Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
741/05-1
Relator: MIGUEZ GARCIA
Descritores: PRISÃO EFECTIVA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
SUBSTITUIÇÃO DE PRISÃO POR MULTA
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
REENVIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REENVIO PARA NOVO JULGAMENTO
Sumário: I – Tendo o Tribunal a quo optado pela pena de 4 meses de prisão, passam a ficar aqui implicados os pressupostos da suspensão prevista no artigo 50°, n° 1, do Código Penal - “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos’’- e a circunstância de no artigo 44° do mesmo Código se determinar, em regra, a substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses por multa ou por outra pena não privativa da liberdade, sendo que quanto a isto a sentença omitiu qualquer fundamentação, ignorando de todo os indicados normativos.
II – Como não foi levado à matéria de facto, não pode ser considerado no presente recurso o factualismo invocado pelo recorrente relativo às suas circunstâncias pessoais e sociais que assim não teve a mínima expressão na sentença recorrida.
III – Daí a questão de saber se deverá ter-se por suficiente a matéria de facto provada; ou se, pelo contrário, deverá concluir-se do texto da decisão recorrida, designadamente quando conjugada com as regras da experiência, pela sua insuficiência, integradora de vicio previsto no n° 2, alínea a), do artigo 410° do Código de Processo Penal, de conhecimento oficioso.
IV – Diremos, em consonância com o que se deixou escrito no acórdão desta Relação de 9 de Dezembro de 2002, com o mesmo relator — e vem observado pelo Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, p. 341 e ss. — que a apreciação e a decisão sobre a medida de substituição que a suspensão da execução da pena constitui é um poder-dever necessariamente decorrente do poder/dever (e não mera faculdade) da sua aplicação, desde que verificados os pressupostos da suspensão exigidos no artigo 50° do Código Penal, o mesmo nos parecendo dever valer para a substituição das penas curtas de prisão.
V – Por isso, é dever do tribunal, ainda que oficiosamente, e cumprindo o princípio da investigação (artigo 340° do Código de Processo Penal), ordenar a produção dos meios de prova necessários ao apuramento também do factualismo relevante para essa apreciação e decisão (envolvendo, inclusivamente, a consideração dos condicionamentos e acompanhamentos previstos nos artigos 51° a 54° do Código Penal, sempre que for caso disso) — de tal modo que na decisão se refiram como provados ou não provados, e sempre com indicação da necessária fundamentação, o mosaico de dados de facto investigados.
VI - Bem se poderá acrescentar que é através do princípio da investigação que se pretende traduzir “o poder-dever que ao tribunal pertence de esclarecer e instruir autonomamente — isto é, independentemente das contribuições da acusação e da defesa — o “facto” sujeito a julgamento, criando ele próprio as bases necessárias à sua decisão”.
VII – A necessidade de investigar esses mesmos dados sai substancialmente reforçada quando se considere a forma pragmática como o modelo acusatório do processo evita, em princípio, a utilização como prova de elementos relativos à personalidade do arguido.
VIII – A “cesure” do processo penal permite que se limite a primeira fase julgamento à questão da culpabilidade propriamente dita, com exclusão da personalidade, a qual será analisada na segunda fase, como guia dos julgadores na decisão sobre a pena (sentencing).
IX – O Código prevê que o tribunal comece por decidir se ao arguido deve ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança (artigos 368° e 369°), seguindo-se a reabertura da audiência, se for necessária a produção de prova suplementar com relevo sobre a personalidade e as condições de vida do arguido (artigos 369°, n° 2, e 371°).
X – Sendo este o caso dos autos, deverá averiguar-se a situação pessoal, familiar e social do recorrente, indo inclusivamente ao seu comportamento anterior e posterior aos factos, solicitando-se, se for caso disso, o competente relatório social, e diligenciando-se pelo mais que for viável, tudo para suprimento da omissão detectada, tendo em atenção a decisão a proferir e a respectiva fundamentação quanto à manutenção ou não da pena de prisão efectiva enquanto pena principal, ou da oportunidade da sua substituição nos termos do artigo 44°, n° 1, ou da sua suspensão, nos termos do artigo 50°, n° 1, e respectivo condicionalismo, bem como a garantia da possibilidade de a decisão ser impugnada em recurso e de este poder ser fundadamente decidido, o que não acontece actualmente.
XI – A mesma averiguação factual tem-se como igualmente pertinente à questão de saber se a pena acessória, que o Tribunal fixou em dois anos de proibição de conduzir, deverá ser mantida ou reduzida, na sequência da análise e ponderação dos novos elementos recolhidos.
XII – Nestes termos, acordam em nos termos dos artigos 374°, n° 2, 379°, n° 1, 410°, n° 2, alínea a), e 428°, n° 1, do CPP, oficiosamente declarar a insuficiência da matéria de facto para a decisão; e determinar, conforme o disposto no artigo 426° do CPP. O reenvio do processo para novo julgamento, mas unicamente quanto aos aspectos atrás mencionados, valendo o critério estabelecido no artigo 426°-A°, n°s 1 e 2, do mesmo código.
Decisão Texto Integral: Acordam em audiência no Tribunal da Relação de Guimarães


