Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1290/07-2
Relator: ANTÓNIO GONÇALVES
Descritores: DIREITO DE DEFESA
AMBIENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/05/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A nossa ordem jurídica tutela o direito de personalidade pelo modo como está descrita no art.º 70.º do Cód. Civil a protecção concedida aos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
Cuida este normativo de atribuir especial destaque à “personalidade” em geral considerada, do seu conceito e contexto podendo nós retrair a consagração do direito à protecção da pessoa humana, da sua personalidade e dignidade, mais especificadamente à dignidade social dos cidadãos, à saúde e a um ambiente salutar, constitucionalmente garantidos nos artigos.
2. A par destes direitos à saúde e a um ambiente salutar perfila-se, também integrado no direito de personalidade, o direito à iniciativa privada (artigo 61.º n.º 1 da Constituição) e também o direito de propriedade (artigo 62.º n.º 1 da Constituição).
Estes especificados direitos, não contendo na sua natureza o dom do absolutismo, pois que não se podem sobrepor aqueloutros, obrigam a que se estabeleça o ponto de equilíbrio
de cada uma destas regalias, e, analisando cada caso concreto, aferir até que ponto podem ir uns e outros e fixar os limites e a sobreposição de cada um deles em confronto.
3. Constatando-se que, na casa sita no prédio de que o terreno onde se pretende instalar um posto de abastecimento serve de logradouro, se encontra estabelecido um café e supermercado, dúvidas não poderemos ter de que a instalação no prédio dos réus de um posto de abastecimento de combustíveis (gasolina e gasóleo) e o desenvolvimento, nessa área, da actividade de venda desses produtos combustíveis e serviços conexos, é nocivo à saúde pública.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

Maria B... e marido Adão B..., residentes na Travessa de Casais, nº 2, freguesia de Vila Chã, Esposende, por si e em representação de todos os residentes no lugar de C..., em Vila Chã, Esposende, instauraram a presente acção popular declarativa de condenação, com processo comum e forma ordinária, contra José N..., residente na Rua dos Casais, nº 11, Vila Chã, Esposende e “A... & L..., L.da”, com sede na Rua dos C..., n.º 11, Vila Chã, Esposende, pedindo:
a - Seja declarado que a instalação no prédio descrito no artigo 7º, da petição inicial, de um posto de abastecimento de combustíveis - de gasolina e gasóleo - e o desenvolvimento, nessa área, da actividade de venda desses ou de outros produtos combustíveis e serviços conexos, é nocivo à saúde pública, ao ambiente e à qualidade de vida pública, e colide com o direito constitucionalmente assegurado, a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrados;
b - Sejam os réus condenados a abster-se de instalar nesse mesmo prédio o referido posto de abastecimento de combustíveis e de desenvolver nessa área a actividade comercial de venda desses ou de outros combustíveis e serviços conexos.
Ou, subsidiariamente:
c - Declarar-se que a instalação do referido posto de abastecimento de combustíveis no prédio descrito no artigo 7) da petição, viola as normas e regulamentos que regulam a sua instalação;
d - Mantendo-se ainda neste caso o pedido formulado na alínea b).

A fundamentar o seu pedido alegam que o R. é proprietário do prédio identificado no artigo 7), da petição, no qual pretende instalar um estabelecimento de venda de combustíveis e serviços conexos, tendo já efectuado o respectivo início de licenciamento.
Todavia, as condições existentes não permitem a instalação desse posto no aludido terreno, quer porque faltam requisitos para que possa ser permitido o seu licenciamento, designadamente, por não resultarem verificadas as distâncias mínimas legalmente prescritas entre as unidades de abastecimento e outros edifícios que recebam público, e mais concretamente, para um edifício onde se encontra instalado um estabelecimento de café e supermercado.
Por outro lado, nas proximidades - num raio de 50 metros - do local onde se pretende instalar o aludido posto, habitam cerca de 50 pessoas; e os combustíveis e óleos a fornecer são produtos altamente voláteis e têm um carácter altamente tóxico, e, portanto, altamente nocivo para a saúde humana quando libertados na atmosfera.
Acresce ainda que, decorrentes da actividade exercida no posto de abastecimento, são ainda libertados resíduos sob a forma sólida particulada, que são passíveis de se infiltrarem no solo e de contaminarem as águas dos poços existentes na área circundante.

