Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ANTÓNIO GONÇALVES | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/26/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | 1. Com a declaração de insolvência, ao abrigo do disposto no art.º 97.º do CIRE, nos casos referidos neste preceito legal deixaram o Estado e o "Instituto de Segurança Social, IP" de pertencerem ao número dos credores privilegiados e passaram a ser considerados credores comuns, como todos os restantes; 2. A disciplina legal advinda do estatuído no artigo 97º do CIRE, na medida em que extingue os privilégios do Estado e outras entidades públicas, não está condicionada pelo conteúdo que sobressai do Dec. Lei n.º 411/91 ou com as normas que regem as dívidas fiscais e princípios consagrados no Código de Procedimento e Processo; 3. No contexto do processo de insolvência está acolhido o princípio da igualdade dos credores e, destarte, tanto o "perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros” como “a modificação dos prazos de vencimento ou as taxas de juro dos créditos, sejam créditos comuns, garantidos ou privilegiados", podem ser aprovadas no âmbito de um plano de insolvência; 4. A referência que a alínea e) do n.º 2 do art.º 195.º do CIRE faz às normas derrogadas circunscreve-se tão-só ao comando especificadamente expresso no n.º 1 do art.º 192.º do CIRE e neste contexto se esgota a sua eficácia, dimensão e alcance; a este propósito o CIRE prevê um regime demarcadamente supletivo e, por isso, também afastável por deliberação dos credores em ordem a obterem uma melhor ordenação dos seus interesses seriamente coarctados com a declaração de insolvência do seu devedor. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: Por sentença proferida em 07/12/2005 (cfr. fls. 53 e segs.), já transitada em julgado, foi declarada insolvente a sociedade "Serralharia, L.da", pessoa colectiva n.º 504 118439, com sede no Lote 2, Pólo Industrial de Penso, freguesia de Penso, concelho de Melgaço e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Melgaço sob o n.º 143/ 980302. A fls. 185 e segs. veio a insolvente apresentar plano de insolvência nos termos do disposto nos artigos. 192.° e segs. e 224.°, n.º 2, alínea b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto). Foi convocada para o dia 16/05/2006 a assembleia de credores para discussão e votação do plano de insolvência, na qual estiveram presentes credores cujos créditos constituem mais de um terço do total de créditos com direito de voto e em que não foi introduzida qualquer alteração ao plano de insolvência apresentado. Realizada a votação, foi o plano de insolvência aprovado por mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados. Por nenhum credor ou sócio, associado ou membro do devedor foi requerida a não homologação do plano de insolvência. A deliberação de aprovação do plano não teve a aquiescência dos credores "Instituto da Segurança Social, I.P" e "Fazenda Nacional". Com o fundamento em que se não mostravam violadas quaisquer regras procedimentais ou normas aplicáveis ao conteúdo do plano de insolvência, nem havia quaisquer condições suspensivas ou actos ou medidas que deviam preceder a homologação que não estivessem verificadas ou praticados, face ao disposto no art.º 214.° do CIRE, foi homologado por sentença o plano de insolvência junto a fls. 186 a 278. Inconformados com esta sentença dela recorreram o Ministério Público em representação da Fazenda Nacional e o "Instituto de Segurança Social, I.P", O Ministério Público alegou e concluiu do modo seguinte: 1.° No que concerne aos créditos relativos ao Estado, vigora o princípio da indisponibilidade, ou seja, não é possível que à luz da Lei o Estado possa aderir a medidas que impliquem uma redução dos seus créditos, apenas lhe sendo possível aceitar moratórias no pagamento nos termos da lei, de acordo com esta e nos dentro dos seus limites. Ou seja, há um dever do Estado de actuar dentro da legalidade e princípio da tipicidade. 2.° É à Lei que cabe definir as formas de pagamento, eventuais alterações, reduções ou até mesmo extinção parcial da obrigação contributiva. 3.