Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2478/05-2
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
EXPROPRIAÇÃO PARCIAL
SERVIDÃO
AMBIENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇAÕ
Decisão: ANULADO O JULGAMENTO
Sumário: 1 – Os prejuízos de natureza ambiental podem determinar uma perda grave dos cómodos prestados pela parte não expropriada.

2 – Porém, a perda que se deve ter em conta, para efeitos de expropriação total, é a que resulta directa e imediatamente da expropriação do prédio e da sua divisão e não de um viaduto em fase final de construção.

3 – o decretamento da expropriação total pode também depender da constituição de uma servidão non aedificandi sobre a parte não expropriada (DL n.º 13/94 de 15/11) e da perda da privacidade que da divisão resultar para os expropriados que continuarem a utilizar a mesma parte.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
No processo de expropriação por utilidade pública em que é expropriante IEP e expropriados Luís M... e Maria T... de Freitas Martins foi proferido, em 8.11.2002, o seguinte despacho de adjudicação:
“ Nos presentes autos de expropriação litigiosa por utilidade pública urgente - declarada por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas, datado de 14.03.2002, publicado no D.R. n° 79, na Série, de 4.04.2002 -, em que é expropriante ICOR - Instituto para a Construção Rodoviária e expropriados Luís M... e Maria T... de Freitas Martins, na qualidade de proprietários, e o Banco Totta & Açores, S.A., na qualidade de credor hipotecário, vistos os autos e nos termos do art° 51 °, n° 5, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n° 169/99, de 18 de Setembro, adjudico à entidade expropriante a propriedade da parcela de terreno n° 25, com a área de 324m2, a confrontar a Norte com a área sobrante do prédio, a Sul com caminho público, a Nascente com domínio público e a Poente com caminho público, a destacar do prédio urbano, composto de casa de cave, rés-do-chão, 1° andar e sótão, com a área de 150m2, e logradouro, com a área de 879m2, situado no lugar da Quinta de Baixo, na freguesia de Mesão Frio, no Concelho de Guimarães, inscrito na matriz respectiva sob o art. 808, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, sob o n° 01107/010699, a quem mando entregar livre de quaisquer ónus ou encargos.
Sem custas, atenta a fase do processo e o disposto no art° 3°, n° 1, al. g), do Código das Custas Judiciais.

Cumpra o disposto no art° 51°, ns. 5, parte final, e 6, do Código das Expropriações.”
Antes, a decisão arbitral procedeu à avaliação do total do prédio, da parcela expropriada, dos encargos com a construção de um muro de vedação, das benfeitorias e do montante da desvalorização sofrida pela parte não expropriada, alcançando o valor total da justa indemnização de € 141.559,66.
Aí se escreveu a fls. 79: “ A avaliação terá por base o disposto no art. 29 do CE (Lei 168/99) já que se trata de uma expropriação parcial. A parte não expropriada fica claramente depreciada pela divisão do prédio sofrendo uma desvalorização pelo facto de, muito perto dela, se localizar a nova via, devassando a sua privacidade. Considera-se o valor de 30% para depreciação da parte sobrante da propriedade.”
Com o laudo de arbitragem foram juntas as respostas dos árbitros aos quesitos apresentados pelos expropriados, que não figuram nos autos.
Notificada da decisão arbitral, dela recorreu o IEP que, contestando o valor do m2 e a percentagem da desvalorização da área sobrante, pediu a fixação do valor da indemnização da parcela expropriada em € 62.428,51.
Notificados da mesma decisão, apresentaram-se os expropriados a requerer a expropriação total e a interpor recurso da decisão arbitral.
No requerimento de expropriação total alegaram, em resumo: que a parcela expropriada abrange a zona ajardinada e o acesso principal à casa, garagem e anexos dos expropriados e confronta a sul e a poente com a Rua João Paulo II; que a parte não expropriada engloba a casa de habitação, composta por cave, rés-do-chão, andar e garagem, acrescendo os anexos exteriores, piscina e jardim, sendo subtraídos à área do logradouro os 324 m2 ora expropriados; que pelos elementos disponíveis (à data do requerimento), verifica-se que o viaduto a construir passará a sul da casa dos requerentes, a cerca de 3,5 metros da maioria dos compartimentos habitáveis da mesma, nomeadamente dos quartos, sala de estar, sala de jantar e sala de convívio e a uma altura de, em relação ao solo, de cerca de 28,5 metros, ou seja,

a cerca de apenas 15 metros acima da quota a que se situam os compartimentos da casa; que como consequência directa da expropriação dos autos e da construção do viaduto em causa, entre outras coisas, a casa dos expropriados vai deixar de ter arejamento e exposição prolongada à acção directa dos raios solares, tornando-se insalubre, vai perder a protecção acústica de que goza, já que o nível de ruído, relativo ao trânsito automóvel, ultrapassará, certamente, o permitido pelo Dec. Lei nº 292/2000, de 14.02 (dada a distância da auto-estrada à casa de habitação), vai ficar sujeita a níveis de poluição muito elevados, perder as condições de segurança de que goza, sofrer devassa total e perder toda a qualidade arquitectónica; além de que ficará situada em plena zona “ non aedificandi”.
No recurso concluíram que a indemnização deve ser fixada: no caso de expropriação total, em € 524.885,03, sendo a quantia de € 405.173,53 correspondente ao valor do edifício e equipamentos exteriores e a quantia de € 119.711,50 o valor do solo; no caso de expropriação parcial, no montante de 328.147,94 euros (50% de depreciação), devendo, neste último caso, ser ordenada a reconstituição em espécie do acesso à parte sobrante do prédio (parte não expropriada) desde a via pública mais próxima até à casa de habitação dos expropriados, com os mesmos cómodos que os actualmente existentes.
Com o recurso oferecerem quesitos.
Os expropriados responderam ao recurso do IEP concluindo como no recurso por eles interposto.
O IEP respondeu, em articulado único, ao recurso dos expropriados e ao pedido de expropriação total: em relação ao primeiro, sustentando a fixação do valor em € 62.428,51, como pedido no recurso interposto; quanto ao segundo, alegando que a expropriação supõe a cabal demonstração que o terreno sobrante não assegura, proporcionalmente, os mesmos cómodos assegurados pela parte restante ou não têm interesse económico para o expropriante, determinado objectivamente; o que, afirma, não sucede no caso, já que o logradouro sobrante e

a casa de habitação continuam a poder ser utilizados, “sem consequências maiores para a saúde e segurança” dos expropriados, para habitação e restantes actividades conexas e, sobretudo, continua a ter valor de mercado, encontrando-se o prédio a uma distância de 9,5 metros do viaduto projectado, dentro dos limites, portanto, da distância considerada como de segurança.
Procedeu-se à avaliação, tendo os senhores peritos do Tribunal, juntamente com o dos expropriados, apresentado laudo e respondido aos quesitos, defendendo que a justa indemnização corresponde, no caso da expropriação parcial, a € 230.429, 65, sustentando o perito dos expropriados o valor de 268.540, 41 € (não se contemplou a avaliação em caso de expropriação total).
Apontam como desvalorização da área sobrante – 50%, correspondente ao montante de € 190.553,78, aqui se distinguindo a posição do perito dos expropriados que sustentou uma desvalorização de 60%, correspondente ao montante de € 228.664,54.
Em resposta e laudo próprios, o perito do expropriante sustentou uma indemnização global de € 130.958,46, com base numa desvalorização da área sobrante de 30%, correspondente ao montante de € 95.932,54.
Efectuadas as diligências requeridas pelas partes expropriante e expropriados produziram as respectivas alegações.
De seguida, foi proferida sentença que concluiu assim;
“ Pelo exposto, defere-se ao pedido de Expropriação Total, julga-se improcedente o recurso interposto pelo Expropriante e dá-se parcial provimento ao recurso interposto pelos Expropriados, fixando-se o valor da indemnização relativa à expropriação total pelo IEP do prédio urbano sito no lugar de Mesão Frio, Guimarães, inscrito na respectiva matriz sob o art. 808º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o número 01107/010699, aos primeiros devida pela segunda, no montante de 451.075 €, montante esse a actualizar, a partir da data da publicação da declaração da utilidade pública e até ao trânsito em julgado da decisão final destes autos, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local

da situação do prédio expropriado.
Notifique o Expropriante para indicar nos autos eventuais preferentes, bem como os proprietários confinantes, por forma a comunicar-se aos mesmos o deferimento do pedido de expropriação total (de harmonia com o disposto no nº 6 do art. 55º do Cód. das Expropriações) e a dar-se cumprimento ao disposto no art. 55º, nº 4, do Cód. das Expropriações.
Custas do pedido de expropriação total pelo Expropriante e custas dos recursos pelos Recorrentes/Expropriantes e Recorrentes/Expropriados na proporção do respectivo decaimento.”
Da decisão -na parte em que deferiu o pedido de expropriação total – recorreu, inconformado, o expropriante que formulou, no final da sua alegação, as seguintes conclusões:
“I. Nem todos os casos em que a parte sobrante de um prédio expropriado sofre prejuízos, justificam uma expropriação total.
II. Para que se justifique a expropriação total é, assim, necessário que os cómodos sejam afectados com gravidade.
III. Todos os 3 peritos da lista oficial que elaboraram por unanimidade o acórdão arbitral, consideraram que se justificava a atribuição de uma indemnização por depreciação mas não a expropriação total.
IV. Os 3 peritos nomeados pelo tribunal e o perito designado pela expropriante, entenderam que a desvalorização da parte sobrante não é superior a 50%.
V. O "alarmismo dramático" da douta sentença não tem correspondência com os factos nem com a situação real em que vive a maior parte das pessoas.
VI. A maior parte das pessoas habita apartamentos em zonas urbanas que, em virtude dos prédios altos envolventes e do elevado tráfego automóvel, encontram-se em circunstâncias semelhantes às da habitação existente na área sobrante.
VII. O que não significa que essas casas não ofereçam um conforto, segurança e qualidade suficientes para uma vida digna.
VIII. Tal como a casa de habitação em causa, a qual continua até à actualidade a albergar os expropriados.
IX. Também não vislumbramos fundamento na invocada razão da falta de segurança dado que o projecto de construção do viaduto obedeceu a todos os requisitos legais e regulamentares a que estava obrigado.

X. A douta sentença, tentando justificar o injustificável, acaba por entrar em contradições como a de referir que a moradia encontra-se debaixo do viaduto quando noutro momento refere que "o viaduto, em fase final de construção, se situa a sul da casa dos expropriados, a cerca de 9,48 metros (...) da maioria dos compartimentos habitáveis da mesma (...)".
XI. Ora, a parte sobrante composta por logradouro e casa de habitação continua a assegurar, objectivamente, cómodos com interesse económico e adequados a uma vivência familiar, não estando em perigo nem a saúde nem a segurança de quem nela viva.
XII. O que se verifica, isso sim, é uma depreciação do seu valor de mercado dado perder as condições privilegiadas e extraordinárias de que dispunha, muito diversas das características usuais de uma habitação.
XIII. Pelo que se justifica a contabilização de uma justa indemnização pela desvalorização ocorrida, mas não que o Estado tenha de adquirir uma habitação apenas pelo facto de esta ter perdido alguns luxos que possuía.
XIV. Decretando a expropriação total, o valor da indemnização deveria ser diverso do fixado na douta sentença dado que esta somou incorrectamente o valor global do prédio ao valor do solo, alcançando um valor em que o solo está contabilizado duas vezes.”
Pede, a final, a revogação do “ despacho agravado “.
Os expropriados alegaram no sentido da improcedência do recurso.
A matéria de facto dada como provada na sentença é a seguinte:
a) Por despacho do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas, de 14.03.02, publicado no DR, IIª série, nº 79, de 04.04.2002, foi declarada a utilidade pública para expropriação da seguinte parcela: Parcela nº 25 Parcela de terreno com a área de 324 m2, sita no lugar de Mesão Frio, Guimarães, a destacar do prédio rústico inscrito na matriz respectiva sob o artigo 808 - Urbano e descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o número 01107.
b) O Expropriante tomou posse administrativa da parcela referida em 1 de Julho de 2002.
c) A parcela n° 25 tem a área de 324m2, medidos na planta fornecida pelo ICOR à escala 1:1000 e constitui parte do logradouro – este com a área total de 879 m2 - de uma moradia com a área coberta de 150 m2, composta por cave, rés – do - chão, andar e sótão.
d) O terreno da parcela é de configuração irregular. A expropriação abrange zona ajardinada e o acesso à casa garagem e anexos.
e) Tem frente para Rua João Paulo II, a qual é pavimentada a betuminoso, e está dotada com rede de abastecimento domiciliário de água, rede de distribuição de energia eléctrica, rede telefónica e com passeios.
f) A parcela está integrada em zona de Construção Dominante – Tipo II do P.D.M. de Guimarães.
g) Nas proximidades predominam construções tipo moradias.
h) São as seguintes as benfeitorias que a parcela apresentava aquando da vistoria “ad perpetuam rei

memoriam”:
- Muro de vedação a poente: em blocos de betão rebocados e pintados, com cerca de 32 metros comprimento, e 1,0m de altura. Este muro está encimado suporte sendo a parte inferior em betão ciclópico e a superior em blocos de cimento. A sua configuração é variável, acompanhando a topografia o terreno. Na extremidade Norte e numa extensão cerca de 5,0m tem uma altura média de betão de 2,2m e de blocos de 2,4 metros. A parte restante e numa extensão aproximada de 28,0 m tem de betão hm=2,2m e 1,20m de blocos de cimento. Todo o muro está encimado por rede com h=l,0 m;
- Pavimento de blocos de betão tipo “Mecan” no acesso à casa e aos anexos com 110,0m2 e lancil de betão no seu remate com comprimento total de 44,0m;
- Portão metálico com 4,5x2,6m dotado de sistema automático de abertura e com vídeo porteiro.
- Poço com cerca de 14,0m de profundidade com cabine e electrobomba;
- O jardim abrangido tem:
.Relva, 225,0 m2 com mecanismo de rega automático;
.Sebe ao longo do acesso à casa com h=1,5m e com 22,0m de extensão;
.Sebe a poente, funcionando como barreira sonora, referida na descrição do muro a poente;
.1 fiteira;
.1 pinheiro de jardim;
.1 pessegueiro;
.1 macieira;
.2 laranjeiras;
.1 ameixoeira;
.4 clementinas pequenas.
i) O viaduto, em fase final de construção, situa-se a sul a casa dos expropriados, a cerca de 9,48 metros (nove metros e quarenta e oito centímetros) da maioria dos compartimentos habitáveis da mesma, nomeadamente, dos quartos, sala de estar, sala de jantar e sala de convívio e a uma altura, em relação ao solo, de cerca de 22.97 metros (vinte e dois metros e noventa e sete centímetros), ou seja, a cerca de 13 metros (treze metros) acima da quota a que se situam os compartimentos da casa dos requerentes atrás referidos;
j) A casa dos Expropriados vai deixar de ter exposição prolongada ao sol;
l) Vai perder a protecção acústica de que goza;
m) Vai ficar sujeita à emissão de gases dos veículos em circulação na aludida estrada;
n) A piscina e restante logradouro e jardim, embora situados na parte Nascente da casa, são visualizáveis da auto-estrada, e, designadamente dos veículos de caixa alta;
n) O imóvel onde se insere a parcela expropriada é composto por um edifício de cave, rés-do-chão e andar, garagem, anexos exteriores, piscina, passeios e jardim;
o) A garagem, lavandaria e anexos têm a área de 150 m2:
p) A cave tem a área de 150 m2 e é composta pelas seguintes
q) O rés-do-chão tem a área de 150 m2 e é composto pelas seguintes dependências: hall de entrada, sala comum, cozinha, escritório, lavandaria e casa de banho;
r) O andar tem a área de 110 m2 e é composto pelas seguintes dependências: 3 quartos de dormir e 2 casas

de banho;
s) O preço de construção da parte da garagem, arrumos e anexos é de 300,00 €/m2;
t) O preço de construção da parte destinada a habitação é de 500,00 €/m2 para a parte da cave e 650 €/m2 para o rés do chão e 1º andar;
u) O valor global de construção do prédio dos recorrentes é de 289.500 €;
v) O valor do equipamentos exteriores, incluindo, nomeadamente, muros de vedação e suporte de terras, vedações, pavimentos e passeios, piscina, relvados, sebes e árvores, poço com cabine e electrobomba, portão metálico com sistema de abertura automática e vídeo-porteiro é de 51.000.00 €;
x) O imóvel tem cerca de 12 anos e encontra-se em bom estado de conservação;
z) Não apresenta sinais de infiltrações ou de humidade;
aa) Não apresenta deteriorações nos pavimentos em madeira;
bb) O prédio dos recorrentes, de que faz parte a parcela expropriada, corresponde ao lote nº 3 do loteamento urbano aprovado e licenciado pelo Alvará n.° 20/86, emitido pela Câmara Municipal de Guimarães;
cc) Está inserido num núcleo urbano perfeitamente consolidado, onde predominam as habitações do tipo unifamiliar;
dd) Goza de uma boa qualidade ambiental, na periferia urbana da cidade Guimarães, sem focos de poluição;
ee) O preço corrente de mercado por metro quadrado de terreno na zona em que se insere o prédio dos recorrentes é de 60,00 €/m2;
ff) O valor do solo do prédio dos recorrentes é de 340.500 (custo da construção) € . 15%, ou seja, 51.075 €;
gg) O custo da construção da vedação da parte não expropriada é de 4.818,39 €;
hh) O valor das benfeitorias existentes no prédio dos recorrentes é de 16.165,04 €;
ii) Na perspectiva de uma expropriação parcial, a parte sobrante do prédio dos recorrentes sofre uma depreciação em relação ao valor global do prédio de 50%;
jj) O valor do prédio (casa e demais construções, incluindo equipamento exterior) existente corresponde a 400.000 €.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
Dispõe o nº 2 do art. 3º do CE: “ Quando seja necessário expropriar apenas
uma parte de um prédio, pode o proprietário requerer a expropriação total: a) - Se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio; b) - Se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente. “.
E o nº 3 do art. 3 acrescenta: “ O disposto no presente Código sobre expropriação total é igualmente aplicável a parte da área não abrangida pela declaração de utilidade pública relativamente à qual se verifique algum dos

requisitos fixados no número anterior “.
Diz Perestrelo de Oliveira, in Cód. Expropriações anotado, 2ª edição, pág. 33 e 34 que “ declarada a utilidade pública da expropriação de parte de um imóvel, por não ser necessário adquirir a sua totalidade para satisfazer o interesse público, pode acontecer que o proprietário fique gravemente afectado pela diminuição dos cómodos da parte não expropriada, resultante do fraccionamento, considerando o seu destino económico à data da declaração: quando assim sucede, a lei, em determinadas circunstâncias, tutela o interesse do proprietário, estabelecendo como que uma indivisibilidade económica do imóvel que se traduz em a parte deste não expropriada seguir o destino da parte expropriada, a pedido do expropriado (…) “.
E adianta: “ As circunstâncias que determinam a indivisibilidade económica vêm indicadas no nº 2 do presente artigo (art. 3): Em qualquer dos casos aí referidos não está em causa, apenas o valor da parte não expropriada, mas uma perda grave dos cómodos ou utilidades prestados por esta, em consequência do fraccionamento, em cuja determinação objectiva não poderá atender-se à mera eventualidade de um novo destino económico do bem nem a circunstâncias particulares atinentes ao respectivo titular.”.(sublinhados nossos)
Ou seja: a perda grave dos cómodos ou utilidades prestados pela parte não expropriada há-de resultar do fraccionamento do prédio provocado pela expropriação parcial.
São insofismáveis os prejuízos de natureza ambiental (poluição, ruído, exposição solar, etc.) e outros (falta de privacidade), que determinam uma perda grave dos cómodos prestados pela parte não expropriada.
Porém, esses prejuízos não resultam da expropriação parcial do prédio e da sua divisão mas do viaduto em fase final de construção.
A propósito do art. 29, nº 2 do CE, escreveu-se no acórdão de 16.3.2005, por nós subscrito e publicado na Col. 2005-II-289:


“ (…) dispõe o art. 29, nº 2 do CE: “ Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também em separado os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada. “
Interpretando o preceito similar do art. 28, nº 2 do CE de 1991, Fernando Alves Correia, em anotação aos Acórdãos do T.R.E de 30.3.2002 e S.T.J. de 1.3.2001, in R.L.J. ano 134º- 77, escreve que a referida norma prevê a indemnização de um conjunto de danos patrimoniais, subsequentes, derivados ou laterais, que acresce à indemnização correspondente à perda do bem expropriado, à parte expropriada do prédio.
Ponto é que, segundo o mesmo autor, tais prejuízos sejam consequência directa e necessária da expropriação parcial de um prédio, o que não acontece com os danos causados pela construção de uma auto-estrada e pela circulação de veículos terrestres que não resultam directa e imediatamente do acto expropriativo mas apenas indirectamente (loc. cit., 100).
O referido autor considera mesmo que não é constitucionalmente admissível, por violação dos art. 62, nº 2 e do art. 13 do CRP, que a indemnização por expropriação abranja não somente os danos ocasionados pela expropriação mas também os decorrentes da construção e da utilização de uma obra (que no caso analisado era o troço de uma auto-estrada) que tiveram lugar posteriormente ao acto expropriativo (loc.cit., 101 e 102) “.
Revertendo ao caso sub judice pode dizer-se, paralelamente, que a perda dos cómodos da parte não expropriada que se deve ter em conta é aquela que resulta directa e imediatamente do acto expropriativo.
E isto porque a indemnização por expropriação deverá abranger apenas os danos ocasionados pela expropriação e já não os decorrentes da construção e da utilização de uma obra (um viaduto) posterior ao acto expropriativo.
Ora, dos factos provados não resulta que, por causa da expropriação parcelar e da divisão do prédio que ela implica, a parte restante não expropriada não assegure (proporcionalmente) os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio ou que os cómodos assegurados por essa parte tenham deixado de ter interesse económico para os expropriados.
A perda grave (que se mostra provada) dos préstimos, comodidades e utilidades assegurados pela parte não expropriada resulta não da expropriação (e da divisão que ela implica) mas do viaduto em fase final de construção.
Com efeito, o imóvel onde se insere a parcela expropriada é composto por um edifício de cave, rés-do-chão e andar, garagem, anexos exteriores, piscina, passeios e jardim, sendo que a expropriação causou apenas a perda de 324 m2 do logradouro de 879 m2 da casa e abrange somente zona ajardinada e o acesso à casa, garagem e anexos, tendo atingido as seguintes benfeitorias: o muro de vedação a poente, o pavimento de acesso à casa e aos anexos, o portão metálico, o poço e parte do jardim com relva, sebes e árvores.
Não se pode, por isso, afirmar (com os elementos ao dispor) que a expropriação afectou com gravidade os cómodos assegurados pela parte não expropriada. Não está provado que o acto expropriativo impeça que a parte não expropriada continue a assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio.
Não se mostram, assim, reunidos (e por ora) os pressupostos para o decretamento da expropriação total.
Sucede, no entanto, que, no pedido de expropriação total, os expropriados alegaram que a parte restante não expropriada ficará onerada com uma servidão non aedificandi.
Essa servidão, que decorre da lei (DL nº 13/94 de 15.1), resulta do acto

expropriativo.
E pode introduzir uma modificação ou diminuição gravosas na utilitas da parte restante do prédio expropriado.
O que pode ter interesse para aferir se existe ou não uma afectação grave dos cómodos da parte não expropriada e se se justifica ou não a expropriação total.
Ora, sobre tal matéria os peritos silenciaram.
Aos quesitos apresentados pelos expropriados - “ 33. A parte sobrante do prédio dos recorrentes sofre uma depreciação resultante da divisão do mesmo, com a consequente perda de privacidade e ainda da constituição de uma servidão na zona non aedificandi, estabelecida nos termos do DL nº 13/94 de 15.1? Qual é o valor, em percentagem, dessa depreciação?; 36. No caso de expropriação parcial, qual é o valor da justa indemnização a fixar pelo valor da parcela expropriada, das benfeitorias, encargos com a construção de um muro de vedação e depreciação da parte sobrante?” – remeteram para o laudo.
Porém, no laudo que apresentaram, os peritos do tribunal e dos expropriados escreveram apenas: “ Os peritos nomeados pelo tribunal consideram haver uma desvalorização global do prédio (parte não expropriada) de 50%. No entender do perito nomeado pelos expropriados e caso o tribunal não venha a reconhecer o direito à expropriação total, tal como é requerido pelos expropriados, o valor da desvalorização não deverá ser nunca inferior a 60% do valor global do prédio, atentas que são as razões de facto fundamentadas no recurso apresentado e constantes do processo…“.
Em laudo separado, o perito do expropriante estimou (sem também fundamentar) a desvalorização da área sobrante em 30%.
Em nenhum dos laudos, portanto, os peritos apontaram as causas da depreciação.

Ora, como se disse, para efeitos do decretamento ou não da expropriação total importa que os senhores peritos esclareçam essas causas e quantifiquem o valor de cada uma delas.
Respeitam elas apenas à devassa da privacidade ou têm a ver também com prejuízos de natureza ambiental? A servidão non aedificandi está igualmente na origem dessa depreciação?
Quais são os prejuízos (e o seu valor) relacionados exclusivamente com a expropriação parcelar e resultantes da divisão do prédio e os prejuízos (e o seu valor) que resultam da construção do viaduto?
Qual é o valor do prejuízo resultante da perda da privacidade e o valor do prejuízo resultante da constituição da servidão non aedificandi?
Embora escape ao objecto deste recurso, sempre se dirá que a resposta às referidas perguntas guardará óbvio interesse para a contabilização da depreciação resultante da diminuição dos cómodos, em caso de expropriação parcelar.
A decisão arbitral tomou em consideração – além do valor do terreno, dos encargos com a construção do muro de vedação e do valor das benfeitorias – o valor de desvalorização (depreciação) que estimou em 30%, alcançando o valor de € 141.559,66.
Aí, como se recorda, escreveu-se: “ A avaliação terá por base o disposto no art. 29 do CE (Lei 168/99) já que se trata de uma expropriação parcial. A parte não expropriada fica claramente depreciada pela divisão do prédio sofrendo uma desvalorização pelo facto de, muito perto dela, se localizar a nova via, devassando a sua privacidade. Considera-se o valor de 30% para depreciação da parte sobrante da propriedade.”
Notificada da decisão arbitral dela recorreu o IEP que contestou, além do valor do m2 – a percentagem de 30% de desvalorização da área sobrante, pedindo a fixação do valor da indemnização da parcela expropriada em € 62.428,51.

Não contestou, porém, a existência da depreciação e o fundamento dela (devassa da privacidade) utilizado pela decisão arbitral, divergindo apenas em relação à percentagem que estimou em 10%.
No seu recurso, os expropriados pediram a depreciação resultante da divisão do prédio, com a consequente perda da privacidade e da constituição da servidão non aedificandi, nos termos do DL 13/94 de 15.1, em percentagem não inferior a 50%, formulando, para o efeito, os quesitos atrás reproduzidos.
A especificação das causas da depreciação (e o valor de cada uma delas) são, por isso, relevantes para o cálculo da depreciação da parte não expropriada, no caso de expropriação parcelar, sobretudo se tivermos, em conta, por um lado, a decisão arbitral, por outro, as posições das partes nos respectivos recursos e, por outro lado ainda, o entendimento de que os prejuízos ambientais que resultam da construção de uma via de circulação de veículos não são indemnizáveis em processo de expropriação na medida em que não resultam directamente da expropriação parcial do prédio e da sua divisão.
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em, ao abrigo do art. 712, nº 4 do CPC, anular a sentença a fim de que o Sr. Juiz a quo amplie a matéria de facto determinando que os peritos se pronunciem, fundamentadamente, nos termos do art. 29, nº 2 do Código das Expropriações, esclarecendo, para tanto, as causas da depreciação da parte não expropriada (v.g., devassa da privacidade, prejuízos de natureza ambiental, servidão non aedificandi), distinguindo as que resultam da divisão do prédio das que resultam da construção do viaduto e procedendo à valoração de umas e de outras.
Custas da apelação pela parte não isenta de custas que ficar vencida no incidente da expropriação total.
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Guimarães, 15 de Fevereiro de 2005