Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
524/04-2
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
ALEGAÇÕES
RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/28/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – A previsão legal do artº 229º-A C.P.Civ., ao referenciar “articulados e requerimentos autónomos”, visou fazer abranger todo e qualquer acto escrito da parte, realizado no processo por forma a produzir efeitos nesse mesmo processo, em momento posterior à apresentação do articulado Contestação, e não apenas os actos que dependam de “despacho prévio”.
II - Sendo certo que constitui a fase do recurso uma fase nova no processo (e apenas – não se trata de “processo novo”), relativamente à tramitação que ocorre até ao julgamento, não pode equiparar-se a relevância da apresentação de contra-alegações em recurso à apresentação anterior da Contestação no processo, apenas o conteúdo da Contestação podendo acarretar para a parte (ao contrário das contra-alegações) verdadeiras cominações processuais.
III – Olhando à intencionalidade legislativa e não apenas à letra da lei, verifica-se que, ao introduzir a regra do artº 229º-A C.P.Civ., o legislador pretendeu colocar a cargo do mandatário judicial a tarefa de notificar à contra-parte todos os actos escritos da parte que ele representa, actos esses realizados no processo e por forma a produzir efeitos no processo, após a notificação da Contestação e que houvessem de ser notificados a mandatário judicial, incluindo assim as alegações e as contra-alegações de recurso.
Decisão Texto Integral: Acordão no Tribunal da Relação de Guimarães

Os Factos
Recurso de agravo interposto na acção com processo sumário nº325/2001, do 1º Juízo Cível de Guimarães.
Agravante – "A"(C.ª de Seguros).
Agravados – "B" e "C".
A agravante recorre do despacho judicial que ordenou ao mandatário dela recorrente que procedesse à notificação aos demais mandatários das alegações de recurso de apelação que interpôs, por interpretação do disposto nos artºs 229º-A e 260º-A C.P.Civ.

Conclusões do Recurso de Agravo:
1 – A notificação das alegações de recurso e contra alegações deve ser feita às partes pela secretaria do tribunal judicial e não pelos mandatários das partes, não lhes sendo por isso aplicável o regime previsto no artº 229º-A C.P.Civ.
2 – Na realidade, as alegações de recurso não se podem considerar incluídas nas categorias legais de articulados nem tão pouco de requerimentos autónomos.
3 – A natureza das alegações de recurso é a de peças processuais que não têm o carácter de simples requerimentos autónomos, antes tendo especificidades, como o facto de terem de conter conclusões sobre o que foi alegado, para além de serem peças processuais onde se discute o direito e se rebate especificamente uma decisão judicial, iniciando um processo especial que é o de recurso, destinado exactamente a reapreciar uma decisão judicial.
4 – Em nenhum outro requerimento autónomo tal é feito.
5 – Mantendo a decisão como se encontra determinada, o tribunal “a quo” violará o disposto no artº 229º-A C.P.Civ.

Os agravados não contra-alegaram.

Encontram-se provados os factos relativos ao motivo pelo qual se intentou o recurso, com base no despacho judicial citado, acima resumidamente expostos.

Fundamentos
A questão colocada pela Recorrente foi já decidida por este Colectivo do Tribunal da Relação de Guimarães, no Recurso nº1617/03, da 1ª Secção, por acordão de 22/10/03, não tendo mudado o circunstancialismo, desde logo legislativo, que conduziu à prolação do dito acordão.
Acresce tratar-se de jurisprudência não divergente desta Relação.
Como assim, procede-se á transcrição integral infra da fundamentação do citado acordão:
“Nos termos do artº 229º-A nº1 C.P.Civ., acrescentado ao diploma processual civil pelo D.-L. nº183/2000 de 10 de Agosto, “nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do artigo 260º-A”.
“Questiona-se no processo se as alegações de recurso devem, ou não, ser consideradas um “requerimento autónomo”, para efeito de lhes ser aplicado o regime do citado artº 229º-A nº1.”
“Resposta negativa foi já dada na doutrina e, embora apenas incidentalmente, na jurisprudência, consoante designadamente o artigo e os arestos a propósito citados nas alegações de recurso (ut Teixeira de Sousa, ROA, 2001-I-95 e Ac.R.L. 5/12/01 Col.V-102).”
“Para além do argumento literal, o recorrente, que sustenta esta última posição excludente da inclusão das alegações de recurso na previsão do normativo, invoca que “da norma em questão decorre com clareza que o legislador apenas se quis referir a peças processuais cujo relevo na economia do processo não é de primeira grandeza, por forma a salvaguardar, com a segurança jurídica inerente às notificações feitas pelo tribunal, as peças processuais mais relevantes, como seja a contestação, as alegações de recurso e a respectiva resposta”.
“O necessário juízo de interpretação da norma deverá englobar, como bem refere o Recorrente, o finalismo da lei, os fins ou objectivos sociais visados pelo legislador.”
“Como assim, poderá o sentido da norma ultrapassar o que resultaria estritamente da letra da norma, caso em que se imporá ao intérprete a interpretação extensiva (cf. Oliveira Ascensão, Introdução e Teoria Geral, § 222).”
“O preâmbulo do diploma legal que publicou a norma em referência (já citado D.-L. nº183/2000, que pretendeu a “adopção de medidas simplificadoras” do processo civil) observa que esta medida legislativa visou “desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes”, imprimindo mais celeridade à marcha do processo, ainda que tal venha a importar um maior custo económico para as partes.”
“Daí que o legislador haja feito reverter, para a parte que pratica o acto, o ónus de notificar à contraparte o dito acto, por forma directa e imediata.”
“Este regime de notificação de actos processuais só é aplicável, de acordo com o citado artº 229º-A nº1, quando ambas as partes hajam constituído mandatário judicial, já que todo o mandatário judicial que assuma o patrocínio na pendência da causa deve indicar o seu domicílio profissional ao mandatário da contraparte (cf. artº 229º-A nº2); da mesma forma, a redacção de 2000 do artº 467º C.P.Civ. impôs ao autor (nº1 al.b) do normativo) o ónus de indicar na petição inicial o domicílio profissional do respectivo mandatário judicial, sob pena de recusa de recebimento da petição pela secretaria (artº 474º nº1 al.c) C.P.Civ.).”
“Desta forma, visto o indicado escopo da lei mais que o respectivo teor literal, nada leva a crer que o legislador tenha querido afastar a fase do recurso, e designadamente as alegações de recurso, do regime previsto no artº 229º-A C.P.Civ.”
“De facto, a previsão legal, quando engloba “articulados e requerimentos autónomos”, visou, isso sim, fazer abranger todo e qualquer acto escrito da parte, realizado no processo por forma a produzir efeitos nesse mesmo processo, em momento posterior à apresentação do articulado Contestação, e não apenas os actos que dependam de “despacho prévio” (cf. Ac.R.L. cit.), com o que ficaria muitíssimo reduzido o âmbito da previsão citada, esvaziando a previsão de sentido prático (sublinha-se que, de resto, também a apresentação de alegações de recurso, constituindo um direito da parte, cujo não exercício se encontra sujeito a cominação, não se encontra sujeito a qualquer despacho prévio de admissibilidade “tout court” – artº 690º C.P.Civ.).”
“Serão apenas de excluir do raciocínio precedente os incidentes e apensos que sigam os termos do processo declarativo comum, enxertados no inicial processo de declaração, pois que, relativamente aos mesmos, se voltará necessariamente a aplicar a regra de notificação entre mandatários posterior à Contestação, conforme artº 229º-A cit.”
“De resto, sendo certo que constitui a fase do recurso uma fase nova no processo, relativamente à tramitação que ocorre até ao julgamento, não pode equiparar-se a relevância da apresentação de contra-alegações em recurso à apresentação anterior da Contestação no processo, apenas o conteúdo da Contestação podendo acarretar para a parte (ao contrário das contra-alegações) verdadeiras cominações processuais (artº 490º C.P.Civ.).”
“A interpretação propugnada não apenas correspondente à intenção do legislador, como também se compagina com a necessária cooperação processual inter-subjectiva, das partes entre si e reciprocamente das partes com o Tribunal, para que apontava já a reforma processual de 95 quando introduziu a nova redacção do artº 266º C.P.Civ.”
“O princípio da cooperação, com efeito, destina-se a transformar o processo civil numa “comunidade de trabalho”, com a inerente responsabilização das partes e do tribunal pelos seus resultados (ut Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pg. 63).”
“Nessa base, na impressiva base de uma “comunidade de trabalho”, há que salientar que a aplicação do artº 229º-A C.P.Civ. a todos os actos das partes posteriores à apresentação da Contestação se constituiu como o entendimento pacífico da esmagadora maioria dos mandatários judiciais e “praxis” geral dos Tribunais (salientou-se no Ac.R.C. 22/5/02 Col.III/17, o qual se pronunciou no sentido por nós propugnado).”

Resumindo a fundamentação:
I – A previsão legal do artº 229º-A C.P.Civ., ao referenciar “articulados e requerimentos autónomos”, visou fazer abranger todo e qualquer acto escrito da parte, realizado no processo por forma a produzir efeitos nesse mesmo processo, em momento posterior à apresentação do articulado Contestação, e não apenas os actos que dependam de “despacho prévio”.
II - Sendo certo que constitui a fase do recurso uma fase nova no processo (e apenas – não se trata de “processo novo”), relativamente à tramitação que ocorre até ao julgamento, não pode equiparar-se a relevância da apresentação de contra-alegações em recurso à apresentação anterior da Contestação no processo, apenas o conteúdo da Contestação podendo acarretar para a parte (ao contrário das contra-alegações) verdadeiras cominações processuais.
III – Olhando à intencionalidade legislativa e não apenas à letra da lei, verifica-se que, ao introduzir a regra do artº 229º-A C.P.Civ., o legislador pretendeu colocar a cargo do mandatário judicial a tarefa de notificar à contra-parte todos os actos escritos da parte que ele representa, actos esses realizados no processo e por forma a produzir efeitos no processo, após a notificação da Contestação e que houvessem de ser notificados a mandatário judicial, incluindo assim as alegações e as contra-alegações de recurso.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, decide-se neste Tribunal da Relação:
No não provimento do agravo, confirmar o despacho recorrido.
Custas pela agravante