Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | CONCEIÇÃO BUCHO | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 01/11/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário: | I- Nas situações previstas no n.º 2 do artigo 186º do CIRE, a insolvência presume-se sempre culposa. II- O ónus da prova da inexistência dos factos enumerados no n.º 3 do citado artigo 186º, recai sobre o insolvente. III- Os artigos 186º, n.º 3 e 189º do CIRE não são inconstitucionais. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães. Proc. n.º 1954/06-2 Apelação. 1º juízo Cível de Guimarães, proc. n.º 4014/05. I- A ...., S A foi declarada insolvente por decisão de 2005/06/08, nela se determinando o competente incidente de qualificação da insolvência. No cumprimento do disposto no art.º 188.º, n.º 2, do C.I.R.E., a Senhora Administradora da insolvência apresentou o seu parecer, no qual conclui pela insolvência culposa, indicando ainda os sócios-gerentes da insolvente, B ... e C..., como únicas pessoas a serem afectadas pela dita qualificação da insolvência. Aberta vista ao Ministério Público, o mesmo pronunciou-se, concordando com o parecer da Senhora Administrador da Insolvência. Devidamente citados, os sócios-gerentes da Insolvente opuseram-se, por impugnação e por excepção. Foi proferido despacho saneador, onde se procedeu à selecção da matéria de facto relevante para a boa decisão do incidente. Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença na qual se decidiu: Declarar a insolvência de “ A...” como tendo sido de natureza culposa. Considerar responsável pela situação de insolvência o sócio-gerente da devedora, B ..... Considerar não responsável pela situação de insolvência a sócia-gerente da devedora, C..... Decretar a inabilitação de B..., pelo período de dois anos, para a prática de quaisquer actos – referentes ao seu património ou a patrimónios por si geridos – que não sejam de mera administração, sendo necessário para os demais – actos de disposição de bens entre vivos – autorização do curador. Declarar B... inibido para o exercício do comércio durante um período de cinco anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa. Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo referido B... e condená-lo a restituir todos os bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos. Condenar o Requerido B... nas custas do incidente. Da sentença interpôs recurso B..., cujas alegações de fls. 447 a 455, terminam com as seguintes conclusões : 1 ° O douto despacho de fls. 442 violou o disposto nos art. 14°, n° 6, al. b), n° 7 do art. 188° e 132° do ClRE, porquanto o presente recurso deve subir imediatamente e nos próprios autos, por se tratar de impugnação de decisão final de incidentes processado por apenso. 2° A qualificação da insolvência como culposa exige uma relação de causalidade entre a conduta do devedor e o estado declarado da insolvência, uma vez que o devedor pode ter actuado dolosa ou negligentemente mas em nada ter contribuído para a criação ou agravamento da insolvência. Deve, pois, ser provada a culpa - salvo existindo presunção - e o nexo de causalidade. 3° Ou seja, para que a insolvência seja declarada culposa não basta a verificação de um acto culposo, ou presumidamente culposo, do legal representante da insolvente, é necessário que esse concreto acto tenha sido condição essencial para a criação, ou agravamento da situação de insolvência. 4° No caso concreto, não carreou o tribunal a quo um único facto susceptível de, sequer, indiciar o necessário nexo do acto presumidamente culposo do recorrente com a criação - que até é expressamente afastada - ou o agravamento da situação de insolvência. 5° Mal andou a sentença recorrida pois, por um lado, olvidou que o ónus da prova da existência de danos cabe aos interessados na qualificação da insolvência como culposa, não sendo exigível ao recorrente a prova de que tais danos não existiram - Ac. Rel. de Guimarães, de 14.6.2006, Proc. 751/06, 1ª’ Secção, ao que se crê inédito. 6° Desta forma, a douta sentença recorrida fez errada interpretação do disposto no art. L86° do CIRE, preceito que por isso se mostra violado. 