º As normas que regulam a obrigação contributiva devem sobrepor-se às decisões tomadas por uma vontade colectiva, em sede de assembleia de credores. Não é possível que esta maioria conseguia verdadeiros benefícios, moratórias, perdões fiscais, conseguidos não nos precisos e excepcionais termos da lei, mas em resultado de uma vontade colectiva. 4.º Ora tal constitui uma violação ao princípio da igualdade e da legalidade. 5.º Assim, o M.mo Juiz, ao homologar o plano de insolvência nos precisos e supra referidos termos, não teve em consideração que o mesmo (e ao não fazer sequer uso da faculdade prevista no art.° 195.°, n.° 2 e) do CIRE) não estava de acordo com as normas que regem as dívidas fiscais, em particular o Código de Procedimento e Processo Tributário. 6. Nomeadamente, e a saber, foram violados os artigos 196.° e 199.° do CPPT. 7.º Uma vez que é na lei que se encontram as condições em que pode ocorrer uma alteração da obrigação contributiva, o presente plano de insolvência, está em desconformidade com a mesma no sentido em que a mesma teria que: 8.° Prever o pagamento imediato ou regime prestacional, de 36 prestações, sendo que só em casos excepcionais poderia atingir o máximo de sessenta prestações mensais, iguais e sucessivas, nos termos do disposto art.° 1%.° do CPPT, (o que não é o nosso caso), assim sendo ao prever um regime do pagamento das dividas fiscais no prazo de 5 anos, em duas prestações anuais, viola claramente o disposto no art.° 196.°, n.° 1 a 5.° do CPPT. 9.º Sempre teria que haver necessidade de constituição de garantia idónea - garantia real ou garantia bancária -, nos termos do disposto no art.° 199.° do CPPT, e art.° 623.° do Código Civil. - Veja-se o Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, de Jorge Lopes de Sousa, Vislis Editora. 10.º Bem como substituição dos gerentes responsáveis pela não entrega dos impostos em causa, nos termos do n.° 3, do art.° 196.º do CPPT. 11.º Para além disso, o plano sempre teria que ter em atenção que não poderia haver lugar a redução de coimas e custas; e 12.° Os créditos teriam que vencer Juros, nos termos do D.L n.° 73/99, de 16 de Março, aceitando-se as taxas praticadas para os créditos da Segurança Social, pelo que não seria possível um perdão dos Juros de mora vencidos e vincendos. 13.º Para além de que, a entidade competente para apreciar o pedido de pagamento em prestações, que também é a competente para apreciar as garantias (art.º 199.º, n.º 8 deste Código), é o órgão de execução fiscal ou o órgão periférico regional, conforme se estabelece nos n.° s 1 e 2 do art.° 197.° do diploma em causa. Ou seja, só esta entidade é que tem competência para analisar, aceitar e autorizar as verdadeiras excepções que estão previstas na lei quanto a este aspecto (prazo de pagamento das dívidas, juros). Ora no presente caso, verifica-se que, mesmo com a oposição da Fazenda Nacional, foi aprovado um plano, que foi alvo de uma decisão homologatória, que viola os referidos normativos legais que regem esta matéria. 14.° Para além de que o plano nada alega ou refere quanto à possibilidade de ser dispensada a prestação de garantia, nos termos da lei. 15.° Pelo que não é licito à Assembleia de Credores, atenta e desde logo a oposição da Fazenda Nacional, perdoar ou neste caso modificar o crédito, impondo um prazo excessivamente longo, uma vez que tal não é possível à luz do CPPT, nem é possível determinar que tais créditos deixem de vencer juros, ou neste caso, determinem qual a taxa de juro que vigora em tal prazo. 16.º Tendo sido homologado o referido plano, nos precisos termos supra descritos, entendemos que foi violado o disposto artigo 215.° do CIRE. 17.° Este preceito, que confere ao tribunal o papel de guardião da legalidade, cabendo-lhe em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano, quer as que concerne a aspectos de procedimento, como as que concerne ao conteúdo do plano (os respeitantes à sua parte dispositiva e, além deles, os que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e os que definem os temas que a proposta deve apresentar) 18.° Normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas além destas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.” - Código de Recuperação de Empresas anotado, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Volume II, (art.° s 185.° a 304.°), Quid Iuris, 2005). 19.° No patamar do conteúdo, também deverá ser considerado uma violação não negligenciável a omissão da indicação dos preceitos legais derrogados pelo plano - (art.° 195.°, n.° 2 e) do referido diploma legal. 20.° Dir-se-á, com efeito, que são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. - Código de Recuperação de Empresas anotado, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Volume II, (art.°s 185.° a 304.°), Quid Iuris, 2005. 21.º Ora, conforme fica dito a homologação do plano, acarreta resultados não permitidos por lei, uma vez que as alterações sempre teriam que ser feitas de acordo e nos precisos termos da lei, e com a autorização do órgão de execução fiscal, competente e respectivo. 22.° Para além disso no próprio artigo art.° 195.° n.° 1 do CIRE se lê que o plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrente para as posições dos credores de insolvência. 23.° Ora, conforme se constata, o plano em análise no presente recurso, não só não o fez, como também não lançou mão do disposto no n.° 2 e) deste normativo legal. 24.º Aliás e desde logo, e como fica dito no texto acabado de citar - Código de Recuperação de Empresas anotado, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Volume II - a omissão da indicação dos preceitos legais derrogados pelo plano, constitui violação não negligenciável de regras procedimentais ou de normas aplicáveis ao seu conteúdo. 25.° Ora no caso em apreço verifica-se que em momento algum foi lançado mão do disposto no art.° 195, n.° 2 e) do CIRE. Pelo que não foi afastada a aplicação de nenhuma norma, devendo por isso recorre-se à aplicação da legislação - nomeadamente o CPPT- que rege as dívidas fiscais. 26.° Continuando a acompanhar o texto supra referido, lê-se que “a aprovação de um plano de insolvência não comporta, em rigor, a derrogação de nenhum preceito legal, mas antes o afastamento da aplicação, ao caso concreto, de normas supletivas que se aplicariam, não fosse a decisão dos credores por uma alternativa...” Nem se coloca a questão de ter sido feita uma enumeração exaustiva, nem sequer uma remissão global e genérica para os preceitos que resultariam inaplicáveis, uma vez que pura e simplesmente inexistiu qualquer afastamento das normas aplicáveis às dívidas fiscais. 27. Importa também trazer à colação o estatuído no disposto no n.° 2 art.° 192.° do CIRE, “o plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste titulo ou consentido pelos visados.” - sublinhado nosso 28.º Conforme fica dita no Código de Recuperação de Empresas anotado, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Volume II, (art.°s 185.° a 304.°), Quid Iuris, 2005, “cremos, todavia, ser de admitir a não homologação, seja oficiosamente, com base no art.° 215.°, ou a requerimento do lesado, fundada no art.° 216.°, quando, não estando demonstrado o consentimento, tenha havido indevida afectação da posição jurídica dos interessados ou dos terceiros.” 29.° Uma vez que a Fazenda Nacional sempre manifestou a sua oposição ao plano, fica claro o seu não consentimento. 30.° Por tudo o exposto, entendemos que fica prejudicada, que foi afectada a posição jurídica do Estado. Mesmo sendo difícil fazer um juízo de prognose, e tendo em conta as normas supra referidas que regulam os créditos fiscais, para as quais e desde já remetemos, entendemos que com a aplicação dos mencionados normativos legais, a Fazenda Nacional teria previsivelmente uma situação mais favorável do que a contemplada no plano. Termina pedindo que seja revogada a sentença recorrida de homologação do plano de insolvência, seguindo o processo os ulteriores termos legais. O "Instituto de Segurança Social, I.P" alegou e concluiu do modo seguinte: 1. O M.mo Juiz do processo, na sentença de homologação do plano de insolvência, não teve em consideração que o plano de insolvência não derrogou os preceitos legais que regem a regularização das dívidas à Segurança Social, nomeadamente o Dec. Lei n.º 411/91, de 17/10. 