Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
208/09.3GBGMR
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
SANÇÃO
CRIME
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADOS PROCEDENTES
Sumário: I) O teor normativo do conceito de jogo de fortuna ou azar deve resultar da ponderação e aplicação, em conjunto, dos elementos constantes da fórmula geral do artigo 1º, com a descrição exemplificativa ou concretizadora constante do artigo 4º, ambos da Lei do Jogo;
II) - A exploração do jogo da lerpa não se encontra reservada ou restringida por lei aos casinos e o comportamento de quem explora ou intervém no jogo da lerpa não constitui, respectivamente, o crime do artigo 108.º ou o crime do artigo 110.º, ambos da Lei do Jogo.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães,

I – RELATÓRIO

1. Nestes autos de processo comum com o n.º 208/09.3GBGMR do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença, em 1 de Junho de 2012, que termina com o seguinte dispositivo (transcrição) :

Pelo exposto, decido:
- Condenar o arguido António S..., pela prática, em autoria material, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 108.º, n.ºs 1 e 2, 1.º e 3.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19/1, e 14.º, n.º 1, e 26.º, 1.ª parte, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão e 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros);
- Substituir a predita pena de 5 (cinco) meses de prisão por 150 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 7,00;
- Condenar o arguido António S..., por aplicação do disposto no art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/03, na pena total de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros);
- Condenar o arguido Manuel F..., pela prática, em autoria material, de um crime de prática ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 110.º, 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19/1, e 14.º, n.º 1, e 26.º, 1.ª parte, do Código Penal, na pena de 2 (dois) meses de prisão e 20 (vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Substituir a predita pena de 2 (dois) meses de prisão por 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Condenar o arguido Manuel F..., por aplicação do disposto no art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/03, na pena total de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Condenar o arguido Lino P..., pela prática, em autoria material, de um crime de prática ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 110.º, 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19/1, e 14.º, n.º 1, e 26.º, 1.ª parte, do Código Penal, na pena de 2 (dois) meses de prisão e 20 (vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Substituir a predita pena de 2 (dois) meses de prisão por 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Condenar o arguido Lino P..., por aplicação do disposto no art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/03, na pena total de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Condenar o arguido Manuel S..., pela prática, em autoria material, de um crime de prática ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 110.º, 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19/1, e 14.º, n.º 1, e 26.º, 1.ª parte, do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão e 25 (vinte e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos);
- Substituir a predita pena de 3 (três) meses de prisão por 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos);
- Condenar o arguido Manuel S..., por aplicação do disposto no art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/03, na pena total de 115 (cento e quinze) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos);
- Condenar o arguido Silvano S..., pela prática, em autoria material, de um crime de prática ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 110.º, 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19/1, e 14.º, n.º 1, e 26.º, 1.ª parte, do Código Penal, na pena de 2 (dois) meses de prisão e 25 (vinte e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Substituir a predita pena de 2 (dois) meses de prisão por 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Condenar o arguido Silvano S..., por aplicação do disposto no art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/03, na pena total de 85 (oitenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Condenar o arguido Joaquim L..., pela prática, em autoria material, de um crime de prática ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 110.º, 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19/1, e 14.º, n.º 1, e 26.º, 1.ª parte, do Código Penal, na pena de 2 (dois) meses de prisão e 20 (vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos);
- Substituir a predita pena de 2 (dois) meses de prisão por 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos);
- Condenar o arguido Joaquim L..., por aplicação do disposto no art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/03, na pena total de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos);
- Condenar o arguido Joaquim O..., pela prática, em autoria material, de um crime de prática ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 110.º, 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19/1, e 14.º, n.º 1, e 26.º, 1.ª parte, do Código Penal, na pena de 2 (dois) meses de prisão e 25 (vinte e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos);
- Substituir a predita pena de 2 (dois) meses de prisão por 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos);
- Condenar o arguido Joaquim O..., por aplicação do disposto no art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/03, na pena total de 85 (oitenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos) (…)”;
- Declarar perdidas a favor do Estado as quantias monetárias referidas em 3) apreendidas aos arguidos Manuel F..., Lino P..., Manuel S..., Silvano S..., Joaquim L... e Joaquim O...”.

2. Inconformado, o arguido António S... interpôs recurso da sentença em matéria de facto e em matéria de direito, pedindo a revogação da sentença e consequente absolvição do crime de exploração ilícita de jogo.

O arguido Manuel S... interpôs recurso da sentença, de facto e de direito, concluindo igualmente que quanto a ele a sentença deve ser revogada e substituída por outra que o absolva do crime por que foi condenado.

O magistrado do Ministério Público no Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães apresentou resposta, sufragando o entendimento constante da sentença recorrida e concluindo que os recursos não merecem provimento.

Os recursos foram admitidos, por despacho de 5 de Setembro de 2012.

3. Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o Exm.º. Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer, suscitando questão prévia por renúncia ao recurso do arguido Manuel S..., uma vez que requereu nos autos o pagamento em prestações da multa em que foi condenado e concluindo no sentido da total improcedência do recurso do arguido António S....

Não houve resposta dos arguidos ao parecer do Ministério Público.

Recolhidos os vistos do juiz presidente da secção e do juiz relator, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTOS

4. Questão prévia da tempestividade.

O Ministério Público no Tribunal Judicial de Guimarães suscitou a intempestividade do recurso do arguido Manuel S... invocando, em síntese, que este recurso não tem como objecto a reapreciação da prova gravada, o recorrente não deu o mínimo cumprimento ao disposto no artigo 412.º n.ºs 3 e 4 do Código do Processo Penal, pelo que o prazo de interposição a considerar é o de 20 dias a contar do depósito da sentença; Uma vez que a sentença foi depositada a 1 de Junho de 2012, o recurso interposto em 2 de Julho de 2012, seria extemporâneo e não devia ser admitido.

Apreciando e decidindo, tendo em conta o disposto nos artigos 411.º n.º 1, 412.º n.º 3 do Código do Processo Penal, à luz da garantia constitucional do do direito de recurso e das possibilidades de defesa do arguido:

O alargamento do prazo de recurso de vinte para trinta dias apenas se justifica pelo evidente acréscimo de dispêndio de tempo decorrente da audição do registo áudio, estudo e ponderação que se torna necessário para a impugnação alargada da matéria de facto.

Impõe-se contudo distinguir: embora para a reapreciação da prova gravada pelo tribunal de recurso se considere necessário que o recorrente cumpra os ónus que lhe são impostos pelo n.º 3 do artigo 412.º do C.P.P. , o elemento relevante para apreciar e decidir quanto à tempestividade do recurso deve consistir no objectivo visado pelo recorrente, ou seja a impugnação da matéria de facto fundada na reapreciação da prova gravada. Exigir o devido e integral cumprimento do art. 412.º n.º 3 e 4 do C.P.Penal, como requisito prévio de admissibilidade, seria confundir a tempestividade de todo o recurso com a admissibilidade da apreciação do seu mérito (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães 19-09-2012, Luísa Arantes, proc. 15/11.3PBBRG.G1). Seria assim também susceptível de afectar de modo injustificável as possibilidades de defesa do arguido.

No caso em apreço, analisando as conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, verifica-se que o recorrente impugna a decisão da matéria de facto quanto ao ponto 6 dos factos provados da sentença (“o jogo “Lerpa” é um jogo cujo resultado é aleatório, estando fundamentalmente dependente da sorte” ), invocando para tanto a prova produzida decorrente do depoimento das testemunhas Jacinto C..., António F... e Eduardo M... e indica no ponto 12 das conclusões a localização desses depoimentos no respectivo registo áudio. Questão naturalmente diferente consiste em saber se o arguido recorrente cumpriu integralmente o disposto no art. 412.º n.º 3 e 4 do C.P.Penal, que tem de ser equacionada em termos de apreciação de mérito do recurso. Tendo o depósito da sentença sido efectuado em 1 de Junho de 2012, o prazo de trinta dias para interposição de recurso esgotou-se precisamente no dia 2 de Julho seguinte (dia 1, domingo), pelo que o recurso foi interposto ainda em tempo.

Nestes termos, improcede a questão prévia suscitada pelo magistrado do Ministério Público no Tribunal Judicial de Guimarães.

5. Questão prévia referente à renúncia ao recurso.

No seu parecer o Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação de Guimarães suscita a verificação de uma situação que obsta ao conhecimento do recurso, invocando, em apertada síntese que, ao apresentar requerimento de pagamento fraccionado da multa em que fora condenado, o arguido Manuel S... declarou-se conformado com a sentença, pretendeu fazer o processo avançar para a fase de cumprimento da pena e desse modo praticou um acto processual inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer. A situação concreta reclama assim a aplicação do disposto no artigo 691.º do Código de Processo Civil por força do artigo 4.º do Código do Processo Penal e ter-se-á de concluir que este arguido não pode recorrer por tacitamente ter aceite a decisão depois de proferida.

Não houve resposta do arguido recorrente.

Apreciando e decidindo:

Tendo em conta o particular relevo do recurso enquanto meio processual de defesa do arguido constitucionalmente garantido, a renúncia tácita há-de ser inequívoca.

No caso concreto, há de notar-se que o requerimento subscrito pelo punho do arguido e o requerimento de interposição de recurso formulado pelo seu ilustre mandatário surgem nos autos no mesmo dia 2 de Julho de 2012, separados por horas; Deferindo a promoção do Ministério Público nesse sentido, o tribunal, detectando a desconformidade das pretensões, optou, não por apreciar e decidir desde logo quanto ao pedido de pagamento faccionado da multa, junto cronologicamente aos autos em primeiro lugar, mas optou por determinar a notificação do arguido, na pessoa do ilustre defensor, para esclarecer a situação e resolver a contradição (cfr. fls. 847 e 848). Na sequencia dessa notificação, surge o requerimento de fls. 879, de 5 de Setembro de 2012, onde o Exm.º Advogado fez constar que “ o arguido vem dizer que a concreta posição que mantém é a interposição de recurso da sentença”.

Afigura-se-nos que estamos sim perante a formulação de duas pretensões que logo foram entendidas como inconciliáveis, cujo sentido acabou por ser rectificado ou esclarecido posteriormente e ainda em tempo útil. Tendo havido iniciativa processual do próprio tribunal, admitindo implicitamente a possibilidade de esclarecimento e de correcção, uma decisão que agora desprezasse a correcção efectuada não poderia deixar de constituir uma “surpresa” e contenderia com o respeito pela lealdade, imposta pelo processo penal de um Estado de direito.

No concreto contexto processual destes autos, deverá prevalecer a posição expressa pelo advogado e mandatário, inexistindo assim uma relevante renúncia ou perda do direito de recorrer pelo arguido.

Nestes termos, improcede a questão prévia suscitada pelo Ministério Público.

6. Tendo em conta o teor das conclusões dos recursos, são as seguintes as questões suscitadas:

-Impugnação da matéria de facto. Erro de julgamento quanto aos pontos 6 a 11 da decisão da matéria de facto provada;

-Enquadramento jurídico dos factos provados;

-Medida concreta da multa aplicada ao arguido António S....

7. Para a fundamentação da presente decisão, torna-se imprescindível, antes de mais, transcrever parcialmente a sentença objecto de recurso.

O tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto:

“1) O arguido António S... é o proprietário e o explorador do estabelecimento denominado “Tasca Z...”, sito na Rua C..., nesta comarca de Guimarães.

2) No dia 21 de Fevereiro de 2009, cerca das 18:30 horas, no referido estabelecimento comercial, encontravam-se, numa mesa situada no lado esquerdo em relação à porta de entrada, os arguidos Manuel F..., Lino P... e Manuel S... e, numa mesa situada no lado direito em relação à porta de entrada, os arguidos Silvano S..., Joaquim L... e Joaquim O... a jogar o jogo de cartas denominado “Lerpa” a dinheiro.

3) Na posse dos arguidos encontravam-se as seguintes quantias resultantes e/ou destinadas à prática do referido jogo:

- Do arguido Manuel F...: 7 moedas de € 1,00; 6 moedas de € 0,50; 9 moedas de € 0,20; 11 moedas de € 0,10; 4 moedas de € 0,05; 2 moedas de € 0,02; e duas moedas de € 0,01; no total de € 13.16;

- Do arguido Lino P...: 1 moeda de € 2,00; e 4 moedas de € 1; no total de 6,00;

- Do arguido Manuel S...: 3 moedas de € 1,00;

- Do arguido Silvano S...: 4 moedas de € 1; 1 moeda de € 0,50; 1 moeda de € 0,20; 1 moeda de € 0,05;

- Do arguido Joaquim Silva Lopes: € 10,00;

- Do arguido Joaquim O...: 1 nota de € 20,00; 2 notas de € 10,00; 3 moedas de € 1,00.

4) Em cima de cada uma das referidas mesas encontrava-se um baralho composto por 40 cartas, que tinham sido colocados à disposição dos arguidos jogadores pelo arguido António S....

5) Os arguidos encontravam-se a jogar à “Lepra” que se desenrola da seguinte forma:

Utiliza-se um baralho com 40 cartas.

O jogo pode ser praticado entre um mínimo de 3 e máximo de 13 jogadores.

Os jogadores acordam no início do jogo quem dá as cartas e quem tira o trunfo e o valor da “casadela” que é a aposta mínima obrigatória para todos os jogadores.

Quem dá as cartas, se tirar por baixo dá, pela direita, três cartas para cada jogador e após verificar o jogo pode querer não jogar e diz que não vai ao jogo; se tirar por cima dá três cartas ao próprio, sendo a primeira o trunfo e é obrigado a ir ao jogo e depois dá três a cada um dos jogadores pela esquerda; tem de assistir.

O jogador que tiver “Ás” de trunfo e for a vez de jogar é obrigado a jogar o “Ás”;

“Lerpar” é não fazer nenhuma “basada”.

No caso de um jogador “lerpar” - não fazer nenhuma basada – é obrigado a repor uma quantia monetária igual à da jogada anterior mais a sua “casadela”.

Se um jogador lerpar e na jogada seguinte quiser ter um jogo novo pode pedir ao “dealer” um jogo novo ou ver os jogos dos jogadores que não vão a jogo nessa jogada tendo a possibilidade de jogar com um deles.

Caso sejam 3 jogadores em jogo e cada um deles fizer uma “basada” a quantia monetária continuará na mesa para a jogada seguinte.

O dinheiro é dividido conforme as “basadas” que fazem. Se um jogador fizer as três “basadas” recebe tudo. Se fizer duas “basadas”, atribuem-se duas moedas para o jogador que fizer duas e uma para o outro e assim sucessivamente até o valor estar todo dividido.

6) O jogo “Lerpa” é um jogo cujo resultado é aleatório, estando fundamentalmente dependente da sorte.

7) Tal jogo consiste em atribuir prémios pecuniários mediante a aplicação de dinheiro na esperança de ganhar aleatoriamente mais dinheiro como prémio.

8) O referido jogo só pode ser explorado nos casinos existentes nas zonas de jogo, o que não era o caso, nem o arguido António S... se encontrava munido da autorização das entidades administrativas competentes, designadamente, da Inspecção Geral de Jogos, para explorar tal jogo.

9) Todos os arguidos tinham perfeito conhecimento que não era permitida a prática e exploração de jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados.

10) Todos os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.

11) Os arguidos António S... e Manuel S... não assumiram qualquer atitude demonstrativa de arrependimento.

12) Os arguidos Manuel F..., Lino P... e Joaquim L... confessaram a sua apurada conduta e demonstraram arrependimento.

13) Os arguidos António S..., Manuel F..., Lino P..., Silvano S..., Joaquim L... e Joaquim O... não têm antecedentes criminais.

14) O arguido Manuel S... sofreu já as seguintes condenações:

- Por sentença de 26/03/2007, transitada em julgado em 18/04/2007, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º do Código Penal, cometido em 18/02/2005, foi condenado na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 7,00, que foi declarada extinta pelo pagamento;

- Por sentença de 27/11/2008, transitada em julgado em 9/01/2009, pela prática de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, p. e p. pelo art.º 324.º do CPI, cometido em 8/02/2006, foi condenado na pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 5,00, que foi declarada extinta pelo pagamento.

15) O arguido António S... tem como habilitações literárias a 4.ª classe.

É casado. Continua a dedicar-se, conjuntamente com a mulher, à exploração do estabelecimento acima referido, auferindo o casal dessa actividade o rendimento mensal de cerca de € 1.200,00.

Tem dois filhos menores a seu cargo, com 9 e 14 anos de idade, estudantes.

Possui casa própria.

16) O arguido Manuel F... tem como habilitações literárias a 4.ª classe.

Encontra-se desempregado há cerca de 6 anos. Realiza alguns biscates, nomeadamente como padeiro e embalador, de onde retira o rendimento mensal de cerca de € 300,00.

É casado. A mulher é empregada num talho.

Possui casa própria.

17) O arguido Lino P... tem como habilitações literárias a 4.ª classe.

É empregado da construção civil, auferindo o salário mensal de € 580,00.

É casado. A mulher trabalha como empregada fabril, auferindo o salário mensal de € 450,00.

Vive em casa própria, pagando a prestação mensal de cerca de € 300,00 para amortização do empréstimo bancário que contraiu para a sua aquisição.

18) O arguido Manuel S... tem como habilitações literárias a 4.ª classe.

É comerciante de vestuário, auferindo o rendimento mensal de cerca de € 500,00.

É casado. A mulher é empregada fabril. Tem três filhos maiores, estando todos empregados.

Vive em casa arrendada.

19) O arguido Silvano S... tem como habilitações literárias o 9.º ano de escolaridade.

Trabalha numa empresa de calçado, como acabador de solas, auferindo o salário mensal € 485,00.

É solteiro. Não tem filhos. Vive com a mãe, reformada.

Contribui com o montante mensal de € 100,00 para ajuda das despesas familiares.

20) O arguido Joaquim L... tem como habilitações literárias a 4.ª classe.

Está desempregado, recebendo o respectivo subsídio mensal de € 570,00, que termina no próximo mês de Setembro.

É casado. A mulher encontra-se reformada, percebendo a pensão mensal de € 350,00.

Tem um filho, com 25 anos de idade, estudante-trabalhador.

Possui casa própria, pagando a prestação semestral de € 500,00 para amortização de empréstimo que contraiu junto de um particular para a sua aquisição.

21) O arguido Joaquim O... é sócio-gerente de uma empresa, auferindo o salário mensal líquido de € 623,94.

Vive com uma companheira.”

Na sentença consta que o tribunal julgou não provados os seguintes factos:


a) A restante quantia de € 1.590,00 apreendida ao arguido Manuel F... era proveniente ou destinava-se à prática do jogo da “Lerpa”.
b) A restante quantia de € 1.495,00 apreendida ao arguido Lino P... era proveniente ou destinava-se à prática do jogo da “Lerpa”.

Na motivação da decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto, consta o seguinte :

“Relativamente aos factos provados, a convicção do tribunal ancorou-se no conjunto da prova produzida, que analisou e valorou de forma crítica, fazendo apelo às regras da experiência comum e a critérios de normalidade e razoabilidade, com destaque para:
- As declarações do arguido António S..., o qual, no essencial, e na sua objectividade, confirmou a realidade os factos descritos na acusação, tendo, entre o mais, assumido que na data em causa (21/02/2009) era quem explorava o estabelecimento “Tasca Z...”, que na altura lá se encontravam a jogar o jogo da “Lerpa” os restantes arguidos, que foi quem lhes disponibilizou os baralhos de cartas com que estavam a jogar, que viu moedas em cima das meses onde estavam a jogar, que o jogo da “Lerpa” é um jogo de “pura sorte” e que não tinha qualquer licença ou autorização para permitir o jogo da “Lerpa” no seu estabelecimento. Este arguido só não assumiu saber da ilicitude da sua conduta, sendo que o mesmo, neste parte, não logrou convencer o tribunal, na medida em que um tal desconhecimento não se nos afigurou minimamente credível, na convocação das regras da experiência, tendo designadamente em consideração a experiência de vida do arguido, em que contando então com 38 anos de idade já explorava o referido estabelecimento há cerca de 20 anos;
- As declarações dos arguidos Manuel F..., Lino P... e Joaquim L..., os quais confessaram as suas apuradas condutas. Entre o mais, confirmaram que nas circunstâncias apuradas estavam a jogar o jogo da “Lerpa” a dinheiro, unanimemente afirmaram que tal jogo se desenvolve como descrito na acusação e depende da sorte e todos assumiram saber que não lhes era permitida a prática de tal jogo;
- As declarações do arguido Manuel S..., o qual assumiu parcialmente a sua apurada conduta, muito concretamente que na altura estava a jogar à “Lerpa” nas circunstâncias provadas, sendo que o mesmo, e a sua defesa, só não conseguiu convencer quando tentou sustentar que o jogo da “Lerpa” assenta fundamentalmente / essencialmente na perícia, e isto não apenas porque uma tal versão é refutada pela própria natureza e forma como se desenvolve o jogo em causa, mas ainda porque essa versão foi infirmada pela demais prova produzida, nomeadamente pelas declarações a respeito prestadas pelos restantes arguidos que falaram sobre os factos (nos termos acima referidos), e finalmente porque o mesmo, tratando-se de um perito / especialista na matéria (como foi assumido pelo próprio e afirmado pela testemunha por si arrolada Eduardo C...) e não sendo até os outros jogadores que com ele jogavam “bons jogadores”, não logrou explicar por que razão encontrando-se na data em causa a jogar há cerca de duas horas afinal não estava a ganhar, não tinha ganho muito, ora ganhava ora perdia (como foi espontaneamente afirmado pelo próprio), e o mesmo se diga em relação à testemunha por si arrolada para corroborar uma tal versão António F..., que de igual sorte, assumindo-se orgulhosamente como um perito no jogo da “Lerpa”, só não conseguiu explicar a razão por que, jogando regularmente o jogo em causa desde os 15 anos de idade e contando já com 63 anos de idade, afinal não fez fortuna com a prática do jogo em questão (como admitiu);
- O depoimento da testemunha José C..., agente da G.N.R., que no exercício das suas funções integrou a equipa de fiscalização que na data em causa se deslocou ao estabelecimento referido na acusação, tendo esta testemunha entrado primeiramente no aludido estabelecimento, descaracterizado, onde esteve cerca de 5 minutos a observar tudo o que lá se passava, nomeadamente, o jogo que na altura estava a desenvolver-se, sendo que esta testemunha, num relato minucioso, objectivo e perfeitamente desinteressado, relatou os factos tal como os mesmos resultaram provados, confirmando o expediente que lavrou na sequência de tal acção (auto de notícia de fls. 3 a 5);
- Também foi importante a prova documental produzida, designadamente: os autos de apreensão de fls. 6, 11, 16, 21, 26, 31, 36, 41 a 43 e os certificados de registo criminal dos arguidos de fls. 658, 659 e 661 a 668.
- Finalmente, ao apuramento das condições sociais e pessoais dos arguidos e da sua situação económica foram essenciais as declarações prestadas pelos próprios, bem como o teor de fls. 651 e 652.
Quanto à factualidade não provada, a mesma foi assim considerada por não ter sido feita prova do que os valores monetários em notas apreendidos na altura aos arguidos Manuel F... e Lino P... fossem de facto para ser utilizados ou proveito do jogo, sendo que a este respeito e no que tange a tais arguidos apenas foi possível ao tribunal formar a sua convicção, com o necessário grau de certeza e segurança no sentido da factualidade dada como provada em 3), e muito concretamente que apenas os valores em moedas que os identificados arguidos tinham na sua posse se destinavam ou eram provenientes da prática do jogo.”

8. Uma primeira forma de recurso sobre a matéria de facto consiste na alegação de um dos vícios do artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal. Neste caso, também de conhecimento oficioso, o objecto de apreciação encontra-se bem delimitado: trata-se de analisar apenas a decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras normais de experiência comum. O arguido recorrente não suscita, nem agora vislumbramos que se verifique, qualquer um dos vícios decisórios previstos no citado artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal, ou seja, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou o erro notório na apreciação da prova.

Num segundo patamar, a análise não se limita ao texto da decisão e envolve a apreciação da prova produzida ou examinada em audiência de julgamento. Ainda assim, o recurso não pressupõe nem se destina a uma reapreciação global de todos os elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas a uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo, circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, na avaliação das provas que impunham uma decisão diferente. Isto resulta da constatação que o “verdadeiro” julgamento de facto se faz na primeira instância, onde existe integral observância da imediação e onde houve possibilidade de dirigir a inquirição . Como tem sido frequentemente sublinhado, só a recepção directa da prova na audiência de julgamento permite a formulação das questões pertinentes, a conjugação das razões de ciência e a captação completa de alguns factores essenciais para a fiabilidade de um depoimento, como sejam as reacções, as reticências, os olhares e as mímicas de uma testemunha.

Neste âmbito, impõe-se ao recorrente que proceda à delimitação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e à indicação das concretas provas que impõem decisão diversa e ainda, se for o caso, das provas que devem ser renovadas, com indicação concreta das passagens dos suportes de gravação em que se funda a impugnação (artigo 412º nº 3 e nº 4 do Código de Processo Penal). Nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para fixação de jurisprudência de 8 de Março de 2012, DR, I, n.º 77, de 18.04.2012, “visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações.” (…) Os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão em matéria de facto, a exemplo do que ocorria com o artigo 690.º - A, e actualmente do artigo 685.º –A do CPC e artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, decorrem dos princípios estruturantes da cooperação, lealdade e boa fé processuais, com vista a assegurar a seriedade do recurso e obviar que os poderes da Relação sejam utilizados para fins dilatórios.” (também acessível in www.dgsi.pt. Processo n.º 147/06.0GASJP.P1-A.S1)

No seu recurso, o arguido Manuel S... indicou o conjunto de factos que considera incorrectamente julgados (a frase “o jogo da lerpa é um jogo cujo resultado é aleatório e depende fundamentalmente da sorte”, o que em rigor insere um juízo de facto ou uma conclusão que se deve extrair de eventos materiais). Porém, o recorrente não cumpriu o ónus de indicar as concretas passagens/excertos de cada um dos depoimentos das testemunhas que no entender do recorrente impõem uma decisão diferente, bem como a referência aos segmentos em concreto dos suportes de gravação. Neste âmbito, não basta claramente indicar “todo o depoimento” das testemunhas mas tem de se especificar, concretizar os trechos concretos que impõem uma solução diversa e indicar os argumentos que permitem essa conclusão a partir dos concretos segmentos indicados.

Tal como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 2006, Relator Cons. Simas Santos, processo 06P461, sum. in www.dgsi.pt e no entendimento posteriormente retomado no Acórdão também do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Junho de 2008, no processo 08P1884, a omissão das indicações e especificações da prova e dos meios de prova não permite convite ao aperfeiçoamento se a omissão se verifica nas motivações e nas conclusões, conduzindo a manifesta inviabilidade do recurso de impugnação da decisão em matéria de facto: “Se o recorrente se dirige à Relação limitando-se a indicar alguma prova, com referencia a suportes técnicos, mas na totalidade desses depoimentos e não qualquer segmento dos mesmos, não indica as provas que impõem uma decisão diversa quanto a questão de facto (…), pois o recurso de facto para a Relação (…) é um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros” Também no entendimento de Albuquerque, Paulo Pinto de in Comentário ao Código de Processo Penal, 3ª ed. pag. 1121 e 1222 “A especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento (…). Acresce que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei nº 48/2007, de 29.8 visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo especifico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado (…). .

Apesar a deficiente indicação e concretização será possível, ainda que com esforço acrescido, analisar todos os meios de prova susceptíveis de fundamentar a pretensão do recorrente.

Na motivação do seu recurso, o arguido António S... considerou incorrectamente julgada toda a matéria constante dos pontos 6 a 11 do elenco dos factos provados da sentença recorrida, com fundamento em segmentos das declarações do próprio arguido recorrente, dos co-arguidos Manuel S..., Joaquim L..., Lino P... e dos depoimentos das testemunhas Jacinto A..., António F..., José C..., Eduardo M..., que transcreve ao longo da motivação.

Haverá aqui que distinguir: os segmentos do elenco da “matéria de facto provada” que o arguido contesta são, por um lado, os relativos ao funcionamento concreto do jogo (de resultado aleatório) e, por outro, quanto ao conhecimento da ilicitude da conduta, traduzido na circunstância de o arguido saber (ou não) que o jogo da lerpa é considerado um jogo de fortuna ou azar . Ora, nesta ultima dimensão a apreciação do recurso está indissoluvelmente ligada com a apreciação de direito : sem se saber dos elementos objectivos referentes às características e ao enquadramento legal do tipo de jogo aqui em causa, a partir da subsunção dos restantes factos materiais provados nas atinentes disposições da Lei do Jogo e assim se determinar a ilicitude de quem retira proventos do jogo ou participa no jogo, não faz sentido preocuparmo-nos em questionar se o arguido tinha conhecimento claro e esclarecido de que o jogo era um “jogo de fortuna ou azar.

Em conformidade com o exposto, limitaremos a análise neste momento ao teor do ponto 6 da matéria de facto provada, sem prejuízo de retomarmos a apreciação, quanto ao circunstancialismo constante dos restantes pontos da matéria de facto impugnada, se for necessário.

9. Segundo se enuncia na sentença recorrida, a prova dos factos constantes dos pontos 5 e 6 resultou das declarações dos arguidos António S... (afirmando alem do mais que “o jogo da lerpa é um jogo de pura sorte”), Manuel F..., Lino P... e Joaquim L... (“unanimemente afirmaram que tal jogo se desenvolve como descrito na acusação e depende da sorte”). Consta ainda da motivação do juízo probatório que o tribunal não aceitou os elementos que em sentido inverso foram afirmados na audiência pelo arguido Manuel S... e pela testemunha António F... porque “uma tal versão é refutada pela própria natureza e forma como se desenvolve o jogo”, notando que se fosse importante a sabedoria, o resultado do jogo não traduziria no caso a especial competência e saber dos especialistas.

Da ponderação conjunta destes elementos e, mesmo, das concretas provas indicadas pelos recorrentes, resulta em nosso entender o perfeito acerto do julgamento de facto.

A conformação do funcionamento do jogo denominado como “da lerpa”, como se encontra enunciado no ponto cinco dos factos provados e, mesmo agora, tendo em conta todos os esclarecimentos ou concretizações oferecidos pelas testemunhas indicadas nos recursos, consiste numa actividade lúdica em que o resultado depende quase exclusivamente do acaso ou do arbítrio da sorte.

Com efeito, mesmo admitindo a exigência de alguma inteligência ou raciocínio na “contagem” das cartas anteriormente já utilizadas, da conveniência de “perícia” na recolha das cartas em cima da mesa, ao embaralhar ou ao distribuir as cartas, o utilizador nunca poderá prever, nem determinar com um mínimo de segurança na probabilidade, quais as três cartas que lhe vão surgir para jogar. Como evidentemente desconhece o significado e “valor” das cartas em poder dos restantes intervenientes, o jogador só pode “controlar” ou influenciar o resultado (e consequente perda ou ganho da aposta) pela opção de “ir” (ou não) “a jogo” e “indo a jogo” na opção ou “aposta” pela ordem porque vai jogar as cartas. Como em todos os jogos, poderão intervir elementos como o “bluff” ou a infracção dissimulada das regras, por um ou outro interveniente. Em todo o caso, tenha o jogador mais ou menos experiência, beneficie ou não de especiais “atributos”, como a velocidade de reacção, a capacidade de interpretar a mímica dos outros jogadores, a destreza ou a memória visual, o fundamental ou essencial no desenrolar no jogo de cartas conhecido como “da lerpa” permanece sempre dependente quase em exclusivo do acaso ou azar da concreta distribuição das cartas pelos jogadores. Será sempre a sorte (ou azar) a ditar o resultado final do jogo.

Nestes termos, depois de examinados os segmentos dos depoimentos das testemunhas indicadas pelos recorrentes, julgamos que a convicção do tribunal constante do ponto seis dos factos provados se encontra alicerçada nos elementos probatórios enunciados, mediante um juízo lógico, consistente e razoável. Assim, não vislumbramos fundamento que nos leve a divergir, muito menos que nos imponha, uma decisão distinta.

10. Uma melhor compreensão do enquadramento jurídico-penal não prescinde de um esboço da evolução histórica. Renovam-se e transcrevem-se de seguida as considerações gerais que o mesmo relator fez constar no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Outubro de 2010, no processo 116/09.8ECLSB.L1, não publicado.

Como bem sublinhou o Tribunal Constitucional, desde sempre que a sociedade organizada procurou intervir na disciplina e regulamentação do jogo, partindo do pressuposto que se trata de uma actividade humana susceptível de proporcionar divertimento e prazer mas que também pode originar importantes malefícios, não só para o próprio jogador, como para a sociedade, partindo do entendimento que “o fundamento ético-social do sancionamento penal do jogo de azar não se encontra tanto na necessidade de proteger o jogador contra as inclinações, gostos ou vícios que lhe podem – e normalmente são – prejudiciais, quanto na necessidade de reprimir a prática de uma actividade que constitui objecto de uma significativa reprovação social, do ponto de vista ético, tendo em conta os males e prejuízos para a própria sociedade que se considera encontrarem-se-lhe associados – por exemplo, acréscimo de burlas, usuras e fraudes, bem como de litígios e violências, facilitando o alastramento do crime organizado; significativa perturbação da vida familiar dos jogadores, com repercussão na capacidade de manutenção e educação dos filhos; ou, ainda, possibilidade de incidência negativa no domínio das relações laborais ou económicas dos jogadores” (Acórdão nº 99/2002, in www.tribunalconstitucional.pt ).

Após o Código Penal de 1886 ter regulado a matéria, sob a epígrafe de “jogos e lotarias”, nos seus artigos 264° a 272°, o Decreto n° 14.643. de 3 de Dezembro de 1927, pondo termo a uma longa tradição, veio autorizar a exploração de jogos de fortuna ou azar, em regime de concessão de exclusivo, em determinadas localidades qualificadas como zonas de jogo.

Em 1 de Abril de 1969, entrou em vigor a disciplina jurídica do jogo constante do Decreto-Lei n° 48.912. de 18 de Março de 1969, que reuniu num só diploma disposições dispersas por diversos decretos avulsos que entretanto, haviam sido publicados.

Este diploma, no seu artigo 1°, definia como de fortuna ou azar “os jogos cujos resultados são contingentes, por dependerem exclusivamente da sorte” e no seu artigo 2º que a prática de tais jogos só era permitida nos casinos existentes nas zonas de jogo e nas épocas estabelecidas para o seu funcionamento. O artigo 4° elencava os tipos de jogos de fortuna ou azar, cuja exploração era autorizada nos casinos das zonas de jogo, apenas compreendendo jogos bancados e jogos não bancados e, a nível de máquinas, apenas o constante do n°3 - máquinas automáticas (pagando directamente fichas ou moedas).

O artigo 56°, por seu turno, estatuía que aqueles que infringissem o disposto no artigo 2°, quer explorando jogos de fortuna ou azar, incluindo máquinas automáticas de fichas ou moedas, quer exercendo a sua actividade na respectiva exploração, eram punidos com prisão de 6 meses a 2 anos e demissão dos seus cargos se fossem funcionários do Estado ou dos corpos administrativos.

O Decreto-Lei n° 48.912 continha já a regulamentação do que chamava, seguindo uma terminologia que se sedimentaria na legislação posterior, de “modalidades afins do jogo de fortuna ou azar”, considerando como tais “as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside essencialmente na sorte” (veja-se o artigo 43°. corpo. iniciando o capítulo VI do citado diploma, sob a epígrafe “Das modalidades afins do jogo de fortuna ou azar, incluindo a aposta mútua”), que ficaram dependentes de autorização casuística do Ministro do Interior. De harmonia com o § 1° da referida disposição legal, eram especialmente abrangidas pelo citado artigo 43° “as rifas, tômbolas, sorteios, assim como quaisquer máquinas automáticas cujo funcionamento não dependa da utilização, nem origine a atribuição de fichas e para cujos resultados não influa a perícia e ainda, os concursos de publicidade, ou outros, em que se verifique a atribuição de prémios”. A promoção de qualquer dessas modalidades. em desconformidade com a lei, consistia na prática de uma transgressão, sujeita à aplicação de multa (artigo 59°, corpo).

O Decreto-Lei n° 293/81, de 16 de Outubro, estabeleceu o regime de registo e exploração de máquinas eléctricas de diversão. Em 16 de Fevereiro de 1985 entraram em vigor os Decreto-Lei n° 21/85 e 22/85, ambos de 17 de Janeiro desse ano. O primeiro definia o regime de exploração de máquinas automáticas, mecânicas e eléctricas ou electrónicas de diversão, tendo sido revogado pelo artigo 3° do Decreto-Lei n.° 3 16/95, de 28 de Novembro. O segundo, por seu turno, introduziu alterações no Decreto-Lei n°48.912.

Ambos os diplomas legais procuraram dar resposta à evolução dos tempos, tendo em conta o surgimento de novos tipos de máquinas.

Como se acentuou no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 22/85. “são muitas e sofisticadas as modalidades de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas ou electrónicas, que, embora não pagando directamente prémios em dinheiro ou em fichas, se têm revelado meios apropriados para a prática ilegal de jogos de fortuna ou azar, na medida em que favorecem a aposta de dinheiro sobre os créditos representados nas pontuações em que se traduzem os seus resultados, dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte. A solução legal até agora adoptada, consistente na qualificação de tais máquinas como de diversão e na sua sujeição ao regime instituído para as máquinas de tipo flipper, tem-se revelado ineficaz para prevenir e reprimir o seu emprego na aludida prática de jogo ilícito”.E acrescenta-se: “Justifica-se, assim, a revisão do enquadramento legal daquelas máquinas, qualificando-se as mesmas como verdadeiros jogos de fortuna ou azar e, consequentemente, restringindo-se o seu uso aos casinos das zonas de jogo.

Na prossecução deste propósito, o artigo 1° do citado Decreto-Lei n° 22/85 aditou o n°4 ao artigo 4° do Decreto-Lei n°48.912 (que passou a constituir um novo tipo de jogos de fortuna ou azar, apenas autorizado nos casinos das zonas de jogo), do seguinte teor: “4) Máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas ou electrónicas que, não pagando directamente prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”.

O mesmo Decreto-Lei n° 22/85. no seu artigo 2°, alterou a redacção do §1 d) artigo 43° do Decreto-Lei n°48.912 retirando do elenco das modalidade afins aí referidas os jogos desenvolvidos por quaisquer máquinas automáticas e desse modo restringindo o carácter exemplificativo das modalidades afins às “…rifas, tômbolas, sorteios e concursos de publicidade ou outros em que se verifique a atribuição de prémios”.

Fora deste regime, por não favorecerem as apostas ilícitas, embora sujeitas a uma regulamentação própria, ficaram as máquinas de mera diversão, definidas no artigo 2° do Decreto-Lei n° 21/85 como aquelas que não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, desenvolvessem jogos cujos resultados dependessem exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador (não importando que a este fosse concedido o prolongamento da utilização gratuita da máquina face à pontuação obtida). Trata-se, no essencial, de uma noção reproduzida pelo artigo 16°, n°1, do Decreto-Lei n°316/95, de 28 de Novembro, estando a exploração destas máquinas dependente do respectivo registo e da concessão da correspondente licença de exploração emitida pelo governador civil do distrito (artigos 1 7° e 20°).

Em 1 de Janeiro de 1990 entrou em vigor o Decreto-Lei n° 422/89 de 2 de Dezembro, que no seu artigo 1° definiu, precisamente, os jogos de fortuna ou azar como sendo “aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”. Além da noção geral do artigo 1°, o Decreto-Lei n°422/89 consagra, no n°1 do artigo 4°, um enunciado, de carácter não taxativo, de tipos de jogos de fortuna ou azar, neles incluindo “jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte” (alínea g) do aludido artigo 4°, n°1). Na alínea f) da mesma disposição legal, são também considerados jogos de fortuna ou azar os “jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas”.-- E prescreve-se, como regra geral - que contempla excepções - que todos esses jogos somente podem ser explorados nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário, ou noutros locais especialmente autorizados, mediante concessão do Governo a empresas constituídas sob a forma de sociedades anónimas, já que o direito de explorar esses jogos é legalmente reservado ao Estado (artigos 3°. 6°. 8°e 9°). O artigo 4.º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro tem a seguinte redacção:

“Tipos de jogos de fortuna e azar
1 - Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar:
a) Jogos bancados em bancas simples ou duplas: bacará ponto e banca, banca francesa, boule, cussec, écarté bancado, roleta francesa e roleta americana com um zero;
b)Jogos bancados em bancas simples: black jack/21, chukluck e trinta e quarenta;
c)Jogos bancados em bancas duplas: bacará de banca limitada e craps;
d)Jogo bancado: keno;
e)Jogos não bancados: bacará chemin de fer, bacará de banca aberta, écarté e bingo;
f)Jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
g)Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
2 - É permitido às concessionárias adoptar indiferentemente bancas simples ou duplas para a prática de qualquer dos jogos bancados referidos na alínea a) do n.º 1 deste artigo.
3 - Compete ao membro do Governo da tutela autorizar a exploração de novos tipos de jogos de fortuna ou azar, a requerimento das concessionárias e após parecer da Inspecção-Geral de Jogos.

A nível de incriminação, dispõe o artigo 108°. n°1: “Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias”.

Este diploma não foi o último passo da evolução legislativa na disciplina jurídica do jogo, dado que o Decreto-Lei n° 10/95. de 19 de Janeiro, introduziu alterações em algumas das disposições do Decreto-Lei n° 422/89, em especial sobre as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, cuja regulamentação pelo antigo Decreto-Lei n° 48.912 havia sido deixada incólume pelo diploma de 1989 (veja-se o artigo 160°, n°2. do Decreto-lei n° 422/89. na sua versão originária). Assim, de harmonia com o que passou a prescrever o artigo 159°, n°1. do Decreto-lei n° 422/89, reformulado pelo citado Decreto-Lei n° 10/95, ‘modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico acrescentando o n°2 que são abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, ‘rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos”. A exploração de tais modalidades afins depende de autorização (artigo 160°). Sob pena de ser punida com coima, a título de contra-ordenação (artigo 163°), estando vedada, em principio, a entidades com fins lucrativos (artigo 161°, n°1).

Saliente-se que, segundo passou a preceituar o artigo 161º, n°3, as modalidades afins não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, exemplificando-se, além do mais, com os casos do póquer, roleta, dados. bingo. lotaria, totobola e totoloto.

Aqui chegados, podemos sintetizar nos seguintes termos:

A) Até 16 de Fevereiro de 1985, data em que entraram em vigor os Decreto-Lei n° 21/85 e 22/85, ambos de 17 de Janeiro, as máquinas automáticas que desenvolvessem jogos para cujos resultados não influísse a perícia, mas apenas a sorte, pagando directamente fichas ou moedas, integravam os jogos de fortuna ou azar; As máquinas automáticas cujo funcionamento não dependesse da utilização, nem originasse a atribuição de fichas e para cujos resultados não influísse a perícia, integravam as modalidades afins do jogo de fortuna ou azar; Por último, eram de diversão as máquinas que não pagando prémios em fichas, dinheiro ou coisas com valor económico, não assentassem os seus resultados exclusivamente na sorte, mas também no cálculo ou perícia do jogador.

B) Com o Decreto-Lei n° 22/85, passaram para o âmbito dos jogos de fortuna ou azar os jogos de máquinas que, sendo até aí “modalidades afins”, se vinham revelando ‘meios apropriados para a prática ilegal de jogos de fortuna ou azar”, já que favoreciam a aposta de dinheiro sobre os créditos representados nas pontuações em que se traduziam os resultados, dependentes, exclusiva ou fundamentalmente, da sorte.

Por outras palavras, com o Decreto-Lei n° 22/85 e com o Decreto-Lei n° 422/89 no que toca aos jogos desenvolvidos em máquinas, passaram a ser considerados de fortuna ou azar os que não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, ou apresentam como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte Na apreciação do Tribunal Constitucional, em sede de apreciação de constitucionalidade orgânica, “o legislador, ao editar o artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 22/85, de 17 de Janeiro — com o que deu nova redacção ao artigo 56.° do Decreto-Lei n.° 48 912, de 18 de Março de 1969 — criou um «novo tipo» de ilícito criminal: exploração de máquinas automáticas referi­das no n.° 4) do artigo 4.° fora dos casos em que essa exploração é permitida nos termos do artigo 2.°, cominando para tal infracção a pena de prisão de seis meses a dois anos. Dito de outro modo: o legislador, ao editar o artigo 3.° do Decreto--Lei n.° 22/85, de 17 de Janeiro, emitiu uma norma cujo objecto é a definição de um crime e a da respectiva pena — o que só podia ser feito pelo Governo estando munido de autorização legislativa, por se tratar de matéria que se inscreve na reserva parlamentar”(Acórdão nº 400/89, de 18 de Maio de 1989, acessível in www.tribunalconstitucional.net e publicado no DR, II, de 14 de Setembro de 1989.

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O tratamento dualista dos jogos como sendo de fortuna ou azar, por um lado, ou suas modalidades afins, por outro, continua porém a suscitar algumas dificuldades, quando se trata de definir com rigor o respectivo elemento diferenciador.

De acordo com a síntese constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Maio de 2008, relator Joaquim Gomes, in www.dgsi.pt e do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2010, têm sido sugeridos critérios que se definiriam, fundamentalmente ou pelo carácter totalmente aleatório do resultado, considerando-se como exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, partindo-se essencialmente da definição legal do art. 1.º, todo aquele que dependa essencialmente do acaso e da sorte do jogador, de modo que este não tem qualquer possibilidade de influenciar ou condicionar o correspondente resultado – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19 de Outubro de 1999, na Colectânea, IV, pag. 296, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Maio de 1995 in Colectânea, III, pág. 259, e mais recentemente os de 21 de Fevereiro de 2007, 26 de Setembro de 2007 e de 27 de Fevereiro de 2008, in www.dgsi.pt , ou pela natureza pecuniária dos prémios atribuídos, de modo que, atento o preceituado no art. 4.º, n.º 1, al. g) e 161.º, n.º 3, parte final, da Lei do Jogo, quando tais prémios consistissem em dinheiro ou em fichas convertíveis em moeda corrente, estar-se-ia perante um ilícito criminal, ao passo que se apenas houvesse a atribuição de prémios de outra natureza, já haveria um ilícito de mera ordenação social – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13 de Fevereiro de 2007, colectânea, I, pag. 258, do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Fevereiro de 2007, do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Abril de 2008, in www.dgsi.pt, ou pelo tipo das operações oferecidas ao público, considerando-se como modalidades afins, atento o disposto no art. 159.º, n.º 1 e a enumeração exemplificativa do seu n.º 2, aquelas que correspondem a uma interpelação ou promoção directa junto do público, enquanto no crime de jogo de fortuna ou azar este é colocado em estabelecimentos predeterminados – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 5 de Fevereiro de 1997 na Colectânea, Tomo I, pag. 249, de 26 de Abril de 2000, na Colectânea, tomo II, pag. 240, ou pela predeterminação do subsequente prémio, considerando-se como modalidades afins aquelas operações em que o prémio está prefixado e se dirija a um número indeterminado de pessoas, pois caso contrário tratar-se-á de uma exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora 6 de Novembro de 1990, na Colectânea , tomo V, pag. 276, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16 de Maio de 2007,ou ainda pela temática do jogo ou pela natureza dos prémios, considerando-se crime a exploração de máquinas que desenvolvam temas próprios de jogos de fortuna ou azar, independentemente do pagamento de qualquer prémio ou então aquelas que não desenvolvendo jogos com esses temas atribuem prémios em dinheiro ou convertíveis em dinheiro, situando-se fora desta descrição as modalidades de jogo afins, ainda que o seu resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Outubro de 2007 in www.dgsi.pt .

Sem pretender ser exaustivo na apreciação de todos estes critérios, será desde logo de considerar que a partir do Decreto-Lei nº 10/95 de 19 de Janeiro, a distinção de campos entre os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins nunca mais pode ser estabelecida com base na relevância da sorte ou do azar para o resultado.

O critério de “prémios previamente fixados” nas modalidades afins de jogos de fortuna ou azar e “prémios não previamente fixados” nos jogos de fortuna ou azar, podendo ser tendencialmente correcto, não é exacto: como bem se já se salientou há jogos de fortuna ou azar que não pagam prémios em fichas ou moedas e nem por isso deixam de ser classificados como tais, não se podendo falar de prémios previamente fixados, nem de prémios não previamente fixados Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-09-2006, rel. Simões de Carvalho, in www.dgsi.pt .

Concomitantemente, o critério da natureza dos prémios, ainda que beneficiando pela clareza e simplicidade, não se mostra adequado para estabelecer por si só a distinção entre jogo de fortuna ou azar e modalidade afim : se é certo que a substituição por dinheiro ou fichas dos prémios atribuídos se encontra vedada nas modalidades afins (art.º 161º nº 3 DL 422/89), em lado algum da regulamentação legal se encontra referência que permita estabelecer essa demarcação, prevendo-se mesmo expressamente como tipo de jogo de fortuna ou azar modalidades em que o prémio não consiste em dinheiro (alínea g) do nº 1 do artigo 4º do DL 422/89) Neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência nº 4/2010, de 4 de Fevereiro, no DR I, nº 46, de 8 de Março de 2010, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28-11-2007, in www.dgsi.pt e na Colectânea III, 256 e de 27-02-2008, ambos relatados pelo Cons. Henriques Gaspar, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-10-2005, Rel. Des. Carlos Almeida in www.dgsi.pt e na Colectânea, IV, pag. 147, de 25 Março de 2009, Rel. Telo Lucas e de 22-04-2009, Rel. Des. Conceição Gonçalves in www.dgsi.pt.

Salvo o devido respeito por melhor entendimento, também o denominado critério “das operações oferecidas ao público” será insuficiente para o efeito pretendido: como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de Outubro de 2008, Rel. Isabel Pais Martins in www.dgsi.pt “o argumento que se quer extrair de «não se tratar de um operação oferecida ao público» é duplamente improcedente. Por um lado, a definição, para efeitos da lei, da categoria de jogos de fortuna ou azar não deriva do local em que é praticado ser acessível ao público em geral, ser de acesso limitado ou mesmo clandestino, mas das características do próprio jogo. Se faltarem as características essenciais que permitam qualificar um jogo como de fortuna ou azar, ainda que ele seja explorado num casino, não passa, por isso, a ser um jogo de fortuna ou azar. Tratar-se de uma “operação oferecida ao público” – expressão constante do artigo 159.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 422/89 –, é ainda um requisito positivo para a definição das modalidades afins do jogo de fortuna e azar. Para que um jogo se enquadre na categoria de modalidade afim é necessário que, negativamente, se estabeleça que não se enquadra na categoria de jogo de fortuna e azar e, positivamente, a acessibilidade do povo em geral a esse jogo”

Perante este conjunto de argumentos, somos levados a concluir que o caminho para a interpretação e subsunção legais há-de ser outro e, tal como se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência nº 4/2010, a delimitação necessária há-de definir-se a partir das próprias categorias legais, tendo sempre presente a imperiosa observância do princípio da tipicidade e da determinabilidade, enquanto decorrências do princípio constitucional da legalidade (…)”Assim, dada a necessidade de prevenir as condutas lesivas dos bens jurídico-penais e igualmente de garantir o cidadão contra a arbitrariedade ou mesmo contra a discricionariedade judicial, exige-se que a lei criminal descreva o mais pormenorizadamente possível a conduta que qualifica como crime (…)Daqui resulta a proibição de o legislador utilizar clausulas gerais na definição dos crimes, a necessidade de reduzir ao mínimo possível o recurso a conceitos indeterminados e o imperativo de não recorrer às chamadas “normas penais em branco”, salvo quando tal recurso se apresente como manifestamente indispensável e a norma para a qual é feita a remissão seja clara na descrição da conduta punível. Esta exigência, decorrente da razão de garantia do princípio da legalidade penal, é denominada por principio da tipicidade traduzido pela conhecida formulação latina nullum crimen sine lega certa.” Américo Taipa de Carvalho in Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda, I,2ªed.,pag.672. .

Consideramos deste modo que o teor normativo do conceito de jogo de fortuna ou azar e a demarcação com as restantes modalidades de jogo, há-de resultar necessariamente da ponderação e aplicação, em conjunto, dos elementos constantes da fórmula geral do artigo 1º do Decreto-Lei nº 422/89, com a descrição exemplificativa ou concretizadora constante do artigo 4º do mesmo diploma legal Sufragando assim o entendimento exposto no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-10-2005 rel. Carlos Almeida, proc. 7610/2005-3 segundo o qual deveriam ser considerados jogos de fortuna ou azar apenas aqueles cuja exploração nos termos dos nº 1 e 3 do artigo 4º do DL 422/89 de 2 de Dezembro é autorizada nos casinos e restringindo o campo de aplicação dos ilícitos criminais à exploração e outras actividades ilícitas que tenham como objecto esses jogos de fortuna ou azar. Também no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-03-2010, rel. Eduarda Lobo, proc. 1052/05.2GALSD.P1, se considerou que “Apenas são de considerar como jogos de fortuna ou azar, integradores do crime de exploração ilícita de jogo, os enunciados no catálogo do artigo 4º da Lei do Jogo.”.

Em consequência, os jogos de fortuna ou azar são apenas aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte e que se encontram tipificados ou especificados nas diversas alíneas do referido artigo 4º nº 1, onde se incluem vários jogos bancados e não bancados, concretamente definidos, como o bacará, a banca francesa, a roleta francesa, a roleta americana, o Black- Jack/ 21, o bingo (alíneas a) a e), bem como jogos em máquinas (alíneas f) e g).

No caso de jogos em máquinas, devem ser considerados como jogos de fortuna ou azar aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, e reúnam uma das seguintes características: ou atribuam directamente prémios em fichas ou moedas ou, não atribuindo directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

O jogo destes autos, denominado “de lerpa”, apesar de ser um jogo “aleatório”, não é obviamente um jogo que se desenvolva em máquinas, nem é um dos jogos descritos numa das alíneas a) a e) do n.º1 do artigo 4.º da Lei do Jogo.

Assim, a exploração do jogo da lerpa não se encontra reservada ou restringida por lei aos casinos e o comportamento de quem explora ou intervém no jogo da lerpa não constitui, respectivamente, o crime do artigo 108.º ou o crime do artigo 110.º, ambos do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro. Também inexiste responsabilidade de natureza contra-ordenacional (artigos 159.º a 163.º do citado Decreto-Lei nº 422/89).

Uma vez que a conduta de cada um dos arguidos recorrentes não preenche o tipo objectivo do crime em que foram condenados, impõe-se a procedência do recurso com a consequente revogação da sentença, assim ficando prejudicada a apreciação das restantes questões que tinham sido suscitadas.

Sendo caso de comparticipação, e por evidentes razões de equidade e de justiça material, a decisão do recurso deve abranger os restantes arguidos “jogadores” (art.º 402.º, n.º 2, al. a) do Código do Processo Penal)

III - DISPOSITIVO

11. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedentes os recursos e, em consequência, revogando a decisão recorrida, absolvem o arguido António S... do cometimento de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 108.º, n.ºs 1 e 2, 1.º e 3.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12 e absolvendo o arguido Manuel S... da prática, em autoria material, do crime de prática ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 110.º, 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12;

Assim como, em consequência do disposto no art.º 402.º n.º 2, alínea a) do C.P.P., absolvem os arguidos Manuel F..., Lino P..., Silvano S..., Joaquim L... e Joaquim O... da prática, em autoria material, do crime de prática ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 110.º, 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12;

Assim como fica sem efeito a declaração de perdimento a favor do Estado das quantias apreendidas aos arguidos.

Sem tributação.


Guimarães, 3 de Dezembro de 2012.