/97 “Ainda que se trate de pistola de alarme, verifica-se o crime de roubo (...), pois não interessa a real capacidade da arma para disparar, mas antes a mera aparência dessa capacidade vista por um homem médio; Ac. do STJ de 16/04/98 “a réplica de uma pistola “Walter P.38”, sem capacidade para disparar, utilizada pelos arguidos,não para, com ela, agredir corporalmente os ofendidos, mas, apenas, como meio de, apontando-lha, os intimidarem e, assim, fazerem com que eles lhes entregassem as coisas que pertenciam, sendo forma idónea de ameaça a que alude o artigo 210º n.1, do Código Penal...” Ac. do STJ de 02/12/98 “Provando-se que o arguido encostou uma esferográfica às costas do ofendido, simulando que utilizava uma navalha, e ainda que este, pensando tratar-se de uma faca, receou ser molestado, a inquestionável adequação da conduta do primeiro para intimidar seriamente a vítima e o correspondente temor realmente sentido por esta, a ponto de não esboçar resistência à subtracção do dinheiro, torna evidente que, independentemente de o agente usar uma navalha, uma faca ou uma simples esferográfica, se verifica o requisito “ameaça com perigo iminente para a integridade física”, referido no artigo 210.º n.1 do C.P.”. Ac. do STJ de 20/10/97 “O uso de uma pistola de alarme, por forma a criar no ofendido a ideia de tratar-se de uma arma de fogo, é suficiente para consubstanciar a ameaça de perigo iminente, elemento típico do crime de roubo (simples)... ”. Ac. do STJ de 12/10/95 “A ameaça de perigo iminente, a violência e a utilização de arma em crime de roubo do artigo 297, n.2, alínea h) do Código Penal verificam-se ainda que tenha sido utilizada uma pistola de fulminantes, com aparência de revólver, desde que, com ela, os arguidos tenham provocado na vítima a convicção de que era verdadeira a intimidação, de forma a permitir-lhes conseguirem realizar os fins que se propunham...”.
Ac. do STJde 29/09/99, in SASTJ, nº33, pág.88 “A exibição de uma pistola não verdadeira, posto que não constitua circunstância suficiente para integrar a realização da agravante prevista na al.f) do nº2 do artº204º do C.P., já é requisito bastante para integrar a ameaça de perigo iminente para a vida ou integridade física, do nº1 do artº210º do mesmo diploma – roubo simples”.
Cfr. ainda Acs. do STJ de 1/06/97 e 28/03/98 – BMJ nº468/105 e Col. Acs. do STJ. – Tomo I, pág.243.

Por outro lado, quanto ao facto de o recorrente saber que o objecto utilizado não era adequado a constranger a vítima, conforme escreve Conceição Ferreira da Cunha Comentário Conimbricense ao Código Penal – Tomo II, pág.172., a adequação “tem que ser analisada à luz de um critério objectivo-individual. Deste modo, a ameaça não tem de ser séria, nem tem de estar dependente do ameaçador, bastando a aparência dessa seriedade e dependência”.

Assim, face aos factos dados como provados, dúvidas não temos em integrar a actuação do recorrente nas previsão do nº1 do artº210º do C.P., como muito bem foi enquadrado no acórdão recorrido (roubo simples).

3ª Questão:
Saber se a conduta do arguido deveria ter sido integrada na figura da continuação criminosa:
Na perspectiva do recorrente, a sua conduta integra uma continuação criminosa, pois os crimes “são temporalmente próximos uns dos outros” e “têm entre si uma certa relação de homogeneidade em termos de actuação (...), sendo que terão sido cometidos por influência de estupefacientes, sendo certo que, à data dos factos, o arguido era toxicodependente”.
O artº30º do C.P. dispõe:
1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”.
Como escreve Maia Gonçalves Obra citada, pág.142., perfilha-se o chamado critério teleológico para distinguir entre unidade e pluralidade de infracção, sendo de atender ao número de tipos legais de crime efectivamente preenchidos pela conduta do agente ou ao número de vezes que essa conduta preenche o mesmo tipo legal de crime.
Tanto a doutrina como a jurisprudência consideram como pressupostos do crime continuado:
o a realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos de crime que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);
o homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção);
o lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado);
o unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de «uma linha psicológica continuada»;
o persistência de uma «situação exterior» que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente Leal Henriques e Simas Santos – Código Penal – 1º Volume – 2ª Ed., pág.289. Cfr. também Hans-Heinrich Jescheck – Tratado de Derecho Penal – 4ª Ed., pág.652 a 655..
No que a este último requisito se refere, ensina Eduardo Correia Direito Criminal II, pág.209. que “quando se investiga o fundamento desta diminuição de culpa ele deve ir encontrar-se, (....), no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto. Pelo que pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito”.
Dá este professor vários exemplos de situações exógenas passíveis de facilitar a repetição.

Para além disso, quando, como no caso, os crimes violem bens eminentemente pessoais (no crime de roubo são violados bens de natureza pessoal, para além de outros, como já atrás se disse), para haver continuação criminosa é ainda necessário que o ofendido seja sempre o mesmo, dado serem distintos em cada acto individual tanto o injusto da acção e do resultado como o conteúdo da culpa Cfr., na doutrina, Hans-Heinrich Jescheck – Tratado de Derecho Penal – 4ª Ed., pág.653. .

Ora, apesar de, como bem diz o recorrente, os crimes estarem temporalmente próximos uns dos outros e haver homogeneidade na execução, não se vislumbra, da matéria de facto provada, situação externa que tenha proporcionado a repetição das acções e seja indiciária de uma menor censurabilidade, sendo certo que o facto de o arguido ser toxicodependente não integra tal requisito (antes é de carácter endógeno). Com efeito, de todas as vezes o arguido teve que vencer obstáculos, que embora semelhantes, tiveram grau de dificuldade variável e eram, à partida, para ele de todo incontroláveis, não lhe permitindo antever sequer uma maior facilidade na execução.

4ª Questão:
Saber se os factos provados são passíveis de integrar o crime de coacção:
Vejamos os factos provados, com interesse para a questão:
e) No dia 02.02.2002, o arguido "C", actuando sozinho e com o mesmo propósito, ao volante do veículo de marca Peugeot ..., cinzento metalizado, de matrícula XX-XX-XX – com registo de propriedade em nome do avô do arguido "C", de nome ... Peixoto -, dirigiu-se às bombas de gasolina da “...”, na ..., Fafe, cerca das 23,05 horas.
f) Uma vez no interior da loja, dirigiu-se ao balcão e perguntou à empregada ... Costa se tinha tabaco.
g) Enquanto esta funcionária o estava a atender, o arguido sacou do objecto utilizado em 28.01.02, apontou-o à referida funcionária e retirou com as suas próprias mãos quantia não concretamente apurada mas próxima de € 100.
h) À saída, o arguido "C" cruzou-se com o marido da ... Costa, ... Carvalho, que ali se encontrava, auxiliando a sua esposa, para o fecho da loja, e apontou-lhe o objecto acima referido, dizendo-lhe para não se “armar em fino”.
i) Em seguida e sem oposição – dado que o ... Carvalho já antes não tinha intenção de criar obstáculos ao arguido -, o "C" retirou-se no Peugeot ..., que deixara estacionado no exterior do Posto.
j) À saída, o arguido "C" apropriou-se ainda de duas embalagens de óleo “... 9000”, no valor de, aproximadamente, € 32.”
O artº154º do C.P., prescreve:
Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”
Assim, são requisitos deste tipo legal:
o a violência ou a ameaça com um mal importante;
o que a violência ou ameaça sejam idóneas a constranger o visado a agir (“facere”) ou a deixar de agir (“non facere”), de acordo com a exigência do ameaçante;
o o dolo
Quer a violência quer a ameaça, têm que ser exercidas de modo sério e grave e ser idóneas a criar no espírito do homem comum receio de que o mal se concretize, coarctando ou limitando a sua capacidade de autodeterminação.
Por outro lado, escreve Taipa de Carvalho Comentário Conimbricense do Código Penal – Tomo II, pág.359., a consumação do crime de coacção basta-se como simples início da execução da conduta coagida, ou seja, a coacção consuma-se no momento em que o coagido é, por causa da violência ou da ameaça, impedido de agir ou de reagir.
Se bem que apontar um objecto com a aparência de uma arma de 9 mm a alguém e dizer-lhe “não te armes em fino”, é ameaça idónea a afectá-lo na sua liberdade de determinação, é necessário, antes de mais, que esse alguém esteja determinado a agir (ou não agir) de determinada maneira.
No caso, foi dado como provado que o visado ... Carvalho “já antes não tinha intenção de criar obstáculos ao arguido”, o que significa que não tinha intenção de impedir ou por qualquer dificultar a fuga do arguido. Ora, se assim é, a liberdade de acção (note-se que o bem jurídico protegido pela norma em apreço é a liberdade de decisão e de acção), daquele ... Carvalho não foi por qualquer forma coarctada. Por isso, a descrita conduta não tem relevância jurídica, não sendo integradora do crime de coacção, mesmo na forma tentada.
Assim, nesta parte, procede o recurso.

*****

Posto isto, há que refazer o cúmulo das penas aplicadas a cada um dos quatro crimes de roubo, p. e p. pelo artº210º nº1 do C.P. – 2 anos – e que não foram impugnadas no recurso.
Assim, tendo em consideração as circunstâncias ponderadas no acórdão recorrido (e que também não foram postas em causa pelo recorrente), considera-se adequada a pena única de 4 anos de prisão.

*****

DECISÃO:

Pelo exposto e em conclusão, julga-se o recurso parcialmente procedente e, consequentemente:
- absolve-se o arguido do crime de coacção, p. e p. pelos artºs155º nº1 al.a), 23º nº2, 73º nº1, al.a) e b), todos do C. P.;
- condena-se o arguido pela prática de quatro crimes de roubo, p. e p. pelo artº210º nº1 do C.P., na pena única de 4 anos de prisão.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se em 5 Ucs a taxa de justiça relativa aos recursos intercalares e em 5 Ucs a do recurso da decisão final.

Guimarães, 29/03/04