2. Sendo certo que é neste diploma legal que estão fixadas as condições em que deve ocorrer a extinção (total ou parcial) da obrigação contributiva ou mesmo a alteração às condições de pagamento. 3. Com efeito, o artigo 195° do CIRE - sob a epigrafe conteúdo do plano - refere no seu n.º 1 que o plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência e, no seu n.º 2, alínea e) concretiza que: "deverá indicar os preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação". 4. A este respeito, o artigo 215° do CIRE, prevê que "o juiz do processo recuse oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo". 5. Entendendo-se por vício não negligenciável a violação de todas as normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autorize (neste sentido cfr. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda “ Código da Insolvência e d Recuperação de Empresas anotado Volume II, pág. 119). 6. Ora, no caso em apreço, não houve derrogação nem genérica, nem em concreto, das normas que regulam a regularização da divida à Segurança Social, e 7. Assim sendo, qualquer autorização da regularização da dívida à Segurança Social deveria ser feito de acordo com as referidas normas, e 8. Necessitaria sempre do acordo da Segurança Social, 9. Pelo que a decisão da assembleia de credores, não poderia acarretar alterações à obrigação contributiva. 10. Nem era admissível que a mesma definisse o conteúdo e os prazos de pagamento da obrigação contributiva, 11. Até porque um perdão quanto aos juros de mora vincendos ou moratória relativas às dividas da Segurança Social decididas em assembleia de credores, sem o respectivo consentimento da Segurança Social, porquanto as normas que regulam a regularização da divida à Segurança Social não foram derrogadas, constituiria um autêntico beneficio fiscal não autorizado e, portanto, ilegal. 12. Em consequência, entendemos que a sentença homologatória fez, assim, uma incorrecta interpretação e aplicação da Lei, violando o disposto nos art°s 195° e 215.º do CIRE e 1°, 2°, 3° e 5.° do DL n.º 411/91, de 17/10. Termina pedindo que seja revogada a sentença recorrida, seguindo o processo os ulteriores termos legais. Contra-alegou a recorrida insolvente "Rodrimouro-Carpintaria e Serralharia, L.da" pedindo a manutenção do julgado. Colhidos os vistos cumpre decidir. Com interesse para a decisão em recurso estão assentes os factos seguintes: 1. Por sentença proferida no dia 07/12/2005 foi declarada insolvente” a sociedade "Serralharia, Limitada". 2. Nessa sequência, o "Instituto da Segurança Social, I.P", que compreende o Centro Distrital de Segurança Social de Viana do Castelo, reclamou o seu crédito no valor global de € 21.649,33 (vinte e um mil seiscentos e quarenta e nove euros e trinta e três cêntimos), sendo € 18.376,06 (dezoito mil trezentos e setenta e seis euros e seis cêntimos) de contribuições referentes aos meses de Novembro de 2003, Janeiro a Dezembro de 2004 e Maio a Outubro de 2005 e € 3.273,27 (três mil duzentos e setenta e três euros e vinte e sete cêntimos) de juros de mora vencidos calculados até Dezembro de 2005; e a Fazenda Nacional reclamou o seu crédito no montante de € 17.486,00. 3. Em 13-02-2006 realizou-se a assembleia de credores para apreciação do relatório elaborado pelo Administrador de Insolvência e que deliberou no sentido da manutenção em actividade do estabelecimento compreendido na massa insolvente. 4. Em 16/05/2006 realizou-se a assembleia de credores para discussão e aprovação do plano de insolvência proposto pelo requerente ora insolvente, no qual se prevê o pagamento da totalidade do crédito do sector do Estado, nos quais se inclui a Segurança Social, à taxa de juro anual de 5%, em duas prestações anuais (vencendo-se a primeira em 30/06/2006) e pelo prazo de 5 anos. 5. Realizada a votação do plano de insolvência nos precisos termos em que o mesmo foi apresentado pela ora insolvente, foi o mesmo aprovado por mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados. 6. O Estado e o "Instituto da Segurança Social, I.P" votaram "contra" o plano assim delineado. 7. O Ex.mo Juiz homologou, por sentença, o plano de insolvência junto a fls. 186 a 278. 