Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2421/05-.1
Relator: ROSA TCHING
Descritores: DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA
EXECUÇÃO
DEVEDOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/18/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1º- A obrigação do fiador é sempre acessória em relação à obrigação do devedor afiançado.


2º- A declaração de falência dos executados/ devedores afiançados não faz extinguir a obrigação dos executados/devedores afiançados e, por isso, não determina a extinção da fiança.

3º- E nem tão pouco faz extinguir o direito de sub-rogação do fiador nos direitos do credor, pois que ainda que advenha uma situação de impossibilidade de efectivação do crédito por insuficiência ou diminuição do património do devedor/falido, nem por isso deixa de ocorrer a sub-rogação. O que o fiador não pode é valer-se dela.

4º- Sendo o direito de liberação do fiador, consagrado no art. 648º do C. Civil, apenas um direito contra o devedor, e não contra o credor, que não pode ser prejudicado, não se vê que a impossibilidade prática de exercício desse direito pelos fiadores, resultante da declaração de falência dos devedores afiançados, possa impor a extinção da instância executiva contra aqueles
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Nos autos de execução n.º 3117/2003, em que é exequente, Cândido M... , e executados, Cândido M... e mulher, Celeste A..., Luís A... e mulher, Maria da C...., face à falência de Vitor M... e mulher, Celeste A..., decretada no processo nº 824/2004 do 4º Juízo Cível da Comarca de Viana do Castelo, por sentença proferida em 19.10.2004 e transitada em julgado em 29.11.2004, foi proferido despacho que ordenou a extracção de traslado dos autos quantos aos executados falidos e o prosseguimento da execução contra os restantes executados.

Inconformados com este despacho, dele agravaram os executados, Luís A... e mulher, Maria da C...., terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1a- Não se conformam os recorrentes com o despacho que ordenou que fosse extraído traslado dos autos quanto aos Executados falidos e que os mesmos continuassem quanto aos ora Recorrentes.
2a - Estes foram fiadores dos Devedores Principais, ora declarados falidos.
3a- E, como tal, consideram que, se alteraram significativamente as circunstâncias existentes à data da fiança, uma vez que os Executados – Devedores Principais - ao se tomarem falidos, adquiriram outro estatuto jurídico, motivo pelo qual, foram excluídos da instância.
4a - Os fiadores, quando assumiram a fiança, não era, nem poderia ser de pessoa falida.
5a - Não poderão, por isso, ser responsabilizados por dívidas cuja obrigação primeira de pagamento incumbe ao falido.
6a - Os excluídos respondem em primeira linha e os fiadores sempre em segunda linha (conforme Acórdão da Relação do Porto de 03/10/1996 que refere que "A prestação de fiança pressupõe que alguém se obrigou ao cumprimento de uma determinada obrigação (o devedor) e que outrem - terceiro, não credor nem devedor - assegurou o cumprimento da obrigação debitória, sendo a obrigação do fiador acessória da que recai sobre o principal devedor.").
7a - não poderão, assim, ser os primeiros desresponsabilizados em virtude de terem sido declarados falidos, sem que tal afecte também a posição dos fiadores.
8a - Resulta do art. 644° do Código Civil que "O fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes forem por ele satisfeitos" e também do Acórdão da Relação do Porto de 28/09/2000 "Em acção Executiva instaurada contra o devedor principal e o fiador, este, depois de pagar a quantia exequenda pode requerer a sua habilitação para substituição do Exequente, com fundamento em transmissão de crédito por sub-rogação"
9a - O que se torna impossível na situação de falência dos devedores principais.
10a - Tornar-se-ia, assim totalmente impraticável o direito de regresso que os fiadores têm sobre os devedores principais.
11a - Ainda que, assim não se entenda, a própria obrigação, estará desvirtuada, em virtude de os sujeitos principais terem sido declarados falidos, operando assim os efeitos que a lei faz pender sobre as obrigações por si contraídas.
12a - Ou seja, a obrigação torna-se inexigível em relação aos próprios e, por maioria de razão, em relação aos fiadores destes.
13a - Isto porque, além de o artigo 651° do Código Civil nos dizer que a extinção da obrigação principal determina a extinção da fiança,
14a - Também o artigo 648° c) do mesmo diploma refere que "é permitido ao fiador exigir a sua liberação, ou a prestação de caução para garantia do seu direito eventual contra o devedor nos casos de os riscos da fiança se agravarem sensivelmente."
15a - No seguimento da "ratio legis" destes artigos não é comportável que ao ser extraído traslado dos autos quanto aos Executados falidos, permaneçam os mesmos quanto aos fiadores daqueles.
16a - Ao não entender assim, violou o despacho recorrido, entre outros, o disposto nos artigos 637° n.° l, 644°, 648°,alínea b) e, 651°, todos do Código Civil, pelo que, ao ser extraído traslado dos autos quanto aos executados falidos, deve o despacho ora recorrido ser declarado nulo e, consequentemente, ser substituído por outro que declare a extinção da instância quanto aos ora Recorrentes”.

O agravado contra-alegou, pugnando pela manutenção do despacho recorrido.

Foi proferido despacho de sustentação da decisão.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


FUNDAMENTAÇÃO :


Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente.


Assim, a única questão a decidir traduz-se em saber se a declaração de falência dos executados, devedores principais, acarreta, ou não, a extinção da execução contra os executados fiadores.
E a este respeito, diremos, desde logo, que a resolução de tal questão decorre da própria natureza da fiança.
Senão vejamos.
A fiança é a garantia pessoal típica ou nominada, regulada nos arts. 627 e segs do Código Civil, pela qual um terceiro (fiador) assegura com o seu património o cumprimento da obrigação do devedor, ficando pessoalmente obrigado perante o credor deste.
Prestada a fiança, o credor passa a beneficiar da garantia especial do património do fiador e da garantia comum de todas as obrigações do devedor, constituída pelo património deste, em pé de igualdade com todos os credores (cfr. art. 601º do C. Civil).
A obrigação do fiador é acessória da obrigação do devedor principal (cfr. nº2 do citado art. 627º).
Como ensina Antunes Varela In, “Das Obrigações em Geral”, Vol. II. 4ª ed., pág. 467., constituída a fiança fica a existir, juntamente com a obrigação do devedor principal, a obrigação acessória do fiador, cobrindo a primeira e tutelando o seu cumprimento.
O fiador constitui-se no dever de cumprir a obrigação do devedor principal, quando este o não faça, sob pena de ser executado o seu património.
O fiador é um verdadeiro devedor do credor, não obstante a obrigação acessória que assume ser a obrigação do devedor e não uma obrigação própria e autónoma deste.
Além de acessória, a obrigação do fiador é em regra subsidiária, goza do benefício de excussão, que consiste no direito de recusar o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor (cfr. art. 638º, n.º1 do C. Civil), salvo em certas hipóteses, uma das quais a de haver renunciado ao benefício de excepção e, em especial, ter assumido a obrigação de principal pagador (cfr. art. 640º do C. Civil).
Mas, mesmo no caso de ter assumido a obrigação de principal pagador, continua a ser acessória a sua obrigação em relação à do devedor afiançado, com as inerentes consequências, designadamente a de poder opor ao credor os meios de defesa que compete o devedor (cfr. art. 637º do C. Civil) e a de ficar sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes forem por ele satisfeitos (cfr. art. 644º do C. Civil).
Daqui decorre que a obrigação do fiador é sempre acessória em relação à obrigação do devedor afiançado, assumindo, assim, a acessoriedade uma característica essencial da fiança.
Por outro lado, importa salientar que se é verdade que a declaração de falência dos executados/ devedores principais obsta ao prosseguimento da presente acção executiva contra os executados falidos (cfr. art. 154º, nº.3 do CPEREF), também não é menos verdade que tal declaração não faz extinguir o crédito do exequente O qual continua a ser objecto de reclamação, nos termos do disposto no art. 188º do CPEREF., dela podendo advir, quanto muito, uma situação de impossibilidade de efectivação do seu crédito por inexistência (cfr. art. 186º do CPEREF) ou por insuficiência do património do devedor (cfrs. art. 187º e 209º do CPEREF).
E porque assim é, evidente se torna a sem razão dos agravantes ao afirmarem que mercê da declaração de falência dos executados/devedores principais, “a obrigação torna-se inexigível em relação aos próprios e, por maioria de razão, em relação aos fiadores destes”.
Do mesmo modo não colhe o argumento por eles avançado no sentido de que a “ratio legis” dos arts, 651º, 644º, 653º e 648º, al. b) do C. Civil, não permite que, uma vez declarados falidos os devedores principais, a execução prossiga quanto aos respectivos fiadores.
É que, conforme já se deixou dito, se a declaração de falência não faz extinguir a obrigação dos executados/devedores afiançados, por maioria de razão também não determina a extinção da fiança.
E nem tão pouco faz extinguir o direito de sub-rogação do fiador nos direitos do credor, pois que ainda que advenha uma situação de impossibilidade de efectivação do crédito por insuficiência ou diminuição do património do devedor/falido, nem por isso deixa de ocorrer a sub-rogação. O que o fiador não pode é valer-se dela.
Por fim, cumpre referir que, sendo o direito de liberação do fiador apenas um direito contra o devedor, e não contra o credor, que não pode ser prejudicado, não se vê que a impossibilidade prática de exercício desse direito pelos fiadores, resultante da declaração de falência dos devedores afiançados, possa impor a extinção da instância executiva contra aqueles
Daí resultar afastada, no caso dos autos, a aplicação do disposto nos citados artigos.
E porque é o próprio art. 154º, n.º3 do CPEREF que impõe o prosseguimento da execução em relação a outras pessoas que, além do falido, nela sejam executadas, nenhuma censura nos merece o despacho recorrido.

Improcedem, pois, todas as conclusões dos executados/agravantes.

CONCLUSÃO:

Do exposto poderá concluir-se que

1º- A obrigação do fiador é sempre acessória em relação à obrigação do devedor afiançado.


2º- A declaração de falência dos executados/ devedores afiançados não faz extinguir a obrigação dos executados/devedores afiançados e, por isso, não determina a extinção da fiança.

3º- E nem tão pouco faz extinguir o direito de sub-rogação do fiador nos direitos do credor, pois que ainda que advenha uma situação de impossibilidade de efectivação do crédito por insuficiência ou diminuição do património do devedor/falido, nem por isso deixa de ocorrer a sub-rogação. O que o fiador não pode é valer-se dela.

4º- Sendo o direito de liberação do fiador, consagrado no art. 648º do C. Civil, apenas um direito contra o devedor, e não contra o credor, que não pode ser prejudicado, não se vê que a impossibilidade prática de exercício desse direito pelos fiadores, resultante da declaração de falência dos devedores afiançados, possa impor a extinção da instância executiva contra aqueles


DECISÃO:

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e, consequentemente, confirma-se o despacho recorrido.


Custas pelos agravantes.



Guimarães, 18/01/2006