Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1977/01-1
Relator: ANTÓNIO GONÇALVES
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1.O critério a seguir para desvendar este conflito de jurisdições é o que está contido no art.º 65.º do C.P.Civil, nele se indicando as circunstâncias de que depende a competência internacional dos tribunais portugueses, isto é, traçando a órbita dentro da qual se move a jurisdição portuguesa em confronto com as jurisdições estrangeiras.
2. Aferindo as regras de competência internacional, o regime jurídico a ter em conta no modo de exercício da função jurisdicional afecta ao tribunais portugueses no que há de comum quanto a situações jurídicas que estão em contacto com outra ordem jurídica estrangeira, há-de ser o que advier a cada caso concreto atinente ao estatuído na norma de competência pontificada no art.º 65.º do C.P.Civil e, ainda, do que estiver regulado nas convenções internacionais pelo Estado Português assumidas.
3. Por força do Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, que veio substituir a Convenção de Bruxelas de 1968 na parte que diz respeito à competência judiciária, se as partes, das quais pelo menos uma, se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência; e essa competência será exclusiva, a menos que as partes convencionem em contrário; para tanto exige o Regulamento que o este pacto atributivo de jurisdição esteja celebrado por escrito ou verbalmente com confirmação escrita, ou em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si, ou no comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.
4. O princípio da não retroactividade da lei não é uma máxima absoluta que tem de ser hic et nunc percebido no sentido de que a nova lei só se aplica a casos que irão verificar-se no futuro, porquanto esta fundamental regra contemplada no do artigo 12.º do Código Civil, expressamente assinala que à nova lei pode ser atribuída eficácia retroactiva, neste caso se presumindo que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular; a cláusula de atribuição de jurisdição é uma cláusula que não se imiscui na contraposição de interesses substantivos postas ao serviço do equilíbrio negocial; porque deste sinalagma anda arredada e se prende inequivocamente com o pressuposto processual da competência internacional dos tribunal, a natureza de tal compromisso assume vincada natureza processual; e, como é consabido, quanto à aplicação no tempo da lei processual civil, a regra é a de que a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízo, salvo se a lei nova se fizer acompanhar de normas de direito transitório ou de para ela valer uma norma transitória.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

Da decisão proferida no processo de acção ordinária n.º 7806/06.5TBBRG/Vara de Competência Mista do T.J. da comarca de Braga, que declarou a incompetência internacional do Tribunal Judicial da comarca de Braga e, em consequência, absolveu da instância a ré “JOHN D..., S.A.”, com sede em Getafe (Madrid), Carretera de T..., km. 12, 200 28905 - Getafe (Madrid), dela recorreu a autora T- STB, L.da”, com sede no Lugar de F,,, freguesia de P..., Braga, que alegou e concluiu do modo seguinte:
1. O presente agravo é interposto da douta sentença proferida, pela qual o Tribunal a quo considera procedente a excepção de incompetência arguida pela Ré, determinando-se em consequência a sua absolvição da instância;
2. O aresto fundou-se na circunstância de vigorar no direito português desde 01/03/2002, o Regulamento (CE n.º 44/2001, do Conselho de 22/12/2000, que derrogaria o disposto nos artigos 99°, n.º 3, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil, o estabelecido no artigo 19°, alínea g) do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro e igualmente o artigo 38° do DL n.º 177/86, de 25/10, uma vez que o regime estabelecido neste diploma, designadamente o seu artigo 23.º sobrepor-se-ia às normas internas de competência internacional.
3. Ora, Agravante entende que o Tribunal fez uma errada interpretação da lei e das disposições legais que invocou, tendo ainda negligenciado princípios gerais de direito e disposições relativas à aplicação da lei no tempo;
4. Na realidade, a validade substancial dos pactos atributivos de competência tem de ser aferida à luz da lei que estava em vigor quando tais pactos foram firmados e não à luz da nova lei sobrevinda;
5. O Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária é directamente aplicável a todos os Estados membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia e prevalece sobre as normas reguladoras da competência internacional previstas no nosso código de processo civil;
6. Contudo, a validade do pacto atributivo de jurisdição constante da Cláusula VIII, ponto n.º 9 do contrato de concessão comercial terá que ser aferida tendo em conta a legislação em vigor à data em que tal contrato de concessão foi celebrado e não à luz de legislação que entrou em vigor em data posterior, como é o caso do Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho.
7. É que a aplicação do Regulamento n.º 44/2001 a um pacto de competência anterior à sua entrada em vigor redundaria em violação do princípio da irretroactividade consagrado, em matéria de aplicação da lei no tempo, no n.º 1 do artigo 12° do Código Civil e reafirmado e desenvolvido na 1 a parte do n.º 2 do mesmo preceito.
8. A regra de conflitos que se extrai deste artigo 12°, n.º 2, 1.ª parte, do Código Civil, é a de que a Lei Nova sobre o regime dos contratos não se aplica aos contratos anteriores, sendo a lei de origem ou lex contractus que regula todos os efeitos dos contratos, quer os efeitos directos, quer os chamados efeitos indirectos.
9. O Regulamento (CE) n.º 44/2001, ao considerar bastante que o pacto atributivo de jurisdição deva ser celebrado por escrito ou verbalmente com confirmação escrita, sendo menos exigente do que as regras de competência internacional dos tribunais internos, designadamente as que estão previstas no artigo 99°, n.º 3, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil, está a incidir sobre a própria validade (e não apenas sobre os efeitos) dos pactos de competência.
10. É que a celebração de convenções sobre a competência (quer de pactos de jurisdição, quer de pactos de competência, quer de convenções de arbitragem) está genericamente sujeita às mesmas regras de formação (atinentes à declaração de vontade e aspectos conexos) e aos mesmos requisitos de validade de qualquer contrato substantivo.
11. O estatuto do contrato é determinado em face da lei vigente ao tempo da conclusão do mesmo contrato;
12. Assim, não pode dizer-se como se faz erradamente a nosso ver na douta sentença recorrida, que o pacto atributivo de competência inserto no contrato de concessão datado de 1 de Janeiro de 2002 é válido à luz do Regulamento Comunitário n.º 44/2001 uma vez que este que só entrou em vigor em 01/03/2002, apesar de se aplicar às acções que entraram em tribunal após esta data, como é o caso da presente.
13. A validade do pacto atributivo de competência inserido no contrato de concessão comercial terá que ser aferida tendo por base a legislação em vigor à data da sua celebração, ou seja, terá que ter em conta o artigo 99°, n.º 3, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil, o artigo 19°, alínea g) do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro e igualmente o disposto no artigo 38° do DL n.º 177/86, de 25 de Outubro.
14. A estipulação da jurisdição dos Juízos do Tribunal de Madrid como competente para apreciar os litígios relativos à interpretação e cumprimento do presente contrato de concessão comercial não é justificada por um interesse sério da Ré.
15. A concessão desenvolveu-se exclusivamente em território nacional, tendo a concessionária a sua sede, stand de vendas e oficina em território português, mais concretamente no concelho de Braga. Ou seja, o contrato de concessão foi sempre totalmente executado em território português.
16. Não existe um interesse sério de nenhuma das partes em atribuir a competência aos Tribunais espanhóis, o que existe de facto é um capricho da agravada que impõe o exercício do seu poder dominante na relação jurídica que mantinha com a agravante, impondo que esta se quisesse demandá-la teria que se deslocar a Espanha, já supondo que tal exigência acarretaria, muito provavelmente, a impossibilidade de exercício dos seus direitos.
17. Refira-se, ainda, que, nos termos do disposto do artigo 38°, do DL n.º 178/86, de 3 de Julho, que instituiu o regime jurídico do contrato de agência "Aos contratos regulados por este diploma que se desenvolvam exclusiva ou preponderantemente em território nacional só será aplicável legislação diversa da portuguesa, no que respeita ao regime da cessão, se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente".
18. Uma correcta interpretação do referido artigo levará à conclusão de que esta norma também releva no plano da competência internacional e não apenas ao nível do direito dos conflitos, na medida em que do mesmo parece resultar haver que provar que a jurisdição estrangeira, apurada nos termos gerais, irá aplicar um direito que obedece àquele requisito, isto é, ser mais vantajoso para o agente. Logo, não sendo feita essa prova - como aconteceu no caso dos autos - serão competentes os tribunais portugueses.
19. No caso dos autos, nem sequer vem alegado que a jurisdição espanhola fosse aplicar uma legislação mais vantajosa para a Agravante o que, também por esta via implica a competência dos tribunais portugueses.
20. O ajuizado contrato de concessão constituiu um contrato de adesão, uma vez que não teve oportunidade de discutir qualquer das cláusulas que o mesmo continha, limitando-se a preencher os espaços em branco do documento já previamente preparado para o efeito pela Agravada, cujo texto foi igual para a Autora como para qualquer outro concessionário John Deere localizado em Portugal ou em Espanha.
21. Deste modo, sempre haveria que verificar a validade do pacto atributivo de competência à luz das regras especiais das cláusulas contratuais gerais, designadamente do artigo 19° do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, na qual se estabelece são proibidas as cláusulas que estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem.
22. Ora, tratando-se esta disposição contida no regime das cláusulas contratuais gerais, uma verdadeira condição de validade substancial do pacto atributivo de competência em vigor ao tempo da outorga do contrato de concessão, é recorrendo a esta cláusula que irá ser analisado tal pacto e não recorrendo ao Regulamento Comunitário que entrou em vigor posteriormente à outorga de tal pacto inserido no contrato de concessão comercial outorgado em 1 de Janeiro de 2002.
23. Conforme resulta da cláusula VIII, ponto 9, do contrato de concessão celebrado em 1 de Janeiro de 2002, foi estipulado pelas partes o seguinte:"A interpretação e o cumprimento do presente contrato, com sujeição ao convencionado na cláusula anterior sobre o direito aplicável, ficam submetidas à jurisdição, com exclusão de quaisquer outros, dos Juízos do Tribunal de Madrid”.
24. A competência do Tribunal determina-se pelo pedido da autora, sendo ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão daquela, compreendidos aí os respectivos fundamentos.
25. Resulta do pedido que a Autora, aqui agravante, peticionou, por um lado, uma indemnização pelos danos causados pelo insuficiente pré-aviso concedido pela Ré aquando da denúncia do contrato de concessão comercial. E, por outro lado, uma indemnização de clientela, que mais não é do que uma compensação devida ao concessionário, após a cessação do contrato, pelos benefícios de que o concedente continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente (artigo 33° do citado DL n.º 178/86, de 3/7).
26. Assim sendo, face ao alegado na petição, o contrato de concessão teria cessado por denúncia, limitando-se a autora a formular um pedido de indemnização em virtude da denunciante ter feito cessar o contrato sem respeitar o prazo do pré-aviso. E como o direito à indemnização de clientela nasce, precisamente, com a cessação do contrato, formulou a agravante, também, o respectivo pedido.
27. Constata-se, pois, que, atendendo aos termos em que foi posta a acção, o contrato estava findo, subsistindo apenas os efeitos posteriores e externos relativamente à relação contratual. O que significa que o presente litígio não se refere a qualquer questão de interpretação do contrato ou sua aplicação. Consequentemente, não lhe é aplicável o pacto de jurisdição invocado na douta sentença recorrida;
28. Apesar do Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho, de 22/12/2000, ter aplicação às acções entradas em juízo após 1/0/3/2002, não se pode concluir, como faz erradamente na douta sentença recorrida, que as disposições genéricas contidas no mesmo, designadamente o disposto no artigo 23°, afastem as regras de competência em matérias específicas, que regulam a competência judiciária, contidas nas leis nacionais.
29. Isso mesmo resulta do disposto no artigo 67° do citado Regulamento Comunitário: na realidade, sempre que existam normas específicas que regulem a competência dos tribunais, estas normas prevalecerão sobre as regras genéricas que advêm do citado diploma comunitário.
30. Ou seja, se é aceitável que o Regulamento é directamente aplicável a todos os Estados membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (artigos 1°, 68°° e 76°, e o artigo 8° da Constituição da República Portuguesa) e prevalece sobre as normas reguladoras da competência internacional previstas nos artigos 65°, 65° -A, e 99°, já não pode aceitar-se que as normas genéricas inseridas no mesmo Regulamento, designadamente o invocado artigo 23° se possam sobrepor a normas específicas, criadas para situações específicas ou litígios sobre matérias específicas, como é o caso do artigo 38° do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho.
31. Sendo o contrato de concessão comercial um contrato juridicamente atípico, tem a nossa Jurisprudência e Doutrina defendido que o regime do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho (Lei do Contrato de Agência) é-lhe aplicável por analogia;
32. Dispõe o artigo 38° do citado diploma legal que: "Aos contratos regulados por este diploma que se desenvolvem exclusiva ou preponderantemente em território nacional só será aplicável legislação diversa da portuguesa, no que respeita à cessação, se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente".
33. O artigo 38° releva também no plano da jurisdição internacional competente, pois abrange também a electio iudicis; uma correcta interpretação do artigo 38° levará à conclusão de que esta norma releva no plano da competência internacional e não apenas no direito de conflitos. Com efeito, na medida em que o artigo 38° determina que «só será aplicável legislação diversa da portuguesa (...) se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente», parece haver que provar que a jurisdição estrangeira, apurada nos termos gerais, irá aplicar um direito que obedece àquele requisito. Não sendo feita esta prova, serão competentes os tribunais portugueses, pois ficou por demonstrar que o tribunal estrangeiro aplicaria legislação «mais vantajosa para o agente».
34. A não se entender assim, facilmente seria defraudada a intenção do legislador de tutelar o agente, no termo do contrato, caso este haja sido executado, exclusiva ou preponderantemente em território português: bastaria às partes, a fim de contornar esta norma imperativa (artigo 38°), em vez de escolherem um direito material estrangeiro para disciplinar a cessação do contrato, escolherem uma jurisdição estrangeira que aplicasse esse direito, ainda que menos vantajoso para o agente! E se a ratio legis do artigo 38° parece implicar a interpretação para que propendemos, a verdade é que ela não se afigura sequer prejudicada sequer pelo elemento literal.
35. Esta posição conduz, aliás, a resultados semelhantes aos que expressamente estão previstos em algumas legislações europeias. Assim, a lei espanhola sobre o contrato de agência (lei 12/1992, de 27 de Maio) contém uma disposição «adicional» onde se consagra que «a competência para o conhecimento das acções derivadas do contrato de agência corresponderá ao juiz do domicílio do agente, sendo nulo qualquer pacto em contrário» (...)"
36. Assim, não estando demonstrado os autos que a jurisdição espanhola fosse aplicar aos autos uma legislação mais vantajosa para o concessionário, a competência do tribunal judicial da comarca de Braga resulta também da norma especial imperativa do artigo 38°, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, à qual não se pode sobrepor a norma genérica do artigo 23° do citado Regulamento Comunitário, tanto mais que o próprio artigo 67° deste Regulamento ressalva as disposições que regulam a competência internacional em matérias específicas, como é notoriamente o presente caso.
37. Dispõe ainda o artigo 24° do citado Regulamento Comunitário que é competente o tribunal perante o qual o demandado compareça, desde que, conforme ocorreu no caso vertente, a dita comparência não se resuma à mera arguição da incompetência desse mesmo tribunal.
38. A competência internacional dos tribunais portugueses e do tribunal judicial da comarca de Braga em especial, determina-se também pela coincidência com as regras de competência territorial interna aplicáveis - princípio da coincidência (artigo 65°, n.º 1, al. a) do C.P.C.) - na medida em que o lugar do cumprimento das obrigações, face à disciplina da lei portuguesa, é a do domicílio do redor (artigo 774° do C. Civil);
39. Ao decidir de forma diversa, a douta Sentença Recorrida violou, entre outras, as seguintes disposições legais: artigos 12° e 774° do Código Civil, artigos 65° e artigo 99° do Código de Processo Civil, artigo 38° do Decreto-lei n.º 178/86, de 3 de Julho, artigo 19.º, alínea g) do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, artigos 23°, 24° e 67° do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22/12/2000 e artigo 8° da Constituição da República Portuguesa, pelo que deverá ser revogado.
Termina pedindo que seja revogada a decisão recorrida e se julgue o Tribunal Judicial da comarca de Braga internacionalmente competente para julgar o presente litígio.

Contra-alegou a recorrida “JOHN D..., S.A.” pedindo a manutenção do decidido.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

Com interesse para a decisão do recurso estão assentes os factos seguintes:
1. A autora “T- STB, L.da”, com sede no Lugar de Folão, freguesia de Priscos intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum e forma ordinária, contra a ré “JOHN D..., S.A.”, com sede em G... (Madrid), Carretera de T..., km. 12, 200 28905 - Getafe (Madrid), pedindo que a demandada seja condenada:
a) No pagamento de uma indemnização do montante de € 367.052,81 pelo insuficiente aviso prévio concedido à autora aquando da denúncia do contrato de concessão comercial que vigorava entre as partes;
b) No pagamento de uma indemnização de clientela à autora no montante de € 510.483,65;
c) No pagamento de juros de mora, à taxa legal, juros esses contados desde a citação até integral e efectivo pagamento.