Contestaram os réus e, após invocar a ilegitimidade do R., impugnaram os factos invocados pelos demandantes como suporte do seu pedido, concluindo pela improcedência da acção.
Deduziram ainda reconvenção pedindo a condenação dos reconvindos:
- A permitirem que a segunda R. acabe as obras de montagem do posto de combustíveis a que os autos se reportam;
- A indemnizar a segunda R. por todos os prejuízos causados desde a data da notificação da decisão da providência cautelar até ao seu levantamento, a liquidar em execução de sentença.

Os autores replicaram afirmando a improcedência da invocada excepção e concluindo no demais como na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador onde se afirmou a validade e regularidade da ins-tância e foram julgadas as partes legítimas. Foram fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.

No início da audiência de discussão e julgamento foi apresentada uma reclamação sobre omissão de factos na base instrutória, a qual foi integralmente deferida.

Procedeu-se a julgamento e, a final, o Ex.mo Juiz proferiu sentença em que, julgando a acção totalmente procedente, em consequência:
- Declarou que a instalação no prédio descrito no artigo 7º, da petição inicial, de um posto de abastecimento de combustíveis - de gasolina e gasóleo - e o desenvolvimento, nessa área, da actividade de venda desses ou de outros produtos combustíveis e serviços conexos, é nocivo à saúde pública, ao ambiente, à qualidade de vida pública, e colide com o direito, constitucionalmente assegurado, a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrados;
- Condenou os RR. José N... e A... & L..., L.da, a abster-se de instalar nesse mesmo prédio o referido posto de abastecimento de combustíveis e de desenvolver nessa área a actividade comercial de venda desses ou de outros combustíveis e serviços conexos;
- Julgou totalmente improcedente o pedido reconvencional, e, em consequência, do mesmo absolveu os Reconvindos Maria B... e marido Adão B... e todos os demais por eles representados.

Inconformados com esta sentença dela recorreram os réus José N... e “A... & L..., L.da”, que alegaram e concluíram do modo seguinte:
a). Devem ser corrigidos os itens 1°, 3°, 7°, 8°, 11° e 13°, 15° e 16°, 17°, 30°, 31° e 33° e 38° e 39° da matéria assente, nos termos sugeridos por emanar a factualidade sugerida dos próprios autos.
B). O local cumpre todas as normas previstas no quadro legal vigente;
C). A aprovação, deferimento e autorização da sua construção por parte das entidades competentes é indicadora do cumprimento desses normativos legais;
D) Os impactos na saúde pública e no ambiente, nomeadamente ao nível da qualidade do ar, do ruído e da qualidade da água decorrentes da actividade em causa encontram-se devidamente acautelados e minimizados no projecto;
E). Atento o exposto, a sentença proferida viola o artigo 668.º n.º 1 al. b) e c) por contradição entre a factualidade e o direito que justifique a decisão, o artigo 653° n.º 2 do Cód. Proc. Civil; artigos 1346° e 493° do Cód. Civil, e ainda os Decs. Lei 29.03.4 de 01-10-1938, 46/94 de 22 de Fevereiro (com as alterações do Dec. Lei 246/92 de 30 de Outubro, Dec. Lei 302/95 de 18 de Novembro e Dec. Lei 236/96 de 1 de Agosto.
Terminam pedindo que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que absolva os réus do pedido e condene os recorridos no pedido reconvencional.

