Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
912/04-2
Relator: MANSO RAÍNHO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
CONFISSÃO
REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/17/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: 1. As nulidades de sentença não são de conhecimento oficioso.
2. A relação de bens apresentada aquando do pedido de divórcio por mútuo consentimento tem subjacente um negócio jurídico de “acertamento” ou “apuramento” dos bens comuns dos cônjuges, tendo natureza confessória as correspondentes declarações dos cônjuges, na parte em que reconhecem que os bens também pertencem ao outro cônjuge.
3. Assim, tendo o ex-cônjuge marido assumido na relação de bens que subscreveu e apresentou, que certos bens eram comuns (declaração confessória), não pode proceder a sua alegação, produzida em sede de inventário para a partilha dos bens do casal, de que afinal esses bens apenas a ele ou a terceiros pertenciam.
Não há, deste modo, razão para remeter os interessados para os meios comuns, competindo, ao invés e no próprio inventário, julgar como comuns tais bens.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na secção cível da Relação de Guimarães:


Decretado que foi, pelo 2º Juízo Cível do tribunal da comarca de Guimarães, o divórcio por mútuo consentimento, que dissolveu o casamento celebrado entre "A" e "B", foi requerido inventário para partilha dos bens comuns do casal.
Apresentada a relação de bens pelo cabeça de casal (ex-cônjuge marido), veio a interessada "A" reclamar designadamente contra a falta de bens na relação, alegando que os bens em falta eram comuns, tendo aliás sido descriminados como tal na relação de bens apresentada para efeitos de divórcio por mútuo consentimento.
O cabeça de casal respondeu à reclamação, dizendo que uma parte dos bens em falta pertenciam a terceiro, e a outra eram próprios dele cabeça de casal.
Produzida prova testemunhal e sopesada a prova documental, foi proferida decisão a remeter os interessados para os meios comuns, definindo-se que os bens cuja falta se acusou não seriam incluídos na relação dos bens.

Inconformada com o assim decidido, interpôs a interessada "A" o presente agravo.

Da sua alegação extrai as seguintes conclusões:


1 °) A agravante deduziu o incidente da reclamação por falta de relacionação, pelo cabeça de casal e ora agravado, dos bens móveis reclamados sob nºs 1 a 7, 9 a 11 e 13 a 40 da reclamação de fls. 77 a 79.

2°) Na resposta de fls. 88 a 91 a esta reclamação o agravado nada disse quanto aos bens móveis reclamados sob n° 38 (trinta e oito) desta reclamação (Quatrocentos e vinte e dois livros, edições especiais, encadernados de diversos autores e temas), pelo que, na falta de impugnação, devem ser tais bens móveis considerados como comuns e, em consequência, sujeitos a relacionamento.

3°) No processo de divórcio por mútuo consentimento, em que agravante e agravado foram requerentes ' em que o inicial processo litigioso se converteu (Procº. N° 193/2001 - 2° Juízo Cível - Tribunal de Guimarães) e de que o presente inventário é apenso, foi apresentada, nos termos do artigo 1419 n° 1 alínea b) do C.P.C., um relação de bens comuns, elaborada e assinada por ambos da qual constam todos os bens móveis ora reclamados conforme, atrás, já se deixou especificado.

4°) Nessa relação de bens o agravado confessa que tais bens são comuns já que expressamente a subscreveu.

S°) A agravante a fls. 77 da sua reclamação alegou que todos os bens, cuja falta de relacionamento acusara, constavam como bens comuns, dessa relação de bens.

6°) O agravado, na sua resposta de fls. 88 a 91 nada disse sobre este facto.

7°) A Meritíssima Juiz "a quo", no despacho de que se agrava, não consideram tal relação de bens e o seu valor como confissão expressa do agravado de que tais bens são comuns.

8°) Por integrar um processo apenso e ter sido alegado pela agravante, podia e devia ter tomado em consideração este meio de prova (confissão) e assim decidir pelo deferimento da reclamação.

9°) De todo o modo, a agravante junta agora, sob documento n° 1 una certidão desta relação de bens para comprovação do alegado. SEM CONCEDER

10°) Os bens móveis reclamados estão na posse exclusiva do agravado conforme resulta da sua resposta.

11°) Nesta, vem alegar que os reclamados sob n° 1, 3, 5, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 20,21, 22 e 31 da reclamação de fls. 77 a 79 não são bens do casal mas de terceiro (Sociedade M..., Lda)

12°) Esta sociedade não interveio, nem manifestou, no processo qualquer vontade quanto a tais bens.

13°) Para prova do supra alegado o agravado somente juntou um documento (Doc. n° 2 junto com a resposta) que, pelas razões já atrás expostas, não foi considerado.

14°) De todo o modo, sem conceder, este documento corporiza uma declaração da qual resulta que já passaram 14 anos sobre a alegada entrega dos bens móveis em apreço (a declaração está datada de 30/09/1989) em regime de conta-consignação, para serem vendidos pelo agravado e que ainda se encontram na sua posse, ou seja, ainda não os vendeu.

15°) De acordo com as regras do ónus da prova, a presunção da comunicabilidade expressa no artigo 1725º do Cód. Civil e as regras da experiência comum, podia e devia decidir-se, no presente processo, o incidente da reclamação quanto a tais bens móveis no sentido de os considerar comuns e, assim, relacionáveis.

16°) Quanto aos demais móveis reclamados (n° 2, 4, 6, 7, 17, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 36, 37 e 40 da reclamação de fls. 77 a 79) vem dizer o agravado que são bens próprios dele por os haver adquirido antes do casamento.

17°) Para prova do alegado juntou documentos que, pelas razões atrás referidas, não foram considerados.

18°) Conjugando a matéria de facto dada como provada e as considerações expendidas no douto despacho de que se agrava com as regras do ónus da prova e a presunção de comunicabilidade – não elidida – expressa no artigo 1725º do Cód. Civil, podia e devia ser decidida favoravelmente, no processo o alegado incidente da reclamação quanto a este conjunto de bens.

19°) O douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 1336º n°2 e 1350º de C.P.C.



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O cabeça de casal contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.


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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



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A) Quanto ao bem a que alude o ponto 38 da reclamação apresentada pela agravante:

O cabeça de casal, na sua resposta à arguição de falta de bens, não confessou a existência deste bem (na realidade, quanto aos móveis apenas reconheceu estar em falta um aparelho de ar condicionado), pelo que não pode aceitar-se como boa a afirmação da agravante no sentido de que por falta de impugnação se deve ter aqui por confessada a existência de tal bem.
Por outro lado, importa ver que esta Relação é chamada a decidir sobre a bondade da decisão recorrida tomada acerca dos bens objecto da reclamação deverem ou não deverem ser relacionados, o que pressupõe que a decisão recorrida tenha enfrentado o tema. Acontece que o despacho recorrido omitiu qualquer pronúncia sobre o bem reclamado sob o ponto 38, sendo neste particular nulo (v. artºs 668º, nº 1 d) e 666º, nº 3 do CPC). A agravante, todavia, não fundamenta o presente recurso em tal nulidade, como teria que fazer (v. nº 3 do artº 668º do CPC). Não sendo a nulidade de oficioso conhecimento (v. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil, III, pág 144 e 145), não a podemos suprir, antes estando sanada.
Isto significa que está prejudicado o conhecimento da questão em causa, sob pena de renovar o acto nulo. Na realidade, só se tivesse sido arguida a nulidade em presença, e esta tivesse sido reconhecida e suprida é que se poderia potenciar o conhecimento da questão omitida.
Neste particular improcede o agravo.


B) Quanto aos bens indicados na reclamação sob os pontos 1, 3, 5, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22 e 31:


O cabeça de casal reconheceu que tais bens existem, estando aliás na sua posse, mas afirmou que não se trata de bens pertença do casal, mas sim de terceiro (uma tal Muralhas – Antiguidades, Lda).
Mas a verdade é que temos prova nos autos que mostra que os bens em questão têm que ser tidos como comuns.
Efectivamente, é o que decorre do escrito que formaliza a relação dos bens comuns constante de fls 241 e seguintes dos autos principais, entregue aquando do pedido de divórcio por mútuo consentimento (conforme imposto pelo artº 1419º, nº 1 b) do CPC), e que está certificado a fls 8 e seguintes destes autos de agravo. Tal escrito, datado de 26 de Janeiro de 2001, está assinado pelo cabeça de casal. E desse escrito consta como bens do casal (logo, comuns) os bens ora em discussão. Daqui decorre a conclusão apodíctica de que o cabeça de casal reconheceu que tais bens pertencem ao acervo dos bens do casal, não a terceiro.
Tal relação de bens não pode constituir um nada jurídico, algo de irrelevante e insusceptível de vincular as partes. Se assim não fosse teríamos que admitir que a lei impunha a prática de um acto mais ou menos inútil e iconoclasta (a apresentação da relação dos bens comuns), em contradição com o que ele própria mostra querer ao proibir a prática de actos inúteis (v. artº 137º do CPC). Na realidade, tal relação, mais que um simples acto jurídico, representa a nosso ver um verdadeiro negócio jurídico, que deve produzir efeitos jurídicos. Efectivamente, seguindo a lição de Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, pág 355), os negócios jurídicos são factos voluntários, cujo núcleo essencial é integrado por uma ou mais declarações (normalmente de vontade, mas também as declarações de ciência podem integrar negócios jurídicos: v. Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, III, pág 117 e 118) a que o ordenamento jurídico atribui efeitos jurídicos concordantes com o conteúdo da vontade das partes, tal como este é objectivamente (de fora) apercebido. O comportamento da parte aparece exteriormente como uma declaração visando certos resultados prático-empíricos. É o que, julgamos, se passa in casu. Com as declarações produzidas atinentemente à relação dos bens, as partes visaram indicar, como decorrência do seu acertamento, quais os bens que entendiam ser comuns do casal, isto designadamente para efeitos de subsequente partilha.
As declarações insertas na relação de bens apresentam-se assim, basicamente como de ciência, pois que se apresentam como destinadas a transmitir o conhecimento (docere) de quais os bens que os declarantes consideram comuns, representando deste modo um acertamento ou apuramento desses bens no confronto dos cônjuges. Mas julgamos que nelas também há um resquício de vontade (pois que não deixam de ter um mínimo de conteúdo preceptivo e constitutivo), na medida em que revelam, não simplesmente aquilo que cada uma das partes entende sobre os bens comuns, mas um acto convergente das partes sobre quais são os bens comuns (não faria sentido, nem tal relação satisfaria aos fins legais, se se consignassem nela declarações não coincidentes). Tal relação traduz-se ainda basicamente num documento informativo (isto segundo a classificação doutrinária dos documentos em função da declaração documentada, classificação essa que distingue entre documentos negociais e informativos). Informativo porém de factos próprios dos respectivos autores, pelo que deve ser tido como documento confessório (v. Pinto Furtado, RDES, Ano XXV, nºs 1-2, pág 34; v. artº 352º do CC).
Tudo se passa assim in casu como se o cabeça de casal tivesse confessado a existência dos bens, no contexto do nº 2 do artº 1349º do CPC. Em qualquer dos casos há um reconhecimento de que os bens existem no património do casal – somente com a diferença de que num caso o reconhecimento é feito extrajudicialmente enquanto no outro é feito judicialmente –, pelo que têm que ser inseridos na relação de bens.
Nesta base, terá que se concluir que, no confronto da agravante e cabeça de casal, os bens em causa são confessadamente comuns, pelo que compete submetê-los à partilha.
Certo que o cabeça de casal intentou provar que esses bens pertenciam a terceiro.
Mas como a própria decisão recorrida reconhece, sem que alguma das partes o tenha vindo contestar por via de recurso, tal prova não se mostra feita.
Do ponto de vista da prova testemunhal, nada resultou que abonasse a afirmação do cabeça de casal. Di-lo expressamente a decisão recorrida, o que temos que aceitar, pois que não tendo a prova pessoal sido registada, não a podemos sindicar. Nem, de resto, a prova testemunhal poderia legalmente contrariar o reconhecimento das próprias partes no sentido de se estar perante bens comuns.
Do ponto de vista da prova documental, sabe-se que o cabeça de casal apresentou um escrito (doc. nº 2 junto com a resposta à reclamação da falta de bens), supostamente assinado pela ora agravante, com o que se pretendia mostrar que os bens pertenciam a terceiro. Mas também se sabe que a agravante impugnou a autoria da assinatura que lhe era imputada nesse documento. Ao cabeça de casal cabia provar, pois que foi o apresentante do documento, que a assinatura aposta no documento pertencia efectivamente à ora agravante, mas não logrou fazê-lo, fosse mediante perícia (de notar aqui que se conformou com o indeferimento da perícia que requereu), fosse mediante outro qualquer meio de prova. Donde, não estando estabelecida tal autoria relativamente à pessoa da agravante, tal documento carece de força probatória legal ou vinculativa contra ela (v. artºs 374º e 376º do CC).
Independentemente disto, cabe ver que tal documento, produzido em 30 de Setembro de 1989, em nada provaria afinal, só por si, no sentido de que os bens em discussão pertencem a terceiro. Por um lado, porque no documento não se mencionam os bens entregues em sistema de “conta-consignação”, de sorte que não sabemos nem podemos saber se são os que estão ora em causa. Por outro, porque nada obstaria a que os bens, conquanto inicialmente pertença de terceiro, tivessem sido entretanto adquiridos pelo próprio casal (a circunstância de, tantos anos volvidos sobre a falada “conta-consignação”, estarem os bens na posse do casal não faria senão presumir tal facto). Acresce que mesmo que pertencesse à agravante a assinatura aposta no documento e mesmo que o documento se reportasse efectivamente aos bens ora em discussão, sempre os factos que o mesmo documento menciona se teriam que se ter por desactualizados e ultrapassados pela posterior relação de bens, onde as partes assumem claramente tratar-se de bens do casal e não de terceiro.
Deste modo, não havendo qualquer prova que contrarie validamente o reconhecimento exarado na aludida relação dos bens de que se trata de bens do casal, necessariamente que os bens em questão devem ser relacionados no inventário e partilhados entre os ex-cônjuges. Portanto, nesta parte tem razão a agravante.
Obviamente que isto não prejudica eventuais direitos de terceiro aos bens. Direitos de terceiro que não sabemos nem temos de saber se efectivamente existem, e que só poderão ser reconhecidos se porventura um qualquer terceiro aparecer a arrogar-se procedentemente da respectiva titularidade. Afinal, o mesmo que pode suceder após qualquer partilha...
Por outro lado, cabe ver que a remessa dos interessados para os meios comuns só pode ocorrer quando, face à complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas, se revele inconveniente (por implicar redução das garantias das partes) a decisão incidental da reclamação (artºs 1336º e 1350º do CPC). A lei processual actual, contrariamente ao que sucedia anteriormente às alterações introduzidas pelo DL nº 227/94 (v. artº 1341º, nº 2 do CPC, na redacção anterior) não faz depender da possibilidade de uma resolução sumária a decisão atinente à reclamação da falta de bens. In casu não vemos onde radica a complexidade da matéria de facto, pelo que se impõe decidir o incidente hic et nunc, sem necessidade pois de forçar as partes a discutir a questão em novo procedimento. Daqui que razão tem a agravante ao dizer que se mostram violados os artºs 1336º e 1350º do CPC.