2. A fundamentar este seu pedido alega a demandante que, sendo uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de máquinas agrícolas, peças e acessórios e prestação de serviços oficinais aos mesmos, aderiu em 24.03.1995 a um contrato previamente elaborado pela ré - que tem por objecto o fabrico, importação, distribuição e venda de equipamentos mecânicos (tractores e equipamentos agrícolas, industriais, de jardim e recreio, seus acessórios e peças sobressalentes) - e denominado por esta de “contrato de concessão” (cfr. fls. 66 e segs.), por via do qual foi designada concessionária exclusiva da marca para os concelhos de Braga, Vila Verde, Amares, Terras de Bouro, Vieira do Minho, Póvoa de Lanhoso, Guimarães, Fafe, Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto, Famalicão (parte) e distrito de Viana do Castelo (com excepção do concelho).
3. A ré, que não vem honrando o compromisso assumido com a autora, por carta datada de 01.09.2005 informou a autora de que não pretendia renovar o contrato de concessão pelas partes celebrado.
O pedido formulado contra a ré consubstancia o prejuízo que adveio à autora em resultado do incumprimento das obrigações que a demandada havia assumido perante a demandante.
4. Autora e ré acordaram no contrato de concessão que celebraram (cláusula VIII, ponto 9) que “a interpretação e o cumprimento do presente contrato, com sujeição ao convencionado na cláusula anterior sobre o direito aplicável, ficam submetidas à jurisdição, com exclusão de quaisquer outros, dos Juízos do Tribunal de Madrid”; e ficou também estabelecido neste contrato que “em tudo quanto não fique expressamente regulado no presente contrato, aplicar-se-á com carácter supletivo, o Código de Comércio, o Código Civil e as demais normas legais espanholas que sejam aplicáveis” (ponto 8 da mencionada cláusula VIII).
5. Na sua contestação a ré veio excepcionar a incompetência internacional absoluta do Tribunal Judicial de Braga para conhecer do litígio assim apresentado pela autora, essencialmente fundamentando a sua pretensão na cobertura o disposto no art.º 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000 concede à validade do pacto de jurisdição contratualmente subscrito pelas partes na acção.
6. O Ex.mo Juiz, considerando que o pacto atributivo de jurisdição é válido e vinculativo de modo a conferir a competência exclusiva ao Tribunal de Madrid para a apreciação das questões atinentes ao contrato celebrado entre as partes, conclui que o tribunal da comarca de Braga é internacionalmente incompetente para apreciar e decidir a presente acção e, em consequência, absolveu a ré da instância.
7. É desta decisão de que se recorre.

Passemos agora à análise das censuras feitas à decisão recorrida nas conclusões do recurso, considerando que é por aquelas que se afere da delimitação objectiva deste (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do C.P.C.).

A problemática posta no recurso é a de saber se é a jurisdição portuguesa a competente para dirimir o conflito de interesses trazido a juízo pelas sociedades “T....” e “JOHN D..., S.A.” ou se esta competência deve ser atribuída aos tribunais e legislação espanhola.

I. A questão que ora nos surge é a de saber se deve ser atribuída aos tribunais portugueses a competência para conhecer do litígio em que as partes estão envolvidas, tudo porque a acção sub judice, denunciadamente, na sua estrutura processual compreende sinais - pessoas jurídicas, pedido, causa de pedir, cumprimento da obrigação - que se conjugam e intersectam com as jurisdições portuguesa espanhola.
Das regras de incompetência internacional é que sobressai a designada incompetência absoluta, desta forma balizando o exercício da função jurisdicional pelo conjunto dos tribunais portugueses no quadro de relações jurídicas confrontadas com mais de uma ordem jurídica estrangeira.
O critério a seguir para desvendar este conflito de jurisdições é o que está contido no art.º 65.º do C.P.Civil ARTIGO 65.º (Factores de atribuição da competência internacional).
1 – Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes circunstâncias:
a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro;
b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
c) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
2. Para os efeitos da alínea a) do número anterior, considera-se domiciliada em Portugal a pessoa colectiva cuja sede estatutária ou efectiva se localize em território português, ou que aqui tenha sucursal, agência, filial ou delegação. , nele se indicando as circunstâncias de que depende a competência internacional dos tribunais portugueses, isto é, traçando a órbita dentro da qual se move a jurisdição portuguesa em confronto com as jurisdições estrangeiras. Prof. José Alberto dos Reis; Comentário; 1.º; pág. 106.
