Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
625/08-1
Relator: ANTÓNIO GONÇALVES
Descritores: RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/12/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: DESATENDIDA
Sumário:
Decisão Texto Integral: Reclamação - Processo n.º 625/08-1.
Autos de promoção e protecção de menor n.º 304-C/2002/1.ª Secção doTribunal de Família e Menores de Braga.


Nos autos de promoção e protecção de menor n.º 304-C/2002/1.º Secção do Tribunal de Família e Menores de Braga, por despacho de 11 de Fevereiro de 2005 foi decretada a medida de institucionalização da menor Elizabete P..., a cargo da Segurança Social (fls. 62 e 63 do 1° volume); na mesma data foi esta menor admitida na A. Criança (fls. 82 -A de 1 ° volume).
Entretanto, por decisão de 21 de Janeiro de 2008, foi prescrita a substituição da medida de institucionalização pela de apoio junto do pai (fls. 637 a 638/3° volume).

Não se conformando com esta decisão veio a A. Criança dela interpor recurso.
Porém, com o fundamento na falta de legitimidade material e processual da recorrente e, ainda, porque não tem a recorrente a guarda de facto da menor, o recurso assim interposto não foi admitido.

Contra esta resolução apresentou a recorrente A. Criança a sua reclamação argumentando assim:
1. Era a recorrente quem tinha a guarda de facto da menor uma vez que, durante cerca de três anos, cuidou da menor, alimentou-a, vestiu-a, calçou-a, educou-a e cuidou da sua saúde.
2. Tendo sido chamada a pronunciar-se sobre a revisão ou cessação da medida a aplicar à menor, desta circunstância se retira a ilação de que lhe foi sempre reconhecido o estatuto que agora pretende fazer valer.
Termina pedindo que seja mandado admitir o recurso.

A Digna Magistrada do Ministério Público pronuncia-se pelo indeferimento da reclamação e o Ex.mo Juiz manteve o despacho reclamado.



Cumpre decidir.

Dispõe o art. 123° da Lei 147/99, de 1/9 (Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo):
1. Cabe recurso das decisões que, definitiva ou provisoriamente, se pronunciem sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas de promoção e protecção.
2. Podem recorrer o Ministério Público, a criança ou o jovem, os pais, o representante legal e quem tiver a guarda de facto da criança ou do jovem.

Guarda de facto é a relação que se estabelece entre a criança ou o jovem e a pessoa que com ela vem assumindo, continuadamente, as funções essenciais próprias de quem tem responsabilidades parentais (artigo 5°, b) da LPCJP).

O conceito normativo de “guarda de facto” enunciado neste texto legalAs ocorrências da vida real, isto é, os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos do homem que possam ser captados pelos sentidos e que disso se possam aperceber as pessoas (Prof. A. dos Reis; Cód. Civil Anotado; Vol. III; pág. 209).
prende-se com uma situação real onde tem de estar representada uma relação afectiva e personalizada condizente com uma ligação entre pais e filhos.

Quer isto dizer que a expressão “guarda de facto” usada pelo legislador e assinalada neste normativo, circunscreve-se à tipologia de um determinado padrão de identificação familiar, a reclamar um estatuto de pessoas relacionadas entre si por vínculos equiparados aos de uma ligação de sangue, tudo se passando como se de um relacionamento entre pai/mãe e filho se trate.

Este acolhimento afectivo, de algum modo tornado visível através da manifestação de sentimentos mútuos e exteriorizado para fora desta sua intimidade, é que preenche o conteúdo conceptual da expressão “guarda de facto” que ora examinamos, estando dela distante a conexão que haja entre o menor e uma designada Instituição de Utilidade Pública - A. Criança in casu - decorrente de decretada medida de institucionalização do menor, a cargo da Segurança Social e, neste contexto, admitida na A. Criança.
Tratando-se de uma medida jurisdicionalmente imposta, a acção a desenvolver pela “A. Criança” está sempre dependente do juízo que o Tribunal de Família e Menores faça acerca do que é melhor para a criança, designadamente sobre a manutenção da medida assim decretada.

Neste entendimento podemos dizer que a estabelecida admissão da menor Elizabete P... na A. Criança, porque não preenche, só por isso, o conceito de guarda de facto tal qual está definido no artigo 5°, al. b) da LPCJP, não assegura a legitimidade desta Instituição para o recurso interposto.

Pelo exposto se desatende a reclamação feita.

Custas pela reclamante.

Guimarães, 12 de Março de 2008.

O Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães,