Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ROSA TCHING | ||
Descritores: | JANELAS ABERTURAS IRREGULARIDADE SERVIDÃO DE VISTAS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/07/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1º- Nem a prova produzida nem os factos dados como provados no âmbito da providência cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova, apensa aos presentes autos, relevam para efeitos de julgamento e decisão da matéria de facto da acção principal. 2º- Do cotejo dos artigos 1360º, 1363 e 1364º, todos do Código Civil, resulta existirem três tipos de aberturas: 2.1- Janelas: aberturas mais ou menos amplas, com pelo menos mais de 15 cm numa das suas dimensões, onde, no dizer tradicional, cabe uma cabeça humana, munidas de sistemas que podem abrir-se e fechar-se, permitindo a entrada de ar e luz, e ainda o debruçamento das pessoas nos seus parapeitos e gozo de vistas, sendo ainda possível, através delas, sacudir-se o pó de tapetes, verter líquidos e arremessar objectos, devassando, portanto o prédio vizinho, se circunstâncias ou regulamentos especiais a tal não obstarem. 2.1.1- E dentro destas, as janelas gradadas: aberturas, com pelo menos mais de 15 cm numa das suas dimensões, situadas a mais de um metro e oitenta centímetros do solo ou do sobrado, com grades fixas de ferro ou outro metal, de secção não inferior a um centímetro quadrado e cuja malha não seja superior a cinco centímetros. 2.2- Frestas, seteiras ou óculos (aberturas de tolerância): aberturas que têm até 15 cm numa das suas dimensões e que se situam a um metro e oitenta centímetros ou a cima de um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, destinadas à entrada de ar e luz. 2.3 - Aberturas irregulares: aberturas abaixo da altura de 1,80 metros e/ou fora das medidas previstas no artigo 1363º, n.º2, ou seja, não toleradas por lei. 3º- São de qualificar como aberturas irregulares, as aberturas, situadas a 82 cms do sobrado, com a largura de 1,55m e a altura de 1,06m, constituídas por uma estrutura em alumínio e vidro martelado fosco, dividido, de cada um dos lados, por três prumos ou barras de alumínio, com intervalos superiores a 5 cms, só permitindo a entrada directa de luz, de ar e avistar, de frente, o prédio vizinho através de uma abertura central móvel, com 61 cm. de largura e 52 cm. de altura, dividida por prumos de alumínio com intervalos de 14 cms, onde estão colocados vidros martelados foscos, situada a 42 cm. dos limites laterais, a 49 cm. do limite inferior e a 1,37/1,38 cm. do sobrado, mas que não permite o debruçamento sobre o prédio vizinho. 4º A construção e uso das “aberturas irregulares” não conduz à constituição, por usucapião, da servidão de vistas a que alude p art. 1362º, nº. 1 do C. Civili, posto que tal servidão está reservada, pelo citado artigo, às janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes. 5º- A construção e uso das “aberturas irregulares” pode conduzir à constituição, por usucapião, de uma servidão atípica (de vista, luz e ar), que confere ao respectivo titular não só o direito de manter tais aberturas, mas também o direito à manutenção das vistas e de luz e do ar, pelo que não pode deixar de se lhe reconhecer o direito de impedir que o proprietário do prédio vizinho as vede ou tape bem como o direito de impor a este a observância do disposto no nº2 do artigo 1362º do C. Civil. 6º- Daí o proprietário de prédio vizinho não poder, à frente de cada “abertura irregular”, construir edifício a menos de metro e meio. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães 1 Apelação nº2282/2006 - 2ª secção. Processo ordinário n.º470/2005. 2º Juízo Tribunal da Comarca de Felgueiras. Relatora - Maria Rosa Tching ( nº 507) Adjuntos – Des. Espinheira Baltar - Des. Carvalho Martins Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães António P..., Jorge F..., Paula V..., Manuel F... e Maria J..., residentes na cidade de Felgueiras, instauraram a presente acção com processo ordinário contra a ré Machado & N..., Ldª, com sede em Fafe, pedindo a condenação desta: - A reconhecer que os 1º, 2ºs e 3ºs autores são, respectivamente, proprietários e legítimos possuidores das fracções autónomas identificadas no artº 1º e 4º, 5º e 8º, e 9º e 12º da p.i.; - A reconhecer que existe a favor dessas fracções autónomas dos autores servidão de vistas, ar e luz, constituída por usucapião, através das janelas ou aberturas identificadas nos termos descritos nos artigos 20º e 23º a 27º da p.i.; - A restituir aos autores a posse plena das aludidas fracções autónomas, com a respectiva servidão de vistas, ar e luz, removendo todos e quaisquer obstáculos que tapem essas mesmas aberturas ou janelas ou impeçam as vistas e a entrada de ar e luz através das mesmas, deixando entre elas e o edifício que anda a construir o espaço de 3 metros, ou, no mínimo, metro e meio; - A pagar aos autores uma indemnização, a calcular em execução de sentença, pelos prejuízos que lhes causaram ou vierem a causar, advindos para estes com a colocação de obstáculos à dita servidão de vistas, ar e luz. Alegara, para tanto e em síntese, factos demonstrativos da constituição, por usucapião e a favor do prédio deles, de uma servidão de vistas, ar e luz, cujo exercício está a ser impedido pela construção de um edifício levada a cabo no prédio da ré. A ré contestou impugnando parcialmente os factos alegados pelos autores. Na sua resposta, os autores concluíram como na petição inicial. Proferido despacho saneador, elaboraram-se os factos assentes e a base instrutória, os quais foram objecto de reclamação, que não foi atendida. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância de todo o formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto controvertida pela forma constante de fls. 215 e 216. Afinal foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente,: a) Condenou a ré Machado & N..., Ldª, a reconhecer que os 1º, 2ºs e 3ºs autores são, respectivamente, proprietários e legítimos possuidores das fracções autónomas identificadas nos pontos 1), 2) e 3) dos factos provados b) Absolveu a ré dos demais pedidos deduzidos pelos autores. c) Condenou os autores no pagamento das custas. Não se conformando com esta decisão, dela, atempadamente, apelaram os autores, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1a- O thema decidendum no caso sub judice reduz-se à qualificação jurídica das aberturas descritas nas precedentes alíneas I) a M); 2a- O entendimento prevalecente na doutrina e na jurisprudência é o de que “Código novo, inspirando-se na razão da restrição relativa às janelas, designou como caracteres próprios das frestas, seteiras ou óculos para luz e ar o facto de elas estarem situadas a um metro e oitenta centímetros de altura, pelo menos, a contar do solo ou do sobrado, e não terem, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros"; 3a- Assim, todas as frestas que não obedecerem aos requisitos legais já não podem ser tratadas como frestas, aplicando-se-lhes o regime próprio relativo às janelas; 4a - Ou seja, todas as aberturas que respeitem as dimensões e localização previstas naquele n.° 2 do artigo 1363° são consideradas frestas, sendo qualificadas como janelas todas as aberturas que excedam tais dimensões e localização; 5a - E, neste último caso, uma vez decorrido o prazo necessário para se verificar a usucapião, o proprietário de tal abertura/janela adquire uma servidão, que, denominada ou não de vistas, está sujeita ao regime geral das servidões; 6a - Em tal caso, o proprietário vizinho não poderá levantar nenhum edifício ou contramuro, que vede tais aberturas, por ter sido adquirido não só o direito de manter as referidas aberturas em condições diferentes das legais, mas também o direito de impor ao proprietário vizinho a observância do disposto no n.° 2 do art. 1362°; 7a- Quer a abertura maior de 1,55 por 1,06 metros, situada a 88 cm do sobrado, fixa e com vidro fosco separado por prumos ou barras metálicas, e deixando passar luz difusa, quer aquela outra abertura situada no centro desta, situada a l metro e 37/38 cm do sobrado, abrindo por inteiro para dentro até 180° e com as dimensões de 61 cm por 52 cm, não são nem podem ser classificadas como frestas ou "frestas irregulares", pois, quer pelas suas dimensões, quer pela sua localização, quer pelo seu uso ou destino, são janelas; 8a- Através de uma "abertura" com a largura de 61 cm e a altura de 52 cm, situada a l metro e 37/38 cm do sobrado e que abre até 180° para baixo (1.° e 3° andares) ou para o lado (2.° andar), não só passa perfeitamente uma cabeça humana, como é possível uma pessoa debruçar-se; 9a- No próprio auto de inspecção judicial de fls. 88 dos autos de providência cautelar (apenso A) se reconhece expressamente que é possível debruçarmo-nos para o exterior através dessa abertura; 10a- E não se diga que a abertura central com 61 cm de largura por 52 cm de altura não tem qualquer parapeito ou suporte para as pessoas apoiarem os braços para descansar ou mesmo para se debruçarem em tal abertura para olharem para os lados, para cima e para baixo, pois a parte inferior, com a referida medida de 61 cm, funciona perfeitamente como tal para esses indicados fins; 11a - Face ao dito relatório de inspecção judicial feito na providência cautelar apensa e aos factos provados na presente acção nas precedentes als. I) a M), terá de ser também dado como não provado o art.5° da base instrutória, e, consequentemente, como aqui não há meio-termo, ser dado como provado que as aberturas permitem debruçar ou olhar para baixo; 12a - Por sua vez, do art. 3.° da Base Instrutória da presente acção o meritíssimo juiz a quo apenas deu como provado que "o que fizeram e fazem, sem pausas nem interrupções, à vista de todos, e por mera tolerância do proprietário do prédio identificado na al. G) dos factos assentes", quando, em função da prova produzida nos autos, teria de ser dado como totalmente provada a matéria constante do referido art.3.°; 13a - Aliás, nunca tal facto foi alegado pela R. na contestação, pelo que deveria logo ter sido dado como provado, levando-se para os Factos Assentes, que não tinha havido oposição; 14a - Por outro lado, a prova aduzida nos presentes autos e na providência cautelar apensa com a letra "A" foi a mesma, e nesta última ficou dado como provado que "a utilização de tais aberturas ocorreu à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, sem violência e de forma continuada há mais de 20 anos" (ver sentença, al. O) dos factos provados); 15a - Os fundamentos invocados pelo meritíssimo juiz a quo para se convencer que os autores vinham dando aquele uso às ditas aberturas por mera tolerância da então proprietária do prédio vizinho e sem a convicção do exercício de um direito de servidão não podem, de direito, sustentar uma tal convicção; 16a - Assim, o facto de a testemunha Artur da Silva Leite ter referido que a então dona do prédio da ré se opôs à abertura de quaisquer janelas na empena norte do prédio onde habitam os autores, tendo então ficado acordada com ela a construção das aberturas que hoje existem, sem prejuízo dela, no futuro, poder ali encostar uma construção, tapando-as, não pode, por si só, servir de fundamento para provar que os autores vinham usando as aberturas por mera tolerância; 17a - Faltou provar que, aquando da venda das ditas fracções pelo construtor em 31 de Dezembro de 1981 a terceiros (vejam-se arts. 3°, 7° e 11° da p.i., expressamente confessados pela ré no art. 1° da contestação, e provados pêlos does. n.°16 e 17 da p.i.) e depois, por sua vez, por estes aos autores, foi transmitida de alguma forma a existência desse acordo; 18a - Temos, pois, de concluir pela existência do direito que os ora apelantes se arrogam, a aludida servidão de vistas, ar e luz exercida pelas aberturas/janelas supra aludidas; 19a - Assim, devia ter sido julgada totalmente procedente a presente acção; 20a - Pelo que, ao julgá-la só parcialmente procedente, a decisão recorrida violou o disposto nos arts. 1362° e 1251° do Código Civil”. Afinal, pedem seja revogada a decisão recorrida a sua substituição por outra que julgue totalmente procedente a presente acção. A ré contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: Os factos dados como provados na 1ª instância (colocando-se entre parênteses as correspondentes alíneas dos factos assentes e os correspondentes números da base instrutória) são os seguintes: 1. Por escritura pública celebrada em 23.11.83, com cópia a fls 42, o autor António P... declarou comprar a Nelson M... e mulher Maria P..., que declararam vender, a fracção autónoma designada pela letra C, correspondente ao 1º andar lado esquerdo, destinada a escritório, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no cruzamento da Rua Costa Guimarães com a Avenida Dr. Magalhães Lemos, freguesia de Margaride, concelho de Felgueiras, inscrito na matriz sob o artigo 1273, descrito na Conservatória sob o nº 502 (al. A) dos factos assentes); 2. Encontra-se registada em G-2 a favor dos autores Jorge F... e mulher Paula V..., a fracção autónoma designada pela letra E, correspondente ao segundo andar lado esquerdo, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no cruzamento da Avenida Dr. Magalhães Lemos com a Rua Costa Guimarães, inscrito na matriz sob o artigo 1273, descrito na Conservatória sob o nº 502 (al. B) da matéria de facto assente); 3. Encontra-se registada em G-2 a favor dos autores Manuel F... e mulher Maria J... a fracção autónoma designada pela letra G, correspondente ao terceiro andar lado esquerdo, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no cruzamento ou gaveto da Av. Dr. Magalhães Lemos com a Rua Costa Guimarães, inscrito na matriz sob o artigo 1273, descrito na Conservatória sob o nº 502 (al. C) da matéria de facto assente); 4. Os autores, por si e antepossuidores, utilizam as respectivas fracções autónomas para sua habitação e de suas famílias, há mais de 20 anos, sem oposição de ninguém, sem interrupções, à vista de toda a gente e na convicção de serem os únicos donos (al. D) da matéria de facto assente); 5. O prédio foi submetido ao regime de propriedade horizontal pela escritura cuja cópia se acha a fls 47 e cujo teor se dá por repetido (al. E) da matéria de facto assente); 6. Para o prédio foi emitida a licença de utilização nº 158, emitida em 17.11.81 pela Câmara Municipal de Felgueiras, cuja cópia se acha a fls 57 (al. F) da matéria de facto assente); 7. Encontra-se registado a favor da ré Machado & N..., Ldª, em G-2, o prédio rústico denominado Bouça, composto de terra de cultura com videiras em ramada, com a área de 1.000 m2, sito na freguesia de Margaride, concelho de Felgueiras, inscrito na matriz sob o artigo 621, descrito na Conservatória sob o nº 597 (al. G) da matéria de facto assente); 8. Em cada uma das 3 fracções autónomas existe um compartimento, nos 3 pisos sobrepostos, com uma única abertura na parede exterior norte do prédio e na estrema ou linha divisória com o prédio da ré referido no ponto 7), aberturas essas que não estavam previstas no projecto e obra licenciados pela Câmara Municipal (al. H) da matéria de facto assente); 9. As 3 aberturas têm uma forma rectangular, estão situadas a 82 cm do sobrado, tendo 1,55 m de largura e 1,06 m de altura (al. I) da matéria de facto assente); 10. As aberturas deitam directamente sobre o prédio da ré, tendo no seu centro uma abertura (al. J) da matéria de facto assente); 11. Estão configuradas com uma estrutura em alumínio e vidro martelado fosco, são divididas, de cada um dos lados da abertura, com três prumos ou barras de alumínio que distam uma das outras 17 cm., sendo que, na abertura do centro, a distância entre prumos é de 14 cm. (al. K) da matéria de facto assente); 12. Cada abertura central situa-se a 42 cm. dos limites laterais, inicia-se a 49 cm. do limite inferior, está a 1,37/1,38 cm. do sobrado e tem 61 cm. de largura por 52 cm. de altura (al. L) da matéria de facto assente); 13. Cada abertura central é móvel ou basculante, abrindo para o interior do compartimento, sendo que nas fracções C e G abre para baixo em duas posições, a 45º e a 180º, e na fracção E abre para o lado até à posição de 180º (al. M) da matéria de facto assente); 14. Em finais de Setembro de 2004, ao abrigo da licença de construção nº 552, emitida em 18.12.2003, a ré começou a construir um edifício no prédio referido no ponto 7), estando prevista a sua construção até enconstar a parede sul do prédio à parede norte das fracções onde se incrustam as aberturas, tapando-as asim completamente (al. O) da matéria de facto assente); 15. Há mais de 20 anos que os autores utilizam as aberturas para receber luz e arejar os respectivos quartos e para avistarem o prédio da ré (resposta ao artº 1º da BI); 16. E para contemplarem o prédio da ré de frente, sem necessitarem, sequer, de se debruçarem (resposta ao artº 2º da BI); 17. O que fizeram e fazem, sem pausas e interrupções, à vista de todos, e por mera tolerância do proprietário do prédio identificado no ponto 7) (resposta ao artº 3º da BI); 18. Em consequência da obra da ré, os autores ficaram privados de receber luz, sol e arejamento nos seus quartos (resposta ao artº 4º da BI); 19. As aberturas não permitem debruçar para baixo (resposta ao artº 5º da BI). FUNDAMENTAÇÃO: Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente. Assim, as únicas questões a decidir traduzem-se em saber se: 1º- há lugar à alteração da decisão sobre a matéria de facto; 2º- existe fundamento para a total procedência dos pedidos formulados pelos autores. I- Relativamente à primeira das supra enunciadas questões, sustentam os autores/apelantes que foram incorrectamente julgados os factos perguntados nos artigos 3º e 5º da base instrutória. No caso sub judice houve gravação dos depoimentos prestados em audiência, a recorrente indicou os pontos de facto impugnados bem como os depoimentos da testemunha em que se funda. Por isso, nos termos do art. 712º, n.º1 do C. P. Civil, na redacção introduzida pelo DL n.º180/96, de 25-9 e DL n.º 375-A/99, de 20-9 e do art. 690-A do mesmo diploma legal, na redacção dada pelo DL n.º 183/2000, de 18/8, é possível a alteração da matéria de facto. Cumpre, porém, referir que o sistema de gravação sonora dos meios probatórios oralmente produzidos é insuficiente para fixar todos os elementos susceptíveis de condicionar ou de influenciar a convicção do juiz perante quem são prestados. Como alerta Antunes Varela In, RLJ, Ano 129º, pág. 295. ”É sabido que, frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.” No mesmo sentido, salienta António Abrantes Geraldes In, “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, 3ª ed. pág. 273. que “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores”. A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal, como decorre do disposto nos artigos 396º e 655º, do C. P. Civil. Todavia, como já dizia Alberto dos Reis In, Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 569., “ (...) prova livre (...),quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”. Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas afirmativas à matéria de facto, consagrado no artigo 653º, n.º2 do C. P. Civil, o qual, após a redacção introduzida pelo DL n.º39/95, passou a ser também obrigatório quanto aos factos não provados. Segundo Teixeira de Sousa In, “Estudos”, pág. 348. ”o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente”. Por isso, esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão. É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância, sem esquecer, porém, as limitações acima referidas Aliás, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 19.9.2000, in, CJ, Tomo IV, pág. 186, decidiu mesmo que “ porque se mantém vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados”. No mesmo sentido, vide Ac. da Relação de Lisboa, de 27.3.2001, in, CJ. , Tomo III, pág. 86. . Na base instrutória, perguntava-se: No artigo 3º- “O que fizeram e fazem, sem pausas ou interrupções, à vista de todos, sem oposição, na crença de não prejudicarem ninguém e na convicção de serem titulares de um direito?”; E no artigo 5º- “As aberturas não permitem debruçar ou olhar para baixo?” Conforme se vê do despacho motivador do julgamento da decisão sobre a matéria de facto 215 e 216 dos presentes autos, os referidos artigos mereceram as seguintes respostas restritivas: Artigo 3º - Provado que “o fizeram e fazem, sem pausas e interrupções, à vista de todos, e por mera tolerância do proprietário do prédio identificado na al. G) dos factos assentes”. Artigo 5º- Provado apenas que “as aberturas não permitem debruçar para baixo”. E constata-se ainda do mesmo despacho que o Exmº Juiz a quo fundamentou a decisão sobre a matéria de facto, ora posta em causa, do seguinte modo: “(…) Convenceu-se porém o tribunal que os autores vinham dando aquele uso às ditas aberturas por mera tolerância da então proprietária do prédio vizinho e sem a convicção do exercício de um direito de servidão na medida em que: - Conforme é perceptível pelas fotografias juntas aos autos, as aberturas em causa são "sui generis", não correspondendo de modo nenhum à configuração típica de uma janela de quarto, sendo certo que apresentam-se daquele modo para que a obra em causa pudesse ter sido licenciada (ao que parece, a autarquia não considerou aquelas aberturas como janelas, pois caso contrário, por violar o RGEU - dado que não respeitava a distância de 1,5 metros em relação ao prédio da ré -, jamais tal obra seria licenciada, conforme emergiu do depoimento das testemunhas Rui A..., arquitecto e funcionário camarário, e José F..., engenheiro civil e funcionário camarário); - A empena norte do prédio dos autores - conforme é manifesto e perceptível pelas referidas fotografias - está preparada para receber outro prédio; isto é, é perfeitamente perceptível para o comum dos cidadãos que mais cedo ou mais tarde poderia nascer um edifício de apartamentos no prédio da ré enconstado ao prédio dos autores, dada a forma como a empena norte deste último está construída (cfr. ainda os depoimentos das testemunhas Rui A... e José F...); - Segundo referiu a testemunha Artur L... (proprietário de 3 apartamentos no prédio dos autores), a então dona do prédio da ré opôs-se à abertura de quaisquer janelas na empena norte do prédio onde habitam os autores, tendo então ficado acordada com ela a construção das aberturas que hoje existem, sem prejuízo dela, no futuro, poder ali encostar uma construção, tapando-as. Da conjugação de todos esses elementos de prova, concluiu o tribunal que os autores usavam aquelas aberturas - para os fins já referidos - por mera tolerância da proprietária do imóvel identificado na al. G) da matéria de facto assente. E por essa razão que o tribunal não se convenceu que os autores tivessem a crença de serem titulares de qualquer direito de servidão de vistas, de ar ou de luz. (…) Nessa inspecção constatou-se, por outro lado, que as ditas aberturas permitem apenas olhar para baixo”. Sustentam, porém, os autores que, em função da prova produzida nos autos, a matéria de facto perguntada no referido artigo 3º deve ser dada como totalmente provada. Isto porque ao dar como provado que os autores actuaram “por mera tolerância do proprietário do prédio identificado na al. G) dos factos assentes”, o Mmº Juiz serviu-se de factos que nem sequer foram alegados pela ré na sua contestação, pelo que deveria ter sido logo dado como provado, levando-se para os Factos Assentes, que não tinha havido oposição. Porque a prova aduzida nos presentes autos e na providência cautelar apensa com a letra "A" foi a mesma, e nesta última ficou dado como provado que "a utilização de tais aberturas ocorreu à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, sem violência e de forma continuada há mais de 20 anos" (ver sentença, al. O) dos factos provados); E porque o facto de a testemunha Artur da Silva Leite ter referido que a então dona do prédio da ré se opôs à abertura de quaisquer janelas na empena norte do prédio onde habitam os autores, tendo então ficado acordada com ela a construção das aberturas que hoje existem, sem prejuízo dela, no futuro, poder ali encostar uma construção, tapando--as, não pode, por si só, servir de fundamento para provar que os autores vinham usando as aberturas por mera tolerância; Para tanto, seria necessário provar que, aquando da venda das ditas fracções pelo construtor em 31 de Dezembro de 1981 a terceiros e aquando da venda das mesmas fracções por estes terceiros aos autores, foi transmitida, de alguma forma, a existência desse acordo. Que dizer? A este respeito, começaremos por dar razão aos autores/apelantes ao afirmarem que a resposta ao dito artigo contém factos que não foram alegados pela ré. Na verdade, lendo e relendo os articulados, facilmente se constata que, na sua contestação, a ré limitou-se a impugnar a matéria alegada pelos autores na petição inicial. Mas se assim é, então, inquestionável se torna que o Mmº Juiz a quo nunca poderia ter dado como provado que os autores actuaram “por mera tolerância do proprietário do prédio identificado na al. G) dos factos assentes”. É que estabelece o art. 664º do C. P. Civil, que “... o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264º”. Prescreve o art. 264º, n.º1 do C. P. Civil que “as partes definem o objecto do litígio através da dedução das suas pretensões e da alegação dos factos que integram a causa de pedir e as excepções” (n.º1). Estatui o seu n.º2 que “ o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 541º e 665º, utilizando-os quando resultem da instrução e julgamento da causa”. Por seu turno, o n.º3 do mesmo preceito acrescenta que “podem ainda ser considerados na decisão factos essenciais à procedência da pretensão formulada pelo autor ou da excepção ou reconvenção deduzidas pelo réu, que sejam complemento ou concretização de outros que a parte haja oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório”. Assim, à luz do disposto na redacção actual deste artigo 264º criou-se um alargamento da intervenção do juiz. E, para compreender o actual regime, importa, desde logo, distinguir entre factos principais, factos essenciais, factos complementares e factos instrumentais. Os factos principais da causa são os que integram a causa de pedir ou o fundamento das excepções peremptórias. Esses factos principais englobam os factos essenciais e os factos complementares. Como escreve Miguel Teixeira de Sousa In, “ Estudos Sobre o Processo Civil”, pág. 71. : " ...os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na acção ou na excepção - os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa acção ou dessa excepção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte." Como resulta do citado artigo 264° n.° l do C.P.C., só às partes compete alegar os factos principais da causa. A alegação destes factos principais é feita nos articulados ( artigo 151° n.°l do C.P.C.), neles estão incluídos para além dos articulados normais (petição, contestação, réplica ou resposta à contestação, tréplica) também o articulado superveniente cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, pág. 130.. A falta de alegação dos factos essenciais traduz-se na ineptidão da petição por falta de causa de pedir ( artigo 193° n.° 2 al. a) do C.P.C), e a falta de factos complementares importa a improcedência do pedido. E neste mesmo sentido o n.° 2 do artigo 264°, completando o n.° l, veda ao juiz a consideração dos factos principais diversos dos alegados pelas partes, com excepção dos factos notórios ( artigo 514° do C.P.C) e daqueles que o tribunal tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções e os constitutivos de simulação ou fraude processual, Mas para além de tudo isto e no que respeita aos factos principais essenciais ou complementares não tempestivamente alegados pelas partes nos articulados, a verdade é que consente ainda o nº3 do citado art.264º que o tribunal, durante a fase de discussão da causa, venha a adquirir tais factos desde que se verifique cumulativamente o seguinte: a) Deve tratar-se de factos principais complementares de outros essenciais já alegados, ainda que de forma imperfeita; b) Os novos factos a carrear para o processo devem resultar da instrução e discussão da causa; c) A parte interessada na sua inserção no processo, deve expressá-lo por requerimento, em que deve indicar quais os novos factos que pretende sejam aditados; d) A parte contrária deve poder pronunciar-se quanto à admissibilidade do aditamento dos novos factos e quanto à sua aceitação ou respectiva impugnação. e) O juiz que preside ao julgamento deve, então, pronunciar-se sobre a admissibilidade dos novos factos. Caso os admita, se provados, deve aditá-los à especificação e, se controvertidos, incluí-los na base instrutória e caso, esta tenha sido dispensada, deve expressamente referir quais os que foram admitidos e terão de ser objecto de prova ( artigos 650° n.° 2 al. f) e n.° 3). f) Qualquer das partes pode apresentar, imediatamente ou no prazo de 10 dias, novos meios de prova ou contraprova ( artigo 650° n.° 3). g) Concluída a fase de discussão, o tribunal tem de incluir os novos factos na decisão sobre a matéria de facto cfr. neste sentido, vide Abrantes Geraldes, in, “Temas da Reforma do Processo Civil, I vol. págs. 64 a 67 e vol. II, págs. 156 e 157 e “Lebre de Freitas, João Redimia e Rui Pinto, in, “Código de Processo Civil, Anotado”, pág. 468.. Por outro lado, há também que considerar os factos instrumentais que "são aqueles de cuja prova se pode inferir a demonstração dos correspondentes factos principais.", sendo que, relativamente a estes, a 2ª parte do n.° 2 do artigo 264° expressamente prevê a possibilidade de oficiosamente o tribunal os atender, ainda que não tenham sido alegados pelas partes, no momento oportuno. No entanto, para que tal se verifique é ainda necessário que: a) Os novos factos a carrear para o processo resultem da instrução e discussão da causa; b) Às partes seja dada a oportunidade de se pronunciarem quanto à admissibilidade do aditamento dos novos factos e quanto à sua aceitação ou respectiva impugnação. c) O juiz que preside ao julgamento se pronuncie sobre a admissibilidade dos novos factos. Caso os admita, se provados, os adite à especificação e, se controvertidos, os inclua na base instrutória, devendo ainda, caso esta tenha sido dispensada, referir expressamente quais os factos que foram admitidos e os que terão de ser objecto de prova ( artigos 650° n.° 2 al. f) e n.° 3). d) Seja dada às partes a oportunidade de apresentarem, imediatamente ou no prazo de 10 dias, novos meios de prova ou contraprova ( artigo 650° n.° 3). e) Concluída a fase de discussão, o tribunal inclua os novos factos na decisão sobre a matéria de facto. Conforme já se deixou dito, no caso presente, os factos em causa – ao autores actuaram “por mera tolerância do proprietário do prédio identificado na al. G) dos factos assentes”– não foram alegados por nenhuma das partes e foram dados como provados pelo Tribunal a quo, com base, essencialmente, no depoimento da testemunha Artur Leite que referiu que a então dona do prédio da ré opôs-se à abertura de quaisquer janelas na empena norte do prédio onde habitam os autores, tendo então ficado acordada com ela a construção das aberturas que hoje existem, sem prejuízo dela, no futuro, poder ali encostar uma construção, tapando-as. Significa isto tratarem-se de factos resultantes da discussão da causa. Por outro lado, atenta a distinção entre os factos atrás efectuada, é de admitir a classificação dos mesmos como factos principais essenciais, na medida em que consubstanciam matéria de excepção. Na verdade, tendo os autores alegado, nos artigos 28º, 29º e 30º da sua petição inicial, que sempre usaram as ditas aberturas para entrada de luz e ar nos quartos e para terem vista sobre o prédio da ré, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, há mais de 20 anos, sem violência e de forma continuada e tendo ainda em conta as presunções, juris tantum, estabelecidas no nº. 2 do art. 1252º do C. Civil (que significa que quem exerce o poder de facto sobre certa coisa fica isento do ónus da prova do respectivo animus possidendi), e no nº 1 do art. 1268º do mesmo Código (que significa que quem está na posse de uma coisa, é titular do direito correspondente aos actod que se praticam sobre ela), dúvidas não restam, caber à Ré, por nisso ter interesse, o ónus de alegar e provar que o poder de facto exercido pelos autores é desacompanhado da intenção de agir como beneficários de um direito, configurando uma situação de simples, traduzida na prática de só de mera tolerância e prevista no art. 1253º do C. Civil (cfr. arts. 342º, nº. 2 e 350º, nº. 1, ambos do C. Civil). Isto é, no dizer de Henrique Mesquita In, “Direitos Reais”, 1966, pág. 70., de actos praticados com o consentimento - expresso ou tácito – do titular do direito real, mas sem que este pretenda atribuir um direito ao beneficiário. Com a sua tolerância o titular do direito apenas quer significar que não fará oposição, que não reagirá contra os actos incompatíveis ou contrastantes com o direito. Mas não quer limitar este: o seu direito conserva toda a sua licitude de onde deriva que o autor da tolerância reserva a faculdade de, em qualquer momento, pôr fim à actividade tolerada. Ora, consubstanciando a matéria em causa factos principais essenciais, que não foram alegados pela ré, fácil é concluir que o Tribunal a quo não podia dá-lo como provados. De resto sempre se dirá que, mesmo considerando-os como factos principais complementares, só podiam ser atendidos pelo Tribunal a quo, desde que a Ré, parte a quem aproveitam, tivesse manifestado, na audiência de julgamento, vontade de se servir deles, através de pertinente requerimento, para poder facultar aos autores o exercício do contraditório, nos termos atrás referidos, o que não aconteceu no caso dos autos, conforme se vê da acta de audiência de julgamento. Daí ter-se por assente que o Tribunal não podia dar como provado que os autores actuaram “por mera tolerância do proprietário do prédio identificado na al. G) dos factos assentes”, pelo que ao fazê-lo violou o disposto nos citados arts. 664º e 264º do C. P. Civil. E a sanção para tal infracção é, por aplicação analógica do que se prescreve no art. 646º, nº.4 do C. P. Civil, a de se ter como não escritos esses mesmos factos Vide, entre muitos outros, o Ac. da Relação do Porto, de 11.6.1998, in, BMJ, n.º 368º, pág. 613.. Mas, então qual é a resposta a dar aos factos perguntados no referido quesito 3º? Quanto a nós, tal como os autores, julgamos que a resposta não pode deixar de ser totalmente afirmativa. E isto não obstante se entender não serem de acolher os dois primeiros argumentos por eles avançados.. Assim e contrariamente ao defendido pelos autores, não se vê que fosse possível considerar, desde logo, como facto assente que os autores actuaram sem oposição, porquanto trata-se de matéria controvertida, alegada pelos autores no artigo 30º da petição inicial e impugnada pela ré no artigo 32º da sua contestação. Também, diferentemente do sustentado pelos autores, cumpre referir que a circunstância de ser a mesma a prova produzida nos presentes autos e na providência cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova bem como a circunstância de nestes últimos autos se ter dado como provado que “a utilização de tais aberturas ocorreu à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, sem violência e de forma continuada há mais de 20 anos" em nada relevam para efeitos de julgamento e decisão da matéria de facto do presente litígio. Na verdade, a isso se opõe o nº. 3 do art. 383º C. P. Civil, o qual dispõe que “Nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da acção principal”. E bem se compreende que seja assim, porquanto é consabido que a relação entre o processo cautelar e o processo é de mera instrumentalidade hipotética. Todavia, julgamos assistir razão aos autores quando afirmam que o depoimento da testemunha Artur L... (mesmo conjugado com o facto de as ditas aberturas não constarem do projecto de construção do respectivo edifício, aprovado e licenciado pela Câmara Municipal de Felgueiras Dele constando apenas frestas., bem como com o facto de a construção do prédio da ré estar aprovada e licenciada pela mesma Câmara) não permite extrair a conclusão de que os autores usavam aquelas aberturas, para os fins referidos, por mera tolerância da proprietária do imóvel identificado na al. G) da matéria de facto assente. E muito menos que seja bastante para afastar a formação da convicção de que os autores actuaram e actuam na crença de serem titulares de qualquer direito de servidão de vistas, de ar ou de luz. É que, se é verdade que a referida testemunha afirmou que a, então, dona do prédio da ré se opôs à abertura de quaisquer janelas na empena norte do prédio onde habitam os autores, tendo ficado acordada com ela a construção das aberturas que hoje existem, sem prejuízo dela, no futuro, poder ali encostar uma construção, tapando-as, também não é menos verdade nem sequer resultar desse depoimento que esse acordo foi feito com os autores ou que estes tinham conhecimento de tal acordo. E sendo assim, nenhum relevo pode ser assacado a este depoimento, nomeadamente para contrariar, nesta parte, os depoimentos das testemunhas Nelson P..., M... Jesus e Joaquim O... que serviram também de base à formação da convicção do Tribunal a quo quanto ao modo de actuação dos autores: sem oposição de quem quer que seja, na crença de não prejudicarem ninguém e na convicção de serem titulares de um direito. De resto, sempre se dirá que a eventual circunstância das aberturas em causa terem sido feitas em contravenção do R.G.E.U não constitui obstáculo à constituição da servidão de vistas por usucapião (cfr. art. 1362º, nº. 1 do C. Civil). E muito menos o licenciamento administrativo de uma obra constitui garantia de que a construção da mesma foi feita com respeito das limitações impostas pelo artigo 1360º do C. Civil, porquanto o R.G.E.U. contém normas de interesse público que, no domínio de restrições à construção civil, nem sempre coincidem com as restrições de direito privado impostas pelo citado art. 1360º. Por tudo isto e porque, tendo procedido à audição do registo da prova gravada, está este Tribunal em condições de alterar a decisão sobre tal matéria de facto, entendemos que a resposta a dar ao mencionado artigo 3º da base instrutória, é a de PROVADO que “os autores o fizeram e fazem, sem pausas ou interrupções, à vista de todos, sem oposição, na crença de não prejudicarem ninguém e na convicção de serem titulares de um direito”. Mas sustentam ainda os autores/apelantes que, face ao relatório de inspecção judicial constante de fls. 88 dos autos de providência cautelar apensa e aos factos provados na presente acção e supra sob os nºs 9 e 13 ( e correspondentes às alíneas I) a M) dos factos assentes), a matéria de facto perguntada no art.5° da base instrutória deve ser dada como não provada, e, consequentemente, ser dado como provado que as aberturas permitem debruçar ou olhar para baixo. Cremos, porém, não lhes assistir razão. É que, apesar de se vislumbrar contradição entre os dois referidos autos de inspecção, na medida em que se fez constar do auto de inspecção judicial realizado no âmbito da referida providência cautelar que “de dentro da casa é possível debruçar-nos para o exterior” e do auto de inspecção judicial constante de fls. 213 dos presentes autos que “pela abertura em causa é possível olhar para baixo, mas já não debruçar”, isso não significa que se tenha de dar prevalência àquele primeiro auto de inspecção. Na verdade, a isso se opõe até o já citado nº. 3 do art. 383º C. P. Civil. Acresce que nenhum impedimento existe a que o Mmº juiz a quo baseie a sua convicção na inspecção judicial por ele próprio efectuada nos presentes autos, consabido que é que a prova por inspecção tem por fim a percepção directa de factos pelo tribunal e que a sua força probatória é