Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
239/08.0TBVCT-B.G2
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: PARTILHA DOS BENS DO CASAL
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
OPERAÇÕES DA PARTILHA
PASSIVO HIPOTECÁRIO
CRÉDITOS DOS CÔNJUGES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – Na conferência de interessados, em inventário, terão que ficar decididas todas as questões que possam influir na partilha, designadamente, acordo quanto à adjudicação de verbas e seus valores, eventuais licitações, na falta de acordo, aprovação do passivo e forma de pagamento do mesmo.

2 - Entrando bens na partilha com direitos de natureza remível, como é o caso da hipoteca, descontar-se-á neles o valor desses direitos, que serão suportados exclusivamente pelo interessado a quem os bens couberem, atribuindo-se a esse bem, para efeitos de partilha, um valor correspondente ao seu valor de adjudicação menos o valor correspondente ao passivo hipotecário (artigo 2100.º do CC)

3 – Existindo uma dívida que responsabiliza ambos os cônjuges e, pela qual, responderam bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer, sendo este crédito exigível no momento da partilha dos bens do casal – artigo 1697.º, n.º 1 do Código Civil – e devendo ser pago pela meação do cônjuge devedor no património comum, nos termos do disposto no artigo 1689.º, n.º 3 do mesmo Código Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Por apenso a ação de divórcio por mútuo consentimento, veio MJ requerer contra JC, inventário para partilha de bens comuns do ex-casal.
Nomeado cabeça de casal, JC apresentou relação de bens.
Deduzida reclamação pela requerente, apresentou o cabeça de casal nova relação de bens, com parcial aceitação da reclamação.
Quanto à parte da reclamação em que não houve acordo, procedeu-se a avaliação do imóvel (benfeitorias), foram juntos documentos e teve lugar a inquirição de testemunhas, após o que foi proferida a decisão de fls. 159 a 163.
Realizou-se conferência de interessados, seguida de licitações.
Reclamou o cabeça de casal relativamente a questões não sujeitas a apreciação na conferência de interessados, a que se seguiu despacho de indeferimento.
Foi dado despacho de forma à partilha e elaborado mapa informativo.
O cabeça de casal reclamou de nulidades cometidas, o que foi indeferido.
Foi elaborado o mapa da partilha e posto em reclamação.
De novo reclamou o cabeça de casal, vindo a sua pretensão de nulidade a ser indeferida.
A partilha foi homologada por sentença.
Desta interpôs recurso o cabeça de casal, tendo sido proferido acórdão neste Tribunal da Relação que julgou procedente a apelação, e anulou toda a tramitação subsequente ao despacho de 22/02/2012 (fls. 176 e 177), ele incluído, devendo o processo prosseguir em obediência ao decidido nesse acórdão.

Na sequência do acórdão proferido, foi designado dia para nova conferência de interessados, precedida de avaliação de bens móveis.
Nesta, foi indeferido requerimento para nova avaliação das benfeitorias (decisão que veio a ser revogada por acórdão proferido em recurso que subiu em separado) e foi ordenada a exclusão da verba relativa a despesas pagas pelo cabeça de casal, após o divórcio, por se considerar que tais despesas terão de ser aprovadas em sede de prestação de contas. Procedeu-se a licitações, tendo havido acordo quanto ao valor das restantes verbas descritas.
Foi ordenada a elaboração da partilha.
Foi indeferido requerimento do cabeça de casal no sentido de serem descontados no valor das benfeitorias os direitos de crédito da Banco A, que serão suportados pelo interessado a quem o bem couber.
Foi elaborado mapa informativo, seguido de mapa de partilha.
Após nova avaliação das benfeitorias, foi ordenada a reformulação do mapa, considerando o novo valor daquelas.
Foi indeferida nova reclamação do cabeça de casal quanto à forma como foi incluído o passivo.
Foi proferida sentença de homologação da partilha.

O cabeça de casal interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes

Conclusões:

1. O tribunal excluiu da relação de bens (ponto III) a verba que se refere a despesas com bens comuns (crédito reclamado pela Banco A e seguro de vida da interessada), pagas apenas pelo cabeça-de-casal, desde a separação do extinto casal, por considerar ser em sede de prestação de contas que tais despesas e eventuais rendimentos terão de ser aprovados – cfr. acta de fls. 466.
2. Com a decisão proferida, foi violado o disposto nos arts. 1689.º, 1691.º, n.º 1, al. a), 1695.º, n.º 1 e 1697.º, do CC.
3. Deve o despacho proferido ser substituído por outro que admita o crédito do cabeça-de-casal, bem como os documentos comprovativos juntos e os considere no momento da partilha.
4. Não se resolveram, na conferência de interessados, todas as questões que influem na partilha - cfr. acta a fls. 466.
5. Foram omitidos os assuntos:

a) ausência da deliberação sobre o pagamento do passivo relacionado e aprovado pelo extinto casal;
b) ausência de deliberação/determinação/decisão da adjudicação das benfeitorias relacionadas como verba n.º 1 (edificadas em imóvel próprio do cabeça-de-casal).
c) ausência da deliberação/decisão relativamente às verbas não licitadas.
6. Foi violado o art. 1353.º CPC, devendo ser ordenada a realização de nova conferência de interessados a fim de submeter todos os assuntos cuja resolução possa influir na partilha – cfr acta de fls. 466.
7. Ordenada a subsequente elaboração da partilha (nos termos indicados pelo cabeça-de-casal, por imposição do art. 1373, n.º 2, do CPC) e depois da apresentação de requerimento (a fls. 481) defendendo, nos termos do art. 2100.º do C.C., que os direitos de terceiro de natureza remível (os da Banco A) descontar-se-ão no valor das benfeitorias, as quais serão suportados exclusivamente pelo interessado a quem o bem couber,
8. o tribunal a quo julgou indeferido a fls. 489.
9. Tendo violado o disposto no art. 2100.º do CC.
10. O tribunal notificou o cabeça-de-casal para pagar tornas e juntou mapa informativo, com elementos desconhecidos do cabeça-de-casal e que não foram submetidos à conferência de interessados (fls. 501).
11. Não o notificou do despacho determinativo da partilha ou do mapa da partilha para que dele pudesse reclamar.
12. Foram violados os arts. 3.º e 7.º e 1373.º, do CPC.
13. Deve ser julgado nulo e sem qualquer efeito.
14. De seguida e na sequência do informativo, o tribunal a quo notificou o cabeça de-casal do mapa de partilha, que se constituiu, além do mais, de elementos estranhos e que não foram submetidos à conferência de interessados.
15. Tendo, uma vez mais, sido violados os arts. 3.º e 7.º, do CPC.
16. Devendo ser julgado nulo e sem qualquer efeito.
17. Por despacho de fls 522, o tribunal a quo desconsiderou a reclamação apresentada pelo cabeça-de-casal que alertou para a ausência de desconto do valor de passivo e da imposição do art. 2100.º do CC, tendo resultado em cálculos incorrectos plasmados no mapa de partilha.
18. Resultando na reiterada violação do arts. 3.º, 7.º do CPC e 2100.º do CC.
19. Deve o despacho ser revogado e substituído por outro que contenha a decisão sobre as verbas não licitadas a adjudicar, o pagamento do passivo e fazer-se acompanhar do mapa informativo convenientemente organizado.
20. Concedida, por este venerando tribunal, a realização de nova avaliação das benfeitorias relacionadas na verba 1, o tribunal a quo convidou as partes a apresentar quesitos, que apenas permitiu idênticos aos apresentados para a avaliação anterior, contrariando o acórdão proferido que determinou que deveriam «(…)os correspondentes quesitos ser elaborados com suficiente abrangência e clareza, por forma a permitir a resolução de todas as questões que se prendem com a partilha(…)» (despacho de fls 541).
21. Tendo sido violado o princípio do caso julgado, encontram-se o despacho a quo ferido de nulidade.
22. Deverá o despacho ser revogado e substituído por outro que convide as partes a apresentar os seus quesitos com suficiente abrangência, nos termos decididos por este venerando tribunal.
23. O tribunal a quo, ordenou a reformulação do mapa de partilha em consideração com o valor das benfeitorias atribuído pela nova avaliação efectuada (88 943,00€), desconsiderando a redução do valor do perpeanho (granito) utilizada na construção das benfeitorias (despacho de fls. 594), que pertence apenas ao cabeça-de-casal por já existir no seu imóvel.
24. Não atendeu o tribunal a quo, às questões que influem na partilha, carreando, para a mesma, elementos que não fazem parte do acervo comum do casal, empobrecendo o cabeça-de-casal em desigual enriquecimento da interessada.
25. Violou o art. 1353.º do CPC.
26. Deve o despacho ser revogado e substituído por outro que considere o valor de 83 643,00€ para as benfeitorias, na reformulação do mapa de partilha.
27. Notificado do mapa de partilha reformulado o cabeça-de-casal veio reclamar do mesmo, defendendo estar desactualizado o valor de passivo (Banco A) e não ter sido considerado o art. 2100.º do CC, que o tribunal a quo desatendeu (fls. 611).
28. Prosseguiram os autos com nova notificação do mapa de partilha, que o cabeça-de-casal solicitou esclarecimento mas que não beneficiou de qualquer resposta do tribunal a quo.
29. O que configura nulidade.
30. Culminaram os autos de inventário na sentença homologatória de partilha:
(…)Nos presentes autos de inventário instaurado por MG contra JC, homologamos por sentença a partilha nos termos constantes do mapa de folhas 507 e adjudicamos a cada um deles as verbas nos aí indicados. (…)»
31. Não poderá concordar-se com a douta sentença proferida.
32. A fls 507 equivale apenas à última página do mapa de partilha e que apenas refere o que o cabeça-de-casal haverá, o que paga à interessada e o que paga de passivo.
33. O recurso da sentença homologatória da partilha destina-se a impugnar o
modo como ela foi organizada.
34. A sentença homologatória da partilha constante do mapa de fls 630 dos autos deve ser revogada.
Deve ser dado provimento ao recurso interposto

ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!

Não foram oferecidas contra alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato nos autos, com efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a necessidade de se efetuar nova perícia ao valor das benfeitorias, nos termos ordenados por este Tribunal da Relação; com a irregularidade da conferência de interessados, por nela não se terem apreciado questões que influem na partilha; com a necessidade de se averiguar o valor atual da dívida hipotecária e com o eventual desconto desta no valor das benfeitorias; e, finalmente, com a admissão da verba relativa a despesas comuns pagas apenas por um dos ex-cônjuges ou sua remessa para processo de prestação de contas.

II. FUNDAMENTAÇÃO

As ocorrências processuais relevantes para a apreciação do objeto do recurso constam do antecedente Relatório, a que acresce o teor do Acórdão deste Tribunal da Relação, proferido no apenso H e datado de 22/10/2015.
Começaremos, exatamente, por aí, apesar de não se seguir a sequência constante das conclusões do recurso, mas porque entendemos ser a questão que deve ser analisada em primeiro lugar, face às consequências que daí advirão para as restantes.

Vejamos.
Na Conferência de Interessados que teve lugar a 22 de abril de 2015, o cabeça de casal havia requerido a realização de nova perícia à verba n.º 1 da Relação de Bens (benfeitorias), em virtude de terem decorridos cinco anos desde a avaliação anteriormente efetuada e por ter sido realizada, entretanto, avaliação pela Autoridade Tributária ao prédio na sua totalidade, ao qual foi atribuído um valor bastante inferior (€ 66.260,00), para que nenhum dos cônjuges fique beneficiado ou prejudicado na partilha.
Tal requerimento foi, nessa mesma data, indeferido.
Interposto recurso, que subiu em separado, veio neste Tribunal da Relação a ser proferido Acórdão que julgou procedente a apelação, revogou a decisão recorrida e deferiu uma nova avaliação das benfeitorias, devendo ser dada oportunidade às partes de apresentarem os correspondentes quesitos.
No Acórdão pode ler-se: “Bom é de ver que se torna necessário saber que valor as benfeitorias acrescentam ao prédio onde foram incorporadas e isso não dispensa quer a averiguação do custo da realização das benfeitorias quer a avaliação do prédio no seu conjunto…(A resposta dada pelos peritos, quanto ao valor atual da construção) é, quanto a nós equívoca, pois fica-se sem saber se esse valor corresponde tão só ao custo da construção ou se é já o valor estimado para o valor do prédio, englobando a construção, o terreno onde está implantada e a ponderação de outros factores como o estado da habitação e as envolventes físicas e económicas (…) cremos ter interesse e fundamento legal a pretensão do recorrente para a 2.ª avaliação, devendo os correspondentes quesitos ser elaborados com suficiente abrangência e clareza, por forma a permitir a resolução de todas as questões que se prendem com a partilha” e, tudo isto, porque se considerou que o valor das benfeitorias deverá ser partilhado pelos interessados na proporção de metade para cada um, devendo tal valor ser encontrado segundo as regras do enriquecimento sem causa, com referência à data mais próxima da partilha.
Ora, estranhamente, pois, como é sabido, os tribunais de 1.ª instância devem obediência às decisões dos tribunais superiores, após se ter ordenado a notificação dos interessados para apresentarem os seus quesitos para a nova avaliação, veio a ser proferido despacho que indeferiu/excluiu os quesitos apresentados pelo cabeça de casal, com o argumento de que a segunda avaliação terá de ter o mesmo objeto da primeira avaliação e, quando o cabeça de casal apresentou requerimento no sentido de, pelo menos, ser descontado ao valor encontrado, o valor do material pré-existente no terreno (perpeanho que foi utilizado na reconstrução ao nível da cave, no valor de € 5300,00), tal requerimento foi indeferido por “carecer absolutamente de oportunidade”.
Não há dúvida, aqui, que o apelante tem razão.
Só o primeiro despacho que convidou as partes a apresentarem os seus quesitos para a nova avaliação, deu cumprimento à decisão do tribunal superior.
O que se lhe seguiu, indeferindo os sucessivos requerimentos do cabeça de casal, só por desatenção ao teor do Acórdão proferido no apenso H, pode ter explicação.
O Acórdão é claro.
Não se trata, aqui, de uma segunda perícia, no sentido constante do artigo 487.º do Código de Processo Civil, mas sim de nova avaliação às benfeitorias que permita encontrar o valor das mesmas, a partilhar pelos interessados segundo as regras do enriquecimento sem causa e com referência à data mais próxima da partilha, tendo em conta que a anterior avaliação datava já de 2010, avaliação essa para a qual deveriam concorrer quesitos elaborados com abrangência tal que permitissem resolver todas as questões que se prendem com a partilha, designadamente, as que concorrem para a delimitação daquilo com que o dono do prédio se acha efetivamente enriquecido.
Não tendo tal ocorrido, apesar das sucessivas reclamações do ora apelante, terá tal avaliação, e o despacho que a ordenou, que ser anulada, de forma a, aceitando-se os quesitos elaborados pelo cabeça de casal, dar resposta às questões aí suscitadas e que conduzam à correta avaliação das benfeitorias e não do prédio, nele incluído a construção e o terreno, sem esquecer que o valor a partilhar pelos interessados terá que ser encontrado segundo as regras do enriquecimento sem causa (designadamente, apurando-se que materiais eram pré-existentes, quais foram utilizados na reconstrução e qual o seu valor, bem como as questões ligadas à depreciação e estado de conservação do imóvel).

Também não se compreende o indeferimento da pretendida notificação do credor (Banco A) para que informasse o valor atualizado do passivo.
Como já salientámos, os valores devem ser considerados com referência à data mais próxima da partilha, pelo que, deve o tribunal notificar a Banco A para que dê essa informação atualizada, quando estiver preparado para elaborar o mapa da partilha.

Também tem razão o apelante quanto à forma irregular como decorreu a Conferência de Interessados, com consequências manifestas na forma como foi elaborado o mapa da partilha.
Para tal irregularidade e subsequente tramitação, havíamos já alertado no nosso primeiro Acórdão – cfr. fls. 316 e 317 dos autos – e verificamos, agora, que, com pequenas melhorias, a conferência continua a padecer dos mesmos vícios, dela não constando qualquer acordo para adjudicação de verbas, para além daquelas que foram licitadas, bem como nenhuma referência se fazendo à forma de pagamento do passivo, o que torna incompreensível o mapa informativo e subsequente mapa da partilha.
Tais assuntos devem obrigatoriamente ser submetidos à conferência de interessados, nos termos do disposto no artigo 1353.º do CPC, uma vez que a deliberação sobre os mesmos influi na partilha.

Terá, por isso, que ser realizada nova conferência de interessados, sendo que a anterior sempre iria ser anulada em face da decisão de se proceder a nova avaliação das benfeitorias e de se averiguar o valor atualizado da dívida à Banco A, questões que, sendo suscetíveis de influir na partilha, devem ficar resolvidas antes da designação de dia para a conferência de interessados, nos termos do disposto no artigo 1352.º, n.º 1 do CPC.

Outra questão suscitada pelo apelante e que, salvo o devido respeito, foi mal decidida, é a questão do pagamento do passivo e da sua imputação, como direitos de terceiro de natureza remível (da Banco A) a descontar no valor das benfeitorias, nos termos do disposto no artigo 2100.º do Código Civil.
O cabeça de casal requereu que fosse descontado no valor das benfeitorias, os referidos direitos de terceiro, que serão suportados pelo interessado a quem o bem couber, tendo tal requerimento sido indeferido por se considerar que as benfeitorias não podem considerar-se um bem para efeito de aplicação do artigo 2100.º do CC.
Não podemos concordar.
Resulta do disposto no artigo 1375.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável ao presente inventário, que a regra geral é a da dedução do passivo ao ativo (passivo este que tenha sido aprovado segundo as normas que regem essa matéria e que se encontram vertidas nos artigos 1353.º, n.º 3 e 1354.º e seguintes, do CPC).
Ora, correspondendo o passivo a uma dívida hipotecária, esta regra não sofre alteração, tanto mais que, por força do artigo 2100.º, n.º1, do Código Civil, entrando bens na partilha com direitos de natureza remível, como é o caso da hipoteca, “descontar-se-á neles o valor desses direitos, que serão suportados exclusivamente pelo interessado a quem os bens couberem.” (sem prejuízo, de se tal não suceder, o interessado poder acionar o disposto no n.º 2 do referido artigo 2100.º do Código Civil).
Trata-se, como se pode ler no Acórdão da Relação de Lisboa de 18/02/2014, processo n.º 1696/06.5TMLSB-A.L1-1 (relatora Adelaide Domingos), in www.dgsi.pt, “de solução jurídica que nem sequer se perspetiva como polémica e já foi inclusivamente objeto de outros arestos, onde se ponderou situação semelhante, realçando-se que o raciocínio subjacente à solução jurídica, é muito claro e simples. Na verdade, quando um ex-cônjuge licita um imóvel, licita tendo em mente a aquisição do direito de propriedade. Se sobre o direito de propriedade recai, na titularidade de terceiro, um direito real de garantia, como seja o caso de uma hipoteca, que confere a esse titular o direito de sequela desse mesmo bem, “a medida deste direito é a medida da desvalorização do bem o que significa que atribuir a um dos cônjuges um determinado imóvel sobre o qual recai uma hipoteca é atribuir-lhe, para efeitos de partilha, um valor correspondente ao seu valor de adjudicação menos o valor garantido pela hipoteca”, a não ser que “a hipoteca seja remida antes da partilha, através do pagamento que a extingue – art. 730.º. al.a) do CCivil”.

Veja-se, também, Ac. Relação de Coimbra, de 19.06.2013, proc. 1489/10.5TBGRD.C1, disponível no mesmo site:1.- Em inventário para partilha de meações subsequente a divórcio, o passivo “comum”, que tenha logrado ser aprovado por ambos os ex-cônjuges ou que, não o tendo logrado, o juiz tenha considerado verificado, submete-se à regra geral do art.1375º, nº2 do C.P.Civil, isto é, deduz-se ao activo, pura e simplesmente.
2.- Já quanto ao passivo “hipotecário”, na medida em que a lei especialmente dispõe que entrará em partilha o imóvel onerado como se tal ónus não existisse (cf. art. 2100º do C.Civil), importa descontar nele o valor desse ónus, pois que, atribuir a um dos cônjuges, no inventário para separação de meações, um determinado imóvel sobre o qual recai uma hipoteca é atribuir-lhe, para efeitos de partilha, um valor correspondente ao seu valor de adjudicação menos o valor garantido pela hipoteca”.

Neste sentido, e com a clareza que é apanágio do seu relator, veja-se Acórdão do STJ de 17/12/2009, processo n.º 147/06.OTMAVR.C1.S2 (relator Pires da Rosa), in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:

“1 – Atribuir a um dos cônjuges, no inventário para separação de meações, um determinado imóvel sobre o qual recai uma hipoteca é atribuir-lhe, para efeitos de partilha, um valor correspondente ao seu valor de adjudicação menos o valor garantido pela hipoteca.
2 – O passivo garantido por hipoteca deverá ser imputado ao cônjuge adjudicante e a partilha dos bens condicionará e será condicionada por essa imputação.”

Neste mesmo acórdão pode, ainda, ler-se: “Sobre esse direito de propriedade recaía, na titularidade de um terceiro, no caso a Banco X, um direito real de garantia, uma hipoteca que confere a esse titular o direito de sequela desse mesmo bem. A medida deste direito é a medida da desvalorização do bem o que significa que atribuir a um dos cônjuges um determinado imóvel sobre o qual recai uma hipoteca é atribuir-lhe, para efeitos de partilha, um valor correspondente ao seu valor de adjudicação menos o valor garantido pela hipoteca.
A menos que a hipoteca seja remida antes da partilha, através do pagamento que a extingue – art.730º, al. a ) do CCivil. Porta, aliás, aberta pelo disposto no art.2099º do CCivil – se existirem direitos de terceiro, de natureza remível, sobre determinados bens da herança, e houver nesta dinheiro suficiente, pode qualquer dos co-herdeiros ou o cônjuge meeiro exigir que esses direitos sejam remidos antes de efectuada a partilha. Num tal caso, livres chegarão os bens à partilha e pelo real valor da sua liberdade serão adjudicados.
Mas se assim não for – e aqui não foi - entrando os bens na partilha com os direitos referidos no artigo anterior, descontar-se-á neles o valor desses direitos, que serão suportados exclusivamente pelo interessado a quem os bens couberem – é o que reza o disposto no art.2100º do CCivil.
Claro que outra solução seria imaginável. Qual fosse a de considerar adquirido pelo adquirente, passe o pleonasmo, o valor real do bem e assim o considerar na partilha do activo, e colocar na imputação de ambos os cônjuges, metade para cada qual, a obrigação de pagamento do passivo, pagamento que se diferiria aliás no tempo, prestação a prestação. Só que tal solução tinha o grave inconveniente de impor ao licitante do bem a obrigação de entregar de imediato ao seu ex-cônjuge afinal a quantia com a qual este, por sua vez, deveria ir assegurar a metade do pagamento de cada prestação futura, correndo ainda o risco de ter que repetir a prestação para salvar o seu direito se acaso este último deixasse de cumprir pontualmente a metade de cada prestação futura.
Dir-se-á que, no reverso, é o mesmo o risco corrido pelo cônjuge não licitante, porque ele não deixa de responder directamente perante o credor, como aliás se verifica pela declaração da Banco X - «não desonerará qualquer dos interessados em caso de incumprimento».
Não é assim. E não é assim porquanto o não licitante tem ao menos a garantia do disposto no art.835º do CPCivil – tratando-se de dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora começa, independentemente de nomeação, pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução”.
No caso dos autos, o valor que tem sido atribuído às benfeitorias – e recorde-se que estas não são mais que um imóvel construído pelos ex-cônjuges em terreno propriedade, apenas do cabeça de casal – é superior à verba do passivo aprovado pelos dois interessados e que constitui o valor ainda em dívida da hipoteca.
Assim, tem razão o apelante, devendo descontar-se no valor das benfeitorias, o valor do passivo hipotecário, que será suportado exclusivamente pelo interessado a quem aquelas couberem.

Finalmente, há ainda que dar razão ao apelante quanto à questão da verba n.º III da Relação de Bens, indicada como crédito do cabeça de casal e relativa ao pagamento, apenas por este, após o divórcio, de prestações bancárias à Banco A, e que dizem respeito à dívida da herança indicada como passivo.
É que, não havendo dúvidas que se trata de dívida que responsabiliza ambos os cônjuges – artigo 1691.º, n.º 1, alínea a) do Código Civil (dívidas contraídas por ambos os cônjuges na constância do casamento) – e, pela qual, responderam bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer, sendo este crédito exigível no momento da partilha dos bens do casal – artigo 1697.º, n.º 1 do Código Civil – e devendo ser pago pela meação do cônjuge devedor no património comum, nos termos do disposto no artigo 1689.º, n.º 3 do mesmo Código Civil.
De acordo com tais regras, existe a preocupação legal de que na liquidação e na partilha do património comum deve haver equilíbrio no rateio final, de forma a que o património individual de cada um dos cônjuges não fique nem beneficiado nem prejudicado em relação ao outro (cfr. arts.º 1689º nº 1 e 1730º nº 1 do Código Civil).
E é no momento dessa liquidação que se deverá proceder às compensações entre os patrimónios próprios e comuns.
Com efeito, a partilha do casal não se limita à partilha do património comum, antes se desdobra em várias operações distintas: entrega dos bens próprios; liquidação da comunhão, na qual se inclui o apuramento e o pagamento das dívidas; avaliação e cálculo das compensações e, por fim, a partilha dos bens comuns (art. 1689º do Código Civil).
“Admite-se, pois, um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e a massa patrimonial comum sempre que um deles, no momento da partilha, se encontre enriquecido em detrimento do outro. Caso contrário, verificar-se-ia um enriquecimento injusto da comunhão à custa do património de um dos cônjuges ou de um dos cônjuges à custa do património comum (cf. Menezes de Leitão, Enriquecimento sem Causa no Direito Civil, CEF, 1996, págs. 513 a 516)” – Acórdão da Relação do Porto de 31/01/2013, processo n.º 2941/11.0TBVFR.P1, in www.dgsi.pt.
Tais compensações, como supra referimos, são exigíveis no momento da partilha – artigo 1697.º, n.º 1 do CC – devendo os créditos respetivos constar da relação de bens, a fim de que o pagamento ou respetiva imputação ocorra no momento da partilha do património comum.
E isto porque a natureza do património conjugal comum só termina com a partilha dos bens comuns (cf. Cristina M. Araújo Dias, Processo de inventário, administração e disposição de bens (conta bancária) e compensações no momento da partilha dos bens do casal – comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21 de Janeiro de 2002, Lex Familiae – Revista Portuguesa de Direito da Família, ano I, n.º 2, 2004, pág. 117, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1998 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Julho de 2001, in www.dgsi.pt, todos citados no Acórdão da Relação do Porto supra referido).
Daí que terá que ser revogado o despacho que remeteu os interessados para um processo de prestação de contas quanto a esta verba em concreto.

Da análise das questões suscitadas pelo recorrente, resulta, assim, a total procedência da apelação.
Os despachos proferidos em sede de conferência de interessados – fls. 469, relativo à exclusão da relação de bens da verba III de despesas comuns pagas unicamente pelo cabeça de casal após o divórcio, por se entender que deveriam ser sujeitas a processo de prestação de contas – e, posteriormente, a fls. 489 (indeferindo o desconto no valor das benfeitorias dos direitos do credor Banco A relativos a passivo hipotecário), fls. 522, que julgou improcedente a reclamação quanto à elaboração do mapa da partilha, fls. 546, que excluiu da perícia os quesitos elaborados pelo cabeça de casal, e fls. 594 e 611 que indeferiram novas reclamações do cabeça de casal quanto à retificação do mapa da partilha, após nova perícia, sempre teriam que ser revogados, não fosse o facto de todos serem posteriores à conferência de interessados que, agora, se anula, com a necessária anulação de todos os atos posteriores, neles se incluindo os despachos em crise, os mapas da partilha e a sentença de homologação da mesma.
Assim, e em resumo, anulando-se a conferência de interessados de fls. 466 e seguintes, bem como todos os actos subsequentes, incluindo a sentença de homologação da partilha, deverá proceder-se a nova avaliação às benfeitorias, nos termos supra consignados, solicitar-se informação ao credor Banco A sobre o valor atualizado da dívida e proceder-se a nova conferência de interessados, da qual conste a resolução de todas as questões que possam influir na partilha, designadamente, para além das licitações, o eventual acordo quanto à adjudicação de verbas e seus valores, a aprovação do passivo e forma de o pagar, tendo em conta o supra decidido quanto à imputação do passivo hipotecário na verba de benfeitorias e quanto à compensação entre o património próprio do cabeça de casal e o património comum, tendo em consideração o pagamento que aquele fez, após o divórcio, de dívida de ambos os cônjuges (que deve ser apurado em concreto, para se poder aquilatar a parte pela qual é responsável o outro cônjuge).

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, anulando-se a conferência de interessados e todos os actos subsequentes, incluindo a sentença de homologação da partilha, para que se proceda a nova avaliação das benfeitorias, nos termos supra consignados, se averigue qual o valor atualizado da dívida à Banco A, bem como qual o valor pago pelo cabeça da casal, após o divórcio e relativo a esse crédito da Banco A, e se proceda a nova conferência de interessados, com a submissão à mesma de todos os assuntos que possam influir na partilha, nos termos supra expostos, com a revogação de todos os despachos recorridos, decidindo-se, em sua substituição, que deverá ser descontado no valor das benfeitorias, o direito da Banco A relativo ao passivo hipotecário, que será suportado pelo interessado a quem o bem couber, e que deverá ser aceite a verba III da relação de bens como crédito do cabeça de casal proveniente do pagamento que este fez, após o divórcio, de dívida da responsabilidade de ambos, a fim de se efetuar a correspondente compensação.
Custas pela apelada.
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Guimarães, 11 de janeiro de 2018


Ana Cristina Duarte
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro