Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2331/05-1
Relator: MANSO RAINHO
Descritores: NOTIFICAÇÃO
MANDATÁRIO
NULIDADE
APOIO JUDICIÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/18/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I - Tendo a parte, com advogado por si indicado e que subscreve o pedido de apoio judiciário, impugnado judicialmente a decisão administrativa que indeferiu o pedido de apoio judiciário que havia sido formulado, há falta de notificação das decisões proferidas no âmbito da impugnação se as mesmas não foram notificadas na pessoa daquele advogado, ainda que as decisões tenham sido feitas na pessoa da própria parte.
II – A omissão das notificações na pessoa do advogado produz irregularidade susceptível de influir no exame e decisão da causa, pelo que ocorre nulidade relevante.
III – Enquanto o advogado não for notificado, não pode dizer-se que a parte teve conhecimento da nulidade, e que por isso precludiu a possibilidade de a arguir.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães:



A sociedade A, apresentou, junto dos Serviços da Segurança Social, mediante requerimento por si e seu advogado subscrito, pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento da taxa de justiça e demais encargos inerentes a uma acção que anunciou querer intentar, no valor de 85 926,37 euros.
O requerimento foi indeferido.
A decisão de indeferimento foi notificada à própria requerente, não tendo o respectivo advogado sido notificado.
Inconformada com o decidido, apresentou a requerente impugnação judicial.
Distribuída a impugnação ao 4º Juízo Cível do tribunal da comarca de Braga, veio aí a ser proferida decisão que julgou improcedente a impugnação.
A decisão assim tomada foi notificada em 6.10.2004 à própria impugnante, não tendo o respectivo advogado sido notificado.
Em 7 de Dezembro de 2004 foi proferido despacho a definir que o valor da causa para efeitos de custas era o de 85 926,37 euros.
Este despacho foi notificado à própria impugnante, não tendo o respectivo advogado sido notificado.
Elaborada a conta de custas, foi, em 7 de Fevereiro de 2005, a própria impugnante notificada para reclamar da conta, querendo, e para pagar as custas contadas.
Em 21 de Fevereiro de 2005 (fls 96 e sgts) veio a impugnante atravessar requerimento . A agravante afirma, na conclusão 20º da sua alegação, que este requerimento foi “remetido aos autos aos 18.02.2005”, mas os autos não dão notícia de tal, senão apenas que foi no dia 21.02.2005 que o requerimento deu entrada., subscrito pelo seu advogado, onde, além do mais, disse que este não fora notificado de quaisquer actos pertinentes à impugnação oportunamente apresentada, e que devia ter sido, arguindo a nulidade decorrente dessa omissão de notificação, com a anulação de tudo quanto tenha sido praticado após a primeira omissão de notificação ao mandatário.
O requerimento foi indeferido, com o fundamento de que a omissão de notificação constituiu uma irregularidade insusceptível de influir no exame ou decisão da causa, além de que, a ver-se no caso uma nulidade, estaria esta sanada, na medida em que a parte impugnante foi oportunamente notificada das decisões proferidas e nenhuma nulidade veio a ser arguida no prazo legal.
Inconformada com o assim decidido, interpôs a impugnante o presente recurso de agravo.

Da respectiva alegação extrai as seguintes conclusões:

1ª - A Agravante ainda no domínio da Lei nº 30 – E/2000 de 20 de Dezembro veio requerer a concessão do Beneficio do Apoio Judiciário, logo tendo o respectivo requerimento sido assinado, quer pelo legal representante da Sociedade, quer pelo mandatário forense da mesma, aqui signatário, conforme tudo melhor se alcança de fls. – dos autos.
2ª - Em absoluta violação do que conjugadamente é disposto nos arts.2° e 20º da C.R.P., artºs. 18º, nº 1 al. c) da Lei nº 30-E/2000 de 20 de Dezembro que diz: "O Apoio judiciário pode ser requerido: c) Por advogado, advogado estagiário ou solicitador, em representação do interessado, bastando para comprovar essa representação as assinaturas conjuntas do interessado e do Patrono". - sublinhado nosso -, bem como do disposto nos artºs. 52º nº 1 e 133º do C.P. Administrativo, correram todos os respectivos trâmites de tal processo administrativo sem que a respectiva autoridade administrativa tivesse o cuidado de dirigir as respectivas notificações do que aí ia sendo decidido ao respectivo Advogado.
3ª - Também o Tribunal" a quo" omitiu por completo a notificação da decisão proferida a propósito daquele Recurso/Impugnação ao mesmo mandatário forense da Agravante.
4ª - Em razão dessa omissão e porque entretanto também terá sido fixado valor tributário ao incidente, bem como elaborada conta de custas, veio a agravante deduzir o requerimento de arguição de nulidades processuais.
5ª - O Tribunal" a quo" embora reconhecendo que foi cometida uma nulidade por violação no disposto no art. 253º nº 1 do CPCivil, tem o curioso entendimento que tal decisão final sobre o Recurso/Impugnação Judicial antes interposto não carece de ser notificada ao mandatário forense da Agravante...!
6ª - E isto, porque, escreveu-se, "... tal omissão poderia consubstanciar o invocado vício quando tivesse repercussão no exame ou decisão da causa, o que, diga-se desde já, não sucede no caso em apreço. Isto porque, conforme dispõe o artigo 29º da Lei nº 30 E/2000, de 20 de Dezembro, da decisão que aprecia o recurso de impugnação judicial não cabe recurso (...).
7ª - Ora, sendo correcto tal entendimento, – no que não acreditamos – então também parecerá" absolutamente inútil" estar a notificar a Agravante do teor dessa mesma decisão proferida sobre o Recurso/lmpugnação Judicial proferida pelo Tribunal... – afinal ela também não vai poder recorrer..., e como não tem preparação adequada, também não deverá ser capaz de deduzir qualquer reclamação da decisão, nem mero pedido de aclaração da mesma decisão...!
8ª - "Infelizmente" a lei actual e os Princípios Constitucionais ainda vigentes no nosso Estado de Direito Democrático, são um poderoso entrave e salvo o devido respeito, obstáculo inultrapassável, a tal novíssima doutrina e surpreendente entendimento.
9ª - Muito a propósito tem entendido o Tribunal Constitucional que o princípio constitucional do Contraditório, que se reconduz à garantia de acesso aos Tribunais, ao principio da "Proibição da Indefesa" e ao próprio principio subjacente à ideia do Estado de Direito Democrático, impõe que as partes e os seus mandatários forenses sejam notificados de todos os passos e decisões judiciais, que directa ou indirectamente lhes possam afectar os seus direitos amplamente entendidos.
10ª - No Acórdão do Tribunal Constitucional nº 86/85, publicado no D.R. II série de 21 de Agosto de 1988 – na linha do que vem sendo ensinado pelos constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira – caracteriza o direito de Aceso aos Tribunais como sendo:"...entre o mais, um direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com a observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões de facto e de direito, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e de outras (cfr. Manuel de Andrade, Noções elementares do Processo Civil, pág. 364) – "vide gratiae" no mesmo sentido o Ac. nº 249/97, D.R. II Série nº 114 de 17 de Maio de 1997, que versa igualmente sobre os princípios constitucionais do Contraditório e de Igualdade de Armas e o Ac. do Tribunal Constitucional nº 278/98 de 10/03 de 1998 in BMJ, nº 475, pág. 185.
Dando relevância prática a tais dispositivos constitucionais, obviamente essenciais à realização da Justiça e à prevalência do Estado de Direito, vem o disposto no art. 3º e 3.º – A do CPCivil, o art. 229º do mesmo diploma que dispõe: "...devem também ser notificados, sem necessidade de ordem expressa, as sentenças e os despachos que a lei mande notificar e todos os que possam causar prejuízos às partes".
11ª - A este propósito mantém-se plenamente válido a doutrina e o ensinamento do Prof. Alberto dos Reis, que ensinava: “A fórmula que possa causar prejuízo às partes, leva naturalmente a notificar os despachos que tenham indeferido ou desatendido pedidos ou pretensões formuladas pelas partes ou que as privem de poderes processuais que elas tenham arrogado" – Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Tomo I, pág. 596.
12ª - Ainda a tal propósito e em execução quer dos supra citados dispositivos legais, quer da doutrina que suponhamos pacifica e unânime, veja-se o que em Acórdão já antigo fixou o Supremo Tribunal de Justiça: "I – Ordenando o art. 229º n.º 2 do C.P. Civil, que sejam notificados de todos os despachos que possam causar prejuízos às partes, o preceito é, sem dúvida, extensivo a todos os actos que possam causar esse prejuízo; daí decorre que a secretaria devia ter notificado também aos requeridos da habilitação e não apenas aos requerentes a impossibilidade de notificar, por haver falecido um dos requeridos; II – Face ao disposto no art. 228º nº 2 do CPCivil, tudo quanto acontece no processo é levado a título oficial às partes, através de notificação. Não há, pois, conhecimento, «particular» ou «oficioso» do que se passa no processo: o Tribunal tem o dever de dar a conhecer às partes tudo quanto nele se passa e lhes possa interessar” – Ac. STJ de 24/07/86 : BMJ, 359º, pagã 639.
E é ainda nesse sentido que regula o disposto nos artºs 253º nºs 1, 2 e 3 e 254º do C.P. Civil.
13ª - É também nosso firme entendimento que a Constituição ao consagrar o direito de qualquer pessoa a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade (art. 20° da C.R.P.), quer significar que no processo nada. deve ser feito ou decidido sem que antes ou depois se dê conta da pertinente decisão ao mandatário forense da parte.
14ª - Parecendo até que al. c) do nº 1 do art. 18° da Lei nº 30 – E/2000 reforça esse mesmo entendimento e a concretização do respectivo preceito constitucional.
15ª - Por maioria de razão tal entendimento tem plena aplicação no âmbito do processo civil, sobretudo quando se discute e estão em causa questões de direito da mais refina técnica jurídica, como aqueles que vêm, plasmados na decisão do Tribunal" a quo”.
16ª - A Agravante não domina tal técnica jurídica e para a ajudar a entender as decisões favoráveis ou desfavoráveis, tal como para a ajudar a saber reagir a propósito das mesmas, quer acatando-as, quer delas reclamando, escolheu Advogado.
17ª - Convenhamos que a celeridade processual, hoje em dia tão em voga não pode justificar tudo, designadamente, não pode conduzir à postergação de princípios tão básicos como seja o do Contraditório, como seja o do direito ao Recurso e como seja o do direito de reclamar das decisões judiciais que se afigurem incorrer em vícios ou outras nulidades.
18ª - Os mesmos considerandos se aplicam às regras de arguição de tais nulidades, que segundo o MM.º Juiz do Tribunal" a quo" não foram respeitadas e por isso, noutro entendimento, sempre estariam sanadas as invocadas nulidades.
19ª - Sucede que, os assinalados prazos somente começariam a correr, após a cabal e obrigatória notificação de tais decisões.
20ª - Tudo para significar e sem necessidade de mais considerandos que o Tribunal" a quo", devia ter conhecido e declarado a prática das nulidades que lhe foram apresentadas no requerimento remetido aos autos aos 18.02.2005 e que supra foi integralmente transcrito.


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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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O que está em questão no presente recurso, de acordo com o teor das conclusões supra transcritas, é a bondade da decisão tomada pelo tribunal ora recorrido a fls 103 e sgts, aí onde se entendeu que a omissão de notificação ao i. advogado da agravante das (duas) decisões proferidas (a que decidiu a impugnação e a que definiu o valor da causa para efeitos de custas) ou não constituía nulidade, ou, a constituir, estaria a nulidade sanada. Decisão essa que incidiu sobre o requerimento da impugnante constante de fls 96 e sgts, e que deu entrada no dia 21 de Fevereiro de 2005, e onde, a par do subsidiário pedido de reforma da conta (pedido este que foi indeferido) se veio justamente arguir a nulidade emergente da falta de notificação ao mandatário da impugnante das decisões judiciais tomadas no âmbito da impugnação.
Não está assim aqui em questão, nem poderia estar, contra o que o primeiro parágrafo da alegação de recurso e a conclusão 2ª poderiam levar a crer (de notar que na conclusão 20ª já o assunto é colocado de forma conveniente), a bondade da decisão tomada oportunamente pelo tribunal a quo, aí onde entendeu, em sede de recurso (rectius, “impugnação judicial”), que não se verificava qualquer nulidade decorrente da não notificação ao i. advogado da decisão administrativa tomada. Pois que o presente recurso não vem (nem podia aliás vir, pois que se trata de decisão legalmente irrecorrível) interposto contra a decisão que julgou (indeferindo-a) a impugnação judicial do decidido na instância administrativa. O recurso vem interposto é bem da decisão que indeferiu a arguição da nulidade emergente da não notificação do i. advogado no âmbito da impugnação judicial. Somente deste assunto nos compete conhecer. Convém que isto fique claro.

