Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1274/07.1TBBRG-Q.G1
Relator: GOUVEIA BARROS
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO
MASSA FALIDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – A menos que a resolução assente numa das situações previstas no artigo 121º do CIRE, nos demais casos cumpre ao Administrador alegar os factos que traduzem a prejudicialidade dos actos por ele visados e bem assim os que caracterizam a má fé do adquirente, pois só assim ele pode vir a juízo deduzir impugnação de modo relevante.
II – Cabe ao administrador da insolvência fazer a prova da natureza do acto, caso haja impugnação do mesmo, nos termos do artigo 125ºCIRE, impondo-se ainda que as circunstâncias que fundam a prejudicialidade do acto sejam invocadas quando se declara a resolução, que carece de específica motivação e cujos fundamentos têm um conteúdo bem diverso da típica resolução extrajudicial.
III – Não concretizando a declaração resolutiva os factos constitutivos do direito que se pretendeu exercer, a resolução é nula e de nenhum efeito, por absoluta falta de motivação, razão pela qual não pode se pode ter por precludido o direito de impugnação, concedido por lei à ré, pelo simples decurso de um prazo cujo início pressupunha a validade daquela declaração.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


A Massa Insolvente G..., representada pelo Administrador propôs a presente acção declarativa com processo ordinário por dependência do processo de insolvência contra a sociedade E.. – Construção, Lda, com sede no Largo da A..., Gondizalves, concelho de Braga, pedindo que se declare terem sido resolvidos diversos contratos de compra e venda celebrados entre a insolvente e a ré e se condene a ré a restituir-lhe os oito prédios objecto dos aludidos contratos.
Alega para tal e em síntese que a ré não procedeu ao pagamento do preço atinente a tais aquisições e por carta de 22 de Novembro de 2007 o Administrador da Insolvência comunicou-lhe resolver os contratos em benefício da Massa, no uso da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 120º do CIRE.
E, acrescenta, a carta de resolução foi recebida em 23 de Novembro e não foi deduzida impugnação no prazo legal, mas a ré não restituiu os bens adquiridos à insolvente até à propositura desta acção.
Contestou a ré para dizer que pagou à insolvente o preço dos bens que lhe adquiriu, alegando ser nula e ineficaz a resolução operada pela carta de 22/11/07 por não serem invocadas quaisquer razões para a resolução, nem verificados os pressupostos legais.
Acrescenta ainda ter caducado o direito de resolução, pois já antes de 14 de Maio de 2007 o Administrador da Insolvência “conhecia os actos cuja resolução agora pretende efectuar”, estando pois excedido o prazo previsto no artigo 123º do CIRE.
Conclui assim pugnando pela improcedência da acção e, na eventualidade de a mesma proceder, pede em reconvenção a condenação da A. a pagar-lhe a quantia de €235.000,00.
Replicou a A. para responder à contestação, defendendo a improcedência das excepções bem como do pedido reconvencional, reiterando o pedido constante da petição inicial.
No despacho saneador declarou-se a caducidade do direito da ré impugnar a resolução, admitindo-se todavia a reconvenção e procedendo-se à selecção dos factos assentes e dos controvertidos para prosseguimento dos termos da acção.
Inconformada com o decidido recorreu a ré pretendendo a sua revogação com base nos seguintes fundamentos com que conclui a sua alegação:
1. O Tribunal deveria ter conhecido das excepções invocadas no despacho saneador;
2. A Recorrente na sua contestação alegou factos que fundamentam a invocada caducidade do direito da Massa Insolvente à resolução dos contratos, excepção que não foi apreciada pelo Tribunal;
3. A procedência da caducidade invocada, que é anterior à caducidade invocada pela Recorrida, implicaria a extinção do direito da recorrida e, consequentemente, a total improcedência da acção;
4. Ao não conhecer a caducidade invocada pela Engiaço, o Tribunal deixou de conhecer da excepção suscitada que deveria apreciar oficiosamente, violando dessa forma o disposto do n°1, a) do art° 510° do CPC e do art° 333° do CC;
5. Decorreram mais de dois anos desde a data de outorga das escrituras de venda e a data da insolvência, não é fundamentada pela massa insolvente a razão porque diz existir a participação de pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ou sequer referido que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência.