A sentença de 31 de Janeiro de 2005 do Tribunal Judicial de Ponte de Lima condenou "A" na pena de 4 meses de prisão e em dois anos de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pela prática de um crime de desobediência dos artigos 69º, nº 1, alínea c), e 348º, nº 1, alínea a), do Código Penal, tendo sido determinantes os seguintes factos, dados como assentes na sequência do julgamento realizado: (1) No dia 19 de Abril de 2004, pelas 03h30, na EN 306, ao km 37,300, no lugar de Santo Amaro, Fornelos, Ponte de Lima, o arguido conduzia o veículo de matrícula ...-GT, quando se despistou, capotou e saiu da estrada. (2) Alguns minutos mais tarde, compareceu no local uma patrulha da GNR, tendo os militares que a compunham, devidamente uniformizados, dito ao arguido que teria de se submeter a um teste de alcoolémia, respondendo o arguido que não o faria. (3) Perante isto, os militares da GNR ordenaram ao arguido que se submetesse ao teste de alcoolémia que pretendiam realizar, através da pesquisa de álcool no ar expirado, informando-o que a recusa o faria incorrer no crime de desobediência. (4) No entanto, o arguido manteve a negativa, dizendo que não soprava e desafiando os guardas, dizendo nomeadamente “quero ver quem é o filho da puta que me prende”, após o que se pôs em fuga. (5) O arguido actuou de forma livre e consciente, com intenção de se eximir à realização de exame para detecção do teor de álcool no sangue e, consequentemente, às consequências penais daí decorrentes. (6) o arguido não se absteve de tal conduta, mesmo sabendo, por disso estar expressamente advertido, que a mesma é proibida e punida por lei. (7) O arguido foi condenado por sentença proferida no âmbito do processo sumário nº 92/99, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima, datada de 3 de Maio de 1999 e transitada em julgado, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 120 dias de multa e 3 meses de proibição de conduzir; por sentença proferida no processo sumaríssimo nº 83/02, do 2º Juízo do mesmo tribunal de 6 de Fevereiro de 2003, pela prática de um crime de desobediência qualificada, na pena de 120 dias de multa; por sentença proferida no processo sumário nº 304/2003 do mesmo 1º Juízo, datada de 12 de Junho de 2003 e transitada em julgado pela prática de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 120 dias de multa e 5 meses de proibição de conduzir.
Vem interposto recurso por "A", pondo em causa a pena de 4 meses de prisão e a acessória de 2 anos de proibição de conduzir, por serem excessivas; adianta que está socialmente inserido, o pai faleceu e tem a mãe doente e a depender da companhia e da ajuda deste filho, precisando de se deslocar frequentemente com ela ao médico e não dispondo de meios para pagar um taxi, sendo escassos os transportes públicos. Pede a suspensão da pena de prisão aplicada e uma sanção acessória “por um período menor”.
O Ministério Público, incluindo o ilustre Procurador Geral Adjunto nesta Relação, entende que a sentença se deverá manter.
Colhidos os “vistos” legais, procedeu-se à audiência a que se refere o artigo 423º do Código de Processo Penal, com observância do formalismo respectivo.