Contra-alegaram os recorridos Maria B... e marido Adão B... pedindo a manutenção do julgado.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

A sentença recorrida considerou e estão assentes os factos seguintes:
1- Os Autores são donos de uma casa de dois pavimentos, destinada a habitação, dependência, logradouro e eirado de lavradio, sita no Lugar de Casais, freguesia de Vila Chã, Concelho de Esposende, descrita na CRP de Esposende, sob o n.º 11.034.
2- O referido prédio foi doado aos Autores pelos pais da Autora mulher, Albino Gonçalves Penteado e mulher Camila da Silva, por meio de escritura pública realizada em 05 de Julho de 1985, no Cartório Notarial de Esposende.
3- Com o prédio dos Autores confronta, a sul, um prédio urbano, composto de casa de rés do chão, andar, dependência e logradouro, com a área coberta de 485 m2, dependência com 73 m2 e logradouro com 200 m2, assim descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o n.º 00878/010604 e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 534°.
4- O referido prédio encontra-se registado, a nua propriedade, a favor do primeiro Réu, o usufruto, a favor de Emília da Silva Couto, viúva, e Albino da Silva Neiva, solteiro, incapaz.
5- Em 24 de Abril de 2002, o primeiro Réu, agindo em nome da segunda requerida, de quem e sócio gerente, requereu a Câmara Municipal de Esposende o licenciamento de um projecto para instalação neste prédio de um posto de abastecimento de combustíveis.
6- No dia 07 de Novembro de 2002, e já após terem procedido a abertura no terreno de valas, os Réus tinham instalado no referido prédio três depósitos de combustível.
7- Em 29 de Outubro de 2002 os Réus deram entrada de um requerimento na Câmara Municipal de Esposende alertando a mesma para o falseamento das áreas constantes do projecto de licenciamento da construção do referido posto de abastecimento.
8- Os Autores, conjuntamente com outras pessoas residentes no local, fizeram um abaixo-assinado que entregaram na Câmara Municipal de Esposende, subscrito por 192 pessoas, no qual manifestam o seu desacordo quanto a instalação do posto de abastecimento de combustíveis.
9- Os Autores intentaram uma providencia cautelar não especificada, que correu termos sob o n.º 760/2002, do 2° juízo, que foi deferida por despacho datado de 29 de Novembro de 2002, que ordenou que os ora Réus se abstivessem de instalar no prédio referido em 3) um posto de abastecimento de combustíveis, bem como, para pararem as obras em curso.
10- Os Autores, por si e antepossuidores, há mais de 30 anos, habitam a casa referida em 1) e cultivam o seu logradouro, ai colocam objectos, procedem a obras de conservação e pagam as contribuições respectivas.
11- O que tem feito a vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, de forma continuada e ininterrupta, na convicção de exercerem direito próprio.
12- E na casa referida em 1) que os Autores residem, tomam as suas refeições, descansam e recebem amigos, ai centrando toda a sua vida não profissional.
13- O logradouro que integra o prédio referido em 3) tem uma área inferior a 200 m2.
14- Na casa sita no prédio referido em 3), de que o terreno onde se pretende instalar o posto de abastecimento serve de logradouro, encontra-se estabelecido um café e supermercado, com a área de 384 m2, frequentado por público.
15- A distância entre as unidades de abastecimento de gasolina ou gasóleo e o referido estabelecimento de café e supermercado é inferior a 10 metros.
16- A distância entre as paredes dos reservatórios enterrados e o estabelecimento supra referido é inferior a 10 metros.
17- Num raio de 50 metros da localização desse posto de abastecimento habitam cerca de 50 pessoas, entre elas algumas crianças.
18- Os produtos combustíveis e óleos a fornecer na área de serviço são de natureza altamente volátil, expandindo-se facilmente.
19- O contacto regular com tais emanações constitui causa possível de lesões graves, dado o carácter tóxico das mesmas.
20- A gasolina, o gasóleo e os demais combustíveis liquefeitos e gasosos, em contacto com o ar, libertam gases tóxicos, como monóxido de carbono, cheiros e odores nauseabundos, que são nocivos a saúde e contribuem para a degradação do meio ambiente.
21- O ruído dos motores dos veículos e dos gases e fumos libertados pelos respectivos canos de escape são nocivos à saúde e contribuem para a degradação do ambiente.
22- Os postos de abastecimento de combustível mais próximos situam-se em Forjães, a cerca de 6 Km, e em Perelhal, a cerca de 7 Km de distância.
23- Os postos de abastecimento vão estar sujeitos a lavagens e às chuvas, cujas águas arrastam resíduos, que vão perder-se na zona circundante e que podem vir a contaminar as águas dos poços existentes nessa área.
24- O uso de óleos minerais, nomeadamente de óleos queimados e desperdícios, também implica libertação de gases e cheiros insuportáveis nocivos à saúde e ao ambiente e ainda susceptíveis de provocar reacções alérgicas.
25- Os produtos a comercializar naquele posto de abastecimento são altamente inflamáveis, sendo permanente o perigo de incêndio e explosivo.
26- A segunda Ré suportou os custos com a preparação, execução do projecto, licenciamento e início de obras.
27- As gasolineiras ou todos os depósitos de produtos derivados do petróleo, tais como a gasolina e o gasóleo, encontram-se em depósitos abertos para a atmosfera.
28- Os veículos na queima do combustível libertam gases tóxicos, tais como o monóxido de carbono, óxido de azoto, Oxido de enxofre, hidrocarbonetos, como resultado da combustão.
29- No caso de o posto de abastecimento de combustível referido nos autos vir a ser instalado haveria necessariamente uma concentração de gases tóxicos numa área considerável ao redor desse posto.
30- As velocidades baixas dos veículos são aquelas em que há maior queima de combustível.
31- Havendo maiores queimas há libertação para a atmosfera de monóxidos de carbono, óxidos de azoto sob as formas de nox, que pode ser dióxido de enxofre ou trióxido, hidrocarbonetos, benzenos, fenóis e taluenos.
32- O posto libertará permanentemente para a atmosfera hidrocarbonetos sob a forma volátil, dos quais os mais perigosos são os benzenos, os taluenos e os fenóis, os chamados aromáticos.
33- A libertação desses produtos origina “anéis aromáticos”.
34- O posto a instalar situa-se em plena curva de reduzida velocidade.
35- A cerca de 15 metros de um entroncamento.
36- E a 6 metros de outro entroncamento.
37- Medido na perpendicular aos edifícios existentes de um e outro lado mede apenas 10,40 metros de largura.
38- Esse depósito foi instalado na perpendicular aos edifícios contíguos e nomeadamente a casa dos autores e ao edifício dos RR. que recebe público.
39- Os outros dois depósitos foram colocados na ponta de depósitos maior e, portanto, paralelos aos edifícios contíguos.

Passemos agora à análise das censuras feitas à decisão recorrida nas conclusões do recurso, considerando que é por aquelas que se afere da delimitação objectiva deste (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do C.P.C.).

As questões postas no recurso são as de saber:
- Se há erro na apreciação da matéria de facto dada como provada em primeira instância no que respeita aos itens 1°, 3°, 7°, 8°, 11° e 13°, 15° e 16°, 17°, 30°, 31° e 33° e 38° e 39° da matéria assente;
- Se o local cumpre todas as normas previstas no quadro legal vigente, encontrando-se devidamente acautelados e minimizados no projecto os impactos na saúde pública e no ambiente, nomeadamente ao nível da qualidade do ar, do ruído e da qualidade da água decorrentes da actividade própria de um posto de abastecimento de combustíveis.


I. Encontrando-se gravada a prova produzida em julgamento nos termos do disposto nos artigos 522.º -B e 522.º -C, do C.P.C., pode alterar-se a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, se para tanto tiver sido observado o condicionalismo imposto pelo artigo 690.º -A, do C.P.C., como o permite o disposto no art.º 712.º, nº 1, al. a), do mesmo diploma legal.
Igualmente, pode ser alterada pela Relação a decisão do tribunal da 1.ª instância sobre a matéria de facto se, nos termos do disposto nas a) e b) do n.º 1 do art.º 712.º do C.P.Civil, os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

