Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
697/07-1
Relator: ANTÓNIO GONÇALVES
Descritores: ALIMENTOS
MAIORIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/26/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: 1. O Dec.Lei n.º 272/2001, de 13/10, tendo em vista desonerar os tribunais de processos que não consubstanciem verdadeiros litígios, permitindo uma concentração de esforços naqueles que correspondem efectivamente a uma reserva de intervenção judicial, deferiu às Conservatórias de Registo Civil da área da residência do requerido a competência para procedimento relativo a alimentos a filhos maiores - arts. 5.º, n.º 1, a) e 6º, n.º 1, a), do Dec.Lei n.º 272/2001, de 13/10.
2. Residindo o réu (indigitado obrigado a prestar alimentos a maiores) no estrangeiro, é competente o tribunal competente para a acção nos termos em que a lei o prevê para a circunstância de haver pedidos de alimentos formulados por filhos maiores ou emancipados em cumulação com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial ou quando constituam incidentes ou dependência de acção pendente e ainda quando se verificar oposição do requerido aos alimentos e se evidenciar falta de acordo (artigos 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13/10).
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:


Do despacho proferido na acção de alimentos definitivos n.º 227/06.1TBPTB/T.J. da comarca de Ponte da Barca que determinou que, após trânsito, se dê baixa na distribuição e se remetam os autos à Conservatória do Registo Civil de Ponte da Barca, agravou o demandante Romão F... que alegou e concluiu do modo seguinte:
1.º O presente recurso agravo tem como objectivo anular o despacho que pôs termo à causa, nomeadamente na parte em que:
1) determinou a absolvição do Réu da instância por falta de um pressuposto processual inominado, qualificado como excepção dilatória inominada;
2) determinou fosse dada baixa na distribuição e a remessa dos autos à Conservatória do Registo Civil de Ponte da Barca;
3) condenou o agravante nas custas pelo incidente anómalo.
2.° O agravante é solteiro, maior, frequenta o curso de Engenharia e Gestão Industrial da Universidade de Aveiro e, em 07 de Setembro de 2006, intentou, no Tribunal a quo, contra o seu pai, residente na Alemanha, acção para fixação de alimentos a filhos maiores, no montante de 590,00 Euros mensais, invocando a necessidade daquela prestação para poder prosseguir os seus estudos académicos de formação
3.° A Meritíssima Juíza qualificou a interposição da acção no Tribunal a quo como excepção dilatória inominada, absolveu o réu da instância, declarou ser a Conservatória do Registo Civil de Ponte da Barca a entidade competente em razão de matéria para conhecer o pedido e ordenou a remessa dos autos àquela Conservatória.
4.° A al. a), do n.° 1 do artigo 6.° do supra identificado Decreto-Lei n.° 272/2001, de 13/10, que regula a competência em razão de território das Conservatórias do Registo Civil para conhecer das acções de alimentos a filhos maiores, atribui competência, nesta matéria, às Conservatórias do Registo Civil da área de residência do requerido ou accionado.
5.° O agravado reside na Alemanha.
6.° Pelo que a Conservatória do Registo Civil de Ponte da Barca, como aliás, qualquer outra Conservatória do Registo Civil Portuguesa, tem fundamento legal para recusar a petição inicial.
7.° Os Tribunais de Família e Menores e os Tribunais de comarca, no caso sub judice o Tribunal Judicial da comarca de Ponte da Barca, continuam a ter competência para fixar alimentos a filhos maiores ou emancipados: nos casos previstos no n.° 2 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 272/2001, de 13/10; na fase final da acção - quando tiver havido oposição do requerido e se constatar a impossibilidade de acordo - ; e, ainda, quando, por outro motivo legal, a lei excluir das Conservatórias do Registo Civil a mencionada competência (artigos 77.º, n.º 1, al. a) e f) e 82.º n.° 2 da LOFTJ).
8.° A lei exclui a competência das Conservatórias nos casos em que o requerido reside no estrangeiro (al. a), do n.° 1 do artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 272/2001, de 13/10, a contrario).
9.° Nestes casos, é competente para conhecer da acção a que se reportam os artigos 1879.° e 1880.° o Tribunal de Família e Menores, o Tribunal de competência genérica ou o juízo de competência cível específica, conforme os casos (cfr. Acórdão do STJ de 18/11/2004, processo n.° 04B3409, com o n.° convencional JST000, documento n.° SJ200411180034097, in http://www.dgsi.pt).
10. No caso sub judice, é competente para conhecer da acção o Tribunal Judicial da comarca de Ponte da Barca, por ser a área de residência do agravante/autor.
Termina pedindo que seja revogada a decisão recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações e a Ex.ma Juíza manteve a decisão recorrida.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

Com interesse para a decisão em recurso estão assentes os factos seguintes:
I. O autor Romão F..., solteiro, maior, residente no lugar do Coto, freguesia de Nogueira, concelho de Ponte da Barca, ao abrigo do disposto no art.º 1412.º do Cód. Processo Civil e 2003.º e segs. do C.P.Civil, intentou no T.J. da comarca de Ponte da Barca - processo n.º 227/06.1TBPTB - a presente acção de alimentos contra seu pai José F..., residente em Unterre, Reithausstrasse - 15, 71634 Ludwigsburg, Alemanha, pedindo que o demandado seja condenado a pagar-lhe, a título de alimentos, a quantia de € 590,00 mensais.
II. Contestou o réu invocando em seu favor que a atribuição de uma pensão de alimentos de valor mensal superior a € 180,00 colocaria em causa a sobrevivência do réu.
III. Considerando que o Dec.Lei n.º 272/2002, de 13.10, procedeu a uma desjudicialização de determinados procedimentos, a fim de “desonerar os tribunais de processos que não consubstanciem verdadeiros litígios, permitindo uma concentração de esforços naqueles que correspondem efectivamente a uma reserva de intervenção judicial” (cfr. preâmbulo do referido DL), neste contexto legal se incluindo o de pedido de alimentos a filhos maiores, por força do disposto no art. 5.º/1/al. a) do Dec.Lei n.º 272/2001, a Ex.ma Juíza determinou que, após trânsito, se dê baixa na distribuição e se remetam os autos à Conservatória do registo civil desta comarca.
IV. É desta decisão de que se recorre.

Passemos agora à análise das censuras feitas à decisão recorrida nas conclusões do recurso, considerando que é por aquelas que se afere da delimitação objectiva deste (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do C.P.C.).

A questão posta no recurso é a de saber se, residindo o réu na Alemanha e o autor em Ponte da Barca, é territorialmente competente para conhecer da acção de alimentos o Tribunal Judicial da comarca de Ponte da Barca, por ser a área de residência do agravante/autor.
I. Do cotejo do que se descreve nos artigos 1779.º e 1880.º do C.Civil (despesas com os filhos maiores ou emancipados) depreendemos que a maioridade não determina necessariamente a cessação do dever de prestação alimentar porquanto, se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação de os pais proverem ao seu sustento e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete; e a acção de alimentos referenciada neste último aludido normativo segue a tramitação processual consignada no disposto no art. 186º da O.T.M., ex vi art.º 1412.º do C.P.Civil.
Faz-se, assim, compreender a obrigação alimentar dos pais para além da menoridade dos filhos, a estes se possibilitando atingir o termo da sua formação profissional, deste modo beneficiando os filhos maiores ou emancipados com a prestação de especificadas obrigações que genericamente estão incluídas no dever paternal, designadamente o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos.

II. O Dec.Lei n.º 272/2001, de 13/10, tendo em vista desonerar os tribunais de processos que não consubstanciem verdadeiros litígios, permitindo uma concentração de esforços naqueles que correspondem efectivamente a uma reserva de intervenção judicial, deferiu às Conservatórias de Registo Civil da área da residência do requerido a competência para procedimento relativo a alimentos a filhos maiores - arts. 5.º, n.º 1, a) e 6º, n.º 1, a), do Dec.Lei n.º 272/2001, de 13/10 - na estrita medida em que se verifique ser a vontade das partes conciliável e sendo efectuada a remessa para efeitos de decisão judicial sempre que se constate existir oposição de qualquer interessado Preâmbulo do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro..
Quer isto dizer que a consagração legal da atribuição às Conservatórias de Registo Civil da competência para nelas poder ser instaurado o atinente processo judicial em matéria de alimentos a maiores, porque não estão elas investidas de características direccionadas à interpretação e aplicação da lei no âmbito da administração da justiça, a sua intervenção só se compreende e justifica no caso de existir a possibilidade de acordo na fixação de alimentos e, por isso, se não for detectável uma palpável razão para a intervenção dos tribunais, assoberbados com a resolução de evidenciadas questões a exigir mais a sua intervenção.
Constatando-se, porém, que já não é possível o acordo, o que claramente se manifesta quando há oposição da indigitada parte obrigada a prestar os alimentos, o recurso ao tribunal para dirimir a controvérsia apresentada é uma exigência que o legislador impõe, como resulta do disposto nos art.º 8.º e 9.º do Dec.Lei n.º 272/2001, de 13/10.