6. Faltam os pressupostos legais exigidos para a resolução dos negócios pela Massa Insolvente pelo que a resolução viola o disposto no art°120° do CIRE e é por isso nula, não produzindo a notificação qualquer efeito, sendo ineficaz quanto ao notificado;
7. Por atender ao interesse geral esta nulidade é absoluta não produzindo a notificação qualquer efeito, pelo que é ineficaz em relação ao notificado (art°289° e 294º do CC) sendo invocável a todo o tempo (art°286° do CC).
8. Ao não conhecer da nulidade invocada pela Engiaço, houve omissão de pronúncia já que o Tribunal deixou de conhecer de excepções suscitadas que poderia apreciar oficiosamente (art°286° do CC) violando dessa forma o disposto do n°1. a) do art° 510° do CPC e dos art°s 286°, 289° e 294° do CC;
9. A notificação para a resolução não está devidamente fundamentada e não é perceptível, pelo que o recorrente não se apercebeu do seu conteúdo e das suas consequências;
10. Para além da falta de fundamentos e da falta de perceptibilidade do teor da carta/informação, não são indicados os meios de defesa que o destinatário poderia usar para reagir ao acto, numa clara violação do disposto no n°1 do art°3° do CPC e do n°4 do art°268° da CRP, já que dessa forma não lhe é garantida a tutela jurisdicional dos seus direitos e interesses.
11. As deficiências apontadas à carta/informação afectam a sua validade e conduzem a que o acto não seja eficaz quanto à ora Ré já que esta viola, entre outras disposições, o art°268° da CRP, os art°s 124 e 125° do Código de Procedimento e Processo Administrativo, bem como o n°2 do art°235º do CPC,
12. Pelo que, a entender-se que a notificação efectuada cumpre os requisitos do n° 1 do art°123° do CIRE, esta disposição está ferida de inconstitucionalidade já que, afectando os direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não cumpre o dever de fundamentação expressa, numa violação do princípio da suficiência e do princípio da congruência.
13. Pelos mesmos motivos, pela falta de fundamentação a comunicação constante do acto em causa é nula, não produzindo quaisquer efeitos em relação à Ré (art°294º do CC).
14. Ao não conhecer do vício da inconstitucionalidade invocado bem como violação dos art°s 268° da CRP, os art°s 124 e 125° do Código de Procedimento e Processo Administrativo, bem como o n° 2 do art° 235 do CPC, houve omissão de pronúncia já que o Tribunal deixou de conhecer das excepções suscitadas que poderia apreciar oficiosamente (art° 286° do CC), violando dessa forma o disposto do n°1. a) do art° 510° do CPC e dos art°s 286°, 289° e 294° do CC,;
15. Caso se entenda que a notificação efectuada cumpre os requisitos do art°123º do CIRE terá de se concluir que esta disposição está ferida de inconstitucionalidade já que, afectando direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não cumpre o dever de fundamentação expressa, violando os princípios da suficiência e da congruência.
16. Os artigos 120° a 126° do CIRE tal como estão a ser interpretados pelo tribunal, estão feridos de inconstitucionalidade, por afectarem o princípio da segurança do comércio jurídico.
17. Houve omissão de pronúncia pelo facto de o tribunal se não ter pronunciado sobre as excepções invocadas que deveriam ter sido apreciadas oficiosamente (n°1 alínea a) do art°510º do CPC).
18. Porque o Tribunal não se pronunciou sobre as excepções invocadas, o despacho saneador é nulo (al. d), n°1 do art°668º)
19. O douto despacho violou, entre outros, o disposto no n°1. a) do art° 510° do CPC e dos art°s 235º, n° 2, 286°, 289°, 294° e 333° do CC, art° 120° e 123° do CIRE, art° 268º da CRP, art° 124º e 125º do CPPA.
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Em resposta a autora diz, em síntese, que o saneador-sentença não contém vício ou violação de lei e que deve manter-se o decidido.
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Factos assentes:
a) Por sentença datada de 21 de Março de 2007, transitada em julgado em 02 de Abril de 2007, no processo principal, foi declarada a insolvência de “G..., Compra e Venda de Bens Imobiliários, Limitada”.
b) Por escritura pública de compra e venda outorgada no primeiro Cartório Notarial de Barcelos no dia 14 de Fevereiro de 2005, a sociedade “G..., Compra e Venda de Bens Imobiliários, Limitada” declarou vender à ré, que declarou comprar os seguintes bens imóveis:
1) Prédio rústico denominado por Bouça da Lage, de pinhal e mato, situado no lugar da Venda Nova, freguesia de Cambeses, concelho de Barcelos, inscrito na matriz rústica sob o artigo 555, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o números 425/Cambeses.
