Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
296/08-2
Relator: RAQUEL RÊGO
Descritores: TRANSACÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO:
I - Englobando-se nas custas do processo, o reembolso à parte vencedora da respectiva procuradoria, esta tem vindo a ser entendida com a natureza de uma compensação devida pelo vencido ao vencedor, referente ao reembolso das despesas por aquele realizadas com o mandato judicial.
II - A gravidade dos danos morais há-de aferir-se por um padrão objectivo, e não à luz de factores subjectivos.
III - As simples contrariedades, as tristezas, consubstanciam-se em contingências próprias de todo aquele que, como sujeito de direito e cidadão, corre algum risco na relação societária. Não revestem, porém, gravidade que suscite o direito a indemnização por danos não patrimoniais.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – RELATÓRIO.

Nestes autos de acção ordinária, em que é autor e recorrente António J... e réu e recorrido Elísio E..., em 09.11.2006 foi proferida sentença, pelo Tribunal a quo, que julgou a mesma improcedente e absolveu o réu do pedido.
Inconformado, o autor apelou para este Tribunal, alegando, em suma, que aquele Tribunal não valorou todos os factos provados e não se pronunciou sobre os pedidos formulados sob os nºs 2, 3 e 4 do pedido subsidiário.
Esta apelação mereceu acórdão desta Relação, datado de 20.09.2007, pelo qual foi decidido anular a sentença recorrida, por se entender que não se estava perante questões de manifesta simplicidade (ao invés do consignado na decisão em crise) e para que fosse dado cumprimento ao estatuído no artº 659º do Código de Processo Civil.
Na sequência, foi proferida nova sentença, na qual, estranhamente, mais uma vez, se omite totalmente a pronúncia relativamente aos pedidos acima enunciados!
Daí a interposição de nova apelação, onde, uma vez mais, o recorrente volta a invocar que o Tribunal recorrido não apreciou juridicamente parte da factualidade provada e proferiu sentença nula, por omissão de pronúncia relativamente àqueles concretos pedidos, que já tinha enunciado no anterior recurso.
II. FUNDAMENTAÇÃO.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
- Em 3 de Outubro de 2003, deu o R. entrada na secretaria judicial do Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras, do requerimento executivo e respectivos documentos integrantes do mesmo, tendo a acção executiva corrido termos no 3.º Juízo do aludido Tribunal sob o n.º 2651/03.2TBFLG.
- Figurando na mesma como executado o ora A.
- Na sequência da celebração do acordo de pagamento faseado da quantia exequenda nessa execução, Luís M... emitiu vários cheques, tendo o ora A. endossado e entregue os mesmos ao R., na pessoa da sua mandatária.
- Posteriormente, veio o R. a deduzir oposição à execução e à penhora.
- Tendo por sentença proferida no âmbito dos aludidos autos, e já transitada em julgado, sido rejeitada a execução, e em consequência, foi a mesma declarada extinta.
- O acordo de pagamento da quantia exequenda foi outorgado pelo ora A. (então executado) e pela Ilustre mandatária do R. (então exequente).
- Na procuração junta ao processo executivo supra referido, o R. atribuiu à sua mandatária, "os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, incluindo, os de receber custas de parte e precatórios - cheques".
- O A. residia e ainda reside num meio pequeno, em que praticamente toda a população se conhece, e em que é o mesmo considerado pessoa de bem, homem respeitado, honesto e cumpridor das suas obrigações.
– Aquando da penhora dos seus bens no âmbito da execução identificada, o A. viveu dias de horror e tristeza, na eminência de ver a sua esposa e filha abandonarem a residência familiar.
- O que causou no A. sentimento de tristeza, prostação, insónias, perda de apetite, durante cerca de um mês.
- O A. viu a sua reputação de homem diligente e bom pai de família manchada no seio da comunidade em que se insere, sendo que ainda hoje as pessoas comentam "o episódio da penhora ao António", fazendo-o com ar de troça e escarnecendo do mesmo, em virtude de tal situação criada pelo R.
- Uma vez que o A. não possuía condições económicas para, de per si cumprir com o que lhe era exigido pelo R. , teve o mesmo que recorrer ao seu amigo Luís M..., no sentido de este lhe emprestar dinheiro (12.460 Euros), ficando o A. obrigado a restituir outro tanto do mesmo, o que efectivamente veio a suceder.
- Sucede porém que, o plano de pagamento da execução encontra-se integralmente pago.
- Com o mandatário judicial, relativamente ao processo de execução referido, despendeu o A. 2.000 Euros.

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O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil).
São, pois, questões a decidir no presente recurso:
1. A ampliação da matéria de facto consignada na sentença;
2.Se a sentença é nula porque ocorre omissão de pronúncia;
3.Se, na mesma, há errada aplicação do direito.
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Ampliação da matéria de facto:
O quadro factual apurado resulta da aplicação do preceituado no artº 484º, nº1, do Código de Processo Civil, por ausência de contestação do réu, que foi oportunamente mandada desentranhar, por despacho transitado em julgado.
Assim, nos termos do artº 712º do mesmo diploma, por constarem dos autos todos os elementos que serviram de prova, pode este Tribunal proceder à pretendida ampliação.
Quer o recorrente que sejam considerados os seguintes factos:
a)Das cópias dos cheques nada consta acerca do nome, assinatura ou qualquer outra referência ao A.
b)Tão pouco as aludidas cópias dizem respeito a qualquer conta de que o A. seja, ou tenha sido titular.
c)O autor não apôs a sua assinatura no verso dos cheques dados à execução.
d)Em Novembro de 2003, no âmbito do processo referido, foi efectuada uma diligência de penhora na residência deste.
e)Sem que para tal o mesmo tivesse sido previamente citado.
f)Aquando da realização da penhora no processo executivo, o A., como forma de obstar a que a mesma se realizasse, atenta a vergonha porque estava a passar em virtude da realização de tal diligência e convicto de que " se o Tribunal ordenara a penhora, era porque tinha mesmo de pagar", viu-se forçado a assinar com o R. o acordo de pagamento da quantia exequenda, por forma a terminar o litígio.
g)Via-se agora alvo de algo que colocava em causa toda a sua reputação de bom pai de família (o que nunca antes sucedera), e efectivamente veio a suceder, tendo o A. sido alvo de vários comentários desprimorosos por parte da população em geral.
h)Tal reflectiu-se negativamente no relacionamento do casal, porquanto a esposa do aqui A., ao ter tomado conhecimento de tal, de imediato o confrontou com toda a situação, e apelidando-o de "sacana" e "gatuno da nossa vida", transmitiu -lhe que queria o divórcio.
Esta factualidade consta, na verdade, da petição por si apresentada, pelo que tem de considerar-se provada, nos termos do já mencionado artº 484º, nº1.
Procede, pelo exposto, a arguição efectuada.
2. Nulidade por omissão de pronúncia:
No que ao caso interessa, dispõe o artº 668º, nº1, al.d) do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Ora, como acima já se deixou consignado, apesar de este Tribunal, em anterior acórdão, ter já mencionado que havia questões que não foram apreciadas, certo é que, de novo, o Tribunal a quo proferiu decisão onde voltou a não apreciar os pedidos formulados sob os nºs 2, 3 e 4.
Esta omissão acarreta a nulidade da mesma, de acordo com o aludido normativo.
Porém, nos termos do artº 715º, embora o Tribunal de recurso declare nula a sentença proferida na 1ª instância, não deixará de conhecer do objecto da apelação.
Daí que se passe a conhecer dos pedidos do recorrente.

3.Se, na sentença, há errada aplicação do direito:
O recorrente começa por insurgir-se com a circunstância de na sentença recorrida se considerar como assente a alegação, por si efectuada, de que celebrou uma transacção com o recorrido, com o fundamento de que, tratando-se de matéria de direito, o Tribunal não está vinculado à alegação das partes.
Dos factos provados, com relevo, colhe-se:
Em 3 de Outubro de 2003, deu o R. entrada na secretaria judicial do Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras, do requerimento executivo e respectivos documentos integrantes do mesmo, tendo a acção executiva corrido termos no 3.º Juízo do aludido Tribunal sob o n.º 2651/03.2TBFLG, figurando na mesma como executado o ora A.
Por forma a terminar o litígio, assinou com o réu um acordo de pagamento da quantia exequenda, no qual convencionou o pagamento faseado da quantia exequenda nessa execução.
Para tanto, Luís M... emitiu vários cheques, tendo o ora A. endossado e entregue os mesmos ao R. , na pessoa da sua mandatária.
Entende, agora, que esta factualidade não integra a figura jurídica da transacção.
Desde já se adianta que não lhe assiste razão.
Nos termos do artº 1248º do Código Civil, transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.
Todos os requisitos aí mencionados são encontrados no caso dos autos, pois que o recorrente, como se provou, para terminar o litígio, acordou com o recorrido o pagamento faseado da quantia exequenda.
Tanto basta.
Mais pretende o autor a declaração de nulidade deste contrato, invocando, na douta petição, que foi violado o disposto nos artºs 220º e 1250º do Código Civil.
Ora, a declaração negocial agora em apreço foi feita por escrito, em observância do exigido no artº 1250º, pelo que não se entende a invocação efectuada, sendo certo que a questão da falta de poderes da I. Mandatária do réu foi claramente abordada na sentença em crise e não foi, agora, objecto das alegações de recurso.
Nem sequer se pode dizer (como, embora de modo mais que incipiente, o recorrente parece, a certa altura, aflorar), que ocorreu erro no negócio jurídico.
É que, de acordo com o artº 252º, nº2, do Código Civil, que o autor, aliás, não invoca, sempre seria exigível o conhecimento recíproco da essencialidade do erro, que não se encontra, sequer, minimamente indiciado na factualidade provada.
A almejada nulidade do negócio não pode, assim, ser declarada.
Quanto ao enriquecimento sem causa, o Tribunal a quo procedeu à sua aplicação ao caso concreto, concluindo, do mesmo modo, pela sua improcedência, sendo certo que o recorrente também não inclui esta questão nas conclusões do recurso.
Vejamos, agora, os demais pedidos formulados pelo autor/recorrente e sobre os quais a sentença em crise não se pronunciou.
Pretende ele que o réu seja condenado a pagar-lhe €2.000,00 relativos a despesas com o seu Mandatário na defesa efectuada no âmbito da execução, €633,22 dos juros da quantia que pediu emprestada para proceder ao pagamento das prestações estipuladas na transacção e, finalmente €4.000,00 por danos morais sofridos.
Quanto aos juros, desde já se adianta que, mantendo-se válido o contrato de transacção e decorrendo eles de um contrato de mútuo que o autor celebrou com terceiro, com vista à obtenção da liquidez necessária, inexiste qualquer fundamento para o dever de indemnizar respectivo, pois que a responsabilidade, como se sabe, advém dos contratos, de facto ilícitos ou do risco.
Ora, o réu nada contratou com o autor, neste domínio, nem se mostra violada qualquer norma legal na realização da dita transacção.
Quanto aos honorários jurídicos decorrentes da sua defesa no processo de execução, a satisfação dos referidos honorários pelo recorrido colide, de forma manifesta, com o legalmente estatuído quanto à tributação das lides forenses.
Com efeito, englobando-se nas custas do processo, o reembolso à parte vencedora da respectiva procuradoria – art. 32º, n.º 1, al. g) do CCJ -, esta, desde sempre, tem vindo a ser entendida com a natureza de uma compensação devida pelo vencido ao vencedor, referente ao reembolso das despesas por aquele realizadas com o mandato judicial – vide art. 40º, n.º 1 do CCJ, “Noções” do Prof. Manuel de Andrade, pág. 338 e “Anotado” do Des. Salvador da Costa, pág. 238.
Assim nos direcciona a análise das normas processuais vigentes.
Com efeito, quando o legislador pretendeu fazer incidir sobre qualquer das partes intervenientes na lide a obrigação referente à satisfação integral das despesas relativas a honorários, indicou expressamente as situações e a parte sobre a qual tal imposição impendia.
São elas a indemnização por litigância de má-fé e a da inexigibilidade da obrigação –artºs 457º,n.º1, al.a), parte final e 662º, nº3 do Código de Processo Civil -, o que leva a concluir, que, na generalidade das acções judiciais, a procuradoria, a calcular nos estritos termos já referidos, se engloba nas custas judiciais.
Os honorários forenses são, assim, da responsabilidade do recorrente.
Relativamente aos danos morais, está provado que, aquando da penhora, o A. viveu dias de horror e tristeza, na eminência de ver a sua esposa e filha abandonarem a residência familiar, o que lhe causou sentimento de tristeza, prostação, insónias, perda de apetite, durante cerca de um mês.
Além disso, viu a sua reputação de homem diligente e bom pai de família manchada no seio da comunidade em que se insere, sendo que ainda hoje as pessoas comentam "o episódio da penhora ao António", fazendo-o com ar de troça e escarnecendo do mesmo.
Foi alvo de vários comentários desprimorosos por parte da população em geral e tal reflectiu-se negativamente no relacionamento do casal, porquanto a esposa do aqui A., ao ter tomado conhecimento de tal, de imediato o confrontou com toda a situação, e apelidando-o de "sacana" e "gatuno da nossa vida", transmitiu -lhe que queria o divórcio.
Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrém ou disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação (artº 483º do Cod.Civil).
São, pois, pressupostos do dever indemnizatório, a violação de um direito ou interesse alheio, a ilicitude, o vínculo de imputação do facto ao agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No caso dos autos sabemos que o réu intentou acção executiva contra o recorrente para obter o pagamento de determinada quantia.
Também sabemos que, no âmbito da mesma, por acordo, o aqui recorrente comprometeu-se a pagar a quantia exequenda, o que veio, na verdade, a acontecer.
Daí que, apesar de terem sido dados à execução meras cópias de cheques dos quais não consta o recorrente, tal não significa, por si só, que o ali exequente e aqui recorrido não fosse, realmente, titular de um direito de crédito sobre aquele, tudo indiciando que assim fosse, atenta a transacção realizada e o integral cumprimento da mesma.
Para além disso, há que ter presente que a gravidade dos danos há-de aferir-se por um padrão objectivo, e não à luz de factores subjectivos.
Ora, sendo o recorrente, como ficou provado, considerado pessoa de bem, homem respeitado, honesto e cumpridor das suas obrigações, a mera ocorrência de uma única penhora não é causa idónea para abalar uma reputação consolidada e, muito menos, para legitimar a actuação da sua mulher que, de modo injustificável e condenável, logo o apelidou de "sacana" e "gatuno da nossa vida", transmitindo -lhe que queria o divórcio.
Já defendia Vaz Serra, in RLJ, ano 98º, págs. 276 e 277, que, para que o dano moral seja reparável, parece de exigir que ele tenha determinada gravidade, que represente um prejuízo bastante sério e de tal natureza que se justifica a sua satisfação ou compensação pecuniária.
O dano deve ser tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.
No fundo, tudo consistirá em exigir, para a responsabilidade ex contractu, um nível de gravidade danosa em regra superior ao exigível para a responsabilidade aquiliana.
Daí que as simples contrariedades, as tristezas, se consubstanciem em contingências próprias de todo aquele que, como sujeito de direito e cidadão, corre algum risco na relação societária. Não revestem, porém, no nosso entender, gravidade que suscite o direito a indemnização por danos não patrimoniais (496º do CC).
Julga-se, em conformidade, improcedente este pedido de ressarcimento por danos morais, quer porque se entende que não ficou provada a causalidade adequada entre a consuta do recorrido e os danos apurados, quer porque os mesmos, à luz de um padrão objectivo, não merecem a tutela do direito.

III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentençqa recorrida.
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Custas pelo recorrente.

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Guimarães, 10 de Abril de 2008