III. O primeiro passo a dar por quem pretenda judicialmente agir contra a pessoa que se nega a prestar alimentos no contexto da previsão posta no art.º 1880.º do C.Civil é, procurando consolidar o acordo na fixação de alimentos devidos, realizar todas as diligências no sentido de saber onde se situa a Conservatória do Registo Civil da residência de quem se quer que fique legalmente obrigado a cumprir a obrigação e que também se exige que seja concretamente definida.
E se esta tarefa se torna desde logo impossível em virtude de o identificado obrigado residir fora de Portugal?
Neste caso, não podendo lançar mão do disposto nos artigos. 5.º, n.º 1, a) e 6.º, n.º 1, a) do Dec.Lei n.º 272/2001, de 13/10, isto é, estando impossibilitado de encontrar uma Conservatória do Registo Civil em exercício na área da sua residência, está a parte frente a uma inexequível incumbência e, em consequência, haverá de trilhar outro caminho que se lhe há-de deparar com vista à prossecução do seu desejado objectivo jurídico-processual.
Com efeito, impondo a lei que é a C.R.Civil da área de residência do requerido a competente para conhecer das acções de condenação dos pais no pagamento de prestações de alimentos a filhos maiores - artigo 6º, n.º 1, alínea a), Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro - será abusivo tomar o entendimento normativo preconizado pelo n.º 3 do artigo 85.º do Código de Processo Civil para estender o mesmo regime à competência da C.R.Civil da área de residência do requerente no caso de o requerido residir no estrangeiro.
O que acontece neste caso é que estamos perante um caso de uma autêntica e inusitada impossibilidade legal de haver alguma nossa Conservatória do Registo Civil capaz de assumir a competência para solucionar a questão que o requerente almeja; e, sendo digna de tutela jurídica esta sua pretensão, terá ela de se refugiar na competência do tribunal competente para a acção nos termos em que a lei o prevê para a circunstância de haver pedidos de alimentos formulados por filhos maiores ou emancipados em cumulação com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial ou quando constituam incidentes ou dependência de acção pendente e ainda quando se verificar oposição do requerido aos alimentos e se evidenciar falta de acordo (artigos 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13/10).
É este o sentido que sobressai do Ac. do Tribunal de Conflitos de 18/11/2004
ao expressar que, tendo em linha de conta a especificidade do critério legal de determinação da competência das conservatórias do registo civil, definida com base nos ramos coincidentes do binómio residência do réu e área de competência, não é aplicável na espécie a regra geral do n.º 3 do artigo 85º do Código de Processo Civil.
Por virtude das referidas normas de competência em razão da matéria em causa, os tribunais de família e menores são competentes para conhecer das referidas acções, por um lado no caso de pedidos de alimentos formulados por filhos maiores ou emancipados em cumulação com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial ou quando constituam incidentes ou dependência de acção pendente; por outro, para a fase final da acção quando tiver havido oposição do requerido e se constatar a impossibilidade de acordo;
e, finalmente, quando, por qualquer outro motivo legal, a lei excluir das Conservatórias do registo civil a mencionada competência.. www.dgsi.pt.


IV. A continuação da tramitação da acção no Tribunal Judicial da comarca de Ponte da Barca impõe-se ainda por considerações de ordem de ponderação dos princípios ligados à economia processual.
Tendo o demandado feito oposição ao pedido de alimentos do autor, desta forma se constatando a apontada impossibilidade de acordo e sabendo-se, em consequência, que o processo teria inevitavelmente de regressar ao tribunal, as regras da prudência e da cautela sempre aconselham a que, sob pena de se estar a praticar um acto inútil, a acção permaneça e prossiga a sua tramitação no tribunal de Ponte da Barca.

Pelo exposto, dando-se provimento ao agravo, revoga-se a decisão recorrida e determina-se que a acção prossiga a sua tramitação legal no Tribunal Judicial da comarca de Ponte da Barca.

Sem custas - art.º 2.º, n.º 1, al. g), do Cód. Custas Judiciais.

Guimarães, 26 de Abril de 2007.