Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3357/10.1TBVCT-A.G1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: PROCESSO JUDICIAL DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENOR EM PERIGO
APENSAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O processo de promoção e protecção segue os seus termos por apenso a um outro já existente anteriormente, relativo ao mesmo menor ou menores, quer esteja ainda pendente, quer tenha sido dado por findo
Decisão Texto Integral:



TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES


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Acordam os juízes nesta Relação:


O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da comarca de Viana do Castelo vem interpor recurso do douto despacho proferido em 17 de Novembro de 2010 (agora a fls. 17 a 20), nestes autos de promoção e protecção, que havia instaurado, por apenso, no 1.º Juízo Cível dessa comarca, a favor dos menores A, nascido a 20 de Outubro de 1998 e de M, nascida a 09 de Março de 2001 e residentes na Rua da Igreja,(…), em Darque, Viana do Castelo – e que lhe indeferiu a apensação do referido processo a um outro de promoção e protecção que correu termos a favor dos mesmos menores, mas que se encontra já arquivado, com o fundamento que aí é aduzido de que “o disposto nos artigos 154.º da Organização Tutelar de Menores e 81.º, n.º 1, da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens, quando determinam a apensação de processos de diferente natureza relativos ao mesmo menor, que tenham sido instaurados em separado e, eventualmente, em diferentes Tribunais, apenas pode ocorrer relativamente a processos que estejam pendentes, não podendo ser aplicada a processos que já estejam findos e arquivados” – ora intentando a sua revogação e que se defira a peticionada apensação, alegando, para tanto e em síntese, “que as razões que determinam a apensação de promoções e protecções a processos pendentes se mantêm plenamente válidas para a apensação a processos já arquivados”. Efectivamente, aduz, “parece-nos claro que o legislador pretendeu que todos os processos sucessivamente instaurados quanto à mesma criança fossem apensos ao mais antigo, independentemente do seu estado” – pois que se “não se referiu ao estado dos processos (pendentes ou findos), entendemos que pretendia que a apensação operasse independentemente de os mesmos estarem findos ou pendentes”. Para além de que assim melhor se defende o interesse das crianças, “pois determinando que os vários e sucessivos processos sejam apreciados pelo mesmo Juiz e pelo mesmo Procurador-Adjunto, permite uma visão global da problemática e das suas especiais necessidades e proporciona uma solução integrada e unitária dessa problemática”. Termos em que o recurso deverá vir a ser provido, revogando-se o despacho recorrido e determinando-se que o processo de promoção e protecção agora instaurado “siga por apenso ao processo que correu termos no 1.º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Viana do Castelo, sob o n.º 3201/07.7TBVCT”, conclui.
Não foram apresentadas contra-alegações.
E nada obsta ao conhecimento do recurso.
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Provam-se os seguintes factos com interesse para a decisão:

1) A 17 de Novembro de 2010 intentou a Digna Magistrada do Ministério Público da comarca de Viana do Castelo procedimento judicial de promoção e protecção a favor dos menores A, nascido a 20 de Outubro de 1998 e M, nascida a 09 de Março de 2001, ambos com residência na Rua da Igreja (…), Darque, Viana do Castelo (vide o respectivo requerimento inicial, que ora constitui o documento de fls. 15 a 16 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e o carimbo de entrada que nele vem aposto).
2) E como já tinha corrido termos e estava findo o processo n.º 3201/07.7 – pelo 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Viana do Castelo –, relativo aos mesmos menores, a mencionada Magistrada do Ministério Público requereu que tal procedimento corresse por apenso a este processo findo (idem).
3) Mas, pelo douto despacho que agora está impugnado em recurso, e que foi ali proferido em 17 de Novembro de 2010, a M.ª Juíza do processo indeferiu a requerida apensação, declarou tal Juízo Cível incompetente para conhecer do mesmo por conexão e ordenou que fosse à distribuição (vide essa douta decisão a fls. 17 a 20 dos autos, aqui igualmente dada por reproduzida na íntegra).
4) E, efectivamente, foi tal procedimento distribuído ao 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Viana do Castelo, onde corre agora termos com o n.º 3357/10.1 (vide a certidão de fls. 14 dos autos).
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se é competente, por conexão, para conhecer a matéria dos presentes autos de procedimento de promoção e protecção de menores o Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Viana do Castelo onde o mesmo foi instaurado, por já aí correr outro idêntico a favor dos mesmos menores – como intenta o Apelante –, ou se tem que ir à distribuição autónoma, por esse anterior processo já estar findo e arquivado – como decidiu a M.ª Juíza a quo. É isso que hic et nunc está em causa, como se vê das conclusões do recurso apresentado.

Tudo aponta, porém, adiantamo-lo já, para que seja aqui absolutamente irrelevante que o primeiro processo esteja activo ou arquivado – tendo sempre o segundo que lhe correr por apenso (por isso merecendo provimento o recurso).
Senão, vejamos:

Nos termos estatuídos no artigo 154.º da Organização Tutelar de Menores (OTM), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro (e na redacção que lhe foi introduzida pelo artigo 1.º da Lei n.º 133/99, de 28 de Agosto), sob a epígrafe de “Competência por conexão”:
1 – Se forem instaurados sucessivamente processo tutelar cível e processo de protecção ou tutelar educativo relativamente ao mesmo menor, é competente para conhecer de todos eles o tribunal do processo que tiver sido instaurado em primeiro lugar.
2 – No caso previsto no número anterior os processos correm por apenso.
(…)
5 – A incompetência territorial não impede a observância do disposto nos n.os 1 e 4”.

E o artigo 81.º, n.º 1, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), aprovada pelo artigo 1.º da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro e a ela anexa, sob a epígrafe de “Apensação de processos”:
1 – Quando relativamente à mesma criança ou jovem forem instaurados sucessivamente processos de promoção e protecção, tutelar educativo ou relativos a providências tutelares cíveis, devem os mesmos correr por apenso, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar.
(…)”.

Portanto, não fazendo a lei qualquer distinção entre processos anteriores pendentes ou findos, também o intérprete a não deverá fazer.
Naturalmente.
Aliás, quando pretendeu, para este efeito da apensação, fazer tal distinção entre processos ainda a correr termos e processos já findos, a mesma O.T.M. – e logo naquele artigo 154.º, mas n.º 4 – não hesitou em fazê-lo, prevendo que as providências tutelares cíveis relativas à regulação do exercício do poder paternal, à prestação de alimentos e à inibição do poder paternal corram por apenso à acção de divórcio ou de separação judicial litigiosos, mas pendente.
Distinguiu, assim, para os casos previstos no seu n.º 4, mas não o fez para os do seu n.º 1. Em consequência, não pretendeu aqui (no n.º 1) a distinção que quis além (no n.º 4). Ao intérprete só resta respeitar isso.

E tal solução só se reforça se formos à razão de ser das coisas.
Efectivamente, qual o interesse primordial da apensação?
Não acompanhamos o Digno Magistrado do Ministério Público, apelante, quando diz que um dos interesses é o facto de ser o mesmo Sr. Juiz a decidir ou o mesmo Sr. Procurador a suscitar e acompanhar as questões relacionadas com aquele menor ou menores. Se assim fosse, alguma consequência daí se teria que tirar, por exemplo, quando um ou outro fossem movimentados da comarca (podendo atribuir-se-lhes a competência para virem despachar nesses processos na comarca donde tivessem saído; mas isso não acontece, como se sabe).
É que a razão primacial da apensação é a aquisição processual, no fundo, o aproveitamento que se pode fazer – seja quem for o juiz ou o procurador – de todos os elementos que já constam do processo (o historial que o mesmo relata).
Ora, isso é tão verdadeiro esteja o processo findo, ou esteja pendente.

[Por isso que não podemos sufragar a jurisprudência do douto acórdão da Relação do Porto que a Mm.ª Juíza cita e segue no seu douto despacho (datado de 18 de Junho de 2008 e tirado no processo n.º 0821954).]

Como assim, num tal enquadramento fáctico e jurídico, e sendo caso de competência por conexão, tem o recorrente razão na discordância que manifesta do trabalho da Mm.ª Juíza a quo, apresentando-se agora pertinente a pretendida apensação e tendo, por isso, que alterar-se o decidido e revogar-se o despacho da 1.ª instância que em contrário decidiu.


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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em conceder provimento ao recurso, revogar o douto despacho recorrido e deferir à requerida apensação.
Sem tributação.
Registe e notifique.
Guimarães, 13 de Janeiro de 2011

Canelas Brás
António Sobrinho
Isabel Rocha