Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5583/05.6TBBCL.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: CIRE
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: I – Não se estando perante nenhuma das situações previstas no art. 121º do CIRE, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, competindo ao administrador da insolvência alegar e provar os factos consubstanciadores da prejudicialidade dos actos e da má fé do adquirente;
II – O facto de se trespassar o supermercado não é, em si mesmo, um acto prejudicial, como o não é a venda das fracções, constituindo até um modo de arrecadar dinheiro para cumprir os compromissos com os fornecedores. O que foi lesivo dos credores foi a circunstância de os sócios gerentes da insolvente não terem, com o dinheiro assim recebido, pago aos credores;
III – Não se podendo concluir que a autora impugnante, que já era detentora de outros estabelecimentos comerciais e pretendia expandir os seus negócios, tivesse conhecimento da situação de insolvência da devedora, impõe-se a confirmação da decisão recorrida, que julgou procedente e válida a impugnação apresentada pela autora da resolução contratual operada pela Srª administradora, assim se mantendo válidos e eficazes os negócios jurídicos que foram objecto dessa declaração de resolução.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 5583/05.6TBBCL-GG1
Apelação.

I - A impugnante “ AA ..., S. A., sociedade anónima com sede em Lourigo, 15, Poyo, Pontevedra, em Espanha, moveu a presente acção de impugnação de declaração de resolução de contrato – artº. 125º., do CIRE – à Massa Insolvente de “BB..., Ldª”, pretendendo que se declare improcedente aquela declaração mantendo-se válido e eficaz o contrato de alienação das fracções autónomas identificadas, celebrado a 28/07/05, através de escritura pública.
Como fundamento, em síntese, alega que à data da celebração do aludido contrato não tinha sido a insolvência da R., o que apenas veio a suceder a meados de Novembro de 2005, do que se infere que a venda de tais fracções não foram prejudiciais, pois que, não só o preço pago por elas foi superior ao preço de mercado apurado em sede de avaliação previamente realizada, como também a venda de tais fracções não foi de modo a diminuir, frustrar, dificultar, colocar em perigo ou retardar a satisfação dos credores da insolvência, uma vez que inexistia qualquer reclamação judicial de dívidas da insolvente, havendo ainda de realçar-se que a BB... já tinha anunciado publicamente a sua intenção de vender os aludidos imóveis, e, à data da celebração dos negócios resolvidos, a R. era uma empresa solvente detentora de um património mobiliário e imobiliário de valor elevado.
Com estes fundamentos conclui pedindo seja considerada válida e procedente a presente impugnação da resolução contratual operada pela Srª Administradora da Insolvência.

Citada que foi de forma válida e regular a Massa Insolvente contestou e, alegando, em súmula, factos tendentes a demonstrar que o contrato de compra e venda das aludidas fracções afectou os interesses dos credores da Insolvente, dado ter diminuído as garantias dos seus créditos e tornado mesmo impossível a sua satisfação, sendo que, toda essa situação era do conhecimento da Impugnante.

Conclui pedindo a improcedência da impugnação, com a consequente confirmação da resolução das vendas impugnadas.
A Impugnante ofereceu réplica concluindo como no seu articulado inicial.

Os autos prosseguiram e foi proferida sentença na qual se decidiu:
Pelo exposto, e sem mais considerações, julga-se a presente acção procedente e, por consequência, considera-se procedente e válida a impugnação da resolução contratual operada pela Sr.ª Administradora, mantendo-se em conformidade a validade e eficácia dos negócios jurídicos que foram objecto dessa declaração de resolução.


Inconformada a Massa Insolvente de BB.... Ldª, interpôs recurso, cujas alegações de fls. 930 a 1005, terminam com conclusões onde são colocadas as seguintes questões :
Rectificação do texto do facto sob o n.º 19 da sentença.
Alteração da resposta aos quesitos 18º a 22º e 27º a 29º da base instrutória.
Reapreciação da decisão quanto ao direito aplicado, quer se altere a matéria de facto, quer a mesma se mantenha, tendo em conta o disposto nos artigos 349º do Código Civil e 120º do CIRE.


Não foram admitidas as contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Nos termos do artigo 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do artigo 660º do mesmo código.
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Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1- Por carta datada de 13/02/2006, foi pela Administradora de Insolvência nomeada no processo de Insolvência nº 5583/05.6TBBCL do 1º Juízo cível do Tribunal Judicial de Barcelos, comunicada à Impugnante a resolução do contrato de compra e venda celebrado em 28/07/2005 entre aquela e a sociedade “BB..., Lda.”.
2- Em 04/05/2005 foi celebrado entre a Insolvente e a sociedade “Supermercados....., Lda.” um contrato de trespasse que teve como objecto o estabelecimento de supermercado pertença da Insolvente, que se encontrava instalado nas seguintes fracções autónomas:
(i) fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a aparcamento automóvel na cave, com 34 lugares, inscrita na matriz sob o art. 2206-A;
(ii) fracção autónoma designada pela letra “B”, inscrita na matriz
sob o art. 2206-B;
(iii) fracção autónoma designada pela letra “I” (armazém), do prédio urbano constituído em regime da propriedade horizontal, sito na Rua da Olivença, nº 135, freguesia de Arcozelo, Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos sob o nº 1073/970116;
3- O preço de tal trespasse foi de 700.000 € (setecentos mil euros), a ser pago em quatro prestações mensais, iguais e sucessivas de 175.000,00 €, com vencimento da 1ª em 04/05/2005 e das demais em igual dia de cada um dos meses subsequentes.
4- As prestações referidas em 3) foram total e integralmente pagas pela “Supermercados...., Lda.” nas respectivas datas de vencimento.
5- No referido trespasse ficou estabelecido que seriam excluídos do mesmo os veículos automóveis não afectos ao estabelecimento e os computadores afectos à contabilidade da insolvente.
6- No dia 4/5/2005, a Insolvente e a sociedade AA ...., S.A., com sede em Poio, Ponte Vedra, Lourido, San Salvador, Espanha, pessoa colectiva nº 980 322 510, representada por José ...., celebraram entre si o contrato promessa mediante o qual aquela prometeu vender a esta as três fracções identificadas em B), livres de ónus ou encargos, pelo preço de 1.215.643,50 €, do qual foram pagos nesse mesmo dia 60.000,00 €, sendo o restante a pagar em 24 prestações mensais iguais e sucessivas de 48.151,81 €.
7- Em 15/7/2005 foi celebrado entre a Impugnante e o Banco Bilbao Viscaya Argentaria, S.A. um contrato de empréstimo da quantia de 1.400.000€ com hipoteca.
8- Por escritura pública celebrada em 28/7/2005, no 2º Cartório Notarial de Braga, a insolvente BB... e a Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A, acordaram em fazer cessar, nesse mesmo dia, o prazo do contrato de locação financeira que incidia sobre a fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a aparcamento automóvel na cave, com 32 lugares, do prédio urbano constituído em regime da propriedade horizontal, sito nas Ruas Elias Garcia e José Júlio Vieira Ramos, Lote J,freguesia de Arcozelo, Barcelos, descrita na Conservatória do Registo Comercial
de Barcelos sob o nº 1073-A e inscrita no artigo 2206 da matriz predial urbana e sobre a fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente a um estabelecimento comercial, do prédio urbano constituído em regime da propriedade horizontal, sito nas Ruas Elias Garcia e José Júlio Vieira Ramos, Lote J, freguesia de Arcozelo, Barcelos, descrita na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos sob o nº 1073-B e inscrita no artigo 2206 da matriz predial urbana, tendo a Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A declarado vender e a BB... declarado aceitar a venda das ditas fracções pelo valor residual de €: 544.220,73, mais declarando que assim faziam cessar o referido contrato de locação financeira.
9- Por escritura pública celebrada em 28/7/2005, no 2º Cartório Notarial de Braga a insolvente BB.... e BPI Leasing – Sociedade de Locação , S.A, acordaram em resolver o contrato de locação financeira que incidia sobre a fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um estabelecimento comercial e armazém, ambas do prédio urbano sito constituído em regime da propriedade horizontal, sito nas Ruas Elias Garcia e José Júlio Vieira Ramos, Lote M, freguesia de Arcozelo, concelho de Barcelos, descrita na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº 1076 e inscrita na matriz respectiva sob o artigo 2247, fazendo cessar a sua vigência antes do prazo inicialmente estipulado, tendo a o BPI, SA declarado vender e a BB... declarado aceitar a venda da dita fracção pelo preço de €: 139.844,11, já pago.
10- No dia 28 de Julho de 2005, no 2º Cartório Notarial de Braga a insolvente BB... outorgou a escritura pública através da qual declarou vender à impugnante AA ...., S.A., que declarou comprar, pelo preço de 1.939.643,50 €, já recebido, as seguintes fracções autónomas:
(i) fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a aparcamento automóvel na cave, com 32 lugares, do prédio urbano constituído em regime da propriedade horizontal, sito nas Ruas Elias Garcia e José Júlio Vieira Ramos, Lote J, freguesia de Arcozelo, Barcelos, descrita na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos sob o nº 1073-A e inscrita no artigo 2206 da matriz predial urbana;
(ii) fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente a um estabelecimento comercial, do prédio urbano constituído em regime da propriedade horizontal, sito nas Ruas Elias Garcia e José Júlio Vieira Ramos, Lote J, freguesia de Arcozelo, Barcelos, descrita na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos sob o nº 1073-B e inscrita no artigo 2206 da matriz predial urbana;
(iii) fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um estabelecimento comercial e armazém, ambas do prédio urbano sito constituído em regime da propriedade horizontal, sito nas Ruas Elias Garcia e José Júlio Vieira Ramos, Lote M, freguesia de Arcozelo, concelho de Barcelos, descrita na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº 1076 e inscrita na matriz respectiva sob o artigo 2247.
11- As fracções referidas em 10) encontram-se provisoriamente registadas a favor da Impugnante.
12- o requerimento inicial da insolvência da BB... deu entrada em tribunal a 16 de Novembro de 2005, tendo a sentença que a decretou sido proferida em 6/2/2006.
13- A BB... foi constituída em 18/4/2001 tendo por objecto “o comércio a retalho em supermercados e hipermercados”.
14- Teve, desde 25/3/2002, o capital social de 249.400,00 €,
representado pelas seguintes quotas sociais:
a) uma quota do valor nominal de 149.640,00 € pertencente a José ..., residente na Rua ...., Santo Tirso,
b) uma quota do valor nominal de 99.760,00 €, pertencente a Joaquim ...., residente na Rua ..., Porto.
15- A BB.... tinha a sua sede na Rua da Olivença, Arcozelo, Barcelos.
16- Para apoiar a exploração do estabelecimento de supermercado explorado pela insolvente, como armazém de produtos para revenda no mesmo, esta ocupava ainda uma fracção autónoma na freguesia de Vila Frescaínha, S. Pedro, deste concelho, com base num contrato de leasing imobiliário por ele celebrado com o BPI, S.A. em Janeiro de 2005.----
17-No contrato de trespasse referido em 2) ficou estipulado que as mercadorias que estivessem em condições de ser vendidas, existentes no interior do estabelecimento, seriam inventariadas no dia seguinte – 5/5/05 – e o seu preço, ao valor de factura, seria pago em 4 prestações mensais, iguais e sucessivas, sendo uma com vencimento nessa mesma data, outra 30 dias após, uma outra 60 dias após e a última 90 dias após, sendo essas 4 prestações tituladas por cheques a entregar pela compradora à insolvente até ao seguinte dia 7 do mesmo mês de Maio.
18- Mediante o mesmo contrato, a Insolvente deu de arrendamento à trespassária as 3 fracções identificadas em 2), onde estava instalado o supermercado, tendo por fim a continuação da mesma actividade de supermercado, armazém e aparcamento, com início em 4/5/2005, pelo prazo de um ano, renovável, mediante o pagamento da renda mensal de 18.000,00 €, a pagar nos primeiros oito dias do mês a que dissesse respeito.