de livre apreciação (cfr. arts. 390º e 391º do C. Civil). Assim e porque, para além do auto de inspecção judicial realizado no âmbito dos autos de providência cautelar apensa, inexiste qualquer outro elemento objectivo que permita pôr em causa a convicção por ele adquirida, entendemos, não haver fundamento para este Tribunal alterar a resposta ao artigo 5º da base instrutória. Por fim e contrariamente ao defendido pelos autores, sempre se dirá que , mesmo na hipótese de se considerar como não provada a matéria de facto vertida no referido artigo 5º, isso não significaria que se tivesse de dar como provado que as ditas aberturas permitem debruçar ou olhar para baixo, pois que a resposta negativa a um quesito apenas revela que ele não se provou, não se podendo dela concluir ter-se provado o facto contrário. Daí procederem apenas parcialmente as 9ª a 17ª conclusões dos autores/apelantes. II- E assente que, após a alteração supra efectuada, a factualidade a ter em conta para efeitos de decisão de mérito é a supra descrita sob os nºs 1º a 16º, 18º, 19º, bem como sob o nº 17º, com a seguinte redacção: “O que fizeram e fazem, sem pausas ou interrupções, à vista de todos, sem oposição, na crença de não prejudicarem ninguém e na convicção de serem titulares de um direito”, importa, agora, averiguar se devem, ou não, proceder os demais pedidos formulados pelos autores, ou seja, condenação da ré a: A- reconhecer que existe a favor dessas fracções autónomas dos autores servidão de vistas, ar e luz, constituída por usucapião, através das janelas ou aberturas identificadas nos artgs 20º e 23º a 27º da p.i.; B- restituir aos autores a posse plena das aludidas fracções autónomas, com a respectiva servidão de vistas, ar e luz, removendo todos e quaisquer obstáculos que tapem essas mesmas aberturas ou janelas ou impeçam as vistas e a entrada de ar e luz através das mesmas, deixando entre elas e o edifício que anda a construir o espaço de 3 metros, ou, no mínimo, metro e meio; C- pagar aos autores uma indemnização, a calcular em execução de sentença, pelos prejuízos que lhes causaram ou vierem a causar, advindos para estes com a colocação de obstáculos à dita servidão de vistas, ar e luz. A sorte de tais pedidos, passa pela resolução das seguintes questões essenciais: 1ª- como classificar as aberturas existentes na fachada poente do prédio dos réus; 2ª- saber se tais aberturas determinaram a constituição de uma servidão de vistas a favor do prédio dos autores e onerando o prédio da ré; 3ª- saber se conduta da ré causou ou é susceptível de causar prejuízo aos autores. No caso dos autos ficou provado que: Em cada uma das 3 fracções autónomas dos autores existe um compartimento, nos 3 pisos sobrepostos, com uma única abertura na parede exterior norte do prédio e na estrema ou linha divisória com o prédio da ré; Estas 3 aberturas têm uma forma rectangular, estão situadas a 82 cm do sobrado, tendo 155 m de largura e 1,06 m de altura; Deitam directamente sobre o prédio da ré, tendo no seu centro uma abertura; Estão configuradas com uma estrutura em alumínio e vidro martelado fosco, são divididas, de cada um dos lados da abertura, com três prumos ou barras de alumínio que distam uma das outras 17 cm., sendo que, na abertura do centro, a distância entre prumos é de 14 cm.; Cada abertura central situa-se a 42 cm. dos limites laterais, inicia-se a 49 cm. do limite inferior, está a 1,37/1,38 cm. do sobrado e tem 61 cm. de largura por 52 cm. de altura; Cada abertura central é móvel ou basculante, abrindo para o interior do compartimento, sendo que nas fracções C e G abre para baixo em duas posições, a 45º e a 180º, e na fracção E abre para o lado até à posição de 180º; tais aberturas permitem a entrada de luz e ar e avistar o prédio da ré, mas não permitem debruçar para baixo. Perante este quadro factual, o Mmº juiz a quo, qualificou as três aberturas existentes na parede norte do prédio dos autores como frestas irregulares, isto é, frestas que não obedecendo às dimensões indicadas no artº 1363º, nº 2, do CC, não constituem janelas por força das suas características (a estrutura em alumínio e o vidro fosco em quase toda a sua extensão, com uma pequena abertura sensivelmente no centro) ou do uso que lhes é dado (não permitem debruçar). E, consequentemente, considerou poder a ré, por força do disposto no artº 1363º, nº 1, do CC, levantar no seu prédio um edifício que tape as ditas aberturas. Diferentemente entendem os autores/apelantes que tais aberturas devem ser qualificadas como janelas. E consequentemente, estar o prédio da ré onerado com uma servidão de vistas relativamente a tais janelas. Isto porque seguiram a orientação de parte da jurisprudência e doutrina que entende que o conceito de janela é obtido pela negativa: regra geral, será janela toda a abertura que não possa qualificar-se como fresta, seteira ou óculo, ou seja, numa formulação abrangente, toda a abertura que tenha por destinação objectiva e função normal, para além de fornecer luz e assegurar a entrada de ar, a de facultar vistas permitindo vislumbrar através dela, tenha ou não vidraça, Quanto a nós, julgamos não ser de perfilhar nenhum destes entendimentos. A fim de conciliar os interesses conflituantes dos proprietários limítrofes, o nº 1 do art. 1360º do C. Civil, proíbe “a abertura de janelas em construção que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio” Por sua vez, estipula o art. 1363º que : “1. Não se consideram abrangidas pelas restrições da lei as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, podendo o vizinho levantar a todo o tempo a sua casa ou contramuro, ainda que vede tais aberturas. 2. As frestas, seteiras ou óculos para luz e ar devem , todavia, situar-se pelo menos a um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, e não devem ter, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros; a altura de um metro e oitenta centímetros respeita a ambos os lados da parede do muro onde essas aberturas se encontram”. Finalmente, contemplando as janelas gradadas, preceitua o art. 1364º do C. Civil, que “ É aplicável o disposto no n.º1 do artigo antecedente às aberturas, quaisquer que sejam as suas dimensões, igualmente situadas a mais de um metro e oitenta centímetros do solo ou do sobrado, com grades fixas de ferro ou outro metal, de secção não inferior a um centímetro quadrado e cuja malha não seja superior a cinco centímetros”. Resulta, assim, do cotejo destes preceitos legais existirem três tipos de aberturas Neste mesmo sentido já se decidiu no Acórdão desta Relação proferido na Apelação nº. 264/2004-2ª Secção e relatado pela ora relatora.: 1º- Janelas: aberturas mais ou menos amplas, com pelo menos mais de 15 cm numa das suas dimensões, onde, no dizer tradicional, cabe uma cabeça humana, munidas de sistemas que podem abrir-se e fechar-se, permitindo a entrada de ar e luz, e ainda o debruçamento das pessoas nos seus parapeitos e gozo de vistas, sendo ainda possível, através delas, sacudir-se o pó de tapetes, verter líquidos e arremessar objectos, devassando, portanto o prédio vizinho, se circunstâncias ou regulamentos especiais a tal não obstarem. E dentro destas, as janelas gradadas: aberturas, com pelo menos mais de 15 cm numa das suas dimensões, situadas a mais de um metro e oitenta centímetros do solo ou do sobrado, com grades fixas de ferro ou outro metal, de secção não inferior a um centímetro quadrado e cuja malha não seja superior a cinco centímetros. 2º- Frestas, seteiras ou óculos (aberturas de tolerância): aberturas que têm até 15 cm numa das suas dimensões e que se situam a um metro e oitenta centímetros ou a cima de um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, destinadas à entrada de ar e luz. 3º- Aberturas irregulares: aberturas abaixo da altura de 1,80 metros e/ou fora das medidas previstas no artigo 1363º, n.º2, ou seja, não toleradas por lei. E tal distinção assume especial relevo, pois que a lei dá tratamento diferenciado a cada uma destas situações. Assim, quanto às janelas, de harmonia com o disposto no citado art. 1360º , n.º1 , o dono do prédio vizinho tem o direito de exigir a sua tapagem caso as mesmas não distem um metro e meio deste prédio, estabelecendo o art. 1362º, n.º1 do C. Civil, que as janelas, em contravenção do disposto na lei, podem importar a constituição da servidão de vistas por usucapião. Já quanto às frestas seteiras ou óculos, resulta do estabelecido no art.1363º, n.º1 do C. Civil, que as mesmas nunca importam a constituição de servidão, podendo ser tapadas pelo vizinho quando este resolver construir casa encostada ou contramuro, desde que no exercício legítimo do conteúdo do seu direito de propriedade (art. 1305º do C. Civil). Contudo, no que respeito às referidas aberturas irregulares, não dá a lei tratamento específico. E se é verdade que a doutrina e a jurisprudência estão divididas quanto à possibilidade de tais aberturas poderem, ou não, importar constituição de servidão de vistas No sentido afirmativo, vide Pires de lima e Antunes Varela, in, “Código Civil, Anotado”, 2ª edª. revista e actualizada, pág. 225; Ac. da Relação de Évora, de 7.03.1991, in, CJ, ano 1991, tomo II, pág. 317; Ac. da Relação de Coimbra, de 29.10.96, in, CJ, ano 1996, Tomo IV, pág. 48. Em sentido contrário, vide Henrique Mesquita, in, RLJ, ano 128º, pág. 126; Ac. do STJ, de 3.4.91, in, BMJ n.º 406º, pág. 644; Ac. da Relação de Évora de 14.01.1999, in, CJ, Ano 1999, tomo I, pág. 262 e Ac. da Relação do Porto, de 21.09.2000, in, CJ, ano 2000, Tomo IV, pág. 189. , por usucapião, a verdade é que parece pacífico o entendimento de que as mesmas podem conduzir à constituição de uma servidão de ar e luz, por usucapião, posto que, nos termos do artigo 1544º do C. Civil, a servidão pode ter por objecto quaisquer utilidades Vide, doutrina e jurisprudência citadas. . Assim, decorrido o prazo necessário para haver usucapião, o proprietário adquire uma servidão de ar e de luz, o que lhe confere o direito de manter tais aberturas em condições irregulares, impedindo, consequentemente o titular do prédio serviente de pedir a sua modificação e harmonização com a lei. E aplicando, agora, todos estes ensinamentos à matéria de facto dada como provada, é bom de ver que as aberturas em causa não podem configurar frestas, seteiras ou óculos para luz já que as respectivas dimensões, quer na sua altura, quer na sua largura, são superiores a 15 centímetros e situam-se a uma distância inferior de 1,80 metros do sobrado, não se destinando exclusivamente à entrada de luz e de ar. Não podem configurar janelas gradadas, pois que se situam a menos de 1,80 metros do sobrado, têm estrutura em alumínio divididos por barras também de alumínio com intervalos superiores a cinco centímetros, onde estão colocados vidros martelados foscos, sendo dotadas de uma abertura central móvel . E também não podem configurar janelas Neste mesmo sentido, vide, Acórdão do STJ, de 3.4.1991, in, BMJ, nº. 496, pág. 644., porquanto o conjunto da estrutura principal em alumínio e vidro martelado fosco, dividido, de cada um dos lados, por três prumos ou barras de alumínio, é fixo, integrando-se na própria parede do prédio, não permitindo a entrada directa de luz, de ar e o devassamento do prédio vizinho. E se é verdade serem dotadas de uma abertura central móvel, com 61 cm. de largura e 52 cm. de altura, dividida por prumos de alumínio com intervalos de 14 cms, onde estão colocados vidros martelados foscos, situada a 42 cm. dos limites laterais, a 49 cm. do limite inferior e a 1,37/1,38 cm. do sobrado, que permite a entrada de luz e de ar e avistar, de frente, o prédio da ré, também não é menos verdade que tais aberturas não permitem o debruçamento sobre este mesmo prédio, não cumprindo por isso, uma das tradicionais funções da janela. Daí que, em nosso entender as aberturas em questão devam ser qualificadas de “aberturas irregulares”. E sendo assim, importa, agora, averiguar e decidir se a construção e o uso destas aberturas pode conduzir à constituição de uma servidão de vistas, por usucapião, a favor do prédio dos autores. Isto porque, no caso dos autos, provado ficou que os autores, há mais de 20 anos, utilizam tais aberturas para receber luz e arejar os respectivos quartos e para avistarem e contemplarem o prédio da ré, de frente, o que fizeram e fazem, sem pausas ou interrupções, à vista de todos, sem oposição, na crença de não prejudicarem ninguém e na convicção de serem titulares de um direito, resultando assim, preenchidos os requisitos da constituição de servidão por usucapião (cfr. arts. 1260º, nº. 1, 1261º 1262º, 1296º, 1547º, 1548º, nº. 1 todos do C. Civil). Tomando posição sobre as duas correntes doutrinais e jurisprudenciais desenvolvidas em torno da possibilidade das “aberturas irregulares” poderem, ou não, importar constituição de servidão de vistas, por usucapião, em termos de ficar ao abrigo do disposto no art. 1362º, n.º2 do C. Civil, seguimos o entendimento daqueles que defendem que o princípio da tipicidade na constituição das servidões consagrado no art. 1306º O qual estabelece, no seu nº. 1, que “Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional”. , com referência aos arts. 1360º, nº. 1 e 1363º, nº. 1, todos do C. C., torna inadmissível a analogia na constituição de servidão de vistas com o fundamento em usucapião pela construção de “aberturas irregulares”. Quer isto dizer que, por se tratarem de “aberturas irregulares”, a servidão adveniente da sua construção e uso não é uma típica servidão de vistas, posto que esta está reservada para os casos previstos no art. 1362º, nº. 1 do C. Civil. Seria, uma servidão atípica (de vista, luz e ar), que, segundo alguma doutrina e jurisprudência Vide doutrina e jurisprudência citadas. apenas confere ao respectivo titular o direito de manter tais aberturas em condições irregulares, impedindo, consequentemente, o dono do prédio serviente de pedir a sua modificação e harmonização com a lei. Ou seja, o dono das “aberturas irregulares”, adquire através da usucapião o direito de mantê-las, mas já não o direito à manutenção das vistas e de luz e do ar, tendo, por isso, o dono do prédio vizinho direito a levantar construção junto a tais aberturas mesmo de forma a tapá-las. Todavia, a nosso ver e aderindo, nesta parte, ao defendido por Pires de Lima e Antunes Varela In, “Código Civil, Anotado”Vol. III, 2ª ed., revista e actualizada, pá. 225., julgamos que o contéudo desta servidão atípica de vista, luz e ar, sujeita ao regime geral das servidões, não tem exclusivamente por objecto a manutenção das ditas aberturas, mas o direito de desfrutar da vista e da entrada directa de luz e ar, pois é também este direito que se exerce quando se constrói as “aberturas irregulares”. De resto não nos podemos esquecer que, segundo o disposto no art. 1544º do C. Civil, a servidão pode ter por objecto quaisquer utilidades. E sendo assim, é bom de ver que o proprietário do prédio vizinho não pode levantar nenhum edifício ou contramuro que vede tais aberturas. Na verdade, se o dono da abertura adquire por usucapião o direito de a manter e de a usar para efeitos de avistar o prédio vizinho, de arejamento e de entrada de luz, no dizer dos referidos mestres In, obra citada, págs 225 e 226., “não pode deixar de se lhe reconhecer o direito de impedir que o vizinho a vede” ou tape, tanto mais que, “tratando-se de uma servidão, ela fica sujeita ao disposto no artigo 1568º, o qual não permite ao proprietário do prédio serviente estorvar o seu uso”. Consentir na sua tapagem ou inutilização seria consentir na violação deste preceito legal, reduzindo praticamente a nada o direito de servidão constituído. Mas, para além de tudo isto, julgamos, ainda na esteira do defendido por aqueles sábios mestres, que há que reconhecer ao dono de abertura não tolerada por lei o direito de impor ao proprietário vizinho a observância do disposto no nº2 do artigo 1362º do C. Civil. Com efeito, se o dono da abertura “irregular”adquire através da usucapião o direito de mantê-la, não se vê que, de acordo com os princípios gerais da usucapião e das servidões, seja possível negar-lhe o direito de exigir do dono do prédio vizinho que observe o interstício legal de 1,50m. Isto porque o direito de o proprietário do prédio vizinho erguer edifício a menos de metro e meio das ditas “aberturas irregulares”, colide com o exercício dos direitos inerentes à servidão atípica de vistas, ar e luz constituída por usucapião. Significa isto, no caso dos autos, que a ré não pode impedir ou dificultar o exercício da servidão atípica (de vistas, ar e luz) constituída a favor dos prédios dos autores, ou seja, não pode prejudicar a função que os autores sempre deram à “abertura central móvel” de cada uma das referidas aberturas. E que, por isso, tem de conformar a sua nova construção por tal forma que respeite o disposto no citado art. 1362º, nº. 2 : à frente de cada “abertura central móvel” tem, pelo menos, de deixar livres metro e meio “ad coelum”. Mas porque não foi isso que aconteceu no caso em apreço já que , resulta da matéria de facto provada que “em consequência da obra da ré, os autores ficaram privados de receber luz, sol e arejamento nos seus quartos, cumpre, finalmente, decidir se assiste aos autores o direito a obter da ré indemnização civil. No dizer de Pires de Lima e Antunes Varela In obra citada, Vol. I, págs. 403 e segs. são pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos: o facto voluntário do lesante; a ilicitude nas formas de violação de um direito de outrem ou a violação da lei que protege interesses alheios; nexo de imputação do facto ao agente, com a demonstração da existência de imputabilidade e de culpa sob a forma de dolo ou de negligência; , existência de dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Ora, no caso dos autos, é manifesto, por um lado, que o facto de a obra da ré estar licenciada administrativamente, não impede a prática de um acto ilícito já que, conforme se deixou dito, tal licenciamento visa essencialmente obstar à ofensa de interesses públicos e não impede a prática de ilícito civil E, por outro lado, que quando a ré iniciou essa construção já estava constituída, por usucapião, a favor das fracções dos autores uma servidão atípica de vistas, luz e ar e que ao efectuar tal construção, de modo aos autores ficarem privados de receber luz e ar nos seus quartos, a ré violou, pelo menos, culposamente, o disposto no citado art. 1568º, daí resultando danos para os autores. Todavia e porque tais danos não se mostram quantificados nem o Tribunal dispõe de elementos bastantes para os determinar, impõe-se , nos termos do disposto no art. 661º, nº. 1 do C. P. Civil, relegar a fixação do seu montante para posterior liquidação. Assim, tendo em atenção tudo o que se deixou dito, há que declarar constituída a favor das identificadas fracções autónomas dos autores servidão atípica de vistas, ar e luz, constituída por usucapião, através da “abertura central móvel” cada uma das aberturas identificadas na p.i. e condenar a ré a remover todos e quaisquer obstáculos que tapem essas mesmas “aberturas centrais móveis” ou impeçam as vistas e a entrada de ar e luz através das mesmas, deixando entre elas e o edifício que anda a construir o espaço de metro e meio bem como a pagar aos autores a quantia que se vier a fixar em posterior liquidação, a título de indemnização pelos prejuízos que lhes causaram ou vierem a causar com a colocação de obstáculos à dita servidão. Daí procederem parcialmente e nos termos referidos todas as demais conclusões dos autores/apelantes. CONCLUSÃO: Do exposto poderá extrair-se que: 1º- Nem a prova produzida nem os factos dados como provados no âmbito da providência cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova, apensa aos presentes autos, relevam para efeitos de julgamento e decisão da matéria de facto da acção principal. 2º- Do cotejo dos artigos 1360º, 1363 e 1364º, todos do Código Civil, resulta existirem três tipos de aberturas: 2.1- Janelas: aberturas mais ou menos amplas, com pelo menos mais de 15 cm numa das suas dimensões, onde, no dizer tradicional, cabe uma cabeça humana, munidas de sistemas que podem abrir-se e fechar-se, permitindo a entrada de ar e luz, e ainda o debruçamento das pessoas nos seus parapeitos e gozo de vistas, sendo ainda possível, através delas, sacudir-se o pó de tapetes, verter líquidos e arremessar objectos, devassando, portanto o prédio vizinho, se circunstâncias ou regulamentos especiais a tal não obstarem. 2.1.1- E dentro destas, as janelas gradadas: aberturas, com pelo menos mais de 15 cm numa das suas dimensões, situadas a mais de um metro e oitenta centímetros do solo ou do sobrado, com grades fixas de ferro ou outro metal, de secção não inferior a um centímetro quadrado e cuja malha não seja superior a cinco centímetros. 2.2- Frestas, seteiras ou óculos (aberturas de tolerância): aberturas que têm até 15 cm numa das suas dimensões e que se situam a um metro e oitenta centímetros ou a cima de um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, destinadas à entrada de ar e luz. 2.3 - Aberturas irregulares: aberturas abaixo da altura de 1,80 metros e/ou fora das medidas previstas no artigo 1363º, n.º2, ou seja, não toleradas por lei. 3º- São de qualificar como aberturas irregulares, as aberturas, situadas a 82 cms do sobrado, com a largura de 1,55m e a altura de 1,06m, constituídas por uma estrutura em alumínio e vidro martelado fosco, dividido, de cada um dos lados, por três prumos ou barras de alumínio, com intervalos superiores a 5 cms, só permitindo a entrada directa de luz, de ar e avistar, de frente, o prédio vizinho através de uma abertura central móvel, com 61 cm. de largura e 52 cm. de altura, dividida por prumos de alumínio com intervalos de 14 cms, onde estão colocados vidros martelados foscos, situada a 42 cm. dos limites laterais, a 49 cm. do limite inferior e a 1,37/1,38 cm. do sobrado, mas que não permite o debruçamento sobre o prédio vizinho. 4º A construção e uso das “aberturas irregulares” não conduz à constituição, por usucapião, da servidão de vistas a que alude p art. 1362º, nº. 1 do C. Civili, posto que tal servidão está reservada, pelo citado artigo, às janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes. 5º- A construção e uso das “aberturas irregulares” pode conduzir à constituição, por usucapião, de uma servidão atípica (de vista, luz e ar), que confere ao respectivo titular não só o direito de manter tais aberturas, mas também o direito à manutenção das vistas e de luz e do ar, pelo que não pode deixar de se lhe reconhecer o direito de impedir que o proprietário do prédio vizinho as vede ou tape bem como o direito de impor a este a observância do disposto no nº2 do artigo 1362º do C. Civil. 6º- Daí o proprietário de prédio vizinho não poder, à frente de cada “abertura irregular”, construir edifício a menos de metro e meio. DECISÃO: Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, revogando-se a decisão recorrida, na parte, em que “absolveu a ré dos demais pedidos deduzidos pelos autores”, decide-se: A- Declarar constituída a favor das identificadas fracções autónomas dos autores servidão atípica de vistas, ar e luz, constituída por usucapião, através da “abertura central móvel”de cada umas aberturas identificadas na p.i.; B- Condenar a ré a remover todos e quaisquer obstáculos que tapem essas mesmas “aberturas centrais móveis” ou impeçam as vistas e a entrada de ar e luz através das mesmas, deixando entre elas e o edifício que anda a construir o espaço de metro e meio. C- Condenar a ré a pagar aos autores a quantia que se vier a fixar em posterior liquidação, a título de indemnização pelos prejuízos que lhes causaram ou vierem a causar com a colocação de obstáculos à dita servidão atípica. D- Absolver a ré da parte sobrante dos pedidos formulados pelos autores nas alíneas b) e c) da petição inicial. Custas em ambas as instâncias da cargo dos autores/apelantes e ré/apelada, na proporção de 1/6 e de 5/6, respectivamente. Guimarães, 07/12/2006 |