8. É desta decisão de que se recorre. Passemos agora à análise das censuras feitas à sentença recorrida nas conclusões dos recursos, considerando que é por aquelas que se afere da delimitação objectiva destes (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do C.P.C.). A questão essencial posta nos recursos é a de saber se está ferida de ilegalidade a homologação do plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores a qual, sem a concordância dos seus titulares, fez restringir o conteúdo e prazos de pagamento dos créditos do Estado e do "Instituto de Segurança Social, IP". I. Os créditos da segurança social referentes a contribuições que lhe sejam devidas e juros de mora gozam de privilégio mobiliário e imobiliário geral (art.ºs 10º e 11º do DL nº 103/80, de 09 de Maio). O Estado tem privilégio mobiliário geral para garantia dos créditos por impostos indirectos, e também pelos impostos directos inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores (n.º 1 do art.º 736.º do C.Civil); e os créditos por contribuição predial devida ao Estado… inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição (n.º 1 do art.º 744.º do C.Civil). Nos termos do estatuído no artigo 733.º do Cód.Civil, o privilégio concede ao credor, em atenção à causa do crédito, o direito de ser pago com preferência aos demais credores, independentemente de registo desta denunciada garantia; os privilégios creditórios nascem com a constituição do crédito de que são garantias, mas o seu alcance prático só com a efectiva apreensão dos bens se concretiza. O Estado e o "Instituto de Segurança Social e I.P" reclamaram contra a sociedade "Serralharia, L.da" os seus créditos que concretamente especificaram e que foram objecto de apreciação no que respeita à sua subsistência, validade e composição no contexto do processo de insolvência que teve lugar a requerimento desta sociedade. Do normativo legal descrito no art.º 62 do CPEREF Dispunha o art.º 62 do CPEREF: 1. As providências que envolvam a extinção ou modificação dos créditos sobre a empresa são apenas aplicáveis aos créditos comuns e aos créditos com garantia prestada por terceiro, devendo incidir proporcionalmente sobre todos eles, salvo acordo expresso dos credores afectados, e podem estender-se ainda aos créditos com garantia real sobre os bens da empresa devedora, nos termos em que o credor beneficiário de garantia real vier a acordar. 2. O Estado, os institutos públicos sem a natureza de empresas públicas e as instituições de segurança social titulares de créditos privilegiados sobre a empresa pedem claro seu acordo à adopção das providências referidas no número anterior, desde que o membro do Governo competente o autorize. extraía o intérprete dois princípios: - a extinção ou modificação de créditos da empresa só podia integrar a providência destinada à sua recuperação se incidisse sobre créditos comuns ou garantidos por terceiro; - cada um dos credores da empresa, salvo se nisso consentirem, não devia ser atingido de modo diferente em relação aos demais, isto é, o crédito de cada um deles havia de sofrer de modo proporcional as limitações que a providência viesse a consagrar - por ofensa do princípio de igualdade, que abranja os créditos comuns e os créditos que beneficiam de garantia, pessoal ou real, de terceiro, não pode ser homologada a deliberação da assembleia de credores, segundo a qual se «consideram créditos com garantia todos os créditos com garantias real ou pessoal de terceiros». Ac. da Relação de Coimbra de 16/01/96, C.J., 1996,1,12. Quer isto dizer que o credor que beneficiasse de garantia real sobre os bens da empresa desta racional regra ficava a coberto se dela não abdicasse e, assim, continuava a ser um credor privilegiado no contexto dos restantes credores comuns - compreende-se, por outro lado, que o credor beneficiário de garantia que não renunciou ao seu privilégio ficasse imune à medida, pois que só assim é assegurada, na sua plenitude, a eficácia da garantia (Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado”, pág. 190). Os credores detentores de garantia real continuavam a manter esta sua prerrogativa no caso de a medida de reestruturação financeira contra ela atentar, isto é, o n.º 1 deste artigo estabelecia o princípio da igualdade entre os credores, excepcionando, no entanto, os detentores de garantia real (hipoteca, por exemplo). Hélder Martins Leitão, in Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência Anotado e Comentado, pág. 121. O Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (Dec. Lei n.º 132/93, de 31/07), incidindo a sua atenção sobre a problemática da importância político - social das empresas em situação económica deficitária, consagrava um regime processual introdutório comum à recuperação e à falência da empresa, afastando do regime da falência a concordata e o acordo de credores, nele se afirmando o primado da recuperação sobre a falência da empresa. Preâmbulo do Dec.Lei n.º 132/93, de 23/04. As providências de recuperação adiantadas pelo CPEREF precediam sempre a declaração de falência e tendo como objectivo unicamente a evasão a tal medida. Outra é a configuração jurídico-sistemática do actual CIRE (aprovado pelo Dec.Lei n.º 53/2004, de 18/03 e alterado e republicado pelo Dec.Lei n.º 200/2004, de 18/09) que acomoda o plano de insolvência, regulado nos seus art.ºs 192º a 222.º, numa fase posterior à declaração de falência, o qual evoca como uma das formas de compor a satisfação dos interesses dos credores para além da liquidação do património do devedor. Sendo objectivo do processo de insolvência a satisfação dos direitos dos credores a qual por eles será sempre melhor conseguida, é por essa via que, seguramente, melhor se concretizará o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado - quando na massa falida insolvente esteja compreendida uma empresa que não gerou rendimentos necessários ao cumprimento das suas obrigações, a melhor satisfação dos credores pode passar tanto pelo encerramento da empresa, como pela sua manutenção em actividade; mas é sempre da estimativa dos credores - todos os credores - que deve depender, em última análise, a decisão de recuperar a empresa, e em que termos… ” Preâmbulo do DL 53/2004.. Neste encadeamento de ideias é que o art.º 97.º do CIRE, com a declaração de insolvência, estabelece a extinção dos privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência - al. a) e dos privilégios creditórios especiais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social vencidos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência; Ora, se é assim Justifica-se que com a declaração de insolvência deixem de ser atendidas certas garantias: em relação às alíneas a) e b) do art.º 97.º, a extinção da garantia justifica-se pelo facto de estes privilégios representarem créditos de grande volume, cuja preferência implicaria que mais nenhum credor recebesse - Menezes Leitão; CIRE, pág. 113., não haveremos nós de estar a fazer uma incauta ficção interpretativa da lei, qual seja a de discorrer lógica e mentalmente sobre esta problemática na errada suposição de que o Estado e o "Instituto de Segurança Social, IP" ainda mantêm a prerrogativa de serem titulares de créditos privilegiados e arredarmo-nos, displicentemente, da razão que está por detrás do estatuído no citado art.º 97.º do CIRE. Com a declaração de insolvência deixaram os recorrentes Estado e o "Instituto de Segurança Social, IP" de pertencerem ao número dos credores privilegiados e passaram a ser considerados credores comuns, como todos os restantes. II. Clarificada esta ocorrência de índole jurídico-interpretativa, outra delicada questão se nos questiona e a requerer adequado tratamento jurídico com vista a encontrar uma justa solução. Será permitido à assembleia de credores, mesmo com a sua denotada oposição, modificar os créditos dos recorrentes, de tal modo que venha a impor um prazo mais longo para a sua liquidação em desrespeito pelo regime legal estipulado no CPPT, ou que passe a determinar que os seus créditos deixem de vencer juros ou determinem uma taxa menos onerosa que passe a vigorar durante tal período de tempo? Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 195º (conteúdo do plano) do CIRE, Dispõe o art.º 195º do CIRE: 1 - O plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência. 2 - O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente: a) A descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor; b) A indicação sobre se os meios de satisfação dos credores serão obtidos através de liquidação da massa insolvente, de recuperação do titular da empresa ou da transmissão da empresa a outra entidade; … e) A indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação. o plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descrever as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e conter todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente: a) a descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor; b) a indicação sobre se os meios de satisfação dos credores serão obtidos através de liquidação da massa insolvente, de recuperação do titular da empresa ou da transmissão da empresa a outra entidade; Melhor planificando o sentido normativo acabado de transcrever, o artigo 196.º (providências com incidência no passivo) deste mesmo diploma legal logo veio revelar que o plano de insolvência pode, nomeadamente, conter as seguintes providências com incidência no passivo do devedor (n.º 1): a) o perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, com ou sem cláusula «salvo regresso de melhor fortuna»; b) o condicionamento do reembolso de todos os créditos ou de parte deles às disponibilidades do devedor; c) a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos; d) a constituição de garantias; e) a cessão de bens aos credores. Quer isto dizer que o plano a homologar, não contendo a derrogação de algum direito do Estado referente aos seus privilégios em virtude de terem sofrido a restrição preconizada pela declaração de falência (art.º 97.º do CIRE), igualmente não perde a sua força vinculativa se vier a consagrar o perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros. A disciplina legal advinda do estatuído no artigo 97º do CIRE, na medida em que extingue os privilégios do Estado e outras entidades públicas, não está condicionada pelo conteúdo que sobressai do Dec. Lei n.º 411/91 ou com as normas que regem as dívidas fiscais e princípios consagrados no Código de Procedimento e Processo Tributário pelo que, se algum das normas do CIRE permitir a afectação do crédito da segurança social, seja em termos de redução seja de deferimento do pagamento, por deliberação dos credores homologada, ter-se-á de concluir pela vinculação do recorrente ao plano. Ac. Rel. Porto de 13 de Julho de 2006; www.dgsi.pt. No contexto do processo de insolvência está acolhido o princípio da igualdade dos credores e, destarte, tanto o "perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros” como “a modificação dos prazos de vencimento ou as taxas de juro dos créditos, sejam créditos comuns, garantidos ou privilegiados", podem ser aprovadas no âmbito de um plano de insolvência. III. Detenhamo-nos agora sobre a redacção, circunstanciadamente descrita, da alínea e) do n.º 2 do art.º 195.º do CIRE - o plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente, a indicação dos preceitos legais derrogados, e do âmbito dessa derrogação. Estejamos preparados para ajuizar desde já que não quis o legislador que a expressão "indicação dos preceitos legais derrogados"tivesse um valor absoluto de forma a abranger todas as normas que compreendem o nosso ordenamento jurídico. A disciplina legal emanada da alínea e) do n.º 2 do art.º 195.º do CIRE há-de ser interpretada de forma a ter em consideração o disposto no seu art.º 192º, n.º 1 e que estabelece que “o pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor, bem como a responsabilidade do devedor depois de findo o processo de insolvência, podem ser regulados num plano de insolvência em derrogação das normas do presente Código”. Assim, a referência que a alínea e) do n.º 2 do art.º 195.º do CIRE faz às normas derrogadas circunscreve-se tão-só ao comando especificadamente expresso no n.º 1 do art.º 192.