2) Fracção autónoma designada pela letra “U”, correspondente à garagem na cave, descrita na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o número 124/U/MACIEIRA, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 714 – U.
3) Fracção autónoma designada pela letra “V”, correspondente à garagem na cave, descrita na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o numero 124/V/Macieira, inscrita na matriz predial urbana sob artº714-V.
4) Fracção autónoma designada pela letra “X”, correspondente à garagem na cave, contigua à fracção “V”, descrita na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos sob o número 124/X/Macieira, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 714-X.
5) Na referida escritura as partes declararam como preço da venda o montante global de €79.980,00.
C) Por escritura pública de compra e venda outorgada no primeiro Cartório Notarial de Barcelos no dia 02 de Dezembro de 2004, a sociedade “G..., Compra e Venda de Bens Imobiliários, Limitada” declarou vender à ré que declarou comprar os seguintes bens imóveis:
1) Prédio rústico denominado “Leira dos Fojos”, de pinhal, situado no lugar da Devesa, freguesia da Pousa, concelho de Barcelos, inscrito na matriz rústica Barcelos sob o numero 371/Pousa.
2) Fracção autónoma designada pela letra “P” correspondente ao estabelecimento de café ou similar de hotelaria – no rés do chão, contígua à passagem pedonal por norte/nascente, com entrada pelo lado poente e esplanada situada junto ao mesmo, descrita na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o numero 349/Carreira, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 554-P.
3) Fracção autónoma designada pela letra “A” correspondente ao estabelecimento de café similar de hotelaria – situada no topo poente do edifício, com actividade principal no rés do chão e arrecadação na cave, possuindo ligação por escada interior, descrita na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o número 344/A/Carvalhal, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 572-A.
4) Fracção autónoma designada pelas letras “EB”, correspondente à loja 116 no 3º andar, destinada a actividades económicas, escritórios e consultórios, descrita na segunda Conservatória do Registo Predial de Braga sob o número 158/EB/Braga (S. João do Souto), e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 869-EB.
5) Na referida escritura as partes declararam como preço da venda o montante global de €610.000,00.
6) Em 22 de Novembro de 2007 o administrador da insolvência enviou à Ré a carta certificada a fls 108 a qual foi recebida no dia imediato pela destinatária.
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Fundamentação:
Dado que a essência do litígio reside no teor da carta de 22 de Novembro de 2007, afigura-se curial transcrever aqui os extractos relevantes a fim de melhor se apreender o sentido da posição das partes.
Dizia na aludida missiva o Sr. Administrador de Insolvência que:
“(…) Após conhecimento e análise de toda a documentação respeitante à venda da quase totalidade do imobilizado móvel e imóvel da Insolvente à V/ Sociedade a saber, o equipamento administrativo, o automóvel com a matrícula 85-67-TQ, bem como dos imóveis, nomeadamente os que constam nas escrituras outorgadas no Primeiro Cartório Notarial de Barcelos a 14 de Fevereiro de 2005 e 02 de Dezembro de 2004, venho pela presente resolver esses actos em benefício da massa insolvente, nos termos do art.° 120. do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.
Com efeito, conforme era do conhecimento de V. Exas, até por forca das relações entre os titulares dos respectivos órgãos sociais, certamente não ignoravam que a situação da Insolvente, tendo a V/ empresa beneficiado da prática desses actos em desfavor dos demais credores da insolvência, os quais por virtude dessas alienações viram frustrados os respectivos créditos (a este propósito bastará referir que à data de alienação dos referidos bens, estavam já pendentes acções judiciais contra a Insolvente em que eram reclamados créditos superiores a 500.000,00 €).”
Da análise da carta infere-se que a resolução intencionada pelo Administrador da Insolvente assentava na circunstância de a adquirente dos bens conhecer a situação económica da vendedora por força das relações entre os titulares dos respectivos órgãos sociais e ter beneficiado dos actos em desfavor dos demais credores da insolvente.
Perguntar-se-á então o que é que a situação configurada pelo Sr. Administrador tem a ver com o artigo 120ºdo CIRE?
Na verdade tal disposição legal permite a resolução em benefício da Massa dos actos celebrados (ou omitidos) em seu prejuízo, dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência (nº1).
E quais são os actos prejudiciais à Massa? São todos os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência (nº2).
É inquestionável que a declaração de resolução teve lugar dentro do prazo genérico de suspeição, ou seja, os quatro anos anteriores ao início do processo.
