Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1764/07-2
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: ADMINISTRADOR
EMBARGOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: - O pedido de rectificação da sentença não é meio próprio para atacar a sentença que decreta a insolvência, na parte em que nos termos do artº 36º, al. c) do CIRE, refere os administradores do devedor e lhes fixa residência.
- O administrador do devedor referenciado na sentença que decreta a insolvência nos termos do artº 36º, al. c) do CIRE, pretendendo contestar tal qualidade, deve deduzir oposição por embargos nos termos do artigo 40º do CIRE, aplicado por analogia, alegando a respectiva factualidade e indicando e solicitando a produção das pertinentes provas.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Neste recurso de agravo é recorrente Nuno e Carlos..., e recorrida a massa insolvente de …Vestuário S.A..

O agravante, notificado da decisão que decretou a situação de insolvência da requerida, proferida a 14/3/07, na qual, sendo considerado administrador lhe foi fixada residência, veio por requerimento de 3/4/07 informar que pelo menos desde Novembro de 2006 deixou de ser administrador. Pede a correcção da sentença dando-se sem efeito a referência feita ao requerente como administrador e presidente do concelho de administração.

Para prova juntou os documentos juntos a fls. 290 e 291 (68 e 69 destes autos), os quais nenhuma cópia ou referência existia nos autos anteriormente.

Não juntou nem indicou outras provas.

Foram notificados para se pronunciarem o administrador da insolvência e os restantes administradores da sociedade insolvente.

O primeiro declarou que, não obstante a documentação fornecida pelo signatário do requerimento em apreço, este deveria ter diligenciado pelo registo da renúncia ao cargo de administrador da insolvente.

Os segundos impugnaram parte dos factos alegados e os documentos n.° 1, 2 e 4, mais arguindo a falsidade do documento junto sob o n.° 3, na parte em que refere um acordo para cessação de funções do presidente do conselho de administração o qual, a existir, seria ineficaz, porquanto o órgão competente seria a assembleia geral.

Não juntaram qualquer prova.

Por despacho de 27/4/07 foi indeferido o requerido, nos termos constantes do despacho de fls. 53ss., fundamentando-se designadamente no seguinte:

“… Sucede que, por força do disposto nos artigos 3°, al. m), e 15°, do Código do Registo Comercial (CRC), a cessação de funções dos membros dos órgãos de administração das sociedades comerciais por qualquer causa que não seja o decurso do tempo, incluindo a renúncia, está sujeita a registo obrigatório. Não sendo efectuado esse registo, o acto será eficaz entre as partes, mas não é oponível a terceiros, nos termos previstos nos artigos 13° e 14° do mesmo código….”

Inconformado com o despacho deduziu o requerente o presente agravo.

Conclusões do agravo:

A) Muito antes da apresentação do pedido de insolvência da … Vestuário S.A., e evidentemente, da própria decretação da insolvência, o requerente deixara de ser administrador e presidente do conselho de administração desta.
B) Com efeito, o Recorrente logrou provar documentalmente que, em 12.10.06, pese embora com data de 31.07.06, endereçou à Fiscal Único e ROC da sociedade em questão a sua renúncia ao cargo de Presidente do Conselho de Administração e de Administrador daquela mencionada sociedade.
C) Exactamente porque era Presidente do Conselho de Administração da dita …Vestuário, SA, nos termos do disposto no art°. 404°, n°. 1 do CSC endereçou bem tal sua declaração de renúncia, que, sendo declaração receptícia, produz consequências emergentemente apenas do seu recebimento.
D) A declaração em causa foi recebida: o que também está documentalmente provado, sendo certo que, assim, os efeitos da mesma aconteceram no termo do mês de Novembro de 2006: a partir deste momento, com efeito, o Recorrente deixou pura e simplesmente de ser Administrador e Presidente do Conselho de Administração da …Vestuário, S A.
E) Impendia em exclusivo sobre aquela sociedade a obrigação de promover a inscrição registal da renúncia, estando esta obrigação consignada no art°. 17°, nos. l e 2 do CRC.
F) Não obstante, por não ter sido cumprida a obrigação em questão, permaneceu o nome do Recorrente no registo comercial atinente à …Vestuário, S A como seu Administrador e Presidente do Conselho de Administração, pese embora o Recorrente tenha deixado de o ser a partir do termo de Novembro de 2006.
G) Foi com fundamento nessa desactualizada notação registai que foi indeferida a pretensão do Recorrente de deixar de figurar na Sentença que decretou a insolvência como Administrador e Presidente do Conselho de Administração da …Vestuário, S A.
H) A verdade é que a permanência dessa notação registal não pode produzir consequências, nomeadamente quanto a considerar-se que o Recorrente, depois de Novembro de 2006, tenha continuado a ser Administrador e Presidente do Conselho de Administração da …Vestuário, S A, porque isso não se verifica.
I) A cooptação do entendimento contrário, que foi o do douto Despacho posto em crise, implica uma visão constitutiva do registo, que este não tem no Sistema Jurídico Português.
J) Além do que a Decisão mencionada penaliza o Recorrente, ao considerá-lo, com base apenas na mencionada notação registal, como Administrador e Presidente do Conselho de Administração da …Vestuário, S A, quando é certo que foi esta última quem incumpriu o dever que sobre si em exclusivo impendia de assegurar a necessária actualização registal face à formulação de renúncia protagonizada pelo Recorrente.
K) A verdade é que o instituto de registo visa que se retratem, através dele, verdadeiras situações fácticas e não meras aparências destas.
L) O douto Despacho que indeferiu a pretensão do Recorrente ofendeu assim o disposto nos arts. 404° do CSC e 17°, nos. l e 2 do CRC.
Sem contra-alegações.