Para fundamento da sua pretensão de ver a pena principal suspensa e a acessória reduzida, o arguido adianta factos que não tiveram a mínima expressão na sentença recorrida. Com efeito, no que toca a elementos pessoais, aí apenas se cuidou de discriminar os antecedentes criminais. Não obstante o desfecho final, de condenação, nenhuma palavra se adiantou nem nenhuma necessidade se sentiu de averiguar o dossier de personalidade do arguido.
No capítulo da determinação da pena principal, a sentença impugnada salienta a gravidade da ilicitude, adiantando-se como relevante tanto a fuga do arguido por ocasião da diligência policial como a expressão dirigida aos guardas. Mencionou-se ainda o dolo directo, os antecedentes criminais e o facto de o arguido não ter comparecido no julgamento. Para a fixação da pena acessória em dois anos de proibição, o Tribunal lançou mão desses mesmos elementos e das exigências de prevenção geral.
Tendo o Tribunal a quo optado pela pena de 4 meses de prisão, passam a ficar aqui implicados os pressupostos da suspensão prevista no artigo 50º, nº 1, do Código Penal (“o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos”) e a circunstância de no artigo 44º do mesmo Código se determinar, em regra, a substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses por multa ou por outra pena não privativa da liberdade. Mas também quanto a isto a sentença omitiu qualquer fundamentação, ignorando de todo os indicados normativos.
Ora, como logo se vê, não pode ser considerado no presente recurso o factualismo invocado pelo recorrente. Daí a questão de saber se deverá ter-se por suficiente a matéria de facto provada; ou se, pelo contrário, deverá concluir-se do texto da decisão recorrida, designadamente quando conjugada com as regras da experiência, pela sua insuficiência, integradora de vício previsto no nº 2, alínea a), do artigo 410º do Código de Processo Penal, de conhecimento oficioso.
Diremos, em consonância com o que se deixou escrito no acórdão desta Relação de 9 de Dezembro de 2002, com o mesmo relator — e vem observado pelo Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, p. 341 e ss. — que a apreciação e a decisão sobre a medida de substituição que a suspensão da execução da pena constitui é um poder-dever necessariamente decorrente do poder/dever (e não mera faculdade) da sua aplicação, desde que verificados os pressupostos da suspensão exigidos no artigo 50º do Código Penal. O mesmo nos parece valer para a substituição das penas curtas de prisão.
Por isso, é dever do tribunal, ainda que oficiosamente, e cumprindo o princípio da investigação (artigo 340º do Código de Processo Penal), ordenar a produção dos meios de prova necessários ao apuramento também do factualismo relevante para essa apreciação e decisão (envolvendo, inclusivamente, a consideração dos condicionamentos e acompanhamentos previstos nos artigos 51º a 54º do Código Penal, sempre que for caso disso) — de tal modo que na decisão se refiram como provados ou não provados, e sempre com indicação da necessária fundamentação, o mosaico de dados de facto investigados. Bem se poderá acrescentar que é através do princípio da investigação que se pretende traduzir “o poder-dever que ao tribunal pertence de esclarecer e instruir autonomamente — isto é, independentemente das contribuições da acusação e da defesa — o “facto” sujeito a julgamento, criando ele próprio as bases necessárias à sua decisão”.
A necessidade de investigar esses mesmos dados sai substancialmente reforçada quando se considere a forma pragmática como o modelo acusatório do processo evita, em princípio, a utilização como prova de elementos relativos à personalidade do arguido. A “césure” do processo penal permite que se limite a primeira fase julgamento à questão da culpabilidade propriamente dita, com exclusão da personalidade, a qual será analisada na segunda fase, como guia dos julgadores na decisão sobre a pena (sentencing). O Código prevê que o tribunal comece por decidir se ao arguido deve ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança (artigos 368º e 369º), seguindo-se a reabertura da audiência, se for necessária a produção de prova suplementar com relevo sobre a personalidade e as condições de vida do arguido (artigos 369º, nº 2, e 371º).
Sendo este o caso dos autos, deverá averiguar-se a situação pessoal, familiar e social do recorrente, indo inclusivamente ao seu comportamento anterior e posterior aos factos, solicitando-se, se for caso disso, o competente relatório social, e diligenciando-se pelo mais que for viável, tudo para suprimento da omissão detectada, tendo em atenção a decisão a proferir e a respectiva fundamentação quanto à manutenção ou não da pena de prisão efectiva enquanto pena principal, ou da oportunidade da sua substituição nos termos do artigo 44º, nº 1, ou da sua suspensão, nos termos do artigo 50º, nº 1, e respectivo condicionalismo, bem como a garantia da possibilidade de a decisão ser impugnada em recurso e de este poder ser fundadamente decidido, o que não acontece actualmente. A mesma averiguação factual tem-se como igualmente pertinente à questão de saber se a pena acessória, que o Tribunal fixou em dois anos de proibição de conduzir, deverá ser mantida ou reduzida, na sequência da análise e ponderação dos novos elementos recolhidos.

Nestes termos, acordam em nos termos dos artigos 374º, nº 2, 379º, nº 1, 410º, nº 2, alínea a), e 428º, nº 1, do CPP, oficiosamente declarar a insuficiência da matéria de facto para a decisão; e determinar, conforme o disposto no artigo 426º do CPP, o reenvio do processo para novo julgamento, mas unicamente quanto aos aspectos atrás mencionados, valendo o critério estabelecido no artigo 426º-Aº, nºs 1 e 2, do mesmo código.

Não são devidas custas.

Guimarães,