No entanto, ressalvadas as situações elencadas no artigo 121º do CIRE, a lei condiciona a resolução à verificação de má fé por parte do terceiro adquirente, requisito que pressupõe o seu conhecimento de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) De que o devedor (vendedor) se encontrava em situação de insolvência;
b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;
c) Do início do processo de insolvência.
Significa o exposto que a resolução condicional prevista no artigo 120º do CIRE pressupõe uma série de requisitos e, entre eles, a má fé do terceiro.
Todavia, relativamente a actos cuja prática tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, a má fé presume-se, cabendo então ao terceiro ilidir tal presunção (trata-se de uma presunção tantum iuris).
Não se sabe – por não estar certificada a data da entrada do processo principal em juízo – se a escritura de 14 de Fevereiro de 2005 teve lugar dentro dos dois anos anteriores à instauração daquele processo, mas é óbvio que as restantes vendas não beneficiam de tal presunção.
Mas mesmo a venda formalizada por aquela escritura de 14/2/05 só se presumiria celebrada de má fé (sem cuidar agora se partilha dos legais requisitos) se nela tivesse participado ou dela tivesse aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente.
Como entender esta expressão, à míngua de cabal esclarecimento sobre o seu alcance?
Por elementar princípio de hermenêutica legislativa tem de considerar-se que estão nela compreendidas todas as pessoas referidas no artigo 49º do mesmo diploma.
Não é tarefa fácil o recorte técnico e conciso das várias circunstâncias que caracterizam a má fé, até mesmo porque o mero conhecimento da insolvência (de facto) prevista na alínea a) do nº5 do artigo 120º não envolve necessariamente a prejudicialidade do acto, podendo representar um simples meio de obter liquidez para superar a situação, porventura em condições vantajosas para o alienante (ainda que potenciando a dissipação ou sonegação do preço realizado).
Não nos deteremos na análise das referidas circunstâncias por tal exorbitar do objecto deste recurso, cabendo apenas indagar sobre qual o fundamento de resolução esgrimido pelo Sr. Administrador.
Para além de, com o devido respeito, a declaração não primar pela clareza (a alegação de que “certamente não ignoravam que a situação da insolvente” é ambígua e deficiente), a alusão às relações entre os titulares dos órgãos sociais surge apenas para justificar o conhecimento da situação económica e não para dar suporte fáctico à presunção da má fé.
Qual então o fundamento legal e fáctico para a resolução comunicada pela carta de 22 de Novembro de 2007?
Aparentemente a imputação que suporta a decisão consiste no facto de a ré, conhecendo embora a difícil situação económica da insolvente, ter celebrado com ela os contratos visados pela resolução, beneficiando desse modo da prática desses actos em desfavor dos demais credores.
No caso vertente e porque a sociedade insolvente se dedicava à compra e venda de bens imóveis, será plausível – como a ré alega – que os actos cuja resolução foi visada correspondam a actos do seu próprio objecto social e não envolvam qualquer diminuição do respectivo património (os bens vendidos seriam substituídos pelo preço realizado).
Claro que todas as vendas feitas pela insolvente no período suspeito dos 4 anos envolvem necessariamente o risco de pôr em perigo a satisfação dos credores da insolvente.
É todavia óbvio que isso não basta para aferir da prejudicialidade a que se refere o nº2 do artigo 120º do CIRE, sob pena de poder ser tido como prejudicial um qualquer negócio celebrado pela insolvente no aludido lapso de tempo, mesmo que com vantagem significativa, apenas porque os seus administradores dissiparam em seu proveito o preço de tais vendas.
Nos presentes autos a Massa Insolvente também não esclarece o fundamento da resolução (talvez porque apenas pede a sua ratificação), dizendo embora que a ré não procedeu ao pagamento de qualquer parcela do preço dos bens em causa (artigo 11º da p.i).
Em princípio, o não pagamento do preço por parte do adquirente não confere ao vendedor o direito de resolver o contrato, se a propriedade da coisa tiver sido transmitida e feita a sua entrega (artigo 886º do CC), assistindo-lhe apenas um direito de crédito sobre o comprador.
Mas naturalmente que a tal regime se sobrepõe a disciplina da resolução a que se reporta a disposição agora em apreciação e que visa apenas os actos prejudiciais à massa insolvente.
Introduz-se aqui um breve parêntesis para assinalar que a ré na contestação invocou a caducidade do direito de resolução por ter sido excedido o prazo fixado no artigo 123º, nº1 do CIRE, dizendo que o Administrador tinha conhecimento do acto desde 14 de Maio de 2007.