O Mmº Juiz sustentou o despacho agravado referindo sucintamente que;

À data da sentença não estava comprovado que o requerente não fosse administrador da insolvente.

Não é por efeito da rectificação da sentença que se apreciam novos meios de prova.

Era sobre o recorrente que impendia o ónus de promover o registo da sua renúncia. Sem registo o acto não será eficaz em relação a todos os que nele não participaram.

Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.

*

A factualidade com interesse é a que resulta do relatório precedente.

Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 684º, n.º 3 e 690º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

A questão colocada prende-se com saber se em face dos documentos juntos pelo recorrente a sentença que decretou a insolvência deveria ser rectificada (o requerente pede a correcção da sentença), retirando-lhe a menção ao agravante como administrador da insolvente.

Posta a questão nestes termos é óbvia a improcedência do recurso.

Podem ser objecto de rectificação nos termos do artigo 667 do CPC as omissões ou lapsos manifestos.

Apenas se enquadra em vício corrigível o erro material - o julgador escreveu coisa diversa do que pretendia -. Não é o caso dos autos. À data da prolação da sentença nenhuma informação existia nos autos no sentido de que questionar a qualidade de administrador do recorrente.

O meio utilizado foi impróprio.

Isto porque o indicado administrador (referenciado na petição inicial nos termos do artigo 23, 2, b) do CIRE), não tem intervenção enquanto visada a sua qualidade de administrador, até à prolação da sentença que decreta a insolvência e mediante a qual vê invadida a sua esfera pessoa – fixação de residência, com a inerente obrigação de a respeitar -. Limita-se assim a possibilidade de livremente mudar de residência (conquanto continue a poder fazê-lo, solicitando-o no processo). Têm-se em vista com a medida manter o visado contactável pelo tribunal.

Resulta tal falta de intervenção (e contraditório) dos artigos 28 do CIRE (sendo requerente a devedora é logo declarada a insolvência), e 29 e 30 do mesmo diploma (requerida por outrem, a tramitação subsequente e até decisão, processa-se exclusivamente entre o requerente e o/a devedor(a)).

A indicação dos administradores, aos quais é fixada residência conforme artigo 36, al. c) do CIRE, é efectuada sem contraditório por parte destes. E assim é porque normalmente a indicação efectuada no requerimento inicial corresponderá à realidade.

Não prevê o CIRE meio de reacção ao administrador que pretenda contestar essa qualidade. Talvez por se tratar de uma nova consequência do decretamento da insolvência – inexistia no artigo 128 do CPEREF -.

Visando a reapreciação das provas tendo em vista a modificação da decisão, prevê o artigo 40º:

Oposição de embargos

1 - Podem opor embargos à sentença declaratória da insolvência:

a) O devedor em situação de revelia absoluta, se não tiver sido pessoalmente citado;

e) Os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente;

f) Os sócios, associados ou membros do devedor.

2 - Os embargos devem ser deduzidos dentro dos 5 dias subsequentes à notificação da sentença ao embargante ou ao fim da dilação aplicável, e apenas são admissíveis desde que o embargante alegue factos ou requeira meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência.

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A situação dos autos em boa verdade enquadra-se ou consiste na pretensão de ver reapreciada uma determinada factualidade (qualidade de administrador), em função de provas não tidas em conta pelo tribunal. Visa-se a alteração da decisão, não relativamente ao decretamento da insolvência mas sim quanto a um dos efeitos legais desta.

Para o efeito juntou o recorrente a prova que entendeu pertinente.

Abandonada a previsão que constava da al. e) do artigo 39, 1 do projecto do CIRE, nos termos da qual o poder de reagir contra a sentença por embargos se estendia “às pessoas efectiva ou potencialmente prejudicadas pela decisão” - (informação colhida em Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anotado, Vol. I., Quid Yuris, pág. 209 em nota ao artigo 40) -, parece ficar sem protecção a pessoa que pretenda contestar a sua indicação como administrador da insolvente, pois de nenhuma utilidade se reveste a interposição de recurso, em virtude da necessidade de produzir prova.

Mas tal consequência não é aceitável, dados os princípios constitucionais do direito de acesso à justiça e proibição da indefesa ( artigo 20 CRP - Sobre a proibição da indefesa, Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Ed., pp. 163 e 164 ).

Tal impossibilidade implicaria uma limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, acerca de questão que lhe diz respeito e o afecta.

Assim, atento o disposto no artigo 10, nº 1 do CC., considerando que existe identidade substancial entre os fundamentos da norma do artigo 40 do CIRE e a situação omissa, é de aplicar aquele normativo analogicamente, no que respeita à legitimidade para deduzir oposição por embargos à sentença que decreta a situação de insolvência.

Relativamente à circunstancia de no nº 2 do ref. artigo 40º, se referir que a oposição apenas é admissível nos casos em que se pretenda afastar os fundamentos da declaração de insolvência, a não se entender que os efeitos legais da declaração estão abrangidos no preceito (como parece não estarem), deve aplicar-se igualmente por analogia, sem os efeitos embora do nº 3 do normativo.

No entanto, esta questão não foi colocada em primeira instância, sendo o requerimento apreciado nos termos em que foi deduzido – como pedido de correcção (rectificação da sentença) -.

Como acima referido, a situação não se enquadra na rectificação, pois nada há a rectificar, nem no âmbito desta é possível produzir prova.

Nenhum erro ocorreu que precise ser rectificado, sendo legitima a menção constante da sentença dado o facto de o requerente constar do registo comercial como administrador da insolvente e nos termos do artigo 11 do CRC o registo constitui presunção de que existe a situação jurídica nos precisos termos em que é definida.

Improcede consequentemente o agravo.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente.