Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
746/06-2
Relator: ANTÓNIO GONÇALVES
Descritores: INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/10/2006
Votação: NANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1. Para que estejamos perante um caso de interrupção da instância, necessário se torna que, jurisdicionalmente, se formule uma decisão que ajuíze esta revelada incúria (opera ope judicis), de modo que as partes possam verificar, inequivocamente, que ocorreu no processo este desleixo na acção e que a parte a quem se atribui este descuido merece a punição prescrita na lei.
2. A deserção da instância opera ope legis, isto é, sem necessidade de que esta circunstância processual seja acolhida por despacho, porquanto é automaticamente conferida quando o processo está paralisado por inércia total da parte e tem a sua “ratio” na especificada particularidade de que não tem sentido que os termos da acção possam sobrestar na sua prossecução, interrompidos no armário da secretaria do tribunal, em contradição com a fogosidade da hodierna sociedade, a justificar cada vez maior implementação e dinamismo social.
3. A parte que incorreu no irregular procedimento da interrupção da instância tem de ser notificada da pronúncia desta decisão contra si proferida, não só para ficar a saber dos inconvenientes que para o seu posicionamente processual dela lhe advém, como também para contra esta declarada vicissitude poder reagir pelos meios técnicos postos ao seu dispor e ao caso adequados.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:


Do despacho, proferido no processo de acção sumária n.º 145/2002/4.º Juízo Cível do T.J. da comarca de Barcelos, que julgou deserta a instância, recorreu o autor, que alegou e concluiu do modo seguinte:
a) Nos termos do n.º 1 do art. 291° do C.P.C. "considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos", sendo certo que a instância se interrompe, nos termos do art. 285° do C.P.C. quando o processo esteja parado mais de um ano...
b) Da conjugação destas disposições legais, necessário se torna concluir que são necessários, pelo menos, três anos (um para determinar a inrterrupção da instância, e dois com a instância interrompida) para que a instância seja declarada deserta.
c) Ora, sendo o douto despacho a ordenar a citação edital dos RR de 19 de Fevereiro de 2003, apenas em 19 de Fevereiro de 2006 - pelo menos - poderá ser declarada deserta a instância se preenchidos os requisitos legais para tal declaração, nomeadamente a prolação de douto despacho declarando a instância interrompida.
d) O M.mo Juiz a quo não proferiu, nos presentes autos, despacho prévio declarando a interrupção da instância.
e) A deserção da instância pressupõe uma declaração prévia da sua
interrupção, o que não sucedeu.
f) Não podia, assim, o M.mo Juiz a quo declarar deserta a instância.
g) O douto despacho que, simultaneamente indefere o pedido de prosseguimento da acção e declara deserta a instância, viola o preceituado no n.° 1 do art.º291.º do C. P.Civil, no que se refere à declaração de interrupção da instância.
Termina pedindo que seja revogado o despacho recorrido e substituído por outro que defira o requerido pelo recorrente.

Os recorridos não contra-alegaram.


Colhidos os vistos cumpre decidir.

Com interesse para a decisão em recurso estão assentes os factos seguintes:
1. O autor demandou os réus "A" e mulher "B", pedindo que seja julgado resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre o autor e o réu marido, em 01.11.1983, a conceder aos réus o gozo, uso e fruição da habitação sita no Bairro ..., em Barcelos.
2. Não havendo sido possível proceder à citação dos réus o autor, notificado do teor dos ofícios que dão conhecimento do óbito da ré "B", desistiu da instância contra esta demandada, pretensão esta que lhe foi deferida por despacho de 05.06.2002.
3. Junto ao processo a certidão do assento de óbito da ré mulher (cfr.fls. 52/53) e não tendo sido possível a citação do réu "A" (cfr. fls. 62), foi proferido o seguinte despacho, datado de 12.07.2002: - aguardem os autos o impulso processual do autor, sem prejuízo do decurso do prazo a que alude o art.º 51.º do C.C.Judiciais.
Este despacho foi notificado ao autor.
4. De harmonia com o disposto no art.º 244.º, n.1, do C.P.Civil, foi ordenada a citação edital do réu em 18.02.2003; e, por despacho de 31.03.2003, foram os autos mandados aguardar o impulso processualdo autor, sem prejuízo do decurso do prazo de interrupção da instância, nos termos do disposto no art.º 285.º do C.P.Civil, decisão esta que foi notificada ao autor por carta de 31.03.2003.
5. Nos termos do disposto no art.º 285.º do C.P.Civil, e por despacho de 28.10.2003, foi declarada interrompida a instância, aguardando os autos no arquivo pelo decurso do prazo de deserção - art.º 291.º do C.P.Civil - e ordenada a notificação do autor.
6. Esta notificação não foi, efectivamente, realizada.
7. Pedindo que lhe fosse relevada a desatenção havida, veio o autor, em 29.11.2005, requerer a junção aos autos dos anúncios publicados no Jornal de Barcelos e que fosse ordenada a prossecução da instância.
8. Apreciando este requerimento o Ex.mo Juiz, considerando que o processo esteve interrompido durante mais de dois anos, julgou deserta a instância e, em consequência, indeferiu o pedido do autor.
9. É desta decisão de que se recorre.

Passemos agora à análise das censuras feitas à decisão recorrida nas conclusões do recurso, considerando que é por aquelas que se afere da delimitação objectiva deste (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do C.P.C.).

A questão posta no recurso é a de saber se a deserção da instância pressupõe uma decisão a jugá-la interrompida e devidamente notificada às partes.


I. Dispõe o art. 285º do Cód. Proc. Civil que “a instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento” e, a seguir, estabelece o preceituado no n.º1 do art.º 291º do mesmo diploma legal que “considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos”.
É do cotejo destes dois normativos legais que se vai apreender a disciplina jurídica que precisamos alcançar para dirimir o conflito de interesses em questão no presente recurso.
Da primeira descrição em exegese, dela depreendemos que o simples decurso do espaço de tempo superior a um ano não faz com que, só por isso, se considere, sem mais, que estamos perante a situação jurídico-processual da interrupção da instância.
A interrupção da instância tem o seu fundamento na detectada atitude de negligência da parte que, porque não obervou o princípio dispositivo consagrado no artigo 264.º do C.P.Civil, merece aquele estatuído castigo - a interrupção da instância deriva da inércia das partes, e nomeadamente da inércia do autor, ao qual incumbe, em primeira linha, promover o andamento do processo; quere dizer, a interrupção da instâcia tem o claro sentido de sanção imposta pela lei à inobservância do ónus de promoção e ou de impulso processual. Prof. Alberto dos Reis; Comentário; 3.º; pág. 339/340.
Mas, para que estejamos perante um caso de interrupção da instância, necessário se torna que, jurisdicionalmente, se formule uma decisão que ajuíze esta revelada incúria (opera ope judicis), de modo que as partes possam verificar, inequivocamente, que ocorreu no processo este desleixo na acção e que a parte a quem se atribui este descuido merece a punição prescrita na lei.

A deserção da instância opera ope legis, isto é, sem necessidade de que esta circunstância processual seja acolhida por despacho, porquanto é automaticamente conferida quando o processo está paralisado por inércia total da parte e tem a sua “ratio” na especificada particularidade de que não tem sentido que os termos da acção possam sobrestar na sua prossecução, interrompidos no armário da secretaria do tribunal, em contradição com a fogosidade da hodierna sociedade, a justificar cada vez maior implementação e dinamismo social - a deserção da instância justifica-se pela necessidade de se não manter indefinidamente parados nos tribunais, como um congelador, inúmeros processos em relação aos quais as próprias partes se tinham desinteressado. Prof. Alberto dos Reis; obra citada; págs. 434 e segs.
Quer isto dizer que a parte que incorreu no irregular procedimento da interrupção da instância tem de ser notificada da pronúncia desta decisão contra si proferida, não só para ficar a saber dos inconvenientes que para o seu posicionamente processual dela lhe advém, como também para contra esta declarada vicissitude poder reagir pelos meios técnicos postos ao seu dispor e ao caso adequados.
Neste circunstancial enquadramento factual, só a partir do momento em que lhe é possível ficar a conhecer esta definida contrariedade é que começará a decorrer o prazo de um ano e que tão-só no seu termo prosseguirá a contagem de dois anos previsto no art.º 291.º do C.P.Civil, para tornar realizada a deserção da instância, ou seja, vale isto por dizer que, verificada e declarada a interrupção da instância por despacho judicial (como sucedeu no caso em apreço), o decurso subsequente do prazo de 5 anos (antigamente) ou de 2 anos (agora) conduz inelutavelmente à extinção da instância por deserção. Ac. S.T.J. de 17 de Junho de 2004 (in www.dgsi.pt).

II. O despacho proferido na acção em 28.10.2003 (cfr. fls. 73) que, nos termos do disposto no art.º 285.º do C.P.Civil, declarou interrompida a instância e mandou aguardar os autos no arquivo pelo decurso do prazo de deserção - art.º 291.º do C.P.Civil, não foi notificado ao IGAPHE, deficiência que só à secretaria se deve imputar, pois que essa diligência foi expressamente ordenada no despacho.
Todavia e como é bom de ver, esta apontada omissão dos serviços do tribunal não pode prejudicar o autor no desenvolvimento da relação processual estabelecida e, por isso, tudo se passando como se só agora tivesse tomado consciência daquela decisão a determinar interrompida a instância, haverá de se atender a pretensão do recorrente no sentido de ficarem nos autos os anúncios publicados no Jornal de Barcelos a que se seguirá a sua legal tramitação.

Pelo exposto, dando-se provimento ao agravo, revoga-se a decisão recorrida e, em consequência, determina-se que, deferindo-se o requerimento da junção ao processo dos anúncios que integram o auto de fls. 77, prossiga a acção a sua legal tramitação.

Sem custas - art.º 2.º, n.º 1, al. o), do C.C.Judiciais.

Guimarães, 10 de Maio de 2006.