O tribunal a quo não conheceu de tal excepção peremptória, omissão em que a recorrente surpreende uma nulidade da decisão (conclusão 18ª).
Não ocorre tal vício pois sempre faltariam elementos para decidir tal questão uma vez que a Massa, na réplica (artigo 14) impugna a matéria atinente a tal excepção, o que sempre obrigava a que fosse submetida a demonstração.
Para além disso, pensamos que a caducidade invocada não respeita ao acto em si mesmo, mas antes ao acto resolúvel, ou seja, àquele acto juridicamente valorado à luz dos legais requisitos fixados no artigo 120º do CIRE.
Se o administrador tem conhecimento dos contratos há mais de seis meses mas só agora soube da prejudicialidade de tais actos e/ou da má fé dos adquirentes, não pode haver-se por caducado o direito de resolução, pois ele apenas nasce com o conhecimento da resolubilidade do próprio acto.
Mas a ré invoca também a nulidade da própria resolução por ausência de motivação, questão que o despacho não afrontou.
E cremos que não pode deixar de reconhecer-se-lhe razão!
Na verdade, a menos que a resolução assente numa das situações previstas no artigo 121º do CIRE, nos demais casos cumpre ao Administrador alegar os factos que traduzem a prejudicialidade dos actos por ele visados e bem assim os que caracterizam a má fé do adquirente, pois só assim ele pode vir a juízo deduzir impugnação de modo relevante.
Como é intuitivo, colocado perante a missiva de 22 de Novembro de 2007, falece à ré qualquer fundamento para vir a juízo deduzir impugnação.
Com efeito, não pode impugnar a celebração dos contratos e concede-se até que pudesse não desconhecer a situação económica da vendedora, mas com que base reclamaria a improcedência da declaração resolutiva se ignora em absoluto as razões em que a mesma se funda, por terem sido pura e simplesmente omitidas?
Ou seja, a impugnação que à ré competia fazer respeita aos factos invocados para fundamentar a resolução e não à própria declaração resolutiva, sob pena de ineptidão, o que vale por dizer que, fora dos casos de resolução incondicional, o Administrador da Insolvência tem de concretizar os factos constitutivos do direito que exercita, quer pretenda fazê-lo valer em juízo ou fora dele.
Como refere Fernando de Gravato Morais (Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, pág.54) “cabe ao administrador da insolvência fazer a prova da natureza do acto, caso haja impugnação do mesmo, nos termos do artigo 125ºCIRE. Realce-se que se impõe, de todo o modo, que as circunstâncias que fundam a prejudicialidade do acto sejam invocadas quando se declara a resolução”.
“Dado que esta resolução carece de específica motivação – acrescenta o mesmo Autor a fls 164 da obra citada – é essencial que sejam invocados os fundamentos que a originam, os quais têm um conteúdo bem diverso da típica resolução extrajudicial”.
Realça-se que à excepção do automóvel, a ré confessa ter adquirido todos os restantes bens, mas alega também ter pago o preço ajustado com a vendedora.
Na réplica a Massa veio esclarecer o quadro familiar onde radicava o presumido conhecimento da situação de insolvência por parte da ré, reiterando também a alegação de que no registo contabilístico da insolvente não constava o depósito do preço dos bens transmitidos a seu favor através dos actos resolvidos, concluindo desse facto o não pagamento.
Infere-se pois que a prejudicialidade reside no não pagamento do preço dos bens e não em qualquer outra razão, sugerindo assim que se trataria de actos dissimulados.
Nesta instância está sob escrutínio a validade lato sensu da resolução efectuada e não a questão de saber se o alegado incumprimento do pagamento do preço configura ou não a prejudicialidade que é pressuposto da resolução.
Ora, ao contrário do que defende a Massa (artigo 18ºda réplica), entendemos que a resolução é nula e de nenhum efeito, por absoluta falta de motivação da declaração resolutiva, uma vez que não concretiza os factos constitutivos do direito que pretendeu exercer.
E, sendo nula e de nenhum efeito, também não pode ter ficado precludido o direito de impugnação concedido por lei à ré, pelo simples decurso de um prazo cujo início pressupunha a validade daquela declaração.
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Decisão:
Nos termos expostos, julga-se a apelação procedente e revoga-se o despacho saneador, declarando-se improcedente a excepção de caducidade do direito da recorrente de impugnar a resolução.
Custas pela Massa.
Guimarães, 26 de Março de 2009