19- Esse contrato promessa teve como pressuposto que nas fracções que ele tinha por objecto estava instalado um estabelecimento de venda de produtos alimentares e similares (vulgo supermercado), que tal estabelecimento fora trespassado a Supermercados....., Lda, bem como celebrado contrato de arrendamento das fracções e que a promitente compradora tinha todo o interesse na compra pela complementaridade das suas actividades comerciais.
20- Nele foi ainda estipulado que a escritura de compra e venda seria celebrada decorridos que fossem trinta e seis meses a contar dessa data (4/5/05), ou seja, depois de 4/5/2008.
21- E que as 24 prestações mensais referidas em 6), no total de 1.155.643,50 €, correspondentes ao preço em falta para além do sinal, seriam pagas ao longo dos 24 meses subsequentes à data da celebração da escritura.
22- O estabelecimento aqui em causa foi encerrado ao público no dia 5/5/2005 para ser feito o inventário das mercadorias nele existentes e que estivessem em condições de ser vendidas.
23- Em resultado do inventário referido em 22) a insolvente emitiu em nome da sociedade SUPERMERCADOS...., LDA, 5 facturas parcelares no valor total de €:300.205, posteriormente resumidas numa única factura/resumo por aquele valor de €:300.205.
24- Que foi pago à insolvente em 4 prestações, nos termos referidos em 17).
25- No dia 6/5/2005 a loja/supermercado reabriu ao público sob a exploração, no interesse e sob a gerência e responsabilidade exclusivas da sociedade SUPERMERCADOS ....., LDA.
26- Com o trespasse do supermercado foram transferidos para a adquirente Supermercados ....Ldª a partir de 5/5/2005, todos os empregados que nele anteriormente trabalhavam para a insolvente e que quiseram continuar a trabalhar por conta daquela.
27- O capital social e a gestão da impugnante e da “Supermercados ...., Lda” – a adquirente do trespasse e arrendatária das fracções compradas por aquela eram e são detidos maioritariamente pela empresa “Distribuiciones ...., S.A”, com sede em Calle de Lourido, 15, Convento, Paio, Pontevedra, Espanha e por José .... e Magin ......
28- À data dos referidos actos e contratos – 4/5/05 e 28/7/05 - o “administrador único” da impugnante e o “gerente único” da “Supermercados ..., Lda” era e é – ainda - a mesma pessoa: MAGIN.... .
29- Quer o contrato de trespasse e de arrendamento, de 4/5/05, pela Supermercados ...., Lda, quer o contrato promessa de compra e venda, também de 4/5/05, por parte da promitente compradora AA ..., SA foram assinados por José ....., na qualidade de procurador das duas sociedades.---
30- As fracções referidas em 2) coincidem com as fracções referidas em 10).
31- Em Maio de 2005 o valor comercial das fracções autónomas referidas em 10) era de €: 1.753.472,51.
32- O empréstimo referido em 7) destinou-se à aquisição pela Impugnante das fracções identificadas em 10).
33- A BB..., até 04/05/05, desenvolvia a sua actividade explorando um supermercado de produtos alimentares.
34- A BB... havia anunciado a intenção de venda das fracções autónomas aqui em causa muito antes de 28/7/2005.
35- A impugnante sempre contactou e contratou com todas as entidades envolvidas - “BB..., Lda.”, “Caixa Leasing e Factoring - Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, “Banco BPI, S.A.” - de forma clara e declarada.
36- Sempre plasmou as suas obrigações e direitos em documentos escritos válidos e de conhecimento público, à vista de toda a gente e sem a oposição de qualquer pessoa ou entidade.
37- Parte da quantia paga pela Impugnante a título do preço da compra e venda foi directamente integrada no património da Insolvente, sendo que, os representantes legais da Insolvente Joaquim e José ...., apropriaram-se do restante valor.
38- A BB... aplicou parte do preço recebido no pagamento das dívidas existentes no âmbito dos contratos de locação financeira então em vigor.
39- O estabelecimento referido em 2) era o único estabelecimento da BB....
40- E a única actividade da Insolvente consistia na exploração desse estabelecimento.
41- Todos os bens de equipamento e viaturas pertencentes à insolvente, com excepção dos referidos em 5) foram transferidos para a Supermercados .....
42- Com os actos referidos em 2) e 6), e a partir de 4/5/05, a insolvente cessou definitivamente a sua actividade social e operacional.
43- E deixou de ter quaisquer empregados ou instalações próprias, a não ser dois empregados de escritório que se mantiveram em funções até data não concretamente apurada, mas situada entre o final do mês de Julho e o princípio do mês de Agosto de 2005, altura em que a Impugnante fez cessar os seus contratos, sendo ainda locatária de um outro imóvel de armazém sito em Vila Frescaínha São Pedro, em Barcelos, que constitui a fracção I, artigo 804 – A, em sistema de leasing em que era locador o Banco B.P.I., S.A..
44- A impugnante sabia que o estabelecimento de supermercado trespassado era o único estabelecimento comercial da insolvente e que a exploração do mesmo era a única actividade daquela, quer quando celebrou o contrato promessa de compra e venda, em 4/5/05, quer quando, em 28/7//05, outorgou a compra das 3 fracções autónomas em causa.
45- Em 5/5/2005 e em 28/7/2005, a insolvente tinha dívidas de cerca de 300.000,00 €.
46- A partir de 28/07/05, em que foram celebradas as mencionadas escrituras públicas de compra e venda, e quando a exploração já estava a ser feita pela Supermercados ...., houve alguns credores, em número não concretamente determinado, mas de, pelo menos, quatro, que se dirigiram ao estabelecimento ou contactaram representantes ou colaboradores da Supermercados .... reclamando a pagamento de quantias que a insolvente lhes estava a dever como preço do fornecimento de mercadorias que anteriormente àquela data tinham feito para esse mesmo estabelecimento.
47- As mencionadas reclamações foram efectuadas em data posterior a 28/07/05.
48- E foram igualmente direccionados à sede da Supermercados ...., Lda, em Valença.
49- Provado que em data posterior a 28/07/05, a LACTOGAL contactou directa e pessoalmente os legais representantes da impugnante, bem como, por telefone, designadamente por intermédio do seu inspector de vendas, da sua chefe do departamento de crédito e do seu director administrativo e financeiro, dando-lhe a conhecer o valor do seu crédito sobre a insolvente e pedindo a intermediação e ajuda deles no sentido de os ajudar a contactar os representantes da própria insolvente e a obter deles o pagamento da sua dívida, de mais de 95.000,00 €.
50- Quer em Maio, Junho ou Julho, de 2005, a impugnante e os seus legais representantes sabiam que os legais representantes da insolvente tinham deixado de exercer em nome desta qualquer actividade operacional ou comercial em nome da mesma.
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Alega a recorrente que o facto sob o n.º 19 da sentença resulta da transcrição do facto que constitui a alínea t) dos factos assentes, o qual, por sua vez, provém do artigo 20º da contestação.
O modo como foi transcrito para a sentença a referida alínea, descontextualizou o facto que aí se refere, como se a expressão “ esse contrato” se referisse ao que consta do facto anterior , quando o mesmo se refere ao contrato-promessa constante do facto sob o n.º 6º.
Solicita assim, a rectificação para que se faça constar do facto sob o n.º 19 - onde se refere “esse contrato” - a expressão “contrato referido no facto n.º 6”.
Lidos os articulados, bem com a base instrutória e a sentença, o modo como estão elencados os factos, pode, eventualmente, conduzir a que se pense que o contrato referido sob o n.º 19º é o mesmo que se refere, no n.º 18.
Ora, os dois contratos referidos são distintos, pelo que, para não existir qualquer confusão, rectificar-se-á no facto sob o n.º 19º, adicionando-se, entre parêntesis, a expressão “referido sob o n.º 6” .
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Resposta aos quesitos 18º a 22º e 27º a 29º.
Encontrando-se gravada a prova produzida em julgamento, de acordo com o disposto nos artigos 522º-B e 522º-C do Código de Processo Civil na redacção do Decreto-Lei n.º 303/07 de 24/08, a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada se para tanto tiver sido observado o condicionalismo imposto pelo artigo 685º-B, como é permitido pelo disposto no artigo 712º, n.º 1, alínea ) e n.º 2 do mesmo diploma.

