Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2107/06-1
Relator: ANTÓNIO GONÇALVES
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/18/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO
Sumário: 1. A decisão transitada em julgado e proferida no processo sobre a incompetência absoluta do tribunal só tem valor de caso julgado formal, ex vi do estatuído no art.º 106.º do C.P.Civil; porém, contendo-se no âmbito da incompetência resultante de infracções das regras de competência fundadas no valor da causa, na forma do processo aplicável, na divisão judicial do território ou decorrentes do estipulado nas convenções previstas nos artigos 99.º e 100.º, ou seja, no contexto da designada incompetência relativa do tribunal, uma tal decisão assim prescrita constitui caso julgado material, por imposição da disciplina que integra o disposto no n.º 2 do art.º 111.º do C.P.Civil.
2. Quer isto dizer que, encontrando-nos nós perante duas decisões a julgar territorialmente incompetente para o processamento da respectiva tramitação cada um dos tribunais nos quais deu entrada em juízo a atinente acção, só aparentemente a solução se deve circunscrever num conflito negativo de competência porquanto, neste enquadramento circunstancial o que temos a praticar é, delimitando o campo de aplicação de cada uma destas decisões e a solucionar a mesma questão de forma contraditória, dar voz tão-só àquela que passou em julgado em primeiro lugar, por força do estatuído no n.º 2 do art.º 675.º do C.P.Civil.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

O Digno Magistrado do Ministério Público junto desta Relação veio requerer a resolução do CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA suscitado entre os Ex.mos Juízes do 5.º Juízo Cível do T.J. da comarca de Guimarães e do Tribunal de Família e Menores de Braga com os seguintes fundamentos:
Ambos os Magistrados atribuem reciprocamente a competência, negando a própria, para proceder ao julgamento do processo tutelar comum n.º 3701/06.6TBGMR/5.º Juízo Cível do T.J. da comarca de Guimarães, respeitante ao menor Rui M....

Notificados os Magistrados em conflito (art.º 118.º, n.º 1 e 2, do C.P.C.), estes nada disseram.

O Digno Magistrado do Ministério Público junto desta Relação pronunciou-se no sentido de que, porque não estamos perante um verdadeiro conflito negativo de competência - os conflitos de competência têm sempre na sua base uma situação de incompetência absoluta, nos termos do disposto no art.º 101.º do C.P.Civil - a questão suscitada deverá resolver-se de acordo com o estatuído do art.º 675.º do C.P.Civil, isto é, deve prevalecer a decisão que transitou em julgado em primeiro lugar, ou seja, o processo deverá continuar a sua tramitação no Tribunal de Família e Menores de Braga.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Com interesse para a decisão do conflito estão assentes os factos seguintes:
1. O Ministério Público, em representação do menor Rui M..., residente na Oficina de S. José (Instituição Particular de Solidariedade Social), Rua do R..., 47-95, Apartado 512, 4711-914 Braga, nos termos dos artigos 3°, n.º 1, a), da Lei n.º 47/86, com as alterações da Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, 1918.º do Código Civil e 210° da OTM e com vista à confiança a terceira pessoa, instaurou acção tutelar comum contra os requeridos António G..., casado, desempregado, residente na rua P.., n.° 4224, Caldas de V..., V... e Maria M..., casada, reformada, residente na rua da Formigosa, 250, S. João, Vizela.
2. Valendo-se do disposto no art.º 155°,n.º 1 da O.T.M., mais precisamente que o Tribunal competente para decretar as providências é o da residência do menor no momento em que o processo é instaurado, com o fundamento em que o menor Rui M... reside há mais de um ano na área do Tribunal de Família e Menores de Braga, por despacho de 13.06.2006 o Ex.mo Juiz do 5.º Juízo Cível do T.J. da comarca de Guimarães julgou territorialmente incompetente o T. J. da comarca de Guimarães para a acção e ordenou a remessa do processo ao Tribunal de Família e Menores de Braga.
3. Por sua vez, o Ex.mo Juiz do Tribunal de Família e Menores de Braga a quem o processo foi distribuído, por despacho de 21.07.2006 declarou incompetente o Tribunal de Família e Menores de Braga para a tramitação processual e devolveu os autos ao 5.º Juízo Cível do T.J. da comarca de Guimarães.
4. Estes despachos não foram impugnados mediante recurso.

Abordagem da questão.

I. A decisão transitada em julgado e proferida no processo sobre a incompetência absoluta do tribunal só tem valor de caso julgado formal, ex vi do estatuído no art.º 106.º do C.P.Civil. A decisão sobre incompetência absoluta de um tribunal, embora transite em julgado, não tem valor algum fora do processo em que foi proferido.
Porém, contendo-se no âmbito da incompetência resultante de infracções das regras de competência fundadas no valor da causa, na forma do processo aplicável, na divisão judicial do território ou decorrentes do estipulado nas convenções previstas nos artigos 99.º e 100.º, ou seja, no contexto da designada incompetência relativa do tribunal, uma tal decisão assim prescrita constitui caso julgado material, por imposição da disciplina que integra o disposto no n.º 2 do art.º 111.º do C.P.Civil. A decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada.
Quer isto dizer que, encontrando-nos nós perante duas decisões a julgar territorialmente incompetente para o processamento da respectiva tramitação cada um dos tribunais nos quais deu entrada em juízo a atinente acção, só aparentemente a solução se deve circunscrever num conflito negativo de competência porquanto, neste enquadramento circunstancial o que temos a praticar é, delimitando o campo de aplicação de cada uma destas decisões e a solucionar a mesma questão de forma contraditória, dar voz tão-só àquela que passou em julgado em primeiro lugar, por força do estatuído no n.º 2 do art.º 675.º do C.P.Civil.
Deste modo, porque o tribunal para onde o processo foi remetido está vinculado à decisão que lho mandou endereçar, o Ex.mo Juiz que recebeu estes autos nunca poderia declarar territorialmente incompetente o tribunal para julgamento.
É este o entendimento unânime da doutrina Anselmo de Castro (Lições de Processo Civil; II, pág. 517/520); Prof. Antunes Varela (Manual; pág. 222 e 225/226); Prof. Castro Mendes; Manual; pág. 207); Lebre de Freitas (Código Processo Civil Anotado - art.º 115.º) e também é esta a jurisprudência do nosso Supremo Tribunal. Entre outros o Ac. S.T.J. de 02.07.1992; BMJ; 419.º; pág. 626 e Ac. S.T.J. de 17.02.2005; www.dgsi.pt.
Relembremos o que a este propósito dizia o Prof. Alberto dos Reis ao analisar o dispositivo da parte final do art.º 111.º do C.P.Civil de 1939A decisão que transitar em julgado resolverá definitivamente a questão da competência. e cuja redacção se equipara ao que está actualmente preceitua o art.º 111.º do C.P.Civil: a decisão que julgar competente ou incompetente o tribunal, depois de transitar em julgado, resolve definitivamente a questão; quer dizer, estamos perante um caso julgado material, com projecção fora do processo. In Código de Processo Civil Anotado; I Volume; pág.247.
É este o entendimento que também professou e melhor tornou inteligível quando abordou as consequências da falta de contestação verificada no deduzido incidente de incompetência relativa, ao afirmar que “é claro que a resolução definitiva da questão de competência tanto fica existindo quando se julgar incompetente o tribunal, como na hipótese inversa”. In Comentário; Volume 1.º; pág. 349.

II. O despacho do Ex.mo Juiz do 5.º Juízo Cível do T.J. da comarca de Guimarães, datado de 13.06.2006, que julgou territorialmente incompetente o T. J. da comarca de Guimarães para a acção e ordenou a remessa do processo ao Tribunal de Família e Menores de Braga, porque não foi impugnado mediante recurso, transitou em julgado; e, tendo esta decisão valor de caso julgado material, ela sobrevive, ferindo-a de absoluta ineficácia, mesmo perante aqueloutra decisão posteriormente proferida (em 21.07.2006) pelo o Ex.mo Juiz do Tribunal de Família e Menores de Braga a declarar incompetente o Tribunal de Família e Menores de Braga para a aquela acção.
Neste contexto jurídico-processual só à primeira decisão devemos obediência, segundo a regra do n.º 2 do art.º 675.º do C.P.Civil.

Pelo exposto, decidindo-se o presente conflito, declara-se competente para proceder ao julgamento do processo tutelar comum n.º 3701/06.6TBGMR o Tribunal de Família e Menores de Braga.


Sem custas.

Guimarães, 18 de Dezembro de 2006.