º do CIRE e neste contexto se esgota a sua eficácia, dimensão e alcance. Salientemos que a este propósito o CIRE prevê um regime demarcadamente supletivo e, por isso, também afastável por deliberação dos credores em ordem a obterem uma melhor ordenação dos seus interesses seriamente coarctados com a declaração de insolvência do seu devedor. Nem mesmo de uma derrogação se podendo falar porquanto, ao lançar mão de um plano de insolvência como meio de auto-regulação de interesses, nos termos permitidos pela própria lei, os credores exercem simplesmente, a faculdade que lhe é concedida de afastar, no caso concreto, o desencadeamento da solução supletiva legal, mas não abolem nem eliminam, ainda que parcialmente, nenhuma norma do Código, mantendo-se elas plenamente vigentes e aplicáveis em todas as demais situações em que não haja intervenção dos credores, diferentemente do que sucederia se se tratasse de um verdadeiro caso de derrogação”. Carvalho Fernandes e João Labareda; Código de Recuperação de Empresas anotado, pág. 39. O termo "derrogação" utilizado naquela norma não se identifica com o conceito técnico-jurídico predisposto no nosso sistema jurídico para caracterizar esta concepção legal, porquanto a oportunidade que neste enquadramento é dada aos credores não lhes confere o direito de, geral e abstractamente, retirarem da sua vigência algum preceito do CIRE, mas apenas lhe é deferida a possibilidade de, em determinados casos concretamente evidenciados, poderem regular de forma diversa da lei vigente uma certa questão que, ponderadamente, não justifica tal subsunção legal. Lembremos ainda que, ex vi do disposto no art.º 216º, n.º 1, al. a), do CIRE, o juiz pode recusar a homologação do plano de insolvência se isso lhe for solicitado por algum credor…contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis que "a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano". Não tendo usado desta prerrogativa no processo, também não poderão os recorrentes fazer valer em seu proveito a ocorrência de um prejuízo que não foi oportunamente acautelado. Vejamos agora se o estatuído no art.º 215º do CIRE - que impõe que o juiz tem de recusar oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação - faz com que no caso sub judice não deva ser homologado o plano de insolvência transcrito a fls. 63 e segs. Entendendo-se por vício não negligenciável (que a lei não define), no que respeita ao conteúdo do plano, a violação de todas as normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, esse vício inexiste face ao que se deixou exposto acerca da possibilidade de derrogação de normas legais pelo plano de insolvência, consubstanciado (cfr. art.ºs 1º e 192º do CIRE) como um instrumento de auto-regulamentação dos interesses dos credores, alternativo à liquidação universal do património do devedor, e por aqueles definido, Acórdão da Relação do Porto de 15 de Dezembro de 2005; www.dgsi.pt. não se motivam razões para deixar legitimar a aprovação do plano de insolvência ora em exame. IV. Argumenta o Ministério Público que a sentença recorrida afronta os princípios da legalidade e da igualdade, constitucionalmente garantidos. Não lhe assiste, porém, razão. O princípio da legalidade previsto no n.º 2 do art.º 266.º da C.R.P. e que se caracteriza por a administração estar vinculada à lei, isto é, só pode actuar com base na lei, não havendo qualquer espaço livre da lei onde a administração possa actuar como um poder jurídico livre, não está desatendido na decisão proferida, como procurámos demonstrar. Também não há violação do princípio da igualdade na sua dimensão da proibição do arbítrio, pois que a decisão de que se recorre tem em consideração a natureza e a especificidade da situação que ajuizou, conotando-a com um critério de estrita legalidade e objectividade e não se demonstrando que o fez de forma arbitrária, discricionária ou discriminatória. Não se mostrando violados os preceitos normativos dos artigos 195.°, n.° 2, e), do CIRE, nem dos artigos 1°, 2°, 3° e 5.° do Dec. Lei n.º 411/91, de 17/10, nem ainda as regras jurídicas que presidem aos princípios que orientam a natureza das dívidas fiscais referenciadas no Código de Procedimento e Processo Tributário, designadamente nos seus artigos 196.° e 199.°, a sentença recorrida terá de se manter. Pelo exposto, julgando improcedentes os recursos, confirma-se a sentença recorrida. Custas pelos recorrentes - Estado e “Instituto da Segurança Social, I.P". Guimarães, 26 de Outubro de 2006. |