Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
854-A/02-2
Relator: ARNALDO SILVA
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
CONCEITO JURÍDICO
TERCEIRO
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
EXECUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/08/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Justo impedimento - Conceito de partes e terceiros - Interpretação extensiva (art. 146º do CPC) - Proc. Execução - Remidor
Decisão Texto Integral: 10

Recurso da 3.ª Espécie n.º 854/02-2(A) da 2.ª Secção Cível
Proc. n.º 854/02-2 (A)
ACÓRDÃO
Acordam os juizes, em conferência, do Tribunal da Relação de Guimarães:
I. Relatório:
1. No Tribunal Judicial da Comarca de Cabeceiras de Basto, nos autos de Carta Precatória n.º 521/2001 __ vinda do 5º Juízo Cível da Comarca de Matosinhos, Processo de Execução Ordinária n.º 224/99 __, depois de, na sequência do auto de abertura de propostas, ter sido adjudicado o imóvel penhorado (identificado a fls. 43 do termo de penhora) a "B", em 03-04-2002, veio em 11-04-2002 "A", requerer, relativamente ao imóvel adjudicado, a remição de bens (art.º 912º do Cód. Proc. Civil), com fundamento em ser filha da executada. Neste requerimento invocou o disposto no art.º 146º do Cód. Proc. Civil, para a hipótese de, eventualmente, já ter sido proferido o despacho de adjudicação. Este requerimento foi indeferido por despacho judicial de 15-04-2002 (fls. 56), com o seguinte fundamento: « (...) Por força do art.º 913º, a) não estamos perante um prazo nos termos estabelecidos no artigo 146º do Cód. Proc. Civil, uma vez que este preceito se aplica a quem é parte na acção o que não é o caso da aqui requerente __ ver nesse sentido o Ac. da Relação de Lisboa de 2/7/77, em BMJ Tomo 14 pág. 936. Pelo exposto, indefiro o requerimento de remissão apresentado pela requerente "A" Custas pela requerente: - 1 UC (...) ».
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2. Inconformada com esta decisão agravou a requerente "A".
Nas alegações conclui:
1.º O disposto no art.º 146º do Cód. Proc. Civil pode ser invocável pelo titular do direito de remição e, em geral, por quem, não sendo parte no processo, tenha de praticar qualquer acto no processo;
2.º A recorrente tinha, pois, o direito de invocar o justo impedimento, não obstante não obstante não ser Exequente nem Executada;
3.º A decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 145º, 146º e 912º e seguintes do Cód. Proc. Civil.
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Nas suas contra-alegações, o agravado "B", conclui:
1.º O presente recurso vem interposto do, aliás, Douto Despacho de fls. 56, que indeferiu um requerimento de remição da ora agravante relativamente ao imóvel vendido nos presentes autos;
2.º Não pode conhecer-se do objecto do presente recurso uma vez que o Despacho de Adjudicação ao adquirente do imóvel em causa nos presentes autos, a fls. 50 dos autos, transitou em julgado, pelo que é definitivo e absolutamente inatacável;
3.º Pelo que todo o processado subsequente é dispiciente porque o presente recurso versa na verdade tentar atingir um objectivo que jamais logrará obter;
4.º Também não se pode conhecer do presente recurso pelo facto de a ora Agravante não ter efectuado o depósito no momento da remição, nem posteriormente, não podendo beneficiar dessa omissão;
5.º Tendo sido proferido Despacho de Adjudicação, como foi, jamais à posteriori (sic) podia ser exercido o direito de remição nos termos do disposto nos artigos 912º e seguintes do Código de Processo Civil, não podendo também por esse motivo conhecer-se do presente recurso;
6.º Respeitando o presente recurso à figura do justo impedimento, não pode ser delimitado o seu âmbito à questão de saber se aquele mecanismo só pode ser invocado por quem é parte no processo;
7.º A pretensa causa de justo impedimento __ a estada em França __ é imputável à ora agravante, pelo que não se preenche este requisito daquela figura;
8.º O justo impedimento teria de o ser relativamente à totalidade do prazo em que a ora agravante podia praticar o acto, estando assente que apesar de o ter pudido efectuar no período compreendido entre 14.01.02 e 10.03.02, não o fez, pelo que por este motivo também se não preenche o requisito da mesma figura;
9.º Uma estada em França não é certamente um caso de justo impedimento, tendo o acto pudido ser praticado por qualquer outra pessoa, mas nada foi feito, não se preenchendo os requisitos do justo impedimento, que só em casos muito excepcionais ocorrem;
10.º Se se concebesse que a ora agravante, que não é parte no processo, pudesse suscitar a questão do justo impedimento, tinha necessariamente de se considerar que os seus representantes ou mandatários também podiam suscitar a mesma questão, sendo certo que estes não estiveram impedidos, pelo que também por este motivo nunca procederia o invocado justo impedimento, nem o presente recurso.