7° O mero vencimento de juros moratórios, tal como os mesmos devem ser entendidos, nos termos das disposições combinadas dos art.806, n.1 e 805°, n° 2, al. a), ambos do C. Civil, não é causa autónoma do agravamento da situação de insolvência, pois essa contagem de juros em nada prejudica os seus credores uma vez que todos beneficiam de tal contagem _ Ac. Rel. de Guimarães, de 14.6.2006, Proc. 751/06, I’ Secção, ao que se crê inédito. SO Acresce que ficou demonstrado que não foi a venda do imobilizado que determinou a cessação da actividade, mas antes o contrário, ou seja, perante uma situação de inviabilidade de continuação do giro social e na impossibilidade de fazer face aos compromissos, a Insolvente optou por vender parte dos seus equipamento e com o produto da venda pagar responsabilidades da empresa. 9° No caso vertente o julgador limita-se a supor eventuais danos, dizendo que “a não apresentação da devedora à insolvência causou o aumento do seu passivo, designadamente do contínuo vencimento das obrigações vencidas e incumpridas. “ . 10° O art. 186°, n. ° 3 do CIRE, ao fixar uma presunção de culpa grave dos administradores do devedor faz uma verdadeira inversão do ónus da prova que se traduz em flagrante inconstitucionalidade (orgânica e material). 11 ° O art. 186°, n.o 3 do CIRE estabelece uma presunção (ilidível) dos administradores da insolvente, sendo certo que nos casos de presunção legal iuris tantum o ónus da prova do contrário imposta à outra parte significa que se essa prova não for feita nem resultar de outros elementos do processo se tem como assente o facto presumido. 12° Ou seja, na hipótese de os administradores da insolvente não conseguirem provar que não tiveram culpa grave na situação de insolvência poderão vir a ser considerados culpados e a si poderão vir a ser impostas as consequências prevista no art. 189°, n.o 2 do CIRE, as quais afectam de forma directa e grave direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que se encontram protegidas pela Constituição da República Portuguesa (doravante designada CRP). 13° Nos termos do disposto no art. 165°, n.o 1, alínea b) daquela Constituição é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre direitos, liberdades e garantias, dizendo-se no art. 198°, n.o 1, alínea b) que é da competência do Governo, no exercício de funções legislativas, fazer decretos-lei em matéria de reserva relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta. 14° O DL n.o 53/2004, de 18 de Março que aprovou o CIRE foi efectivamente precedido de uma Lei de autorização legislativa, a Lei n.º 39/2003 de 22 de Agosto, mas em lado algum dessa Lei se autoriza o Governo a constranger os direitos, liberdades e garantias nos termos em que o faz o artigo 186º, n.º 3 do CIRE. 15º Pelo contrário resulta expressamente da lei de autorização que a insolvência só será culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, de direito e de facto (art. 2º da Lei n.º 39/2003. 16º Ao presumir-se uma culpa grave e cominar-se a falta de prova em contrário com as consequências previstas no artigo 189º n.º 2 do CIRE nos casos do art. 1\86º, n.º 3, nomeadamente o dever de requerer a falência, está-se por um lado, a ultrapassar os poderes legislativos conferidos pela citada lei de autorização legislativa e, por outro lado, está-se a violar clara e inequivocamente os mais elementares princípios e direitos constitucionalmente protegidos, nomeadamente o direito ao trabalho protegido pelo artigo 58º n.º 1, o direito à livre escolha da profissão, salvaguardado pelos artigos 47º e 58º n.º 2 al. b) ; o direito à iniciativa económica privada, plasmado no artigo 61º e o direito à propriedade privada consagrado no artigo 62º. 17. A inconstitucionalidade dos artigos 186º n.º 3 e 189º, n.º 2 do CIRE é ainda patente quando tivermos em atenção o disposto no artigo 30º n.º 4 da CRP. Aí diz que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos . Ora, se a própria lei penal não pode ter estas consequências por maioria de razão não as poderá ter a lei da insolvência. 18. foram violados os artigos 186º e 189º do CIRE, os artigos 342º do Código Civil e os artigos 30º, 47º, 58º, 61º, 62º, 165º, 198º da Constituição da República Portuguesa. Contra-alegou o Ministério público, conforme consta de fls. 459 a 464, concluindo que pelo menos em 31/12/2004, a situação da insolvente se tornou manifestamente irrecuperável, e o gerente/requerido teria necessariamente que ter conhecimento da mesma, pelo menos aquando da declaração de cessação da actividade tributada em IVA ao serviço das Finanças, ou seja em 19/1/2005. Assim, visto a matéria de facto dada como provada não existirão dúvidas de que se verifica o preenchimento do fundamento que permite qualificar a insolvência como culposa. Conclui pela improcedência de todas as conclusões das alegações do recurso apresentada pelo recorrente pelo que, em consequência, o recurso não poderá ser provido. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II - O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, n.º 2, 664º, 684º, n.º 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil. Em 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto: 1) Através de requerimento entrado em Juízo em 2005/05/12, a sociedade “EE .....” requereu a declaração de insolvência da “ A... LDA.”, alegando, para tanto, ter fornecido à Requerida, a solicitação e por encomenda desta, os fios e fibras têxteis constantes das facturas n.ºs 3538/2, 3832/2, 4048/2, 28/3 e 99/3, juntas a fls. 8 a 12 dos autos principais, cujas datas de emissão aí apostas são, respectivamente, 2002/11/05, 2002/11/25, 2002/12/12, 2003/01/03 e 2003/01/08, pelo preço global de 4.633,72 €. 2) O preço das mercadorias referidas em 1) deveria ter sido pago pela Requerida no prazo de 60 dias a contar da data de emissão das facturas aludidas, o que não sucedeu. 3) Não tendo a Requerida deduzido oposição, foi declarada a sua insolvência através de sentença proferida em 2005/06/08, já transitada em julgado. 4) À data do encerramento da liquidação do activo, encontrava-se depositada à ordem da massa insolvente a quantia de 2.029,58 €. 5) A Insolvente encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães sob o n.º...., constando aí como seus sócios e gerentes B... e C..., sendo suficiente a assinatura do primeiro para obrigar a sociedade. 6) À data referida em 1), a insolvente havia já cessado a sua laboração, tendo os seus gerentes declarado, em 2005/01/19, para efeitos fiscais, a cessação da actividade tributada em IVA, com data reportada a 2004/12/31. 7) A Insolvente celebrou com a “FF... – Sociedade de Locação Financeira, S.A.” um acordo por ambas denominado “contrato de locação financeira”, pelo qual a primeira adquiriu ao vendedor o veículo automóvel de marca Citröen, modelo C5 2.2 HDI Exclusive, matrícula ...., transferindo depois o gozo do mesmo para a segunda, mediante o pagamento por esta de 30 prestações mensais, sendo a primeira de 12.363,36 € e as 29 seguintes de 737,90 € cada uma. 8) O contrato referido em 7) teve início em Maio de 2001, estando o seu termo previsto para 30 meses depois, em Novembro de 2003. 9) Com efeitos a partir de 2002/10/23, a Insolvente e a “FF – Sociedade de Locação Financeira, S.A.” declararam a resolução do contrato referido em 7), tendo a primeira pago antecipadamente as prestações mensais que ainda se encontravam em falta. 10) Em finais de 2002, a Insolvente declarou vender a G..., que declarou comprar, pelo valor de 25.000 €, o veículo automóvel referido em 7). 11) Apenas o sócio B... dispunha dos interesses sociais, patrimoniais e outros da Insolvente, sendo apenas ele quem geria o seu pessoal, comprando e vendendo, pagando contribuições, firmando encomendas e realizando todas as funções inerentes à gestão da sociedade. 12) A partir de Outubro de 2002, a Insolvente deixou de ter condições económico-financeiras para continuar a pagar regularmente as prestações do contrato referido em 7). 13) O referido em 9) e 10) sucedeu porque a Insolvente, vendo-se na eminência de ter que resolver o referido contrato, perdendo todos os valores já entregues e correndo o risco de ter que indemnizar a “FF...”, optou por pagar antecipadamente as prestações restantes por força dos 25.000 € que havia recebido do aludido G.... A) – Regime de subida do recurso. O recorrente alega que o recurso deveria ter subido nos próprios autos tendo sido violado o disposto no artigo 14º, n.º 6 b), n.º 7 do artigo 188º e 132 do CIRE . Embora o requerimento não seja claro, uma vez que o recurso subiu nos próprios autos do incidente, certamente que o recorrente quis dizer que o recurso deveria ter subido juntamente com o processo de insolvência. Conforme consta do despacho de fls. 442 – despacho que admitiu o recurso – o recurso foi admitido como de apelação a subir nos próprios autos deste incidente, embora em separado do processo de insolvência. Nos termos do disposto no n.º 6, alínea b) do artigo 14º do CIRE sobem nos próprios autos os recursos das decisões que ponham termo à acção ou incidente processado por apenso, ou seja, sobem nos próprios autos do apenso, como foi o caso. Em regra, o regime de subida, é em separado como resulta do disposto no n.º 5 do artigo 14 do CIRE. Porém o n.º 6 elenca as situações em que a subida tem lugar nos próprios autos em que o recurso é apresentado, o que acontece nos casos aí referidos. Ora, é precisamente o caso dos autos, em que o recurso sobe, como subiu, nos próprios autos do incidente, pelo que o recurso foi devidamente admitido. B) Errada aplicação do direito. Alega o recorrente que atenta a matéria dada como provada, e como se deu como não provada a matéria vertida no artigos 1 e 5 da base instrutória, a sentença aplicou erradamente o direito. Dispõe o n.º 1 do artigo 186 do CIRE que a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. O n.º 2 do citado artigo enumera uma série de situações em que se considera ter sido a insolvência culposa. Estabelece assim, o n.º 2 uma presunção inilidível , que complementa a noção de insolvência culposa. Já o n.º 3 do citado artigo contém uma presunção ilidível (aplicável às pessoas colectivas, tal como o n.º 2). Alega o recorrente que, tal como consta da matéria de facto, o tribunal ficou convencido que não houve qualquer dissipação intencional de qualquer activo em prejuízo dos credores. E a sentença ao basear-se no n.º 3 do artigo 186º do CIRE, não atentou que não se provou o nexo de causalidade entre a situação de insolvência verificada e o acto culposo. Conforme já se referiu o n.º 3 do artigo 186º do CIRE estabelece, e no que respeita às pessoas colectivas uma presunção ilidível, presumindo-se a culpa grave dos administradores do devedor se estes não tiverem cumprido o dever prescrito no artigo 18º, ou seja o dever de requerer a declaração de insolvência. Dispõe o artigo 18º do citado código que “o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3º, ou à data em que devesse conhecê-la. O prazo de apresentação conta-se do conhecimento da situação, ou sendo anterior, do momento em que o devedor o devia conhecer. O n.º 3 do artigo 18º estabelece uma presunção também ela inilidível do conhecimento da insolvência quando ocorra , há, pelo menos, três meses, o incumprimento generalizado de qualquer das obrigações referidas na alínea g) do n.º 1 do artigo 20º, como seja o incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos: tributárias, de contribuições e quotizações para a segurança social, dívidas emergentes de contrato de trabalho, rendas de qualquer tipo de locação, e outras. E assim, considerou-se na sentença que ficou provado que, pelo menos, em 19/1/2005, e reportando-se a 31/12/2004, a insolvente tinha cessado a sua laboração, sendo que essa declaração foi efectuada pelo recorrente, pelo que não pode deixar de concluir-se como se concluiu na sentença que o recorrente pelo menos nessa data sabia da situação da empresa, e não tendo requerido a declaração de falência colocou-se na situação a que alude o n.º 3 do artigo 18º. Essa falta faz presumir a existência de culpa grave, na actuação do recorrente. A insolvência é uma situação em que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (artigo 3º, n.º 1 do CIRE). A insolvência é culposa quando a sua criação ou agravamento resulte de comportamento doloso ou culpa grave do devedor, mas também dos seus administradores. Os factos em que o n.