Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1396/08.1PBGMR-A.G1
Relator: TOMÉ BRANCO
Descritores: PROTECÇÃO DE DADOS
TRANSMISSÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – A mensagem mantida em suporte digital, depois de recebida e lida, tem a mesma protecção da carta em papel que, tendo sido recebida pelo correio e aberta, foi guardada em arquivo pessoal;
II – Sendo um mero documento escrito, aquela mensagem não goza da aplicação do regime de protecção específico da reserva da correspondência e das comunicações previsto no art. 189 do CPP
III – A junção aos autos de transcrição de mensagem escrita guardada em telemóvel não tem de ser autorizada pelo juiz.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do tribunal da Relação de Guimarães
I)
Relatório

O Ministério Público, interpôs recurso do despacho proferido pelo Mmº Juiz de Instrução de Guimarães que lhe indeferiu a promoção no sentido de nos termos do disposto nos art.s 189°, n°s 1 e 2, por referência ao art. 187°, n°l.e) e 188° CP, fosse autorizada a obtenção e junção aos autos dos registos, mediante transcrição, das mensagens escritas e enviadas por telemóvel pelo arguido à queixosa, que se encontram gravadas no telemóvel desta, bem como que a mesma fosse notificada para apresentar o telemóvel para transcrição das mensagens gravadas.

No que à referida questão concerne, vêm formuladas as seguintes conclusões: (transcrição)
«1 - A obtenção e junção aos autos da transcrição de mensagem escrita gravada em telemóvel receptor, por se tratar de dados de conteúdo, ou, pelo menos, de tráfego, integradores do conceito de telecomunicações previsto no artigo 2°, n° 1, da Lei n° 91/97, de 01/08, só com autorização do juiz de Instrução podem ser conseguidos de forma válida em termos de prova, nos termos do preceituado nos artigos 187°, n° 1, ai. e), 188° e 189°, n° 1 do C.P.P.
2 – Ainda que assim se não entenda, sempre a sua obtenção e junção aos autos de tais elementos em termos de prova, de forma a salvaguardar a sua validade, estaria dependente de autorização do Juiz de Instrução, nos termos do disposto no artigo 189°, n° 2, do C.P.P.
3 - O despacho recorrido, ao afastar a competência do Juiz de Instrução para autorizar a obtenção e junção aos autos destes elementos de prova, assim indeferindo a promoção de fls 54, não efectuou correcta interpretação a aplicação do disposto nos artigos 2 n° 1, da Lei n° 91/97, de _01 /0ó, 187° a 190°, e 269°, n° 1, al. e), do C.P.P., preceitos que foram violados.
4 - Nesta conformidade, deve dar-se provimento ao presente recurso e revogar-se o despacho recorrido, ordenando-se a sua substituição por outro que acolha a promoção de fls. 54 dos autos e, consequentemente, autorize a obtenção e junção aos autos da transcrição de mensagem escrita gravada no telemóvel da queixosa por alegadamente conter afirmações passíveis de constituírem crime de ameaça, de forma a evitar o vicio da nulidade de tal transcrição em termos de prova».

A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta desta Relação emitiu parecer, no qual sustenta o entendimento que foi sufragado pela decisão recorrida.
Conclui assim pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir a questão suscitada.

Fundamentação.
A questão a solucionar neste recurso é exclusivamente de direito e consiste em saber se a obtenção e junção aos autos de transcrição de mensagem escrita guardada em telemóvel, por se tratar de dados de conteúdo, ou pelo menos de tráfego, integradores do conceito de telecomunicações, têm de ser autorizados pelo Juiz, para serem válidos como meios de prova, nos termos dos art.s 187°, n°l, al.e), 188° e 189°, n°1 do CPP.
A solução desta questão está expressa de forma clara e concisa no parecer da Exmª PGA Margarda Sarmento. Assim sendo e uma vez que aderimos à argumentação e à solução preconizada no referido parecer, sem que nada de importante se nos ofereça acrescentar, iremos de imediato transcrever o que se observou em tal peça processual.
“(…)
Ac. do TRL, de 23.03.2007, proc. nº 7189/2006-7, dgsi/net:
1 - A mensagem mantida em suporte digital, depois de recebida e lida, terá a mesma protecção da carta em papel que, tendo sido recebida pelo correio e aberta, foi guardada em arquivo pessoal.
II - Sendo meros documentos escritos, aquelas mensagens não gozam da aplicação do regime de protecção específico da reserva da correspondência e das comunicações, implicada no art° 190°, do CPP.
No mesmo sentido, Ac. TRC de 29.03.2006, proc. 607/06, dgsi/net: "(...) O que o art.° 190° prevê e regula por remissão para os artigos antecedentes é a intercepção e a gravação da transmissão das conversações ou comunicações efectuadas por qualquer meio diverso do telefone, designadamente pelo correio electrónico.
Como em qualquer outra comunicação, também as comunicações por via electrónica ocorrem durante certo lapso de tempo; começam quando entram na rede e acabam quando saem da rede. E a sua intercepção neste lapso de tempo o assunto do preceito. Quando o momento do seu recebimento já pertence ao passado, qualquer contacto com a comunicação feita não tem qualquer correspondência com a ideia de intercepção a se reportam os art. °s 187° a 190°.
As mensagens que depois de recebidas ficam gravadas no receptor deixam de ter a natureza de comunicação em transmissão; são comunicações recebidas pelo que deverão ter o mesmo tratamento da correspondência escrita já recebida e guardada pelo destinatário.
Tal como acontece na correspondência efectuada pelo correio tradicional diferenciar-se-á a mensagem já recebida mas ainda não aberta da mensagem já recebida e aberta. Na apreensão daquela rege o art.° 179° do Código de Processo Penal, mas a apreensão da já recebida e aberta não terá mais protecção do que as cartas recebidas, abertas e guardadas pelo seu destinatário. E a mensagem recebida em telemóvel, atenta a natureza e finalidade do aparelho e o seu porte pelo arguido no momento da revista, é de presumir que uma vez recebida foi lida pelo seu destinatário.
Na sua essência a mensagem mantida em suporte digital depois de recebida e lida terá a mesma protecção da carta em papel que tenha sido recebida pelo correio e que foi aberta e guardada em arquivo pessoal. Sendo meros documentos escritos, estas mensagens não gozam de aplicação de regime de protecção da reserva da correspondência e das comunicações".

Por isso que, apesar do esforço argumentativo do recorrente, o recurso não pode deixar de improceder.
Resta, pois, decidir:
III)
DECISÃO

Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se, in integrum, o douto Despacho recorrido.
Sem tributação.
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º, nº 2 do C.P.P.)

Guimarães, 12 de Outubro de 2009