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3. As questões essenciais a decidir:
Na perspectiva da delimitação pelo recorrente O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs. , os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56. , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Atento o exposto e o que flui das conclusões das alegações da agravante supra descritas em I. 2., a questão essencial a decidir é da saber se a agravante poderia ou não invocar o justo impedimento (art.º 146º do Cód. Proc. Civil) para exercer o direito de remição após ter sido proferido o despacho de adjudicação do bem penhorado ao proponente (art.º 913º do Cód. Proc. Civil).
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
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II. Fundamentos:
A) De facto:
1. No dia 14-01-2002, pelas 10H30, no Tribunal Judicial da Comarca de Cabeceiras de Basto, nos autos de Carta Precatória n.º 521/2001 __ vinda do 5º Juízo Cível da Comarca de Matosinhos, Processo de Execução Ordinária n.º 224/99 __, para venda do imóvel penhorado (identificado no termo de penhora a fls. 43) foram abertas as propostas apresentadas por: 1) Manuel ... no valor de 2.520.000$00; 2) "B", no valor de 4.100.000$00, tendo sido aceite a proposta apresentada por "B", por ser a mais elevada. Mais foi notificado este proponente para no prazo de 8 dias depositar na C. G. D. o preço devido, com a cominação de que, não fazendo, incorrer nas sanções previstas no art.º 898º do Cód. Proc. Civil.
2. Por despacho judicial de 03-04-2002, e por se encontrar depositado o preço e pago o imposto devido, foi adjudicado a "B" o imóvel penhorado e foi ordenada a sua entrega, e o cancelamento dos encargos registados.
3. Em 11-04-2002, a agravante "A", solteira, residente no lugar de ..., da freguesia de ..., da Comarca de Cabeceiras de Basto, veio requerer a remição do bem penhorado, nos termos do art.º 912º do Cód. Proc. Civil, e nos termos do art.º 146º do Cód. Proc. Civil, para o caso de eventualmente já ter sido proferido o despacho de adjudicação, alegando ser filha da executada, e que se encontrava em França, em 46 Rue De La Tour Billy, 95100, Argenteuil, França.
4. A agravante "A", encontra-se registada na Conservatória do Registo Civil, como filha de António ... e de Maria ... (doc. fls. 55).
5. Por despacho judicial de 15-04-2002 (fls. 56) foi indeferido o requerimento supra referido em 3. da matéria de facto provada, com o seguinte fundamento: « (...) Por força do art.º 913º, a) não estamos perante um prazo nos termos estabelecidos no artigo 146º do Cód. Proc. Civil, uma vez que este preceito se aplica a quem é parte na acção o que não é o caso da aqui requerente __ ver nesse sentido o Ac. da Relação de Lisboa de 2/7/77, em BMJ Tomo 14 pág. 936. Pelo exposto, indefiro o requerimento de remissão apresentado pela requerente Ana margarida Carvalho. Custas pela requerente: - 1 UC (...) ».
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B) De Direito:
1. O termo final do direito de remição Para garantir a estabilidade da venda judicial ou extrajudicial e os direitos do comprador de boa fé. Vd. Lopes do Rego, Comentários ao Cód. de Proc. Civil, Liv. Almedina, Coimbra - 1999, pág. 609, em anotação ao artigo 913º. varia consoante a modalidade da venda. No caso da venda judicial, como é o caso sub judice, ele só pode ser exercido até ser proferido o despacho de adjudicação dos bens ao proponente ou ao adjudicatário [art.º 913º. al. a) do Cód. Proc. Civil]. Posteriormente a este momento será admissível o exercício do direito de remição com a invocação do justo impedimento? O Prof. J. A. Reis concordava com essa possibilidade Vd. J. A. Reis, Processo de Execução, Vol. II, Coimbra Editora, Ld.ª - 1982, pág. 486. Nesta obra e local este Professor dá o seu aplauso ao Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Novembro de 1944 (Boletim Oficial do Ministério da Justiça, IV, n.º 26, pág. 598) que assim decidiu. E. Lopes Cardoso __ in Manual da Acção Executiva, Ed. da I.N.C.M. - 1987, pág. 666 __ faz referência a esta passagem do Prof. J. A. Reis e a este acórdão sem emitir a sua opinião expressa sobre o assunto. . A jurisprudência divide-se sobre a matéria. No sentido positivo se pronunciaram, por unanimidade, o Ac. do STJ de 30-11-1994: Proc.º 086295 Vd. in http://www.dgsi.pt/nsf/954f.../8ffb817a710ba34b802568fc003aad7b, em que foi relator o Sr. Conselheiro Martins da Costa. ; Ac. da R. de Lisboa de 28-03-1996: Proc.º 0099392 Vd. in http://www.dgsi.pt/nsf/33.../29beed7948be74c680256a7f00332ba1, em que foi relator o Sr. Desembargador Silva Pereira. e o Ac. da R. do Porto de 23-11-2000: Proc.º 0031496 Vd. in http://www.dgsi.pt/nsf/c3f.../29beed7948be74c680256a7f00332ba1, em que foi relator o Sr. Desembargador Gonçalo Silvano. . Em sentido negativo se pronunciaram, por unanimidade, o Ac. da R. de Lisboa de 21-04-1994: Proc.º 0087182 Vd. in http://www.dgsi.pt/nsf/0/00867BBE69E84D318025680300027B1F, em que foi relator o Sr. Desembargador Ponce Leão. , o Ac. da R. do Porto de 03-04-2000: Proc.º 9951527 Vd. in http://www.dgsi.pt/nsf/c3f.../fe7b43b1099s17b3802568ee0051a47e, em que foi relator o Sr. Desembargador Ribeiro de Almeida. . A jurisprudência em sentido afirmativo argumenta que o disposto no art.º 146º do Cód. Proc. Civil pode ser invocável pelo titular do direito de remição e, em geral, por quem, não sendo parte no processo, tenha de praticar qualquer acto no processo. A jurisprudência em sentido negativo sustenta que, respeitando o justo impedimento apenas às partes, os titulares do direito de remição, porque não são partes na execução, não podem alegar o justo impedimento. Esta tese, baseia-se no argumento puramente formal de o art.º 146º do Cód. Proc. Civil se referir apenas às partes. Embora o elemento literal (também chamado gramatical ou filológico) seja o primeiro factor a considerar na interpretação da lei, e seja um elemento necessário, não é todavia suficiente, como se depreende claramente do art.º 9º do Cód. Civil, ao impor que se vá para além da lei. É assim que, na interpretação da lei, há que considerar não só o elemento literal, mas também os restantes elementos: lógico, sistemático, histórico e complementares Vd., v. g., Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, Lições – 1977, pág. 350 e segs. . A ratio legis do art.º 146º do Cód. Proc. Civil é evitar o efeito extintivo do decurso do prazo peremptório com a extinção do direito de praticar o acto perante situações de imprevisibilidade ou de impossibilidade, ou perante situações não imputáveis a quem pretende praticar o acto. Serve assim de válvula de escape ao sistema Vd. António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, (1- Princípios Fundamentais; 2 – Fase Inicial do Processo Declarativo), Liv. Almedina, Coimbra – 1997, págs. 76- 77. decorrente da extinção do direito de praticar o acto na sequência do decurso do prazo peremptório (art.º 145º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil). Ao conceito de partes contrapõe-se o conceito de terceiros Vd. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, Liv. Almedina, Coimbra – 1999, pág. 74. . Aquelas, em sentido formal, são as pessoas pela qual e contra a qual é requerida, através da acção, a providência judiciária Vd. A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Ld.ª - 1984, pág. 101. e, sejam elas ou não os titulares da relação material litigada, é entre elas que se estabelece a relação jurídica processual, é em função delas que se determina a personalidade e capacidade judiciária dos sujeitos da acção, a competência do tribunal sempre que a sua determinação esteja ligada às partes (a sua nacionalidade, domicílio, etc.), e é sobre elas, sejam ou não os sujeitos da relação material litigada que recai o encargo do pagamento das custas, de acordo com os critérios estabelecidos no art.º 446º e segs. do Cód. Proc. Civil No caso particular do processo de execução há duas situações a distinguir: a) ou o executado deduziu oposição à execução e a oposição foi julgada procedente; b) Ou não deduziu oposição alguma ou esta foi declarada improcedente. No primeiro caso o comando do art.º 446º do Cód. Proc. Civil conduz necessariamente à responsabilidade do exequente pelas custas. No segundo e terceiro casos as posições invertem-se: o exequente é a parte vencedora e o executado é a parte vencida. Por isso é este que tem de suportar as custas da execução. O resultado a que conduz a adaptação do art.º 446º do Cód. Proc. Civil ao processo executivo, e o disposto nos art.ºs 445º, 916º e 919º do Cód. Proc. Civil confirmam o exposto. Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. II, pág. 208. . A elas também se cinge, em princípio, a eficácia da sentença proferida na acção, quer se pronuncie, quer não, sobre o mérito da causa (art.º 498º, n.º 2 e art.º 672º do Cód. Proc. Civil). é também em relação a elas que se há-de determinar quem pode ou não pode depor como parte ou como testemunha (art.º 617º do Cód. Proc. Civil) Vd. A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Ld.ª - 1984, pág. 101 nota 1. . Terceiros, do ponto de vista processual, são aqueles que não são partes __ para efeitos dos incidentes de intervenção de terceiros são aqueles que não figuram no processo como parte originária Vd. A. Anselmo de Castro, Dir. Proc. Civil Declaratório, Ed. de 19981, 1.º Vol. pág. 186. __, nem elemento do Tribunal enquanto tal, são aqueles que se encontram no processo numa posição de completo alheamento ou indiferença, caso em que será terceiro desinteressado, ou que estão numa posição de titulares de interesses em que o processo reflexamente vai interferir, caso em que são terceiros interessados, ou que estão numa posição de deverem cooperar com os fins do processo, segundo o princípio geral do art.º 520º do Cód. Proc. Civil, embora o objecto de tal processo em nada se relacione com os seus interesses, caso em que são auxiliares processuais Vd. Castro Mendes, Dir. Processual Civil, Vol. II (1980), pág. 6. . Como decorre do que fica exposto, o terceiro (peritos, testemunhas, intérpretes, remidor. etc.) pode vir a praticar actos no processo, e pode vir a ser atingido pelas decisões nele proferidas. E tanto assim é, que pode, v. g., interpor recurso quando seja directa e efectivamente prejudicado com pela decisão (art.º 680º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil), e quando seja prejudicado no recurso de oposição de terceiro (art.º 778º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil). Ora também nestes casos, os terceiros se podem encontrar em situações de imprevisibilidade ou de impossibilidade, ou perante situações que lhe não são imputáveis, e, por causa delas, podem ver o seu direito extinto pelo decurso de um prazo peremptório. As mesmas razões que justificam a existência da válvula de escape prevista no art.º 146º do Cód. Proc. Civil para as partes, também se verificam em relação a terceiros. O fim que o legislador teve em vista para as partes, também pode estar presente no caso de terceiros. Logo aquilo que o art.º 146º do Cód. Proc. Civil estabelece sob a forma de preceito para as partes, terá de ser visto como um princípio geral também para outros casos do processo, como é o caso de terceiros que se encontrem nas mesmíssimas condições. Por outro lado, o art.º 146º do Cód. Proc. Civil está inserido no Capítulo I (“Dos actos processuais”), na Secção I (“Actos em Geral”), na Subsecção I (“Disposições Comuns”). Por outro lado, o nosso Cód. Proc. Civil fala-nos dos actos partes na Subsecção II do mesmo Capítulo I e Secção I (art.ºs 150º a 153º), dos actos dos magistrados na Subsecção III do mesmo Capítulo I e Secção I (art.ºs 154º a 160º) e actos da secretaria na Subsecção IV do mesmo Capítulo I e Secção I (art.ºs 161º a 166º). Mas esta arrumação não completa. Além dos actos das partes, dos magistrados e da secretaria, há ainda os actos de terceiros Vd. J. A. Reis, Comentário ao Proc. Civil, Vol. 2, Coimbra Editora, Ld.ª, Coimbra 1945, pág. 7.. O art.º 146º do Cód. Proc. Civil está assim inserido na Subsecção das disposições comuns relativas aos actos processuais e não na Subsecção relativas aos actos das partes. E nos actos processuais comuns inserem-se também os actos a praticar pelos terceiros. A menção no art.º 146º do Cód. Penal às partes só pode assim ser vista no contexto da importância que assumem as partes no processo, como se deixou acima exposto. Aquilo que o Cód. Proc. Civil regulou para as partes tem perfeito cabimento, quer à luz do elemento lógico, quer à luz do elemento sistemático da interpretação. Além disso, e nos termos do art.º 9º, n.º 3 do Cód. Civil, é de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Tudo aponta para a conclusão que a letra da lei (art.º 146º do Cód. Proc. Civil) é mais restrita que o seu espírito: o legislador minus dixit quam voluit. E esta interpretação não deixa de ter na lei um mínimo de correspondência verbal.
Logo e por todo o exposto, entende-se que o terceiro também pode invocar o justo impedimento no processo em que intervenha. E, por esta razão, o pode fazer também o titular do direito de remição no processo executivo, em que não é parte.
Procede, pois, o recurso.
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III. Conclusão:
1. A ratio legis do art.º 146º do Cód. Proc. Civil é evitar que, perante situações de imprevisibilidade ou de impossibilidade, ou perante situações não imputáveis a quem pretende praticar o acto, o direito de praticar o acto se extinga pelo decurso do prazo peremptório. O art.º 146º do Cód. Proc. Civil é, assim, uma válvula de escape do sistema decorrente da extinção do direito de praticar o acto na sequência do decurso do prazo peremptório (art.º 145º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil).
2. Ao conceito de partes contrapõe-se o conceito de terceiros. Aquelas, em sentido formal, são as pessoas pela qual e contra a qual é requerida, através da acção, a providência judiciária. Por isso assumem um papel relevante no processo, e este é especialmente regulamentado em função do papel que estas desempenham no processo. Estes, do ponto de vista processual, são aqueles que não são partes __ para efeitos dos incidentes de intervenção de terceiros são aqueles que não figuram no processo como parte originária __, nem elemento do Tribunal enquanto tal. São aqueles que se encontram no processo numa posição de completo alheamento ou indiferença, caso em que será terceiro desinteressado, ou que estão numa posição de titulares de interesses em que o processo reflexamente vai interferir, caso em que são terceiros interessados, ou que estão numa posição de deverem cooperar com os fins do processo, segundo o princípio geral do art.º 520º do Cód. Proc. Civil, embora o objecto de tal processo em nada se relacione com os seus interesses, caso em que são auxiliares processuais.
3. As mesmas razões que justificam a existência da válvula de escape prevista no art.º 146º do Cód. Proc. Civil para as partes, também se verificam em relação a terceiros. O fim que o legislador teve em vista para as partes, também pode estar presente no caso de terceiros. Logo aquilo que o art.º 146º do Cód. Proc. Civil estabelece sob a forma de preceito para as partes, terá de ser visto como um princípio geral também para outros casos do processo, como é o caso de terceiros que se encontrem nas mesmíssimas condições, como, v. g., o remidor no processo de execução. A referência expressa às partes feita no art.º 146º do Cód. Proc. Civil só pode assim ser vista no contexto da importância que estas assumem no processo.
4. O art.º 146º do Cód. Proc. Civil está assim inserido na Subsecção das disposições comuns relativas aos actos processuais (art.ºs 137º a 149º) e não na Subsecção relativas aos actos das partes (art.ºs 150º a 153º). E a arrumação não completa. Além dos actos das partes, dos magistrados e da secretaria, há ainda os actos de terceiros.
5. Aquilo que o Cód. Proc. Civil regulou para as partes tem perfeito cabimento, quer à luz do elemento lógico, quer à luz do elemento sistemático da interpretação. Além disso, e nos termos do art.º 9º, n.º 3 do Cód. Civil, é de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Tudo aponta para a conclusão que a letra da lei (art.º 146º do Cód. Proc. Civil) é mais restrita que o seu espírito: o legislador minus dixit quam voluit. E esta interpretação não deixa de ter na lei um mínimo de correspondência verbal.
6. Qualquer terceiro que tenha direito de praticar um acto processual, inclusive também o titular do direito de remição na acção executiva, pode invocar o justo impedimento.
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IV. Decisão:
Assim e pelo exposto, julga-se procedente o agravo e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que aprecie o invocado justo impedimento.
Sem custas.
Registe e Notifique (art.º 157º, n.º 4 do Cód. Proc. Civil).
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Guimarães, 08-01-2003