Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
493/06-1
Relator: ANTÓNIO GONÇALVES
Descritores: NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/22/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1. Pondo em relevo a destacada teleologia compreendida no artigo 229-A do C.P.Civil, predisposta no sentido de “desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes”, o regime legal nele consignado alarga-se a todos os “articulados e requerimentos autónomos”, ou seja, àqueles cuja admissibilidade não depende de despacho prévio do juiz, mais precisamente a todos os articulados e todos os requerimentos cuja admissibilidade não dependa da apreciação prévia do julgador;
2.Por isso, o comando daquele normativa aplica-se também às alegações e contra-alegações que ocorrem no processo e já na fase do recurso.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:


Do despacho, proferido no processo de insolvência n.º 989/05.3TBVCT-L/2.º Juízo de competência Cível do T.J. da comarca de Viana do Castelo, que mandou “notificar o Banco recorrente para, em dez dias, demonstrar que deu cumprimento ao disposto no art.º 229.º-A do C.P.Civil”, recorreu o reclamante de créditos “Banco” que alegou e concluiu do modo seguinte:
1. As alegações e contra-alegações de recurso são peças processuais que não se podem confundir, legal ou ontologicamente, com “articulados” ou "requerimentos autónomos", para efeitos de aplicação do regime das notificações entre mandatários previsto no n.º 1 do artigo 229° do Código de Processo Civil.
2. Esta disposição legal não pode ser interpretada extensivamente no sentido de incluir nela tais alegações ou contra-alegações de recurso, porquanto não são estas peças processuais susceptíveis de ser qualificadas como articulados, face à definição destas explanada no artigo 150.º, n.º s 1 e 2 do CPC, nem como "requerimentos autónomos", pois estes são apenas aqueles que, não dizendo respeito aos fundamentos gerais e essenciais da acção ou da defesa, desta acção e desta defesa são autónomos porque a tramitação e o julgamento da causa não dependem obrigatoriamente deles, surgindo os mesmos apenas em questões incidentais da causa, e sendo por isso a sua autonomia resultante da sua distinção com os articulados previstos na lei.
3. O regime das notificações previsto no n.º 1 do artigo 229.º-A do CPC não se aplica, pois, às alegações e contra-alegações de recurso.
4. Por não se aplicar tal regime, não tinha o aqui recorrente obrigação de notificar os demais mandatários no processo quando apresentou as suas alegações no recurso de apelação que interpôs.
5. Ao ter decidido como decidiu, o douto despacho recorrido violou o disposto no n.º 1 do artigo 229.º-A do Código de Processo Civil.
Termina pedindo que seja revogado o despacho recorrido e substituído por outro que ordene à secretaria a notificação aos mandatários do processo das alegações do recorrente.

A recorrida não contra-alegou.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

Com interesse para a decisão em recurso estão assentes os factos seguintes:
1. O Banco recorrente interpôs recurso da sentença de verificação e graduação de créditos proferida em processo de insolvência da sociedade recorrida, recurso esse que foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
2. Apresentadas atempadamente as respectivas alegações de recurso, foi o recorrente notificado por ordem do Meritíssimo Juiz a quo para, em dez dias, demonstrar que deu cumprimento ao disposto no artigo 229.º-A do CPC.
3. Este despacho foi mantido, mesmo depois de o recorrente ter argumentado no sentido de que, a seu ver, não tinha que dar cumprimento ao disposto no artigo 229.º-A do C.P.Civil, uma vez que esta disposição legal fala em “articulados” e “requerimentos autónomos”, não estando portanto aí previstas as peças processuais que se consubstanciem em “alegações de recurso”.
4. É daquela decisão de que se recorre, isto é, que mandou notificar o recorrente para, em dez dias, demonstrar que deu cumprimento ao disposto no artigo 229.º-A do C.P.Civil.

