Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1816/07-2
Relator: AUGUSTO CARVALHO
Descritores: COLIGAÇÃO ACTIVA
RÉU
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PARCIAL PROVIMENTO
Sumário: 1. De acordo com o disposto no artigo 30º, nº 1 e 2, do C. P. C., é permitido ao autor demandar conjuntamente vários réus por pedidos diferentes quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de dependência, coligação que é ainda admissível quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contrato perfeitamente análogas.
2. Porém, embora se verifiquem tais condições, a coligação não será admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes, que não derivem unicamente do valor, ou a cumulação possa ofender regras de competência internacional, em razão da matéria ou da hierarquia – artigo 31º, nº 1, do mesmo diploma.
3. A circunstância de se cumularem pedidos com infracção dos requisitos relativos à forma do processo e à competência do tribunal dá em resultado ficar sem efeito um ou algum dos pedidos, ou seja, aquele ou aqueles a respeito dos quais a forma do processo empregada é imprópria ou o tribunal é incompetente em razão da matéria ou da hierarquia. Se é a incompetência ou o erro de forma que faz cair o pedido, para que o efeito esteja em correlação com a causa tem necessariamente de admitir-se que o pedido posto fora de campo é precisamente aquele a que se não ajusta a forma de processo adoptada ou de que o tribunal não pode conhecer em razão da matéria ou da hierarquia.
4. Como pressuposto intransponível, a coligação exige que o tribunal seja materialmente competente para todos os pedidos cumulados.
Decisão Texto Integral: cordam no Tribunal da Relação de Guimarães


Os autores Jorge R... e mulher Liana R..., residentes na Rua belo H..., lotes 15 e 1..., L..., Braga, intentaram a presente acção declarativa, com processo comum e forma sumária, contra os réus Manuel C... e mulher Rosa V..., residentes no lugar de A..., V..., Braga, e A..., Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga, EM, com sede na Praça de Agrolongo, nº 115, Braga, formulando os seguintes pedidos:
1.Serem os primeiros réus condenados a reerguer o muro, sito no prédio descrito nos artigos 16º e 17º e a reforçar a sua estrutura, de forma a tornar-se apto a suportar adequadamente as terras desse prédio;
2.Serem os primeiros e segunda ré condenados a remover do logradouro do prédio pertencente aos autores, descrito no artigo 1º da petição inicial, as pedras do referido muro, que derrocou parcialmente;
3.Serem os primeiros e a segunda ré condenados a pagar aos autores, a título de indemnização pelos danos patrimoniais mencionados nos artigos 63º a 66º, inclusive, o montante de 1300,00 euros, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data da citação e até efectivo pagamento;
4.Serem os primeiros e segunda ré condenados a pagar aos autores, a título de indemnização pelos danos patrimoniais mencionados nos artigos 67º a 77º, inclusive, o montante de 6750,00 euros, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data da citação e até efectivo pagamento;
5.Serem os primeiros e segunda ré condenados a pagar aos autores uma indemnização pelos que se vierem a verificar, decorrentes dos factos constantes dos artigos 39º a 54º, inclusive, e 59º a 60º;
6.Serem os primeiros réus condenados numa sanção pecuniária compulsória de 25,00 euros diários, no caso de incumprimento do pedido constante do nº 1;
7.Serem os réus condenados no pagamento das custas, procuradoria e demais legal.

A fundamentar estes pedidos, os autores alegam o seguinte: que a parcela de terreno dos primeiros réus é delimitado, pelo lado em que confina com o terreno dos autores, por um muro de suporte de terras existente há mais de 100 anos.
O estado de degradação do referido muro acentuou-se, após 4 de Setembro de 2002, já que, nesta data, se verificou a ruptura de uma conduta de água pública que se situa no passeio público que ladeia a nascente o prédio pertencente aos primeiros réus, tendo as águas provenientes dessa conduta invadido em enxurrada o terreno daqueles, durante cerca de cinco horas. Período de tempo que demoraram a chegar ao local, após disso terem sido avisados os funcionários da segunda ré, entidade incumbida de vigiar e de manter em bom estado de conservação a conduta, para interromper o fornecimento de águas, águas essas que ao arrastarem enormes quantidades de terras exerceram uma pressão muito forte sobre o acima referido muro. Muro esse que veio a derrocar, parcialmente, no dia 18 de Setembro do mesmo ano.
Com a derrocada parcial do muro, foram arrastadas enormes quantidades de lama e, como consequência directa, necessária e adequada da derrocada do muro, ficou ocupada, com pedras desse mesmo muro, área não inferior a 50 m2 do logradouro dos autores e, além disso, a lama cobriu parte do logradouro, ocasionando a destruição da grama que cobria o mesmo, assim como, de 20 azáleas, 10 trepadeiras, 6 árvores de fruta e outros danos.

