Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ANTÓNIO RIBEIRO | ||
| Descritores: | EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA ERRO INTERESSE PÚBLICO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 05/24/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | ACORDAM OS JUÍZES DESTA SECÇÃO CÍVEL EM REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA E EM DETERMINAR O PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO DE EXPROPRIAÇÃO. | ||
| Sumário: | I – A mera desconformidade (na DUP) na área da parcela a expropriar não pode determinar a paralisação do processo de expropriação, até em nome dos princípios da legitimação do titular aparente e da prevalência da aparência física do prédio, sob pena de ser sacrificado o interesse público que, também no que concerne à celeridade, se sobrepõe aos interesses individuais dos respectivos interessados directos. II – Nenhuma dúvida subsistindo acerca da localização da parcela no imóvel objecto de expropriação, impunha-se o prosseguimento dos autos e a prolação do despacho de adjudicação da propriedade à entidade expropriante, ora recorrente, tanto mais que nenhuma das partes, maxime os expropriados (que nem contra-alegaram neste recurso), arguíram qualquer irregularidade relativamente à DUP. III – Acresce que a resolução dos litígios resultantes das relações jurídicas administrativas e fiscais integra hoje uma reserva constitucional de competência material. Daí que, como acto administrativo, a DUP apenas possa ser impugnada no contencioso administrativo, não podendo no processo de expropriação, apenas destinado a estabelecer a justa indemnização a favor dos expropriados e outros interessados, discutir-se e/ou decidir-se sobre questões como a alteração ou correcção de inexactidões dela constantes, nomeadamente no que respeita à identificação dos bens a expropriar e respectivas áreas. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relator: António Ribeiro (R nº 31/06) Adjuntos: Desemb. Vieira e Cunha e Desemb. João Proença Costa I – Relatório; Agravante: “E... de Portugal, EPE” (expropriante); 1º Juízo da comarca de Felgueiras – proc. expropriação nº 3153/05. ***** Por despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado das Obras Públicas de 23.04.2004, publicado no Diário da República, II série, nº122, de 25.05.2004, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à execução da obra da concessão norte A11/IP9 – Braga-Guimarães/IP4(A4) – sublanço Vizela-Felgueiras, identificadas em mapa e planta anexa (cfr.fls.156-158 dos autos). Na declaração de utilidade pública (“dup”) foi a parcela 211 descrita como tendo a área de 935 metros quadrados (m2), identificando-se os respectivos proprietários e/ou interessados no processo expropriativo. No laudo de arbitragem (a fls.6-10) refere-se que a expropriação corresponde a uma parcela de terreno a destacar do prédio sito no lugar de Castelo, freguesia de Sernande, concelho de Felgueiras, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artigo nº5, com uma área total de 4.620 m2, esclarecendo-se estar em causa a expropriação parcial de uma área de 1307 m2, relativa a uma parcela com forma geométrica triangular, pertencente a prédio formado por um terreno florestal com mato e eucaliptos, com declive acentuado, que origina uma parte sobrante, a sul, com a área restante de 3313 m2. O Relatório de “Vistoria Ad Perpetuam Rei Memoriam” (VAPRM) confirma a área de 1307 m2 da parcela a expropriar («de acordo com informação prestada pela expropriante») – fls.58-62 e 104-111 – que faz parte do prédio descrito na Conservatória de Registo Predial de Felgueiras sob o nº 00367/0405040 (cfr. certidão predial a fls.140-143. Por despacho de 12.12.2005 (a fls.159 dos autos), renovado em 17.01.2006 (fls.164), a Mmª Juiz a quo, notando a discrepância entre a área da parcela nº211 a expropriar, constante do laudo de arbitragem e do relatório de VAPRM – 1307 m2 – e da DUP – 935 m2 – determinou a notificação da entidade expropriante para, em dez dias, esclarecer tal desconformidade. Em cumprimento de tal notificação e por requerimento que deu entrada em juízo em 18.01.2006 (fls.166), a Expropriante esclareceu que, depois de realizada a VAPRM, surgiram reclamações por parte de vários proprietários confinantes no sentido de que as extremas de algumas parcelas não estariam devidamente delimitadas, pelo que, «reunidos todos os proprietários interessados, procedeu-se às necessárias rectificações de áreas e extremas de várias parcelas, verificando-se que a área prevista expropriar da parcela 211 era, afinal, de 1307 m2, conforme se deu conhecimento aos proprietários (…). Assim, com todos os elementos devidamente corrigidos, procedeu-se à repetição da competente vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, nos