C) Quanto aos bens móveis indicados na reclamação sob os pontos 2, 4, 6, 7, 17, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 36, 37 e 40:

Pretendeu o cabeça de casal que estes bens eram próprios seus, não do casal.
Mas também aqui temos prova de que não pode ser assim.
Estes bens constam igualmente da relação dos bens do casal oportunamente apresentada para efeitos de divórcio por mútuo consentimento. Portanto, vale aqui integralmente o que acima dissemos: o cabeça de casal reconheceu que se tratava de bens comuns, pelo que estes têm que ser relacionados no inventário e partilhados.
Acresce que, se dúvidas houvessem quanto à natureza dos bens, sempre haveria que recorrer à presunção de comunhão fixada no artº 1725º do CC, competindo ao cabeça de casal elidi-la.
Certo que quanto a estes bens se propôs o cabeça de casal provar que não eram comuns. Mas não o logrou provar, como aliás consta da decisão recorrida.
No que tange à prova testemunhal, diz a decisão recorrida que dela nada resultou que mostre que tais bens já pertenciam ao cabeça de casal antes do casamento, muito pelo contrário. Temos de aceitar como boa esta asserção, na medida em que, não tendo a prova pessoal sido registada, não a podemos sindicar.
No que tange à prova documental, apresentou o cabeça de casal as declarações de fls 258 (fls 83 destes autos de agravo) e de fls 115 (fls 82 destes autos de agravo), datadas de 10 de Março de 1995, supostamente atribuídas à agravante. Consta em tais escritos exarado que a agravante reconhecia que certos bens eram pertença do cabeça de casal à data do casamento. Contudo, também aqui sabemos que a agravante impugnou a autoria da assinatura que lhe é imputada nesses documentos, não tendo o cabeça de casal provado que a mesma pertencia efectivamente à agravante, pelo que a falada declaração carece de força probatória legal. Não temos assim por demonstrado que a agravante produziu de facto a declaração que lhe é imputada, e dizer isto é o mesmo que dizer que em tais circunstâncias o documento carece de qualquer valor.
Quanto aos demais documentos apresentados pelo cabeça de casal com a sua resposta à reclamação de falta de bens, documentos esses submetidos à regra da livre apreciação do tribunal, nada se retira deles que com um mínimo de segurança garanta que os bens em causa são apenas seus. Isso mesmo está dito por outras palavras na decisão recorrida. Sem embargo, quer o reconhecimento posterior que o cabeça de casal fez na relação de bens apresentada no sentido de que os bens em causa são do casal, quer a existência da supra aludida presunção legal, reduzem praticamente a nada o valor probatório desses documentos.
Isto que fica dito vale obviamente, e contra o que parece pensar o agravado, também para a declaração subscrita por Augusto P..., junta a fls 97 (fls 64 destes autos de agravo), apesar da respectiva assinatura estar reconhecida notarialmente. O reconhecimento da assinatura garante a fidedignidade da autoria da declaração (nº 1 do artº 375 do CC), mas os factos compreendidos na declaração não estão plenamente provados, por não serem contrários aos interesses do declarante (v. artº 376º, nº 2 do CC).
Portanto, também quanto aos bens em apreço não havia fundamento para remeter os interessados para os meios comuns. Face às provas que temos disponíveis, estamos perante bens comuns que devem ser relacionados e partilhados.
Também nesta parte procede o agravo.

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Por último, em breve nota, cabe dizer que a questão da oponibilidade ao cabeça de casal do reconhecimento emergente da declaração atinente aos bens comuns, nos termos sobreditos, nada tem a ver com o tema do caso julgado. Tema este que vem por certo a bom despropósito invocado na contra-alegação recursiva pelo cabeça de casal.
É óbvio que a força do caso julgado formado na acção onde foi decretado o divórcio entre as partes não se estende à relação dos bens comuns apresentada. Mas quem fala aqui em caso julgado é apenas o agravado. O que a agravante diz na sua alegação, e o que nós dizemos concordantemente, nada tem a ver com o caso julgado ou seus efeitos. O que disse a agravante e o que nós dizemos é que a relação de bens que foi apresentada vale como declaração confessória de que os bens ali descritos são do casal. E nada mais que isto é dito. Portanto, o que está em causa é uma singela questão de direito probatório (valoração jurídico-probatória de uma declaração exarada em um documento), não uma questão de efeitos do caso julgado.

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Decisão:


Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em conceder parcial provimento ao agravo e, revogando correspectivamente a decisão recorrida, julgam parcialmente procedente a reclamação apresentada pela interessada contra a relação de bens, decidindo que os bens a que se referem os pontos supra indicados em B) e C) devem ser aditados pelo cabeça de casal à relação de bens inicial, no prazo de 10 dias.


Regime de Custas:

Custas por agravante e agravado, na proporção de metade.


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Guimarães, 17 de Junho de 2004-10-26