Não suscita dúvidas que a ora agravante se deve ter neste processo por judiciariamente representada por advogado, justamente o i. advogado que subscreve o presente recurso. Pois que o requerimento tendente ao apoio judiciário mostra-se assinado conjuntamente pela parte interessada e pelo i. advogado, o que implica sem mais a comprovação de uma relação de representação (artº 18º, nº 1 c) da Lei nº 30-E/00, diploma este aplicável ao caso, atenta a data dos factos). O requerimento assim apresentado tem, para os fins em causa, o valor de procuração.
Tendo a requerente do apoio judiciário impugnado judicialmente, mediante requerimento subscrito pelo seu advogado, a decisão administrativa que indeferiu o pedido de apoio judiciário, importava ter-se presente o que resulta do artº 253º do CPC: as notificações a que houvesse lugar no âmbito da impugnação deveriam ser feitas na pessoa do i. advogado.
A verdade é quer a decisão que conheceu da impugnação judicial, quer a decisão que definiu qual o valor da causa para efeitos de custas, não foram notificadas à impugnante na pessoa do seu mandatário. Foram notificadas, isso sim e contra pois o disposto na lei, à própria sociedade impugnante. Bem se vê portanto que a secretaria andou duplamente mal: deixou de notificar quem devia, e passou a notificar quem não devia.
E quanto a isto ninguém pode ter dúvidas, sendo aliás a decisão ora recorrida a primeira a assumir que as notificações não foram feitas na pessoa de quem deviam ter sido. De notar, em todo o caso, que, contra o que parece pensar-se na decisão recorrida (v. fls 104, 2º parágrafo), a omissão registada não se reporta a uma simples formalidade [de um acto, o acto de notificação], mas bem à supressão de um acto. Isto é, o acto [notificação na pessoa do mandatário] não foi praticado com falta de formalidades ou de forma deficiente. O acto [notificação ao mandatário] é que foi pura e simplesmente omitido.
O que está em questão é pois saber-se se a omissão das notificações em causa constitui nulidade, e a constituir, se está a mesma sanada.
Na nossa perspectiva, a decisão recorrida não é de subscrever.
O que significa que a agravante tem razão.
Senão vejamos:
Diz o artº 201º, nº 1 do CPC que a omissão de um acto que a lei prescreva produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
É certo que a lei não comina expressamente de nulidade a falta de notificação do mandatário.
Mas não se deverá entender que a omissão de notificação ao mandatário forense de actos processuais de natureza decisória (maxime sentenciais), com conteúdo essencialmente jurídico, e de sentido prejudicial aos interesses da parte, é irregularidade que se deve ter sempre como influente “no exame ou decisão da causa”?
Temos como óbvio que sim.
Alberto dos Reis (v. Comentário ao Código de Processo Civil, 2º, pág. 485), depois de expender que “é ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entenda que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou na decisão da causa”, ensina-nos o seguinte (idem, pág. 486): “Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observa-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela. É neste sentido que deve entender-se o passo «quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa». O exame, de que a lei fala, desdobra-se nestas duas operações: instrução e discussão da causa”.
Ora, não pode de forma alguma dizer-se que uma causa está regularmente discutida e julgada, se não se dá à parte uma efectiva possibilidade de, proferida uma qualquer decisão nessa causa, a puder avaliar, analisar, contraditar, impugnar, aferir das suas consequências, etc. E isto sobretudo quando se está perante decisão que integra matéria de carácter essencialmente jurídico.
E como se potencia essa contraditação, análise, etc.?
Justamente através do conhecimento que do decidido no processo se deve dar às partes. E havendo mandatário forense no processo, é a este que tal conhecimento deve ser dado. O que bem se compreende, na medida em que de ordinário esse conhecimento só pode ser plenamente apreendido (designadamente nas suas consequências) por quem possua saber jurídico. É aliás para isso que se busca o patrocínio judiciário. E é também para isso que se impõe, em certos casos, o patrocínio judiciário.
Acresce observar que, como nos diz o Ac da RP de 12.7.94 (Col Jur 1994, 4º, pág. 179), o nº 1 do artº 201º do CPC basta-se, para que haja nulidade, com a mera possibilidade de prejuízo que dela resulta para a parte, não sendo necessária a comprovação de um prejuízo efectivo.
Agora pergunta-se: o que se passa nestes autos não encaixa plenamente no que acaba de ser dito?
Claro que sim.
Pois que foram tomadas pelo tribunal recorrido decisões com carácter essencialmente técnico-jurídico, de sentido contrário aos interesses da ora agravante, e disto nenhum conhecimento se deu à pessoa a quem, por ele tribunal, se devia ter dado: o i. advogado. Não tendo este sido notificado dessas peças decisórias, isso não representa senão uma falta que atenta contra a plena discussão e julgamento da causa, tal como estes conceitos devem ser entendidos. Na prática coarctou-se à parte a possibilidade de avaliar juridicamente as decisões e de contra elas eventualmente reagir. Segue-se assim à evidência que foi cometida uma nulidade processual.
Resulta porém da decisão recorrida que não é bem assim que devem ser vistas as coisas, na medida em que da sentença que julgou a impugnação não cabe legalmente recurso.
Ora, concordamos que de tal decisão não cabe recurso ordinário.
Mas, e depois?
A obrigação de notificação não depende legalmente da admissibilidade legal de recurso ordinário. Não fora assim, não se notificavam as decisões supostamente irrecorríveis, a começar pelas favoráveis à parte…De resto, não é incumbência do tribunal aferir do que a parte possa fazer ou deixar de fazer subsequentemente a uma notificação.
Mas, independentemente disso, acaso se pode garantir a priori que a ora agravante, vencida que foi, não entenderá haver fundamento para interpor um qualquer recurso de constitucionalidade? Ou que não entenderá haver fundamento para arguir nulidades de decisão? Ou que não entenderá haver fundamento para requerer a reforma da decisão?
Bem se vê que a recorribilidade da decisão não é assunto que deva intervir em sede da exigibilidade da notificação a quem de direito. O recurso é apenas uma das possíveis formas de reacção da parte e que, em todo o caso, está sempre a jusante da notificação.
Tudo isto, e o mais que a experiência mostra que sempre se pode congeminar em tema de reacção contra as decisões judiciais, significa à saciedade que a supressão ao mandatário forense de notificações como as que aqui estão em presença é vício que não pode deixar de ser tido como “susceptível de influir no exame e decisão da causa”.
Logo, estamos perante uma nulidade processual.

Mas aqui chegados, não deverá entender-se que a nulidade ficou sanada desde que a parte (entenda-se, a própria parte) foi notificada e nenhuma nulidade veio arguir?
A decisão recorrida, embora a título subsidiário, entende que sim.
Discordamos frontalmente.
Isto leva-nos a explicar que, contra o que pensa o tribunal a quo, o artº 205º do CPC não depõe a favor da tese da decisão recorrida.
Aí se estabelece que as nulidades devem, em geral (exceptuam-se pois as nulidades que têm outro específico tratamento na lei), ser arguidas nos seguintes termos: a) se a parte estiver presente, por si ou mandatário, no momento em que forem cometidas, terão que ser arguidas no decurso do acto; b) se não estiver, o prazo para a arguição [que é de 10 dias], conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
Ora, a omissão das notificações em causa não pode cair na hipótese identificada sob a), pois que não se trata de omissão inserível num acto em que a parte (ou seu mandatário) esteja presente [perante o tribunal], e onde se possa arguir [perante o tribunal] de imediato a nulidade. Aliás, Alberto dos Reis (ob. cit., pág. 500 a 503) expressamente observava que tal disciplina não se aplicava ao acto da notificação.
Mas também não pode cair na hipótese identificada em b).
É óbvio que é de afastar liminarmente a atendibilidade da situação identificada no primeiro segmento dessa hipótese, pois que, subsequentemente à nulidade, a ora agravante não interveio em algum acto praticado no processo, senão para arguir logo a nulidade.
E quanto à segunda situação prevenida no segundo segmento?
É certo que a agravante (entenda-se, a própria parte) foi notificada dos actos judiciais que deviam ter sido notificados ao mandatário. Dir-se-ia então que tomou conhecimento da nulidade, ou que desta podia conhecer, agindo com a devida diligência. E daí que ficou sanada a nulidade, pois que não foi a mesma arguida dentro do prazo legal de 10 dias. E é assim que discorre a decisão recorrida.
Nada menos certo, porém.
Desde logo porque o facto da parte ter sido notificada na sua pessoa não a obrigava a supor que o seu advogado deixaria de ser notificado. Pelo contrário, estando judiciariamente representada no processo, a parte tinha era todo o direito de supor que o decidido no processo havia de ser comunicado (rectius, notificado) ao seu advogado, e de descansar (ela, parte) sobre o que se passava no processo. Que obrigação tinha de suspeitar, só porque foi notificada, que se estava a cometer a nulidade em presença? Pensar de outro modo será o mesmo que entender que a parte (entenda-se, a própria parte) tem o dever de conhecer a lei processual, bem como o dever de controlar e fiscalizar a actividade do tribunal, não vá ela ser nula…Absurdo. Isto significa, portanto, que o facto da ora agravante ter recebido as notificações em causa não representa o conhecimento de qualquer nulidade ou a possibilidade de adquirir esse conhecimento.
Depois porque a estatuição legal em causa só se aplica quando, havendo advogado constituído, a notificação para qualquer termo do processo (essa notificação é a base da presunção de que tomou ou podia ter tomado conhecimento da existência da prévia nulidade) tiver sido regularmente feita na pessoa desse mandatário. Pois que se a notificação que despoleta tal conhecimento continua a estar eivada de ilegalidade (por não ser feita na pessoa do mandatário), então não pode dizer-se, isto no plano jurídico (que não material), que a parte foi notificada para qualquer termo do processo. O que se pode dizer, ao invés, é que a parte continua a não ser notificada, pois que só a notificação na pessoa do mandatário é que vale juridicamente como notificação operante. Isto é assim, sob pena de transformar uma invalidade em acto válido com o fim de sanar uma prévia invalidade… Ainda aqui podemos invocar o supra citado Ac da RP de 12.7.1994 (loc. cit., pág. 181): o conhecimento que a própria parte possa ter de um acto eivado de nulidade “não tolera a inferência de que dela soubesse logo também o seu advogado, que os patrocinava e a quem devia ter sido endereçada a notificação omitida (artº 253º, nº 1). A função do patrocínio é justamente a de orientar as partes numa actividade que exige conhecimentos especializados e nada obrigava os requerentes a qualificarem o vício do acto ou a saberem das consequências emergentes”. Ora, bem sabemos que a notificação do despacho que definiu qual o valor da causa para efeito de custas continuou a ser notificado apenas à própria parte e, não, como devia, ao respectivo advogado. Quer dizer, não se produziu uma notificação válida, susceptível de levar à conclusão de que a agravante adquiriu conhecimento da existência da prévia nulidade ou que dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
Bem se vê assim que a nulidade em causa não ficou sanada.

Procede pois o agravo, sendo de revogar a decisão recorrida.
O que significa que importa fazer notificar ao i. advogado quer a decisão sentencial que conheceu da impugnação judicial, quer o despacho que definiu o valor da causa para efeitos de custas, seguindo-se depois os termos processuais que ao caso vierem a caber.
Em consequência, são de anular os actos processuais praticados, na medida em que a respectiva razão de ser se tenha fundado na suposição da definitividade e operacionalidade das decisões cuja notificação se omitiu (v. artº 202º, nº 2 do CPC). Tais actos são, porém, apenas a contagem do processo e actos subsequentes inerentes a essa contagem.


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Decisão:


Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em conceder provimento ao agravo e, em consequência, revogando integralmente a decisão recorrida (a de fls 103 e sgts), julgam procedente a arguição de nulidade e determinam que na instância recorrida sejam notificados oportunamente ao i. advogado da agravante quer a decisão que conheceu da impugnação judicial, quer a decisão que definiu o valor da causa para efeitos de custas. Em decorrência do provimento do agravo, anulam o acto de contagem do processo e actos subsequentes inerentes a essa mesma contagem.



Regime de Custas:

Sem custas de recurso.

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Guimarães, 18 de Janeiro de 2006

Manso Rainho
Rosa Tching
Espinheira Baltar