termos legais». Em face de tal requerimento, a Mmª Juiz a quo proferiu despacho (de 23.01.2006 – a fls.167) com o seguinte teor: «Não obstante os argumentos aduzidos pela entidade expropriante, a verdade é que, no momento da prolação do despacho de adjudicação a que alude o artigo 51º do C.E., a área da parcela a expropriar constante da DUP deve coincidir com a constante do auto de VAPRM e do auto de posse administrativa juntos aos autos. Assim, notifique a entidade expropriante para, no prazo de dez dias, proceder à competente rectificação da área constante da DUP». Inconformada com essa decisão, dela interpôs recurso a entidade expropriante, em cujas alegações formula, em suma, as seguintes conclusões: 1ª A imprecisão quanto á área expropriada constante da declaração de utilidade pública não é motivo de rectificação da Declaração de Utilidade Pública já publicada; 2ª A Declaração de Utilidade Pública deve ser proferida acompanhada do respectivo mapa de expropriações, o qual e de acordo com o legalmente estipulado, apenas deve conter os limites externos da mancha global a expropriar, situação que in casu se verifica; 3ª O lapso verificado no presente processo derivou exclusivamente dum lapso quanto à identidade do titular proprietário de uma determinada área expropriada, lapso que apenas foi constatado depois de publicada a Declaração de Utilidade Pública; 4ª Tal situação enquadra-se perfeitamente no âmbito do princípio da legitimidade aparente que “ilumina” o processo expropriativo, e que permite que no decorrer dele se considerem novos interessados; 5ª A circunstância de, no decurso do processo, se aferir que o proprietário de uma determinada área de terreno não é o considerado na DUP, não origina a rectificação desta; 6ª A rectificação da área da parcela expropriada não implicou qualquer alteração nos limites externos da mancha global a expropriar e prevista no mapa de expropriações que acompanha a DUP; 7ª A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 9º nº2, 10º e 40º, nº2 do Código da Expropriações, pelo que deve ser revogada, determinando-se o prosseguimento dos autos para prolação de despacho de adjudicação da propriedade. Não foram apresentadas contra-alegações. A Mmª Juiz sustentou, de forma tabelar, a sua decisão. II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar; O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, ex vi do artigo 749º, todos do Código de Processo Civil (CPC). A única questão a apreciar reside em saber se a assinalada desconformidade na área da parcela 211 a expropriar impõe a rectificação da DUP, como decidido em 1ª instância, antes da prolação do despacho de adjudicação da propriedade, a que alude o nº 5 do artigo 51º do Código das Expropriações (naturalmente referimo-nos ao Código vigente, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18.09, que é o aplicável em face da data da DUP). Colhidos os vistos, cumpre decidir: III – Fundamentos; Decorre do despacho recorrido que a Mmª Juiz a quo teve dúvidas em despachar no sentido da adjudicação da propriedade da parcela 211 à entidade expropriante, em face da divergência acerca da área da mesma, ora na DUP ora na VAPRM. Daí ter ordenado a notificação da Expropriante para proceder à rectificação da área da parcela constante da DUP, não obstante nenhuma das partes ter suscitado tal questão. Salvo o devido respeito, não pode manter-se tal decisão. Por efeito da declaração de utilidade pública, o proprietário fica vinculado ao dever de transferir, mediante indemnização, para a entidade expropriante, a propriedade da parcela dela objecto, cessando para ele o direito de livre disposição da mesma. A declaração de utilidade pública, que produz os seus efeitos na esfera jurídica dos particulares após a publicação, mais do que simples condição da expropriação, traduz-se no próprio facto constitutivo da relação jurídica de expropriação. Cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, II, 9ª edição, pág.1024-1027. Todavia, só com a transferência do direito para a expropriante, designadamente através da decisão judicial de adjudicação, se consuma o acto expropriativo. O interesse público, que determinou a urgência da expropriação, não se compadece com eventuais dificuldades na identificação do prédio, seja quanto aos seus limites ou área, seja quanto à pessoa dos seus titulares ou outros interessados, vigorando em relação a estes o princípio da legitimidade aparente, plasmado nos arts.10º, nº4, 11º, nºs 4 e 5 e 47º, nº2 do C.E, segundo o qual, mesmo que algum interessado no processo de expropriação não tenha sido ouvido ou notificado, ele pode intervir no processo a qualquer momento, sem que haja lugar à repetição de quaisquer actos, termos ou diligências. Nos termos do art.10º, nº2 do C.E., as parcelas a expropriar são identificadas através da menção das descrições e inscrições na Conservatória a que pertençam e das inscrições matriciais, se não estiverem omissas, ou de planta parcelar contendo as coordenadas dos pontos que definem os limites das áreas a expropriar, reportadas à rede geodésica, e, se houver planta cadastral, os limites do prédio. A declaração de utilidade pública deve identificar sucintamente os bens sujeitos a expropriação, mas essa identificação pode ser substituída por planta, em escala adequada e graficamente representada, que permita a delimitação legível do bem necessário ao fim de utilidade pública (art.17º, nºs 3 e 4 do C.E.). Como resulta do relatório da VAPRM, a parcela 211 é constituída por terreno florestal, de mato e eucaliptos, o mesmo acontecendo com toda a área envolvente, em que a floresta é dominante, ainda assim aí prevalecendo o regime de propriedade do minifúndio. Em tais circunstâncias é compreensível a dificuldade de delimitação precisa das parcelas e do estabelecimento das respectivas áreas, ab initio, aquando da formulação da resolução de expropriar, o que pode ter repercussão no conteúdo da DUP, sem que daí advenha qualquer prejuízo para os proprietários e demais interessados, que poderão requerer as correcções necessárias no decurso do processo expropriativo. Nessa medida, o eventual erro nos elementos de identificação do prédio a expropriar, indicados na DUP, é irrelevante se não existirem dúvidas sobre qual o prédio e área a expropriar, que podem ser desfeitas através de planta que permita a delimitação da parcela, como é o caso. Neste sentido vide o Ac. STA de 30.01.2002, proc. 046594, 3ª subsecção do CA (Jorge Sousa), in www.dgsi.pt/jsta. Já em Acórdão do mesmo Tribunal e subsecção, de 19.12.2001 (proc.047832) se decidira que não constitui dano provável, segundo um juízo de normalidade assente na experiência comum, o risco de o expropriado não ser indemnizado pela perda do terreno, se a área que vem indicada na declaração de utilidade pública é inferior à real, mas o erro já foi detectado e corrigido na vistoria ad perpetuam rei memoriam e reconhecido pela Expropriante. Verdadeiramente, o que interessa é que seja perceptível quer a situação física do prédio (ou da parcela a expropriar), quer a determinação dos respectivos titulares ou de quem aparente essa titularidade, exercendo sobre ele os poderes de facto. Ora, no caso em apreço, não está em causa nem a correcta identificação do prédio nem a respectiva titularidade, encontrando-se a parcela devidamente delimitada nas plantas juntas aos autos, o que nem sequer foi questionado por qualquer das partes. Porque a utilidade pública expropriativa urgente, uma vez publicitada a respectiva declaração, mantém perfeita validade e força vinculativa, a mera desconformidade (na DUP) na área da parcela a expropriar não pode determinar a paralisação do processo de expropriação, até em nome dos princípios da legitimação do titular aparente e da prevalência da aparência física do prédio, sob pena de ser sacrificado o interesse público que, também no que concerne à celeridade, se sobrepõe aos interesses individuais dos respectivos interessados directos. Nenhuma dúvida subsistindo acerca da localização da parcela no imóvel objecto de expropriação, impunha-se o prosseguimento dos autos e a prolação do despacho de adjudicação da propriedade à entidade expropriante, ora recorrente, tanto mais que nenhuma das partes, maxime os expropriados (que nem contra-alegaram neste recurso), arguíram qualquer irregularidade relativamente à DUP. Acresce que a resolução dos litígios resultantes das relações jurídicas administrativas e fiscais integra hoje uma reserva constitucional de competência material. Vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa, Anotada”, 3ª edição, Coimbra, 1993, pág.815. Daí que, como acto administrativo, a DUP apenas possa ser impugnada no contencioso administrativo, não podendo no processo de expropriação, apenas destinado a estabelecer a justa indemnização a favor dos expropriados e outros interessados, discutir-se e/ou decidir-se sobre questões como a alteração ou correcção de inexactidões dela constantes, nomeadamente no que respeita à identificação dos bens a expropriar e respectivas áreas. Havendo discordância dos interessados, deverão eles impugnar o acto administrativo junto dos Tribunais Administrativos – vide, com este alcance, os Acórdãos da Relação do Porto de 13.10.2005 (proc.0533705 – José Ferraz) e de 20.12.2005 (proc.0525797 – Mário Cruz), in www.dgsi.pt/jtrp. IV – Decisão; Em face do exposto, acordam os Juízes desta secção cível em revogar a decisão recorrida e em determinar o prosseguimento do processo de expropriação. Não são devidas custas pelo recurso. Guimarães, 24/05/2006 |