Do cotejo do que dispõem o n.º 1 do art.º 65.º do C.P.Civil e do que se estatui no n.º 2 do art.º 8.º da nossa Lei Fundamental poderemos dizer que neste contexto se dá especial prevalência ao que vem estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais e às normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português, anotando-se a este propósito que a nossa Constituição terá, assim, aderido "à tese da recepção automática, condicionada apenas ao facto de a eficácia interna depender da sua publicação oficial" e que a ideia do legislador constituinte foi a de aceitar a vigência das normas internacionais como tais e não como normas internas. Gomes Canotilho; Direito Constitucional; pág. 913).
Concretizando estes conceitos temos que, aferindo as regras de competência internacional, o regime jurídico a ter em conta no modo de exercício da função jurisdicional afecta ao tribunais portugueses no que há de comum quanto a situações jurídicas que estão em contacto com outra ordem jurídica estrangeira, há-de ser o que advier a cada caso concreto atinente ao estatuído na norma de competência pontificada no art.º 65.º do C.P.Civil e, ainda, do que estiver regulado nas convenções internacionais pelo Estado Português assumidas.
Outrossim, no contexto de termos de tomar uma opção de ordem selectiva, cumpre fazer notar que no seu campo específico de aplicação as convenções internacionais prevalecem sempre sobre as normas processuais portuguesas, Lebre de Freitas; Código de Processo Civil Anotado; I, pág. 124. princípio que vem sido também observado pelo nosso Supremo Tribunal que vem, inequivocamente, decidindo nesta conformidade - as normas da Convenção de Bruxelas de 27.09.1968, respeitantes à competência internacional, prevalecem sobre os artigos 65.º, 65.º -A, 99.º e 1094 A 1102.º do C.P.Civil. Ac. STJ de 12-6-97; BMJ; 468.º; 324.

Estamos agora em posição de poder asseverar que a resolução do diferendo que opõe as partes sobre qual das jurisdições é que deve julgar esta causa há-de passar pela sua submissão ao regime proposto no Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, que veio substituir entre os Estados-Membros as Convenções de Bruxelas e de Lugano de 16.09.1988.
Integra este Regulamento as disposições que definem a competência dos tribunais dos Estados comunitários, consubstanciando um peculiar diploma legislativo que absorve, derrogando-as, as normas reguladoras da competência internacional previstas na lei interna de cada Estado-Membro e mantendo a vigência da lei de cada Estado tão-só quando a especificada situação particular em exame se não compreender no âmbito de aplicação daquele Regulamento.
Tratando-se da abordagem de regras de incompetência internacional, isto é, de legislação que condiciona o exercício da função jurisdicional dos tribunais portugueses e cuja infracção determina a absolvição do réu da instância (artigos 101º, 102º e 105º, nº 1, do Código de Processo Civil), a apreciação desta excepção dilatória, uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa através de uma decisão de procedência ou de improcedência, terá de ser ajuizada à luz do pedido e da causa de pedir formulados pelo autor na petição inicial e/ou completada pelos dados transcritos pelo réu na sua contestação, circunscrita à parte em que suscita a dita excepção dilatória - como qualquer outro pressuposto processual, a competência é aferida em relação ao objecto apresentado pelo autor. Miguel Teixeira de Sousa; A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns; pág. 36.

II. Detenhamo-nos, então, na análise e preocupada interpretação do aludido Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, que veio substituir a Convenção de Bruxelas de 1968 na parte que diz respeito à competência judiciária.
Visou este Regulamento unificar, no âmbito da sua aplicação, as normas de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição (artigo 1.º, n.º 1), estabelece a regra do domicílio como factor de conexão essencialmente relevante para determinação da competência internacional do tribunal e no sentido de que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado (artigo 2.º, n.º 1) e, de forma especial, estabelece que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do respectivo capítulo (artigo 3.º, n.º 1).
Por força deste Regulamento, se as partes, das quais pelo menos uma, se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência; e essa competência será exclusiva, a menos que as partes convencionem em contrário.
Para tanto exige o Regulamento que o este pacto atributivo de jurisdição esteja celebrado por escrito ou verbalmente com confirmação escrita, ou em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si, ou no comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado. Artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000.
1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:
a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou
b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou
c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.