Os réus contestaram os pedidos que contra eles são formulados.

No despacho saneador, o Exmº Juiz, com o fundamento em que não se verificam os pressupostos para admissibilidade da coligação dos réus, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 31º e 288º, do C. P. Civil, absolveu aqueles da instância.

Inconformados com tal decisão, os autores recorreram para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1.Não podem conformar-se com o douto despacho saneador, datado de 29 de Maio de 2007, o qual absolveu os réus da instância, por entender que não se verificam os pressupostos de coligação dos réus.
2.Discordam do despacho em crise, por entenderem que, embora o tribunal “a quo” não seja competente para a apreciação do pedido deduzido contra a ré A..., o mesmo tribunal é, indiscutivelmente, competente para a apreciação do pedido formulado contra os réus Manuel C... e Rosa V....
3.Daí que, salvo melhor opinião, a ré A... deveria ter sido absolvida da instância, mas o mesmo não deveria suceder em relação aos restantes réus, devendo o tribunal seguir a tramitação processual relativamente ao caso “sub júdice”, no que a estes respeita.
4.Efectivamente, um caso julgado como foi o proferido, atenta contra um dos princípios fundamentais sempre presente, em sede de direito processual, que é o princípio da economia processual. Na verdade, o Prof. Manuel de Andrade escreve, a este respeito o seguinte:”É uma aplicação do menor esforço ou da economia de meios. Deve procurar-se o máximo resultado processual com o mínimo emprego de actividade, o máximo de rendimento, com o mínimo de custo. Nesta conformidade, deve cada processo resolver o máximo possível de litígios (economia de processos)”. Noções Elementares de Processo Civil, pág. 387 e 388.
5.Perante acção deduzida contra três réus, duas pessoas singulares e uma pessoa colectiva de direito público, em que o tribunal é incompetente em razão da matéria quanto a esta, e competente quanto ao pedido no tocante aos restantes réus, obrigar à propositura de duas acções, uma no Tribunal Administrativo e outra no Tribunal Comum, atenta de modo frontal contra esse mesmo princípio da economia processual.
6.Inexiste obstáculo radicado na interpretação das regras da coligação, designadamente, dos artigos 30º e 31º, nº 1, do C. P. C., que obste à apreciação da parte da acção em que o tribunal comum é absolutamente competente.
7.Pelo que, sempre devia e deve ser mantida no tribunal comum a acção contra os demais réus, pessoas singulares, na parte respectiva, por ser este o tribunal competente em razão da matéria quanto a estes, e absolver-se da instância apenas a ré A..., uma vez que só no concernente a esta ré carece o tribunal comum de competência em razão da matéria, cabendo a respectiva competência ao tribunal administrativo.
8.Desta forma, ao decidir como decidiu, ou seja, ao absolver todos os réus da instância, o Mº Juiz “a quo” postergou em absoluto, salvo o devido respeito, um dos princípios basilares do direito processual civil, que é o princípio da economia processual, e interpretou as normas relativas à coligação, de resto, voluntária e não obrigatória, designadamente, os artigos 30º e 31º, nº 1, bem como o artigo 288º, nº 1, alínea e), do C. P. C., de forma diversa àquela que aos recorrentes consideram ser a mais correcta.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogado o despacho, proferindo-se acórdão que decida o prosseguimento da presente acção relativamente aos réus, pessoas singulares, Manuel C... e mulher Rosa V..., até ser proferida decisão final, e absolvendo da instância apenas a ré A..., Empresa de Águas, Efluentes e resíduos de Braga, EM.

Os recorridos Manuel C... e mulher Rosa V... apresentaram contra-alegações, concluindo que deve ser negado provimento ao recurso e confirmado o despacho recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do C. P. Civil.
A única questão a decidir consiste em saber se existe obstáculo ao prosseguimento da lide, em virtude de se não verificarem os requisitos da coligação de réus que ocorre na acção.
De acordo com o disposto no artigo 30º, nº 1 e 2, do C. P. C., é permitido ao autor demandar conjuntamente vários réus por pedidos diferentes quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de dependência, coligação que é ainda admissível quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contrato perfeitamente análogas. Porém, embora se verifiquem tais condições, a coligação não será admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes, que não derivem unicamente do valor, ou a cumulação possa ofender regras de competência internacional, em razão da matéria ou da hierarquia – artigo 31º, nº 1, do mesmo diploma.
Embora concordem com a decidida incompetência em razão da matéria para a apreciação dos pedidos formulados contra a ré A..., pelo contrário, os recorrentes defendem que o tribunal é competente para conhecer, na parte respectiva, dos que também foram deduzidos contra os réus Manuel C... e mulher Rosa V....
Cremos, todavia, que os autores/recorrentes não têm razão ou, pelo menos, não a têm totalmente.
Como pressuposto intransponível, a coligação exige que o tribunal seja materialmente competente para todos os pedidos cumulados.
Os autores formulam seis pedidos, sendo quatro deles contra os primeiros e segunda ré e os outros dois apenas contra aqueles.
Em relação aos pedidos formulados conjuntamente contra os réus Manuel C... e mulher Rosa V... e A..., Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga, EM, considera-se que a questão é pacífica, visto que a relação jurídica que lhes está subjacente, como bem se decidiu no despacho recorrido, é da competência dos tribunais administrativos, nos termos do artigo 4º, nº 1, alíneas h) e i), da Lei 13/2002, de 19/02.
Com efeito, tal como alegam os autores, as inundações e queda do muro em causa foram consequência da ruptura de uma conduta de água pública que se situa no passeio público que ladeia a nascente o prédio pertencente aos primeiros réus, tendo as águas provenientes dessa conduta invadido em enxurrada o terreno daqueles, durante cerca de cinco horas. Período de tempo que demoraram a chegar ao local, após disso terem sido avisados os funcionários da segunda ré, entidade incumbida de vigiar e de manter em bom estado de conservação a conduta, para interromper o fornecimento de águas, águas essas que ao arrastarem enormes quantidades de terras exerceram uma pressão muito forte sobre o acima referido muro. Muro esse que veio a derrocar, parcialmente, no dia 18 de Setembro de 2002.
Com a derrocada parcial do muro, foram arrastadas enormes quantidades de lama e ficou ocupada, com pedras desse mesmo muro, área não inferior a 50 m2 do logradouro dos autores.
A Lei 58/98, de 18 de Julho, que regula as condições em que os municípios, as associações de municípios e as regiões administrativas podem criar empresas dotadas de capitais, estabelece no artigo 39º, nº 2, que constitui matéria da competência dos tribunais administrativos o julgamento “das acções emergentes dos contratos administrativos que celebrem e das que se refiram à responsabilidade civil que a sua gestão pública provoque”.
A ré A... é uma empresa municipal e, por conseguinte, uma empresa pública, que se rege pelos seus estatutos e pela Lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais, citada Lei 58/98. Visa a prossecução de interesses públicos, nomeadamente, zelar pelas condições de segurança do abastecimento de água para consumo público, sua reparação, manutenção e providenciar para eliminar ou prevenir situações de risco.
As inundações, queda do muro e consequentes prejuízos reclamados, tal como alegam os autores, resultaram do deficiente sistema de drenagem construído pela ré A... ou por esta licenciado.