Pretendem os recorrentes demonstrar que devem ser corrigidos os itens 1°, 3°, 7°, 8°, 11°, 13°, 15°, 16°, 17°, 30°, 31°, 33°, 38° e 39° da matéria considerada assente na sentença recorrida:
a) Os n.º 1- e 3- dos factos provados devem ser rectificados de modo que deles conste que o prédio dos recorridos confronta pelo poente com a propriedade dos recorrentes, pelo nascente com caminho público e pelo sul, onde se situa a casa de habitação, com o prédio dos recorrentes, pois que é isso o que resulta dos documentos juntos ao processo, fotografias e até da perícia e exame ao local;
b) O n.º 5- do relatório da sentença deve ser corrigido de forma que nele se compreenda que o posto de abastecimento será montado na extrema norte, ao lado da via pública, do logradouro do prédio dos recorrentes e, por consequência, também a poente da extrema nascente do logradouro do prédio dos recorridos;
c) No ponto 7- terá de ser considerado apenas quanto à apresentação do requerimento pelos seus autores aí referido e não a falsidade aí contida, porquanto não foi demonstrado ter havido falseamento de áreas;
d) No que respeita ao ponto 8-, se é certo que foi apresentado o abaixo-assinado a manifestar à CM o desacordo por 192 pessoas das mais de 6.000 que vivem na freguesia, deveria nele indicar-se que essa reclamação não representa 50% da população;
e) Considerando que uma coisa é saber a que distância fica a casa dos recorridos do posto e outra é ficar a 10 ou 20 metros, nos itens 11- e 13- deve ficar a constar que a área do logradouro referido em 13- tanto pode ser considerado 200, como 250 ou 2000 metros, tudo dependendo do que for considerado como logradouro; é que o prédio dos recorrentes além da área coberta do logradouro com cerca de 200 metros, tem mais a sul área superior a 1.500 metros - afirmam os recorrentes;
f) As distância referidas nos pontos 15- e 16- são irrelevantes, pois que a licença definitiva só será emitida após a vistoria que obrigará a observar essa distância;
g) Deve considerar-se que no ponto 17- se tem de entender que pelas plantas juntas para a instalação do posto, num raio de 50 metros do posto, de um lado e de outro da via pública, apenas existem a casa dos recorrentes, a dos réus (a mais de 30 metros do posto) e uma outra em frente do posto, desabitada há muitos anos, mas do lado oposto.
h) No que respeita aos números 30-, 31- e 32- deveria o Tribunal pronunciar-se sobre a localidade onde se pretende instalar o posto de abastecimento - o mais alto planalto do concelho, um dos poucos locais onde passam veículos a baixa velocidade.
i) Nos números 38- e 39- onde consta o termoedifícios deve escrever-se “prédios”:o edifício pressupõecasa”, “loja”, “estabelecimento” e “prédio pode incluir “casa mais áreas descobertas, como sejam logradouros”.

O registo dos depoimentos prestados em audiência final, feito a requerimento de uma das partes ou determinado ex officio pelo Tribunal, tem como objectivo facilitar a reparação de um eventual erro de julgamento.
Esta tarefa - a apreciação da prova - está cometida, em primeira linha e como regra geral, à primeira instância e em execução do princípio da imediação que a reforma processual trazida pelo Dec. Lei n.º 329- A/75, de 12/12, veio reforçar quanto à prova testemunhal (de registar ainda, neste domínio, e em reforço do princípio da imediação, que se pretendeu introduzir justificadas limitações à expedição de cartas precatórias... lê-se no relatório do citado Dec. Lei n.º 329- A/75, de 12/12).
O exame da prova gravada em audiência final, porque deixa de fora todo o contexto em que ela foi produzida, necessariamente tem de ficar aquém da real dimensão de justiça que o legislador quer consagrar. Por isso é que os casos em que, pela via do recurso, se há-de reapreciar a prova produzida em 1.ª instância, terão de ser concretamente evidenciados pelo recorrente, destacando-os dos demais (não é de crer que haja erro de julgamento a abarcar toda a factualidade objecto do julgamento), indicando os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 522.º -C (art.º 690.º -A, n.º 3 do C.P.Civil).
Este requisito, legalmente imposto com vista ao reexame áudio da prova produzida em julgamento, não se encontra realizado e, por isso, teremos de desatender a pretensão dos recorrentes orientada no sentido de que seja reapreciado julgamento da matéria de facto que fundamenta a decisão de fundo da acção.

Igualmente, não constando dos autos especificado documento que, só por si, seja decisivo para alterar o sentido proposto nas respostas aos referenciados números da base instrutória, nem nos encontrando nós perante todos os elementos fornecidos pelo processo de modo a podermos constatar que se impõe decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, também com este fundamento também não pode ser atendida esta particularizada pretensão da recorrente.

Os itens 1.º, 3.º, 7.º e 8.º dos factos considerados provados referenciados no relatório da sentença recorrida correspondem às alíneas A), C), G) e H) da matéria fixada como assente e correspondem a circunstâncias factuais às quais os demandados deram o seu claro assentimento nos articulados que ofereceram na acção.
Os recorrentes não negam este posicionamento que tomaram na acção, mas argumentam que é essa a verdade que efectivamente se verifica no mundo real das coisas e às quais o Tribunal deve atender com vista à boa decisão da causa.
Não lhes assiste, porém, razão nesta dedução que fazem.
Na verdade, não tendo as partes trazido a juízo nos seus articulados a matéria factual que só agora avançam para fundamentar o seu direito, estão agora impedidas de se valerem de factos que, sendo pertinentes à sadia administração da justiça, foram infundadamente por si omitidos no desenvolvimento da lide; e considerando que os princípios que orientam o nosso sistema jurídico apontam no sentido de que os recursos visam o reestudo por um Tribunal Superior de questões já vistas e resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do Tribunal ad quem sobre questões novas, salvo nos casos em que se verifica matéria de conhecimento oficioso,Ac. do S.T.J. de 07/01/1993; BMJ; 423.º; 539.
esta prerrogativa só agora delineada pelos apelantes terá de ser desatendida.

Quanto aos itens 11° e 13°, 15°, 16°, 17°, 30°, 31°, 33°, 38° e 39° da matéria considerada assente na sentença recorrida verifica-se que eles correspondem aos números 2.º, 4.º,15.º,16.º,17.º,30.º,31.º,33.º, 38.º e 39.º da base instrutória, respectivamente e que sobre estes quesitos depuseram conjuntamente as testemunhas Arnaldo M... (toda a matéria), António J... e Horácio J... (9.º a 13.º, 15.º a 17.º, 21.º a 30.º), José S... (9.º a 13.º, 16.º e 23.º), Manuel R... (1.º a 8.º, 14.º e 15.º), Jaime G... e Aurélio D... (1.º a 8.º, 14.º, 15.º, 26.º, 31.º e 36.º a 38.º) e João A... (4.º a 38.º).
Desta forma, não estando este Tribunal em posição de poder apreciar na sua totalidade a prova que sobre esta matéria de facto foi produzida, também terá de improceder a pretensão dos recorrentes que neste capítulo avançam sobre a sua inexactidão.

II. A nossa ordem jurídica tutela o direito de personalidade pelo modo como está descrita no art.º 70.º do Cód. Civil a protecção concedida aos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
Cuida este normativo de atribuir especial destaque à “personalidade” em geral considerada, do seu conceito e contexto podendo nós retrair a consagração do direito à protecção da pessoa humana, da sua personalidade e dignidade, mais especificadamente à dignidade social dos cidadãos, à saúde e a um ambiente salutar, constitucionalmente garantidos nos artigos 1.º (dignidade da pessoa humana como fundamento da sociedade e do Estado), 13.º, n.º 1 (igual dignidade social dos cidadãos), 24.º, n.º 1 (a vida humana é inviolável), 25.º (estatui o direito à integridade moral e física da pessoa), 64.º e 66.º (consagra o direito à saúde e a um ambiente salutar) e na sua plenitude conceptual, porquanto a vida humana é um bem eminentemente dinâmico, ou seja, é uma força que a si mesma se vai completando, o que o nosso direito toma na devida conta, pois a tutela “tout court” a declara “inviolável” (art.º 24.º, n.º 1 da Constituição).
Assim há não apenas um direito de vida (à conservação de vida existente) mas também um direito à vida (ao desdobramento e evolução da vida e até mesmo à consecução do nascimento com vida, na medida em que a nossa ordem jurídica impõe a terceiros deveres de omissão, e nalguns casos deveres de acção, de modo a evitar a lesão ou o risco de lesão desse inestimável bem. Capelo de Sousa; O Direito Geral de Personalidade; pág. 205/206.
Os direitos de personalidade, definidos por Capelo de Sousa como direitos subjectivos, privados, absolutos, gerais, extrapatrimoniais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis, tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando a absterem-se de praticar ou de deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a personalidade alheia, In “O Direito Geral de Personalidade”; pág. 605 e segs. pertencem aos direitos absolutos como direitos de exclusão, oponíveis a todos os terceiros (sendo neste aspecto parecidos com os direitos familiares pessoais) e, emanando da própria pessoa que visam cuidar, a sua protecção é concedida ao cidadão independentemente de culpa do agente que praticou o acto ilícito. Henrich Ewald Horster, Teoria Geral de Direito Civil, páginas 257/258.
Deste modo os direitos de personalidade assim revelados protegem o cidadão contra toda e qualquer ofensa ilícita, mesmo que não haja culpado agente no acto que a concretizou: é suficiente a ofensa em si e realiza-se simplesmente com constatação da verificação do facto objectivo da violação.

A par destes direitos à saúde e a um ambiente salutar perfila-se, também integrado no direito de personalidade, o direito à iniciativa privada (artigo 61.º n.º 1 da Constituição) e também o direito de propriedade (artigo 62.º n.º 1 da Constituição).
Estes especificados direitos, não contendo na sua natureza o dom do absolutismo, pois que não se podem sobrepor aqueloutros, obrigam a que se estabeleça o ponto de equilíbrio
de cada uma destas regalias, e, analisando cada caso concreto, aferir até que ponto podem ir uns e outros e fixar os limites e a sobreposição de cada um deles em confronto.
Não havendo um particularizado método normativo capaz de solucionar este conflito em termos gerais e abstractos (por exemplo, aferido numa ordem de valores ou na distinção entre os direitos sujeitos a leis restritivas e direitos não sujeitos a leis limitadoras) J. J. Gomes Canotilho, R.L.J. 125, páginas 293 e seguintes., a solução terá de passar, respeitando a hierarquia decorrente das próprias normas constitucionais, pela escolha da supremacia de cada dos direitos em confronto, ponderando as particulares circunstâncias que em cada um deles estão cometidas.
A Constituição concede maior protecção aos direitos, liberdades e garantias do que aos direitos económicos, sociais e culturais e há uma ordem decrescente de consistência, de protecção jurídica, de densidade subjectiva daqueles para estes - ou de aplicação de critérios metódicos abstractos que orientem a tarefa de ponderação e/ou harmonização concretas, tais como "o princípio da concordância prática", "a ideia do melhor equilíbrio possível entre os direitos colidentes. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, páginas 135, 145, 146, 301; J. J. Gomes Canotilho, obra citada, páginas 660, 661 e 538.
Fazendo funcionar a lei - art. 335º do C. Civil, que dispõe que havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes (n.º 1), sendo que em caso de direitos de espécie diferente prevalece o que se deva considerar superior (n.º 2) - teremos de dizer, logo numa primeira abordagem que desta questão façamos, que o direito saúde é um inabalável e privilegiado bem que, inexoravelmente, tem sempre e em qualquer circunstância de ocupar o cume da hierarquia de valores inerentes à pessoa humana e que, em princípio, os direitos à iniciativa privada e propriedade terão de soçobrar perante aquele.
Nesta obrigação de cumprimento dos deveres fundamentais da pessoa humana incluímos de sobremaneira, como não podia deixar de ser, as autoridades administrativas às quais lhes é especialmente proibido tomar resoluções que atentem contra o princípio basilar de que todo o indivíduo tem o direito de ver protegida a sua personalidade física e moral.
Se tal desrespeito acontecer porém, terá essa resolução de ser destituída de validade e eficácia, mediante a atinente denúncia desta irregular situação.
É neste enquadramento jurídico-positivo que os demandantes se movem e há-de ser da interpretação e aplicação destes doutrinais enunciados que há-de julgar-se se têm ou não jus ao direito que ora rogam.

III. Estamos em presença de uma situação que viola aqueles peculiares princípios do direito à saúde e a um bom e exigível ambiente salutar, adstritos aos cidadãos do lugar de Casais, em Vila Chã, Esposende e que os demandantes pretendem salvaguardar através e com a oportunidade que lhes é deferida pela acção popular que intentaram - através do direito de acção popular consagrado no art.º 52.º , n.º 3 da CRP deu-se guarida a um reforço das acções populares tradicionais e à introdução de acções populares ou colectivas destinadas à defesa de interesses difusos Gomes Canotilho; Direito Constitucional e Teoria da Constituição.
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Constatando-se que, na casa sita no prédio de que o terreno onde se pretende instalar o posto de abastecimento serve de logradouro, se encontra estabelecido um café e supermercado, com a área de 384 m2, frequentado por público e que a distância entre as unidades de abastecimento de gasolina ou gasóleo, designadamente, entre as paredes dos reservatórios enterrados e esse estabelecimento, é inferior a 10 metros, que num raio de 50 metros da localização desse posto de abastecimento habitam cerca de 50 pessoas entre quais algumas crianças, que os produtos combustíveis e óleos a fornecer na área de serviço são de natureza altamente volátil expandindo-se facilmente e o contacto regular com tais emanações constitui causa possível de lesões graves dado o carácter tóxico das mesmas, que a gasolina, o gasóleo e os demais combustíveis liquefeitos e gasosos, em contacto com o ar, libertam gases tóxicos, como monóxido de carbono, cheiros e odores nauseabundos, que são nocivos à saúde e contribuem para a degradação do meio ambiente e que o posto libertará permanentemente para a atmosfera hidrocarbonetos sob a forma volátil dos quais os mais perigosos são os benzenos, os taluenos e os fenóis, os chamados aromáticos, que originarão “anéis aromáticos”, dúvidas não poderemos ter de que a instalação no prédio dos réus de um posto de abastecimento de combustíveis (gasolina e gasóleo) e o desenvolvimento, nessa área, da actividade de venda desses produtos combustíveis e serviços conexos, é nocivo à saúde pública, ao ambiente e à qualidade de vida pública das gentes que moram no lugar de Casais, Vila Chã, Esposende.
Desta forma incumbiria ao Município de Esposende o exercício do poder-dever de indeferir à demanda sociedade o pedido de licenciamento do projectado posto de abastecimento de combustíveis pelo modo como o fez no seu requerimento documentado a fls. 535 e segs., tal qual é recomendado pelas directivas propostas no art.º 2.º da Lei de Bases do Ambiente aprovada pela Lei n.° 11/87, de 7/4 e que estatui que “todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, incumbindo ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo a iniciativas populares e comunitárias, promover a melhoria da qualidade de vida, quer individual, quer colectiva”.
A sentença recorrida, proficientemente bem fundamentada, merece a nossa aquiescência no juízo que faz da problemática jurídico-substantiva que a acção suscita; e nenhum apoio tem a crítica que os recorrentes lhe fazem quanto à sua nulidade por violação do disposto no art.º 668.º, n.º 1, al. b) e c), do C.P.Civil, irreflectidamente lhe apontando os vícios de não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e de os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão.

Pelo exposto, julgando improcedente o recurso, confirma-se a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Guimarães, 05 de Julho de 2007.