2. Qualquer comunicação por via electrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à "forma escrita".

Quer isto dizer que a vontade das partes livremente expressa no sentido de deferir a jurisdição adstrita a determinada relação jurídica e especificadamente individualizada, encaminhando-a para determinada ordem jurídica que integra a comunidade e desde que se verifiquem os pressupostos de forma para isso consagrados, passou a ser a regra a observar dentro da Comunidade a partir da entrada em vigor do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000.
Tendo este Regulamento entra em vigor em 1 de Março de 2002 (artigo 76.º), sendo a sua observância obrigatória em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia, porque se mostra realizado o formalismo regular e adequadamente consentido e a acção deu entrada em juízo numa altura em que já estava em vigor a imposição da disciplina cominada no Regulamento, a aplicação deste diploma comunitário ao caso sub judice não pode merecer quaisquer objecções.

III. Argumenta a recorrente que a validade do pacto atributivo de competência inserido no contrato de concessão comercial terá que ser aferida com base na legislação em vigor à data da sua celebração, ou seja, terá que ter em conta o artigo 99.º, n.º 3, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil, o artigo 19°, alínea g) do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro e igualmente o disposto no artigo 38° do DL n.º 177/86, de 25 de Outubro; e a estipulação da jurisdição dos Juízos do Tribunal de Madrid como competente para apreciar os litígios relativos à interpretação e cumprimento do presente contrato de concessão comercial não é justificada por um interesse sério da ré.
Não sufragamos este entendimento.
O princípio da não retroactividade da lei não é uma máxima absoluta que tem de ser hic et nunc percebido no sentido de que a nova lei só se aplica a casos que irão verificar-se no futuro, porquanto esta fundamental regra contemplada no do artigo 12.º do Código Civil, expressamente assinala que à nova lei pode ser atribuída eficácia retroactiva, neste caso se presumindo que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
Sem derrogação deste princípio, a nova lei pode estender-se a relações jurídicas já constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor, nos casos em que ela não faça uma nova valoração da obrigação que veio regular, mas antes tendo como objectivo a concretização de direitos já anteriormente firmados e reconhecidos ou, então, que se destine a prestar ou assegurar a sua efectivação.
No nº 2 do art.º 12º distinguem-se, “dum lado, as normas relativas à validade de quaisquer factos ou aos efeitos de quaisquer factos (entendendo por efeitos não só os efeitos imediatos sob todos os aspectos, mas ainda o conteúdo duma situação jurídica duradoira que seja definido ou intrinsecamente modelado em função dos respectivos factos constitutivos), do outro lado, as normas que dispõem directamente sobre o conteúdo das situações jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem.”
Atendendo a que o contrato é um acto de autonomia negocial, em que as partes tomam em conta, quando o celebram, a lei que então se acha em vigor, e que é em função dessa lei que elas realizam o equilíbrio das suas convenções, pode extrair-se o seguinte critério de orientação prática: em princípio, deve entender-se que a lei nova que tem incidência sobre situações jurídicas contratuais não abstrai dos factos que lhes deram origem e, por isso, só se aplica aos contratos futuros. Mas, se da interpretação da lei nova resultar que tal disposição visa o conteúdo ou os efeitos da situação jurídica contratual em si mesmos, ela será de aplicação imediata. Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Livraria Almedina, 1968, pág. 112 e 354.
No contrato de concessão celebrado e de que ora falamos, obrigaram-se as partes na determinação do tribunal internacionalmente competente para julgar o litígio que eventualmente viesse a surgir em resultado de todas a vicissitudes conexionadas com a sua interpretação, seu cumprimento e sobre o direito aplicável.
A cláusula de atribuição de jurisdição é uma cláusula que não se imiscui na contraposição de interesses substantivos postas ao serviço do equilíbrio negocial; porque deste sinalagma anda arredada e se prende inequivocamente com o pressuposto processual da competência internacional dos tribunal, a natureza de tal compromisso assume vincada natureza processual; e, como é consabido, quanto à aplicação no tempo da lei processual civil, a regra é a de que a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízo, salvo se a lei nova se fizer acompanhar de normas de direito transitório ou de para ela valer uma norma transitória.
Não há que atender à lei reguladora à data da relação material que com o processo se visa tutelar ou efectivar. Sejam quais forem os meios de tutela da relação jurídica no momento em que ela se constitui, o que interessa são apenas os admitidos na altura da sua apresentação em juízo. Se posteriormente à constituição da relação material foram alterados os meios de tutela jurisdicional, seja no sentido de a ampliar, seja no sentido de a restringir, ou modificadas as formalidades do processo, ou até os próprios pressupostos processuais, não há que atender à lei vigente no momento do nascimento da relação material litigiosa. Isto resulta da independência do direito processual em relação ao direito material, ou seja da autonomização da fase da realização jurisdicional ou autoritativa do direito frente à fase da sua realização pacífica. Prof. Anselmo de Castro; Direito Processual Civil Declaratório;Volume I, pág. 53.

O Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000, longe de coarctar, reduzir ou definir diferentemente os direitos/obrigações assumidos no contrato de concessão pelas partes celebrado, veio exclusivamente determinar nesta denunciada especificidade que ficasse assegurada, confirmando-a, a cláusula livremente aceite pelos subscritores do contrato de concessão que defere para os tribunais e legislação espanhola (Madrid) o julgamento de todas as acções que se prendam com a sua interpretação.
Configurando mais um modo complementar de definição da relação jurídica já estabelecida entre as partes, neste circunscrito circunstancialismo estamos perante uma situação em que a nova lei, longe de retirar a alguém o seu já alcançado direito nem frustrar as suas legítimas expectativas, vai definir de modo diferente, garantindo-a, a prerrogativa que indubitavelmente lhe assiste.
Porque é assim, não haverá que respeitar-se a regra de que cada acto tem como direito aplicável a lei vigente à data da sua prática (tempus regit actum) oriunda do princípio de que a lei só dispõe para o futuro e que quer muito prosaicamente afirmar (inspirado num critério de simples bom senso) que os particulares não podem ser profetas ou adivinhos do futuro e que não podem consequentemente ser penalizados por não terem previsto o direito futuro ou por não terem agido em conformidade com ele; A.Varela; RLJ; 120.º; pág. 108. pois que neste caso a retroactividade da lei não atenta contra o direito que se pretendeu proteger na altura do nascimento de tal relação.
Deste modo, tomando o princípio da não retroactividade das leis legalmente estatuído no art.º 12.º do C.Civil, nenhum fundamento existe capaz de impedir a aplicação ao caso sub judice do Regulamento (CE) n.º 44/2001; e seria até intolerável, a partir de boa fé com que as partes estipulam e aceitam, para delas reciprocamente se poderem aproveitar, cláusulas de foro (e de lei aplicável - ou outras), que irão reger os eventuais conflitos, exactamente provindos da relação obrigacional em que, ambas, estão comprometidas; as partes não só escolheram o foro para julgar os seus conflitos provenientes dos dois contratos, como a lei aplicável aos mesmos conflitos contratuais. Ac. STJ de 16.12.2004; www.dgsi.pt.
A situação que ora nos é apresentada na lide enquadra-se neste modo de configuração do princípio da não retroactividade da lei.

III. À sociedade agravante também se lhe não dá razão relativamente a todos os demais argumentos sub-repticiamente deduzidos como sustentáculo da sua pretensão.
Constatando-se que a ré “JOHN D..., S.A.” tem a sua sede em Getafe (Madrid), é por demais evidente que fica facilitada a sua tarefa se a tramitação da acção e o respectivo julgamento se processarem na cidade de Madrid, onde exerce a sua actividade comercial; e, não encerrando o art.º 38.º do DL n.º 178/86, de 3/07 ("aos contratos regulados por este diploma que se desenvolvam exclusiva ou preponderantemente em território nacional só será aplicável legislação diversa da portuguesa, no que respeita ao regime da cessão, se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente") qualquer norma de competência judiciária, porque não lhe é aplicável o art.º 67.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, Ac. STJ de 14.11.2006; www.dgsi.pt. não poderá ser concedida razão à agravante.
Estando em causa nesta acção a bondade da não renovação do contrato de concessão documentado a fls. 66 e segs., é da interpretação deste documentado convénio subscrito pelas partes que há-de resultar a solução final do litígio assim trazido a juízo.
E o pacto atributivo de jurisdição livremente acordado que define a obrigação das partes no que à competência do tribunal diz respeito; desta forma não se lhe subsumem o disposto no art.º 24.º do Regulamento (“para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça...”), o artigo 19° do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10 (são proibidas as cláusulas que estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem) nem o contemplado no artigo 65°, n.º 1, al. a), do C.P.Civil.
O tribunal é internacionalmente incompetente para apreciar e decidir a presente acção.

Pelo exposto, negando provimento ao agravo, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Guimarães, 25 de Outubro de 2007.