Neste sentido, os autores fundamentam aqueles seus pedidos deduzidos contra todos os réus numa alegada actividade ilícita da ré A..., actividade que se enquadra no âmbito dos seus poderes de gestão pública e para a apreciação da qual é materialmente competente o tribunal administrativo.
Portanto, em relação aos pedidos deduzidos contra os réus Manuel C... e mulher Rosa V... e A..., Empresa de Águas, fluentes e Resíduos de Braga, EM, mencionados sob os números 2, 3, 4 e 5 da petição inicial, o Tribunal Judicial de Braga é incompetente em razão da matéria, o que representa, nos termos do nº 1, do citado artigo 31º, do C. P. C., um obstáculo à coligação.
No pedido deduzido apenas contra os réus Manuel C... e mulher Rosa V..., mencionado sob o número 1, os autores pedem a condenação daqueles a reerguer o muro, sito no prédio descrito nos artigos 16º e 17º e a reforçar a sua estrutura, de forma a tornar-se apto a suportar adequadamente as terras desse prédio.
O nº 1, do artigo 31º, na actual versão do C. P. C., à excepção da referência que faz às regras da competência internacional, corresponde ao que já se estabelecia no parágrafo único do artigo 29º, do Código de Processo Civil de 1939.
A este respeito, A. dos Reis defendia «que a circunstância de se cumularem pedidos com infracção dos requisitos relativos à forma do processo e à competência do tribunal dá em resultado ficar sem efeito um ou algum dos pedidos. Qual ou quais?
Naturalmente aquele ou aqueles a respeito dos quais a forma do processo empregada é imprópria ou o tribunal é incompetente em razão da matéria ou da hierarquia. Se é a incompetência ou o erro de forma que faz cair o pedido, para que o efeito esteja em correlação com a causa tem necessariamente de admitir-se que o pedido posto fora de campo é precisamente aquele a que se não ajusta a forma de processo adoptada ou de que o tribunal não pode conhecer em razão da matéria ou da hierarquia». Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, pág. 168.
Esta é a posição doutrinária que consideramos adequada ao caso concreto, pois, verificando-se obstáculo à coligação – incompetência do tribunal em razão da matéria – no que se refere aos pedidos deduzidos sob os números 2, 3, 4 e 5, estes deverão ficar sem efeito, absolvendo-se os réus Manuel C... e mulher Rosa V... e A..., Empresa de Águas, fluentes e Resíduos de Braga, EM, da instância.
Em relação àquele pedido mencionado sob o número 1, sendo formulado apenas contra os réus Manuel C... e mulher, não se põe a questão da inadmissibilidade da coligação.
O muro que os autores pedem que seja reerguido pertence aos réus Manuel C... e mulher Rosa V..., encontra-se caído e a ocupar parte do logradouro do prédio daqueles.
A petição inicial descreve os factos que preenchem a respectiva causa de pedir, nomeadamente, nos artigos 16º, 17º, 48º a 63º, não é formulado contra a ré A... e, por conseguinte, o tribunal “a quo” deve prosseguir com a acção, para conhecimento desse pedido, bem como do formulado sob o número 6, no qual se pede a condenação dos mesmos réus numa sanção pecuniária compulsória, no caso de incumprimento daquele outro pedido (número 1).
Deste modo, e em conclusão, ocorrendo obstáculo à coligação, nos termos do nº 1, do citado artigo 31º, do C. P. C., por ofender regras de competência em razão da matéria, no que toca aos pedidos mencionados sob os números 2, 3, 4 e 5 e deduzidos contra os réus Manuel C... e mulher Rosa V... e A..., Empresa de Águas, fluentes e Resíduos de Braga, EM, deverá manter-se a decidida absolvição da instância. Na parte respeitante aos pedidos formulados sob os números 1 e 6 apenas contra os réus Manuel C... e mulher Rosa V..., não se representando a questão da ilegalidade da coligação, revoga-se o despacho recorrido e determina-se o prosseguimento da acção, para conhecimento e decisão dos mesmos.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, dando-se parcial provimento ao agravo, revoga-se o despacho recorrido, na parte respeitante aos pedidos formulados sob os números 1 e 6 apenas contra os réus Manuel C... e mulher Rosa V... e, consequentemente, determina-se o prosseguimento da acção, para conhecimento e decisão dos mesmos.

Custas por agravantes e agravados Manuel C... e mulher, respectivamente, na proporção de dois terços e um terço.



Guimarães, 25.10.2007.