Passemos agora à análise das censuras feitas à decisão recorrida nas conclusões do recurso, considerando que é por aquelas que se afere da delimitação objectiva deste (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do C.P.C.).

A questão posta no recurso é a de saber se o regime das notificações previsto no n.º 1 do artigo 229.º - A do Código de Processo Civil é aplicável às alegações (e contra-alegações) de recurso.

I. Dispõe o n.º 1 do art.º 229º-A do C.P.Civil, preceito trazido ex novo a este diploma legal pelo Dec. Lei n.º183/2000 de 10 de Agosto que “nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do artigo 260º-A”.
Quer isto dizer que ao mandatário judicial constituído na acção incumbe a obrigação de notificar o advogado que representa a parte contrária na acção de todos os “articulados e requerimentos autónomos” que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu.

II. As alegações (cuja dedução são condição da própria validade do recurso) e as contra-alegações (cuja apresentação pressupõem aquelas) são também de incluir nesta expressão jurídica tipificada na lei?

Interpretar a lei é tarefa que tem por objectivo a descoberta do seu exacto e preciso sentido, partindo-se do elemento literal para se ajuizar da "mens legislatoris" e tendo-se sempre em conta que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9.º n.º 3 do C.C.): a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação; o texto funciona também como limite de busca do espírito. Oliveira Ascensão; O Direito, Introdução e Teoria Geral; pág. 350.
Pode, porém, acontecer que o intérprete se aperceba de que o legislador foi infeliz no modo como se exprimiu, que o seu pensamento foi atraiçoado pelos termos utilizados na redacção da lei, dizendo menos do que pretendia. Quando tal ocorrência acontecer ter-se-á de alargar o seu conteúdo até onde o legislador desejava ter querido chegar.
O intérprete concluirá assim fazendo recurso aos elementos racional ou lógico (argumento ad maiori ad minus - a lei que permite o mais, permite o menos) e teleológico ( ratio legis - a razão de ser da norma).

III. Vejamos, então, o que há a dizer sobre a questão que ora nos é posta.
O elemento filológico de interpretação tirado do sentido das palavras que integram o texto descrito na lei - todos os “articulados e requerimentos autónomos”- não exclui, e antes aponta, o sentido de que a “autonomia” que transparece daquele assinalado texto, se deve considerar conexionada na sua sintaxe, tanto com o termo “articulados” como com o vocábulo “requerimentos”, ou seja, numa primeira abordagem da redacção da lei temos para nós que a expressão “autónomos” está colocada no texto para qualificar os dois termos escritos que o precedem - articulados”e “requerimentos.

Mas haverá alguma razão para pensar de modo diferente, ou seja, existe alguma argumento capaz de nos poder fazer sentir que é outra a teleologia impregnada na lei, isto é, que o legislador quis efectivamente diferenciar, distinguindo-as, aquelas duas ideias de forma radical e totalmente independente, separando-as, deliberadamente as contrapondo e discriminando (“articulados/requerimentos autónomos”) com vista à sua autonomização?
Caracterizando-se ambas estas peças processuias como fragmentos da acção, na qual a sua inclusão é independente da apreciação prévia do juiz, isto é, cuja admissibilidade não depende de despacho prévio do julgador, tomando as rédeas da teleologia que está por detrás da norma interpretanda a opção a tomar neste domínio não pode orientar-se de forma a seguir este desaconselhável rumo.

IV. A morosidade processual é uma temática que, ultimamente, tem vindo a preocupar o legislador, devotado a procurar eliminar os detectáveis escolhos que neste caminho sempre houve a viciar a habitual tramitação do processo; e foi na senda deste alcançando objectivo que foi publicado o Dec. Lei n.º 183/2000, de 10.08, tributado a pôr termo aos atrasos na resolução dos litígios, perda da eficácia das decisões judiciais e falta de confiança no funcionamento dos tribunais.
O projecto concebido com a criação do preceito que ora pormenorizadamente observamos está objectivado na forma como se descreve o contexto em que se insere a disciplina que a integra, designadamente no pensamento expendido no prólogo que sempre a acompanha e que constitui a justificação das medidas que se vão impor daí por diante.
Neste enquadramento de ideias assim delineado poderemos afirmar que este diploma consagrou princípios, nele contidos, orientados no sentido de desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes, como acontece, por um lado, com a de recepção e envio de articulados e requerimentos autónomos por estas apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, os quais passarão a ser notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, respectivo domicílio profissional, Preâmbulo do Dec.Lei n.º 183/2000, de10 de Agosto, que pretendeu arredar a morosidade processual da administração da justiça.
aos quais havemos de dar a devida relevância e não fazer tábua rasa dos ensinamentos que tais enunciados preconizam.
A "ratio" que superintendeu na circunstanciada narrativa daquele normativo faz com que nos tenhamos de demarcar desta última corrente interpretativa, enveredar por aquela que é mais conforme com o desígnio nela objectivado e, desta forma, assentar em que o disposto no n.º 1 do art.º 229º-A do C.P.Civil inexoravelmente se estende, na sua finalidade última, às alegações e contra-alegações de recurso.
Nestes termos igualmente poderemos asseverar que, pondo em relevo a destacada teleologia compreendida no examinando artigo 229-A, predisposta, como dissemos, no sentido de “desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes”, o regime legal nele consignado se alarga a todos “os articulados e requerimentos autónomos”, ou seja, àqueles cuja admissibilidade não depende de despacho prévio do juiz, mais precisamente a todos os articulados e todos os requerimentos cuja admissibilidade não dependa da apreciação prévia do julgador e, por isso, o seu comando se aplica também às alegações e contra-alegações que ocorrem no processo e já na fase do recurso.
É esta a jurisprudência que, não obstante menos observada ab initio Como se diz no Ac. do STJ de 13.07.2004, o acórdão do STJ de 26.02.04 (proferido no recurso de agravo 3134/03, da 2ª secção) orientou-se pela sua aplicabilidade; já nos acórdãos de 28.10.03 (no recurso de revista 3018/03, da 6ª secção) e de 19.0204 (no recurso de agravo 4201/03, da 6ª secção), a orientação foi a inversa, tendo-se optado, na esteira da opinião de Miguel Teixeira de Sousa e Lebre de Freitas, pela aplicação da regra geral do art. 229º, 2 (notificação pela secretaria) - http://www.dgsi.pt/stj., é agora seguida por esta Relação Acórdãos de 22-10-2003 e de 28-01-2004 (a previsão legal do artº 229º-A C.P.Civil, ao referenciar “articulados e requerimentos autónomos”, visou fazer abranger todo e qualquer acto escrito da parte, realizado no processo por forma a produzir efeitos nesse mesmo processo, em momento posterior à apresentação do articulado Contestação, e não apenas os actos que dependam de “despacho prévio”); http://www.dgsi.pt/jtrg. , bem como aquela que é adoptada pelo nosso Supremo Tribunal Acórdãos de 5 de Maio de 2005 (o aludido artigo vem, por conseguinte, a abranger na sua teleologia as alegações e contra-alegações de recurso) e de de13 de Julho de 2004 (olhando à intencionalidade legislativa e não apenas à letra da lei, verifica-se que, ao introduzir a regra do artº 229º-A C.P.Civil, o legislador pretendeu colocar a cargo do mandatário judicial a tarefa de notificar à contra-parte todos os actos escritos da parte que ele representa, actos esses realizados no processo e por forma a produzir efeitos no processo, após a notificação da Contestação e que houvessem de ser notificados a mandatário judicial, incluindo assim as alegações e as contra-alegações de recurso); http://www.dgsi.pt/stj.



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Pelo exposto, negando-se provimento ao agravo, mantém-se o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente.

Guimarães, 22 de Março de 2006.