A recorrente impugna a resposta que mereceram os referidos quesitos, nomeadamente porque a matéria constante dos mesmos não foi considerada provada na totalidade.
Como meio de prova que conduziria a uma resposta diferente, aos quesitos 18º a 22º, a recorrente indica os depoimentos das testemunhas inquiridas a tais quesitos, principalmente os depoimentos de Luísa Alexandrina Marques e José Augusto Soucasoux, e bem assim a análise da demais prova.

No quesito 18º, perguntava-se se : “ os fornecedores e credores da insolvente a partir de 5/5/05, e quando a exploração já estava a ser feita pela Supermercados...., passaram a dirigir-se ao estabelecimento, quer por telefone, quer por carta, quer por telefax, quer pessoalmente, pedindo e reclamando o pagamento das quantias que a insolvente lhes estava a dever como preço dos fornecimentos que anteriormente àquela data tinham feito para esse mesmo estabelecimento.

O quesito mereceu a resposta de : provado apenas que “a partir de 28/07/05, em que foram celebradas as mencionadas escrituras públicas de compra e venda, e quando a exploração já estava a ser feita pela Supermercados ...., houve alguns credores, em número não concretamente determinado, mas de, pelo menos, quatro, que se dirigiram ao estabelecimento ou contactaram representantes ou colaboradores da Supermercados.... reclamando a pagamento de quantias que a insolvente lhes estava a dever como preço do fornecimento de mercadorias que anteriormente àquela data tinham feito para esse mesmo estabelecimento”.

No quesito 19º perguntava-se : “esses pedidos e ou reclamações prolongaram-se pelos meses de Maio, Junho e Julho”.
A resposta que mereceu foi a seguinte provado apenas que “as mencionadas reclamações foram efectuadas em data posterior a 28/07/05”.

No quesito 20º, perguntava-se : e foram igualmente direccionadas à sede da Supermercados ....., Ldª, em Valença
O quesito mereceu a resposta de provado, tendo como referência a matéria que consta da resposta ao quesito 18º.

No quesito 21º perguntava-se “sendo sempre dirigidos aos colaboradores e legais representantes dessa sociedade e da impugnante “.
A resposta foi a de provado, com referência à resposta do quesito 18º.

O que importa saber (em relação a estes quesitos) é se a impugnante tomou conhecimento das dívidas da BB... e das dificuldades da respectiva cobrança pelos credores após 4/05/05 e antes de 28/07/05.
E o que a recorrente pretende é que seja considerado provado que as reclamações dos credores da insolvente foram feitas junto da autora (impugnante) e ocorreram entre 4/05/05 e 28/07/05 .
A este propósito, na decisão sobre a matéria de facto o Mmº Juiz a quo, fundamentou a sua decisão nos depoimentos das testemunhas supra referidas e nas declarações do legal representante da autora, bem como ainda nos depoimentos das testemunhas Sandra Pinto Pedro, Artur Casal Derrey Iglésias, actual director da Froiz Portugal , da testemunha Armando Ferreira e Maria Isménia.

Refere ainda na fundamentação que “... de tudo resulta que os elementos probatórios produzidos não permitem, com a segurança exigível, concluir mais do que se fez constar da resposta a esta materialidade, ou seja, de que apenas um pequeno número - não superior a 4 – de credores terão reclamado as suas dívidas perante a ré”.

Conforme consta dos autos, e está provado documentalmente, a autora celebrou com a BB..., um contrato-promessa de compra e venda de três fracções (as referidas sob os factos n.ºs 2, 6 e 10 ), tendo acordado que a escritura seria celebrada decorridos que fossem 36 meses a contar da data de celebração do contrato – 4/5/05 – ou seja, após 4/5/08.
No entanto, e como consta também da matéria de facto provado – facto sob o n.º 10º - a escritura viria ser celebrada em 28/7/05, ou seja, em desconformidade com o acordado.