º 2 do artigo 186º funda as presunções nele estabelecidas, são comportamentos dos administradores do insolvente que não seja pessoa singular. Estão em causa actuações, que por vários meios afectam o património do devedor aqui se podem incluir a danificação , ocultação ou destruição de bens. Os comportamentos dos administradores também se podem verificar em todas aquelas situações que a actuação daqueles beneficie apenas o próprio património. Estas situações e outras são as previstas nas diversas alíneas do citado artigo 186º. Não sofre contestação que a empresa se encontra em situação de insolvência, e que a mesma não consegue cumprir as obrigações vencidas, o que está demonstrado uma vez que foi declarada a insolvência. Se não se verificassem os pressupostos a que alude o artigo 3º do CIRE, a insolvência não seria decretada. O que está em causa – é se essa insolvência se deveu a facto fortuito ou se ficou a dever a culpa na actuação dos seus gerentes. Ora os gerentes das sociedades têm obrigações, de cujo incumprimento a lei retira determinadas consequências. E é aqui que a lei estabelece presunções; ora, o ónus de prova para demonstrar que a situação que a lei presume como culposa, em nada contribuiu para a situação da insolvência, competia ao recorrente. Uma presunção consiste na ilação que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido - artigo 349º do Código Civil – e quem beneficiar dessa presunção legal está dispensado de provar o facto que daí resulta - artigo 350º, n.º 1 do Código Civil. Nesta situação compete à parte contrária, a fim de destruir a prova feita através da prova de presunção, fazer a prova do contrário. Ora, nos termos do disposto no n.º 3 do citado artigo 186º, o recorrente podia ilidir a presunção aí estabelecida. O comportamento do recorrente preenche a previsão da referida alínea, de culpa na gestão da empresa. Mas mais do que isso, consta do processo que a mesma não tinha já actividade à data da declaração de insolvência, e desde Outubro de 2002, que não tinha já condições económico-financeiras para continuar a pagar regularmente as prestações referidas em 7 que são as prestações referentes ao contrato de locação financeira do veículo (uma das presunções do artigo 18º e 20º do CIRE). É também o próprio recorrente que alega que a venda do veículo em finais de 2002, ficou-se a dever ao facto da empresa não ter condições económicas; ora se a situação era de impossibilidade de cumprir esse contrato de locação, presume a lei – de forma inilidível – o conhecimento da situação de insolvência. No entanto, nessa data ainda não estava em vigor o CIRE, pelo que esta norma não tem aplicação (mas, estava em vigor o CPEREF , que no seu artigo 6º, impunha que a empresa requeresse a sua declaração de falência). Ao não apresentar-se à insolvência (ou na data à falência) o comportamento do recorrente foi contrário ao que a lei prescreve, e de modo algum elidiu a presunção referida no n.º 3 do artigo 186º do CIRE, e não pode deixar de concluir-se que a agravou. “O regime compõe-se ainda de um conjunto de presunções (inilidíveis e ilidíveis) o que permite qualificar como culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular sempre que os seus administradores, de direito ou de facto, tenham adoptado um dos comportamentos aí descritos “ – Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, pág. 68. Como consta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004 de 18 de Março, que aprovou o CIRE “com o intuito de promover o cumprimento do dever de apresentação à insolvência, que obriga o devedor pessoa colectiva ou pessoa singular de empresa a requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data em que teve, ou devesse ter, conhecimento da situação de insolvência, estabelece-se presunção de culpa grave dos administradores de direito ou de facto, responsáveis pelo incumprimento daquele dever, para efeitos da qualificação desta como culposa”. E diz-se ainda que “o incidente destina-se a apurar (sem efeitos quanto ao processo penal ou à apreciação da responsabilidade civil) se a insolvência é fortuita ou culposa, entendendo-se que esta última se verifica quando a situação tenha sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave (presumindo-se a segunda em certos casos) do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início de insolvência, e indicando-se que a falência é sempre considerada culposa em caso da prática de certos actos necessariamente desvantajosos para a empresa”. E refere-se ainda no mesmo diploma que um objectivo da reforma foi a obtenção de uma maior e mais eficaz responsabilidade dos titulares de empresa, sendo essa a finalidade do incidente, bem como o propósito de evitar insolvências fraudulentas ou dolosas, objectivo que não seria alcançado se não sobreviessem quaisquer consequências sempre os titulares de empresa hajam contribuído para tais situações. Ora, o recorrente poderia ter elidido a presunção, tendo demonstrado que afinal apesar de alguns problemas financeiros, a empresa continuou a laborar, continuou a cumprir os seus compromissos, não se desfez do património da mesma, e que não se apresentou à insolvência, porque apesar das dificuldades económicas sempre tentou que a mesma continuasse a sua actividade. Ora os factos apurados demonstram exactamente o contrário. Se o veículo era instrumento de trabalho como iria a empresa continuar a laborar? Se a mesma era inviável porque é que o recorrente, como gerente da mesma não se apresentou à insolvência (como já dispunha o CPEREF)? Face aos documentos juntos pelo próprio recorrente, não se compreende o seu comportamento, pois se o veículo foi vendido porque é que na conta da empresa em 2003, continuam a ser debitadas as contas da via verde, e o recorrente segundo alega, ( juntou documentos que constam de fls. 294 a 378) efectuava pagamentos da sua conta particular a diversos credores? Também consta dos documentos juntos aos autos que as máquinas que tinham sido objecto de arresto num processo pendente no Tribunal de Trabalho e se encontravam nas instalações da insolvente afinal tinham sido vendidas em finais do ano de 2002. Consta da fundamentação do Mmº Juiz que a venda do veículo se ficou a dever à situação económica da empresa. Assim sendo, não pode deixar de se retirar a conclusão que já nessa altura o recorrente sabia que a empresa estava numa situação de insolvência, e causou a sua agravação. Os efeitos de declaração como culposa, pode trazer consequências graves na vida das pessoas directamente envolvidas, e é por isso que a lei lhes concede o direito de deduzir oposição e de apresentarem os seus argumentos e razões, e demonstrarem que pese embora o facto daquele seu comportamento, este não agiu com culpa, mas a insolvência adveio apenas de facto fortuito. Quanto ao nexo de causalidade em relação ao agravamento ou não da situação de insolvência, é preciso averiguar se da actuação do gerente adveio um agravamento dessa situação. Quanto a esta questão entendeu-se na sentença que o comportamento do recorrente agravou a situação, porque existiu o aumento de passivo e diminuição do activo. O aumento do passivo existiu com a demora na apresentação à insolvência, e existiu manifesta diminuição do activo (basta atentar no auto de apreensão), em consequência da mesma, até porque se a situação da empresa era insustentável em finais de 2002, então deveria ter-se procedido à liquidação do passivo de modo a prosseguir-se a finalidade deste processo que é o pagamento, na maior medida do possível, dos credores da insolvência. Não só o recorrente não elidiu a presunção e até os seus argumentos são contraditórios ao justificar a venda do veículo, porque a situação da empresa não permitia pagar a prestação. E é por isso, para evitar estes comportamentos que a lei presume sempre como culposa a insolvência, em determinadas situações. Acresce que ao não requerer a declaração de insolvência o recorrente contribuiu para o seu agravamento, o que até se conclui dos argumentos por si invocados. Por outro lado, o ónus da prova da inexistência dos factos enumerados no n.º 3 do artigo 186º compete ao recorrente , pelo que não tendo o mesmo efectuado a respectiva prova, não ilidindo a presunção do citado n.º 3, não pode deixar de concluir-se como culposa a insolvência. A sanção prevista no citado artigo 189º, alínea c) é cominada com a inibição de 2 a 10 anos. No caso entendeu-se ser de aplicar a sanção de cinco anos. Também aqui e para a determinação do período da sanção, entendemos que deve atender-se à situação do caso concreto e à gravidade dos factos praticados pelo recorrente. Atendendo às circunstâncias do caso, nomeadamente à actuação do recorrente, e que o seu comportamento apesar de revelar incapacidade para a prática de actos de comércio e gestão de pessoas colectivas, não reveste uma tal gravidade (não se provou, por exemplo, a existência de negócios em que o beneficiário fosse ele próprio) que deva ser sancionada com o período de inibição de cinco anos. E assim, face às circunstâncias do caso, o período de inibição deve apenas ser de dois anos. C) Alega ainda o recorrente a inconstitucionalidade dos artigos 186º n.º 3 e 189º do CIRE. A inconstitucionalidade material é o vício que afecta as normas ordinárias que infringem o disposto na Constituição da República e os princípios nela consignados. Não é a primeira vez que o nosso ordenamento jurídico consagra presunções juris et de jure, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 350º do Código Civil. Ponto é que se permita aos interessados a prova de que o facto que conduz à presunção não se verifica, o que o citado artigo 186º, n.º 2 não proíbe. E não audição do interessado que implicará uma ofensa ao direito fundamental de acesso aos tribunais, que leva implicada a proibição de não indefesa (Ac. do T.C. n.º 440/94 de 7/6/94). De acordo com o disposto no artigo 20º, n.º 1 da Constituição “ a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. É no âmbito normativo deste preceito constitucional que se deve integrar “a proibição de indefesa que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista de limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos para os seus interesses” (Ac. do T.C. n.º 440/94 de 7/6/94). Ora, o n.º 2 e muito menos o n.º 3 do artigo 186º do CIRE não padece de qualquer inconstitucionalidade. Também o mesmo se diga quanto à alegada inconstitucionalidade do artigo 189º do CIRE. Como bem se refere na sentença recorrida a Lei da Assembleia da República n.º 39/2003 de 22 de Agosto autorizou o Governo a criar por via legislativa um incidente de qualificação da insolvência culposa, tendo definido esse conceito e determinado as sanções a aplicar ao insolvente ou aos seus administradores, no caso da mesma se verificar. E dir-se-á que as normas em causa não se mostram inovadoras nem representam alteração face ao anterior regime, no que respeita à inabilitação do falido. O que é inovador é a existência do incidente de qualificação da falência, e a sua tramitação e nessa medida os artigos 188º e 189 são inovadores, já que o CPEREF - artigos 224º a 227º - se tinha afastado do regime previsto nos artigos 1274º e 1279º do Código de Processo Civil (este último revogado pelo Decreto-Lei n.º 400/82 de 23 de Setembro que aprovou o Código Penal), que também atribuía competência ao tribunal onde corria o processo de falência para indicação do falido e classificação da falência, que então podia revestir as modalidades de fraudulenta, culposa ou casual. No entanto, o CPEREF no seu artigo 148º , bem como o artigo 1189º do Código de Processo Civil de 1939, já determinavam a inibição dos gerentes de sociedades falidas, para o exercício do comércio, incluindo a possibilidade de ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial. E diga-se ainda que também na anterior lei – artigos 6º e 7º - se consagrava o dever de apresentação à falência, tal como dispunha o artigo1140º do Código de Processo Civil. E como se refere no Ac. do Tribunal Constitucional 479/98 a propósito do CPEREF estas normas revestem natureza processual, e ainda que se considere que elas regulam, numa determinada perspectiva, direitos liberdades ou garantias, não assumem elas carácter inovatório, o que afasta a respectiva inconstitucionalidade orgânica (limitam-se a reproduzir soluções jurídicas já constantes de outras normas que foram revigadas pelo mesmo diploma em que se inserem) – . Por outro lado, sempre seria suficiente a autorização legislativa constante dos artigos 1º e 2º da Lei n.º 39/2003 de 22 de Agosto para a edição das normas questionadas , pois o que nela se determina corresponde a mera regulamentação do instituto de inibição do falido e dos seus administradores. Concluindo-se pela suficiência da autorização legislativa, não pode proceder a invocada inconstitucionalidade orgânica. ** III - Termos em que acordam os juízes desta secção em julgar a apelação parcialmente procedente, e alterar a sentença recorrida, fixando ao recorrente o período de dois anos de inibição para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, no mais se mantendo a sentença recorrida.Custas pelo apelante e pela massa insolvente na proporção de 9/10 e 1/10, respectivamente .Guimarães, 11/01/2007 |