Deixemos de lado o depoimento do legal representante da autora, pois se trata de parte interessada (e não existiu confissão de qualquer facto que lhe fosse desfavorável), e vejamos se dos demais depoimentos resulta ou não provada toda a matéria contida nos quesitos 18º a 22º.
Dos depoimentos daquelas testemunhas (que mereceram e merecem credibilidade), a nosso ver, o que resulta provado é que foram efectuados contactos de alguns credores com a BB..., quando se aperceberam que o supermercado já não pertencia à mesma empresa, embora nenhum dos credores soubesse exactamente que negócio se estava a efectuar. Das diligências que estes credores fizeram junto da BB..., nomeadamente junto do sócio Dr. Joaquim ...., este não os esclareceu sobre o negócio efectuado, mas disse-lhes que era ele quem ia pagar as dívidas aos fornecedores.
Apesar das testemunhas terem referido diversos contactos durante os meses de Maio e Junho de 2005, os mesmos até à data da escritura nunca ocorreram com a AA ..., nem os créditos foram peticionados à autora, até porque os sócios da BB.... prometeram pagar as dívidas.
Como referiu no seu depoimento a testemunha José Augusto Soucasaux, quando a autora foi, por si, contactada, já aparecia a insígnia F.... (no estabelecimento), e foi-lhe dito que o que a autora tinha pago chegava para pagar aos fornecedores.
A testemunha Luísa Alexandre Marques referiu que foi enganada pelo sócio da BB.... , assim como disse que se deslocou a Valença e contactou com o Sr. Fernando, que se encontrava no Supermercado ...., em Julho. Tal não significa que se possa dar como provado que as reclamações foram feitas perante a AA ..., assim como não se pode concluir que as que foram feitas durante o mês de Maio e Junho para o Supermercado, fossem do conhecimento da autora e tivessem sido dirigidos ao seu legal representante.

Mas também é certo que as reclamações, apesar de terem sido feitas por telefone, e por carta – para o apartado da insolvente – foram feitas durante aqueles meses, mas sempre dirigidas ao sócio da insolvente (Dr. Joaquim ....).
E por isso, a resposta mais consentânea com a prova – no que respeita ao quesito 18º) é a de que “ pelo menos quatro fornecedores e credores da insolvente a partir de 5/5/05, quando a exploração já estava a ser feita pela Supermercados..., contactaram naquele estabelecimento, quer por telefone, quer por carta, quer por telefax, o Dr. Joaquim, sócio da BB..., pedindo e reclamando o pagamento das quantias que a insolvente lhes estava a dever, como preço de fornecimentos que, anteriormente àquela data, tinham feito para esse estabelecimento”.
O quesito 19º, no seguimento do que já referimos deve ser dado como provado, ou seja que “ esses pedidos e ou reclamações prolongaram-se pelos meses de Maio, Junho e Julho” .
E nesta medida, deve ser alterada a resposta a estes quesitos, neste sentido.

No que respeita ao quesito 20º o que resulta da prova produzida é que a Lactogal contactou um colaborador da Supermercados... Portugal em Valença em Outubro de 2005.
E o mesmo se diga em relação ao quesito 21º, em relação ao qual apenas resulta provado que só após 28/7/05 é que alguns credores contactaram os legais representantes da autora.
Como referiu a testemunha José Soucasaux, fez imensas diligências junto da D. Isménia e chegou a contactá-la, a partir de certa altura , no escritório na freguesia de S. Pedro – e não nas instalações do supermercado – tendo tentado receber o seu crédito da BB..., nunca se tendo deslocado ao local onde restava a AA ....
No que respeita ao quesito 22º, a resposta corresponde efectivamente ao que resultou da prova produzida.
Deve, assim manter-se a resposta a estes quesitos.

Resposta aos quesitos 27º a 29º.
Conforme consta do despacho que decidiu a matéria de facto tais quesitos obtiveram a resposta de não provado.
Em relação a esses quesitos entendeu o Mmº juiz que não foi realizada qualquer prova, explicando detalhadamente, com base nos depoimentos, por que razão assim concluiu.

No quesito 27º, perguntava-se : a impugnante pretendeu com a sua actuação subtrair as fracções do património da insolvente e evitar que os credores desta as penhorassem para garantia e pagamento dos respectivos créditos”
Com intenção de prejudicar os credores da BB...” – quesito 28º.
Impedindo-os de cobrar e fazer-se pagar do valor dos seus créditos ” – quesito 29º.

Dos depoimentos ouvidos não pode de modo algum retirar-se o facto de que a escritura foi realizada mais cedo porque a autora tinha como objectivo evitar que as fracções servissem para pagamento dos respectivos créditos.
É certo que pode sempre questionar-se qual a razão porque se clausulou no contrato-promessa de compra e venda das fracções o prazo de três anos para a realização da escritura, e a mesma se veio a realizar poucos meses após a realização do contrato.
A este propósito a testemunha Artur Iglesias, director comercial do grupo AA ..., explicou que tal aconteceu porque a compra estava dependente do financiamento bancário; caso não o obtivessem de imediato, a compra ocorreria no prazo acordado, caso o obtivessem, como aconteceu, o contrato prometido seria celebrado de imediato.
O depoimento desta testemunha não foi posto em causa nos autos, e, no limite, mesmo que se entenda pouco credível esta explicação, o certo é que outra testemunha, credor da insolvente – a testemunha José Augusto Soucaux – disse durante o seu depoimento não ter quaisquer dúvidas que a “idoneidade está na empresa AA ... e não na BB...”.
E por isso, também disse que não podia afirmar se a Froiz sabia que a HiperManhã não estava a pagar aos seus credores.
Quer este credor, quer a credora Lactogal, continuam a ter como cliente a AA ..., sendo seus fornecedores, e disseram que a mesma cumpre com os seus compromissos comerciais.
Não consentem, pois, estes factos, nem a antecipação da realização da escritura em mais de 3 anos, que se retire qualquer ilação, nem qualquer presunção, de modo a considerar provados tais factos, nos termos do disposto no artigo 349º do Código Civil, tal como pretende a recorrente.

Tendo em consideração o acima exposto e a alteração da resposta aos quesitos 18º e 19º, a matéria de facto a considerar é a seguinte:
1- Por carta datada de 13/02/2006, foi pela Administradora de Insolvência nomeada no processo de Insolvência nº 5583/05.6TBBCL do 1º Juízo cível do Tribunal Judicial de Barcelos, comunicada à Impugnante a resolução do contrato de compra e venda celebrado em 28/07/2005 entre aquela e a sociedade “BB..., Lda.”.
2- Em 04/05/2005 foi celebrado entre a Insolvente e a sociedade “Supermercados ... Lda.” um contrato de trespasse que teve como objecto o estabelecimento de supermercado pertença da Insolvente, que se encontrava instalado nas seguintes fracções autónomas:
(i) fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a aparcamento automóvel na cave, com 34 lugares, inscrita na matriz sob o art. 2206-A;
(ii) fracção autónoma designada pela letra “B”, inscrita na matriz
sob o art. 2206-B;
(iii) fracção autónoma designada pela letra “I” (armazém), do prédio urbano constituído em regime da propriedade horizontal, sito na Rua da Olivença, nº 135, freguesia de Arcozelo, Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos sob o nº 1073/970116;
3- O preço de tal trespasse foi de 700.000 € (setecentos mil euros), a ser pago em quatro prestações mensais, iguais e sucessivas de 175.000,00 €, com vencimento da 1ª em 04/05/2005 e das demais em igual dia de cada um dos meses subsequentes.
4- As prestações referidas em 3) foram total e integralmente pagas pela “Supermercados ...., Lda.” nas respectivas datas de vencimento.
5- No referido trespasse ficou estabelecido que seriam excluídos do mesmo os veículos automóveis não afectos ao estabelecimento e os computadores afectos à contabilidade da insolvente.
6- No dia 4/5/2005, a Insolvente e a sociedade AA ..., S.A., com sede em Poio, Ponte Vedra, Lourido, San Salvador, Espanha, pessoa colectiva nº 980 322 510, representada por José ...., celebraram entre si o contrato promessa mediante o qual aquela prometeu vender a esta as três fracções identificadas em B), livres de ónus ou encargos, pelo preço de 1.215.643,50 €, do qual foram pagos nesse mesmo dia 60.000,00 €, sendo o restante a pagar em 24 prestações mensais iguais e sucessivas de 48.151,81 €.
7- Em 15/7/2005 foi celebrado entre a Impugnante e o Banco Bilbao Viscaya Argentaria, S.A. um contrato de empréstimo da quantia de 1.400.000€ com hipoteca.
8- Por escritura pública celebrada em 28/7/2005, no 2º Cartório Notarial de Braga, a insolvente BB... e a Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A, acordaram em fazer cessar, nesse mesmo dia, o prazo do contrato de locação financeira que incidia sobre a fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a aparcamento automóvel na cave, com 32 lugares, do prédio urbano constituído em regime da propriedade horizontal, sito nas Ruas Elias Garcia e José Júlio Vieira Ramos, Lote J, freguesia de Arcozelo, Barcelos, descrita na Conservatória do Registo Comercial
de Barcelos sob o nº 1073-A e inscrita no artigo 2206 da matriz predial urbana e sobre a fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente a um estabelecimento comercial, do prédio urbano constituído em regime da propriedade horizontal, sito nas Ruas Elias Garcia e José Júlio Vieira Ramos, Lote J,freguesia de Arcozelo, Barcelos, descrita na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos sob o nº 1073-B e inscrita no artigo 2206 da matriz predial urbana, tendo a Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A declarado vender e a BB... declarado aceitar a venda das ditas fracções pelo valor residual de €: 544.220,73, mais declarando que assim faziam cessar o referido contrato de locação financeira.
9- Por escritura pública celebrada em 28/7/2005, no 2º Cartório Notarial de Braga a insolvente BB... e BPI Leasing – Sociedade de Locação , S.A, acordaram em resolver o contrato de locação financeira que incidia sobre a fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um estabelecimento comercial e armazém, ambas do prédio urbano sito constituído em regime da propriedade horizontal, sito nas Ruas Elias Garcia e José Júlio Vieira Ramos, Lote M, freguesia de Arcozelo, concelho de Barcelos, descrita na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº 1076 e inscrita na matriz respectiva sob o artigo 2247, fazendo cessar a sua vigência antes do prazo inicialmente estipulado, tendo a o BPI, SA declarado vender e a BB... declarado aceitar a venda da dita fracção pelo preço de €: 139.844,11, já pago.
10- No dia 28 de Julho de 2005, no 2º Cartório Notarial de Braga a insolvente BB... outorgou a escritura pública através da qual declarou vender à impugnante AA..., S.A., que declarou comprar, pelo preço de 1.939.643,50 €, já recebido, as seguintes fracções autónomas:
(i) fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a
aparcamento automóvel na cave, com 32 lugares, do prédio urbano constituído em regime da propriedade horizontal, sito nas Ruas Elias Garcia e José Júlio Vieira Ramos, Lote J, freguesia de Arcozelo, Barcelos, descrita na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos sob o nº 1073-A e inscrita no artigo 2206 da matriz predial urbana;
(ii) fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente a um estabelecimento comercial, do prédio urbano constituído em regime da propriedade horizontal, sito nas Ruas Elias Garcia e José Júlio Vieira Ramos, Lote J, freguesia de Arcozelo, Barcelos, descrita na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos sob o nº 1073-B e inscrita no artigo 2206 da matriz predial urbana;
(iii) fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um estabelecimento comercial e armazém, ambas do prédio urbano sito constituído em regime da propriedade horizontal, sito nas Ruas Elias Garcia e José Júlio Vieira Ramos, Lote M, freguesia de Arcozelo, concelho de Barcelos, descrita na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº 1076 e inscrita na matriz respectiva sob o artigo 2247.
11- As fracções referidas em 10) encontram-se provisoriamente registadas a favor da Impugnante.
12- o requerimento inicial da insolvência da BB... deu entrada em tribunal a 16 de Novembro de 2005, tendo a sentença que a decretou sido proferida em 6/2/2006.
13- A BB... foi constituída em 18/4/2001 tendo por objecto “o comércio a retalho em supermercados e hipermercados”.
14- Teve, desde 25/3/2002, o capital social de 249.400,00 €,
representado pelas seguintes quotas sociais:
a) uma quota do valor nominal de 149.640,00 € pertencente a José ..., residente na Rua ..., Santo Tirso,
b) uma quota do valor nominal de 99.760,00 €, pertencente a Joaquim ...., residente na Rua ..., Porto.
15- A BB... tinha a sua sede na Rua da Olivença, Arcozelo, Barcelos.
16- Para apoiar a exploração do estabelecimento de supermercado explorado pela insolvente, como armazém de produtos para revenda no mesmo, esta ocupava ainda uma fracção autónoma na freguesia de Vila Frescaínha, S. Pedro, deste concelho, com base num contrato de leasing imobiliário por ele celebrado com o BPI, S.A. em Janeiro de 2005.----
17-No contrato de trespasse referido em 2) ficou estipulado que as mercadorias que estivessem em condições de ser vendidas, existentes no interior do estabelecimento, seriam inventariadas no dia seguinte – 5/5/05 – e o seu preço, ao valor de factura, seria pago em 4 prestações mensais, iguais e sucessivas, sendo uma com vencimento nessa mesma data, outra 30 dias após, uma outra 60 dias após e a última 90 dias após, sendo essas 4 prestações tituladas por cheques a entregar pela compradora à insolvente até ao seguinte dia 7 do mesmo mês de Maio.
18- Mediante o mesmo contrato, a Insolvente deu de arrendamento à trespassária as 3 fracções identificadas em 2), onde estava instalado o supermercado, tendo por fim a continuação da mesma actividade de supermercado, armazém e aparcamento, com início em 4/5/2005, pelo prazo de um ano, renovável, mediante o pagamento da renda mensal de 18.000,00 €, a pagar nos primeiros oito dias do mês a que dissesse respeito.
19- Esse contrato promessa (referido no n.º 6) teve como pressuposto que nas fracções que ele tinha por objecto estava instalado um estabelecimento de venda de produtos alimentares e similares (vulgo supermercado), que tal estabelecimento fora trespassado a Supermercados ...., Lda, bem como celebrado contrato de arrendamento das fracções e que a promitente compradora tinha todo o interesse na compra pela complementaridade das suas actividades comerciais.
20- Nele foi ainda estipulado que a escritura de compra e venda seria celebrada decorridos que fossem trinta e seis meses a contar dessa data (4/5/05), ou seja, depois de 4/5/2008.
21- E que as 24 prestações mensais referidas em 6), no total de 1.155.643,50 €, correspondentes ao preço em falta para além do sinal, seriam pagas ao longo dos 24 meses subsequentes à data da celebração da escritura.
22- O estabelecimento aqui em causa foi encerrado ao público no dia 5/5/2005 para ser feito o inventário das mercadorias nele existentes e que estivessem em condições de ser vendidas.
23- Em resultado do inventário referido em 22) a insolvente emitiu em nome da sociedade SUPERMERCADOS ..., LDA, 5 facturas parcelares no valor total de €:300.205, posteriormente resumidas numa única factura/resumo por aquele valor de €:300.205.
24- Que foi pago à insolvente em 4 prestações, nos termos referidos em 17).
25- No dia 6/5/2005 a loja/supermercado reabriu ao público sob a exploração, no interesse e sob a gerência e responsabilidade exclusivas da sociedade SUPERMERCADOS ..., LDA.
26- Com o trespasse do supermercado foram transferidos para a adquirente Froiz, a partir de 5/5/2005, todos os empregados que nele anteriormente trabalhavam para a insolvente e que quiseram continuar a trabalhar por conta daquela.
27- O capital social e a gestão da impugnante e da “Supermercados ..., Lda” – a adquirente do trespasse e arrendatária das fracções compradas por aquela eram e são detidos maioritariamente pela empresa “Distribuiciones F..., S.A”, com sede em Calle de Lourido, 15, Convento, Paio, Pontevedra, Espanha e por José ... e Magin ... .
28- À data dos referidos actos e contratos – 4/5/05 e 28/7/05 - o “administrador único” da impugnante e o “gerente único” da “Supermercados ..., Lda” era e é – ainda - a mesma pessoa: MAGIN ....
29- Quer o contrato de trespasse e de arrendamento, de 4/5/05, pela Supermercados ..., Lda, quer o contrato promessa de compra e venda, também de 4/5/05, por parte da promitente compradora AA ..., SA foram assinados por José ..., na qualidade de procurador das duas sociedades.---
30- As fracções referidas em 2) coincidem com as fracções referidas em 10).
31- Em Maio de 2005 o valor comercial das fracções autónomas referidas em 10) era de €: 1.753.472,51.
32- O empréstimo referido em 7) destinou-se à aquisição pela Impugnante das fracções identificadas em 10).
33- A BB..., até 04/05/05, desenvolvia a sua actividade explorando um supermercado de produtos alimentares.
34- A BB... havia anunciado a intenção de venda das fracções autónomas aqui em causa muito antes de 28/7/2005.
35- A impugnante sempre contactou e contratou com todas as entidades envolvidas - “BB..., Lda.”, “Caixa Leasing e Factoring - Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, “Banco BPI, S.A.” - de forma clara e declarada.
36- Sempre plasmou as suas obrigações e direitos em documentos escritos válidos e de conhecimento público, à vista de toda a gente e sem a oposição de qualquer pessoa ou entidade.
37- Parte da quantia paga pela Impugnante a título do preço da compra e venda foi directamente integrada no património da Insolvente, sendo que, os representantes legais da Insolvente Joaquim e José ..., apropriaram-se do restante valor.
38- A BB... aplicou parte do preço recebido no pagamento das dívidas existentes no âmbito dos contratos de locação financeira então em vigor.
39- O estabelecimento referido em 2) era o único estabelecimento da BB....
40- E a única actividade da Insolvente consistia na exploração desse estabelecimento.
41- Todos os bens de equipamento e viaturas pertencentes à insolvente, com excepção dos referidos em 5) foram transferidos para a Supermercados ... .
42- Com os actos referidos em 2) e 6), e a partir de 4/5/05, a insolvente cessou definitivamente a sua actividade social e operacional.
43- E deixou de ter quaisquer empregados ou instalações próprias, a não ser dois empregados de escritório que se mantiveram em funções até data não concretamente apurada, mas situada entre o final do mês de Julho e o princípio do mês de Agosto de 2005, altura em que a Impugnante fez cessar os seus contratos, sendo ainda locatária de um outro imóvel de armazém sito em Vila Frescaínha São Pedro, em Barcelos, que constitui a fracção I, artigo 804 – A, em sistema de leasing em que era locador o Banco B.P.I., S.A..
44- A impugnante sabia que o estabelecimento de supermercado trespassado era o único estabelecimento comercial da insolvente e que a exploração do mesmo era a única actividade daquela, quer quando celebrou o contrato promessa de compra e venda, em 4/5/05, quer quando, em 28/7//05, outorgou a compra das 3 fracções autónomas em causa.
45- Em 5/5/2005 e em 28/7/2005, a insolvente tinha dívidas de cerca de 300.000,00 €.
46- Pelo menos quatro fornecedores e credores da insolvente a partir de 5/5/05, quando a exploração já estava a ser feita pela Supermercados ..., contactaram naquele estabelecimento, quer por telefone, quer por carta, quer por telefax, o Dr. J... sócio da BB..., pedindo e reclamando o pagamento das quantias que a insolvente lhes estava a dever, como preço de fornecimentos que, anteriormente àquela data, tinham feito para esse estabelecimento”.
47- Esses pedidos e/ou reclamações prolongaram-se pelos meses de Maio, Junho e Julho.
48- E foram igualmente direccionados à sede da Supermercados ... Portugal, Lda, em Valença (após 28/7/05).
49- Provado que em data posterior a 28/07/05, a LACTOGAL contactou directa e pessoalmente os legais representantes da impugnante, bem como, por telefone, designadamente por intermédio do seu inspector de vendas, da sua chefe do departamento de crédito e do seu director administrativo e financeiro, dando-lhe a conhecer o valor do seu crédito sobre a insolvente e pedindo a intermediação e ajuda deles no sentido de os ajudar a contactar os representantes da própria insolvente e a obter deles o pagamento da sua dívida, de mais de 95.000,00 €.
50- Quer em Maio, Junho ou Julho, de 2005, a impugnante e os seus legais representantes sabiam que os legais representantes da insolvente tinham deixado de exercer em nome desta qualquer actividade operacional ou comercial em nome da mesma.
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O n.º 1 do artigo 120º do CIRE dispõe que “podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência .
E dispõe o n.º 2 que se consideram prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

Salvo no que respeita aos casos previstos no artigo 121º do CIRE, a resolução pressupõe a má fé de terceiro – artigo 120, n.º 4 do CIRE.
Os actos, em causa nos autos, ocorreram dentro do prazo referido no n.º 1 do artigo 120º.
Dispõe o n.º 5 do citado artigo 120º que se entende por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias :
De que o devedor se encontrava em situação de insolvência
Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente
Do início do processo de insolvência.

Conforme resulta dos autos, o fundamento da resolução por parte da Sr.ª Administradora foi o facto de ter considerado que a venda das fracções foi lesiva para os credores.
Como já se referiu, não estando perante nenhuma das situações previstas no artigo 121, a resolução pressupõe a má fé do terceiro.

Da matéria de facto provada, não podemos concluir que a autora tivesse conhecimento que a insolvente estivesse na situação de insolvência.
Como resulta dos autos, a autora era já detentora de outros estabelecimentos comerciais, e pretendia expandir o seu negócio.
O facto da BB... ter dívidas, não significa, sem mais, estar numa situação de insolvência.
Aliás, caso os seus sócios assim o tivessem querido, poderiam através da venda efectuada solver as suas dívidas.
A insolvente não estava numa situação de insolvência, e tanto assim é que o supermercado funcionava, tendo activos, embora tendo também dívidas aos fornecedores, mas tal não significava que não pudesse pagar aos fornecedores.

O facto de se trespassar o supermercado não é em si um acto prejudicial, assim como a venda das fracções.
Era até um modo de arrecadar dinheiro para cumprir os compromissos com os fornecedores, alguns dos quais, continuaram a fornecer o estabelecimento.
O que foi lesivo dos credores, foi o facto dos sócios da insolvente não terem, com o dinheiro recebido, pago aos seus credores.
Ora, não estamos perante nenhum dos actos previstos no artigo 121º. E, por isso, competia ao administrador alegar e provar factos que traduzissem a prejudicialidade e factos que caracterizassem a má fé do adquirente.
Esses factos, não resultaram provados.
E não se diga como a recorrente que há má fé porque a autora representou que as compras por si efectuadas à insolvente afectariam negativamente a realização do direito de crédito dos credores.
A nosso ver só poderíamos concluir por tal se existisse prova de que os representantes da autora combinaram com os representantes da insolvente que não pagariam aos credores desta, ou, se os cheques não tivessem sido emitidos à ordem da insolvente, caso em que poderíamos concluir que a autora, no mínimo, teria representado que os credores não iriam receber o seu crédito.
Mas não foi nada disso que sucedeu.
E como decorre da prova produzida e do que supra dissemos, os sócios da insolvente referiram à credora Lactogal que iria receber o seu crédito.
No que respeita ao ónus da prova, entendemos que cabe ao administrador da insolvência provar os factos que fundamentam a resolução.
Como é referido pela própria massa insolvente, esta deixou de pagar aos seus credores a partir de 5/5/05
Ora, até aí não se verificava qualquer situação de insolvência.
A venda (conforme consta da sentença proferida no incidente de qualificação da insolvência – fls. 836 a 846 - ), só pode ser considerada lesiva, em virtude de os sócios terem recebido da autora o dinheiro e não terem cumprido as suas obrigações.
E por isso, temos que concordar com a sentença recorrida onde se refere que ... bastaria tão somente que os sócios gerentes da insolvente tivessem afectado parte dos valores que receberam ao cumprimento das obrigações da empresa e inexistiriam quaisquer obrigações de solver ......
Deve deste modo, improceder o recurso.
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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Guimarães, 5 de Novembro de 2009.