Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1355/04-1
Relator: ROSA TCHING
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
PREÇOS DECLARADOS
PREÇO
ESCRITURA PÚBLICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/29/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1º- A preferência, para ser exercida, implica uma predisposição do preferente para assumir todo o contexto da relação jurídica que subsiste e, na qual, apenas muda um polo subjectivo
2º- Em caso de divergência entre o preço real e o preço declarado na escritura, quer se trate de um caso de lapso na indicação do preço, quer de um caso de simulação do preço, o direito de preferência só pode ser reconhecido se o preferente pagar o preço real pago pelo adquirente.
3º- Assim, ante a alegação dos réus de que preço de venda, não foi o de 500.000$00, constante da escritura, mas o de 2.400.000$00, deveriam os autores ter formulado, na réplica, pedido subsidiário de reconhecimento do direito de preferência pelo preço – dos dois em discussão – que viesse a ser considerado o efectivamente pago, como lhe consentia o disposto no art. 273º, n.º1 do C. P. Civil.
4º- Não o tendo feito, nem tendo procedido ao depósito do preço real pago pelos réus adquirentes, não pode o tribunal reconhecer-lhe o direito de preferir por um preço não correspondente ao preço devido e pago aos vendedores pelo comprador, sob pena de se proferir decisão “ultra petitum”, o que não é consentido pelo art. 661 do C. P. Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


"A" e "B" intentaram a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra "C", "D", "E" e "F" pedindo seja reconhecido o direito de preferência dos Autores relativamente à compra formalizada pela escritura certificada na fotocópia junta como documento 1, devendo os Réus ser condenados a reconhecerem o direito de os Autores haverem para si o objecto da alienação, e, em consequência, ser declarada a substituição dos Autores na posição de compradores e ordenado o cancelamento da correspondente inscrição de transmissão, se se achar feita, embora contra o depósito do preço, sisa e conta do acto, no prazo de 15 dias.
Alegaram, para tanto e em síntese, serem donos de prédio rústico confinante com o prédio rústico denominado Coutada da ... que os 1ºs Réus vendera, pelo preço de 500.000$00, aos 2ºs Réus, sem lhes terem comunicado o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.

Os Autores procederam ao depósito da quantia de 562.460$00.

Os Réus contestaram impugnando os factos alegados pelos autores.
Alegaram que o preço da venda não foi o constante da escritura, mas sim o de 2.400.000$00, e que, em data anterior a 5 de Março de 1991 , contactaram os Autores, deram-lhes a conhecer a sua intenção de venderem o terreno, o preço de 2.400.000$00, as condições de pagamento, a data da escritura e a pessoa do eventual comprador, tendo os Autores logo referido aos 1ºs Réus que não pretendiam adquirir o prédio e que o podiam vender nos termos e condições que entendessem. Mais alegaram que os 2ºs Réus adquiriram o prédio em causa para construção e que os Autores não reúnem os requisitos para exercer o pretenso direito de preferência.
Para o caso da acção ser julgada procedente, os 2ºs Réus deduziram reconvenção, pedindo a condenação dos Autores a pagar-lhes a quantia de 3.400.000$00, acrescido dos juros contados a partir da data da notificação e até efectivo pagamento, correspondente aos gastos por eles suportados nas terraplanagens e construção dos alicerces, no transporte e compra da pedra e na vedação que efectuaram no prédio em causa

Na sua resposta, os autores impugnaram os factos alegados pelos réus

Foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e a regularidade da instância, tendo sido organizadas a matéria de facto assente e a base instrutória.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls.283 a 288, que não mereceu qualquer censura.

A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os Réus dos pedidos contra eles formulados pelos Autores, julgando extinta, por inutilidade superveniente da lide, a instância reconvencional.
Condenou ainda os autores no pagamento das custas da acção e da reconvenção .

Não se conformando com a decisão, dela, atempadamente, apelaram os autores, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1a - Não se extrai dos autos de forma segura, concludente, decisiva e irrefutável a celebração do contrato promessa em 1991, despido de qualquer reconhecimento notarial da letra ou da assinatura dos seus outorgantes, onde se pudesse aferir de forma conclusiva a sua data.
2a - Em boa verdade, o contrato promessa ajuizado poderia ser elaborado em momento posterior à data nele aposta conforme as conveniências dos signatários.
3a - Os recorrentes juntaram aos autos uma certidão emitida pela Câmara Municipal de Fafe onde atesta que junto ao processo n° ... - construção de um prédio destinado à habitação unifamiliar - não consta nenhum contrato promessa.
4a - A testemunha Maria de F... não podia ter visto o contrato promessa em 1991, mas apenas quando assinou a planta topográfica em 1996 aquando da discriminação do prédio "Coutada da ...".
5a - Nada comprova que o contrato que esta testemunha observou é o que consta dos autos.
6a - Os recorridos, ao abrigo do disposto no art. 1410°, n° l do C.C., procederam ao depósito da quantia de 552.460$00 (2.755,65 euros) correspondente ao preço escriturado do prédio vendido (500.000$00), valor da sisa pago (40.000$00) e despesas do acto notarial (12.460$00).
7a - Da prova documental inserta nos autos e da testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento não resulta de todo que o preço real do prédio vendido não foi o escriturado mas sim 2.400.000$00.
8a - Nunca os recorridos se dignaram a proceder à rectificação do preço inicialmente escriturado de 500.000$00 para 2.400.000$00.
9a - A rectificação da escritura sanava a incorrecção da escritura inicial, repondo a verdade material e a igualdade entre as partes.
10a - Mesmo admitindo a veracidade do contrato promessa dos autos, celebrado em 5 de Março de 1991, as declarações nele documentadas apenas têm eficácia plena" inter - partes.
11a - O prometido preço invocado pelos recorridos apenas faz prova plena de os promitentes compradores se comprometerem a pagar aos promitentes vendedores o preço de 2.400.000$00 de acordo com o programa de pagamento clausulado.
12a - Perante os recorrentes, enquanto terceiros, nada garante que a aludida promessa de pagamento desse preço fosse efectivamente cumprida. Uma coisa é prometer um pagamento outra é cumprir o prometido.
13a - Prova esta que os recorridos não lograram fazer, testemunhalmente e muito menos documentalmente, como o impunha o art. 342°, n° 2 do C.C.
14a - A escritura não rectificada, nem contrariada por qualquer meio de prova legalmente admissível faz no caso ajuizado ao abrigo do art. 371° do C.C., prova plena dos factos nela atestados, onde se inclui o preço nela declarado de 500.000$00.
15a - Nunca os recorridos (vendedores) deram a conhecer aos recorrentes os elementos essenciais do negócio onde figura com destaque o preço, bem como as condições de pagamento, tudo ao abrigo do art. 416° do C.C.
16a - Os recorrentes nunca tiveram conhecimento do dito preço simulado, nem os recorridos provaram que estes dele eram conhecedores.
17a - In casu não se verifica ausência do exercício do direito de preferência pelos recorrentes face ao excessivo preço da venda, recorrendo posteriormente à justiça quando tomaram conhecimento que o imóvel foi vendido por um preço inferior. Aqui sim impunha-se o depósito da quantia simulada.
18a - O terreno vendido perdeu todas as suas aptidões de construção e cultivo a partir de 1994 quando passou a constar da REN - Reserva Ecológica Nacional -.
19ª- Desvalorizado comercialmente no mercado imobiliário, o terreno vendido, (a testemunha Joaquim S... afirmou mesmo que nem dado o queria e os próprios recorridos assim o reconhecem no art. 38° da sua contestação), os recorrentes "in casu" não estão a adquirir um imóvel a baixo preço ou a enriquecer sem causa à custa dos recorridos.
20a - Vai contra as mais elementares regras da experiência os recorridos compradores aceitarem pacificamente a onerosidade da sua prestação, pagando 2.400.000$00 por um imóvel com o objectivo de nele edificarem a sua habitação e, que, em virtude de circunstâncias ulteriores estranhas à vontade inicial de contratar perdeu com a REN em 1994 essa aptidão em definitivo, sofrendo assim uma acentuadíssima desvalorização comercial. Ao abrigo do art. 437° do C.C., podiam resolver ou modificar o contrato promessa celebrado.
21a - Os documentos levados em consideração pelo Tribunal a fls. 265 e 266 na decisão que proferiu, uma vez impugnados e não submetidos a contraditório, ao abrigo dos arts. 342°, n° l e 371° do C.C. não podiam fazer qualquer espécie de prova em Tribunal.
22a - A presunção do Tribunal que o preço de 2.400.000$00 é consequência lógica do contrato promessa, pelas razões supra aludidas é manifestamente abusiva e ao arrepio do consagrado no art. 351° do C.C.
23a - Apesar do princípio da livre apreciação das provas oferecidas pelo art. 655° do C.P.C,, no caso ajuizado a convicção probatória sustentada pelo Tribunal com base no depoimento das testemunhas Joaquim S... e Maria de F... e documentos a fls. 23, 265, 266 e 279 não é de todo razoável e clarividente que lhe permitisse dar resposta positiva aos quesitos 15 a 18.
24a - A decisão proferida, quando deu como provado que o contrato promessa foi efectivamente celebrado na data nele aposta e o preço pago pelo terreno foi a quantia de 2.400.000$00, considera-se viciada, por erro de julgamento.
25a - A decisão sindicanda violou os artigos 342°, n° 2; 351°; 371° e 1410°, n° l do Código Civil”.

A final, pede seja revogada a decisão recorrida e a sua substituição por outra que reconheça aos recorrentes o direito de preferência sobre o prédio vendido, e em consequência, declare a sua substituição na posição de compradores.

Os réus contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Os factos dados como provados na 1ª instância (colocando-se entre parênteses as correspondentes alíneas dos factos assentes e os quesitos da base instrutória) são os seguintes:
a) Por escritura pública de compra e venda lavrada em 9/1/97, "C" e esposa, "D", l°s Réus, declararam vender aos 2°s Réus, "E" e esposa, pelo preço de 500.000$00, o seu prédio rústico denominado Coutada da ..., com a área de 3.340 m2, sito no lugar da ..., freguesia de ..., Fafe, prédio inscrito na matriz rústica da aludida freguesia sob o art. ... e descrito na C. R. Predial sob o n° ..., prédio este que 2° R. marido declarou comprar (alínea A) da especificação );
b) A Sisa devida por esta compra e venda, no quantitativo de 40.000$00, foi paga pelo 2° R. marido em 23/12/96 na Repartição de Finanças de Fafe, através do conhecimento de Sisa n° ../96. (alínea B) da especificação);
c) Encontra-se registado a favor do Autor, desde 25/10/88, a aquisição do prédio rústico Sorte do ... ou Sorte do ..., pertença da Quinta do ..., com a área de 111.900 m2, sito no lugar da ..., a confrontar de Norte, Nascente e Poente com a Quinta da ... e Sul com ..., sob o n° ..., da freguesia de ..., Fafe, inscrito na matriz rústica sob o art. .... (alínea C) da especificação);
d) Por escritura pública de doação lavrada em 19/7/88 Notário do Cartório Notarial de Fafe, Amélia P... declarou doar aos Autores vários imóveis, incluindo o referido em c) aceitando os Autores a doação. (alínea D) da especificação);
e) Os prédios referidos nas alíneas a) e d) confinam entre si (alínea E) da especificação);
f) O prédio referido na alínea a) confronta de Norte com António A..., de Sul com o prédio referido na alínea c) dos factos assentes e de Nascente com caminho público (respostas aos factos nºs 1, 2 e 3 da base instrutória);
g) O prédio referido em a) confronta de poente com José D... (resposta ao facto nº 4 da base instrutória);
h) Os Autores, por si e antepossuidores, sempre têm fruído as utilidades do prédio referido na alínea c), administrando-o e transformando-o, suportando a respectiva contribuição predial há mais de 30 anos, sem oposição de ninguém, sem interrupção, com conhecimento de todas as pessoas do lugar e de forma reiterada, com ânimo de donos, na convicção de não lesarem direitos de outrem (respostas aos factos nºs 5 a 13 da base instrutória);
i) Os prédios referidos nas alíneas a) e c) são ambos de monte ou de cultura arvense e de mato (resposta ao facto nº 14 da base instrutória);
j) Os segundos réus adquiriram o prédio em causa com a finalidade de nele procederem à construção de uma casa de habitação (resposta ao facto nº 36 da base instrutória);
l) Em 5 de Março de 1991, os l°s Réus prometeram vender ao 2° Réu marido, que prometeu comprar àqueles, uma parcela de terreno, com a área de 3.340 m2, a confrontar do Norte com o Monte da ..., Sul com o “Monte do ...”, Nascente caminho e Poente com Monte de ..., a desanexar do prédio denominado “Coutada da ...”, no Lugar da ..., freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ... (resposta ao facto nº 15 da base instrutória);
m) Essa parcela de terreno corresponde ao prédio descrito na alínea a), que resultou da discriminação do prédio mãe “Coutada da ...”, inscrito na matriz sob o art. ... e com a área de 10.150 m2 (respostas aos factos nºs 16 e 17 da base instrutória);
n) O preço da venda, pelos l°s aos 2°s Réus, do prédio referido na alínea a), foi de 2.400.000$00 (resposta ao facto nº 18 da base instrutória);
o) Os segundos Réus, em 1991, sem oposição e interrupção, procederam a desaterros de uma área não concretamente apurada, com escavações de altura não concretamente apurada, utilizando máquina Catterpiller e camiões (respostas aos factos nºs 27 e 28 da base instrutória);
p) Os segundos Réus procederam à abertura de valas e à construção de alicerces em pedra e betão, trouxeram pedra em camiões e descarregaram-na no local, procederam à vedação do prédio com malha sol e esteios de pedra e roçaram mato, o que fizeram plenamente convencidos de exercerem um direito (respostas aos factos nºs 29 a 33 da base instrutória);
q) Os Réus gastaram nas terraplanagens e construção dos alicerces, no transporte e compra da pedra e na vedação quantia não concretamente apurada (resposta aos factos nºs 34 e 35 da base instrutória).


FUNDAMENTAÇÃO:

Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente.

Assim, as questões a decidir traduzem-se em saber se:

1ª- há lugar à alteração da decisão sobre a matéria de facto;

2ª- estão verificados os pressupostos necessários à procedência do pedido formulado pelos autores.

I- Relativamente à primeira das enunciadas questões, sustentam os autores e ora apelantes que foram incorrectamente julgados os factos perguntados nos artigos 15º a 18º da base instrutória ( e acima transcritos a itálico sob as alíneas l), m) e n) )

No caso sub judice houve gravação dos depoimentos prestados em audiência, os recorrentes indicaram os pontos de facto impugnados bem como os depoimentos das testemunhas em que se fundam e procederam à transcrição de passagens destes mesmos depoimentos.
Por isso, nos termos do art. 712º, n.º1 do C. P. Civil, na redacção introduzida pelo DL n.º180/96, de 25-9 e DL n.º 375-A/99, de 20-9 A presente acção foi instaurada em 10 de Julho de 1997. , e do art. 690-A do mesmo diploma legal, na redacção anterior à dada pelo DL n.º 183/2000, de 18/8 Porquanto, de harmonia com o disposto no seu art. 7º, n.º3, o regime estabelecido neste diploma só é aplicado aos processos pendentes em que a citação dos réus ainda não tenha sido efectuada ou ordenada, o que nã acontece no caso dos autos. , é possível a alteração da matéria de facto.
Cumpre, porém, referir que o sistema de gravação sonora dos meios probatórios oralmente produzidos é insuficiente para fixar todos os elementos susceptíveis de condicionar ou de influenciar a convicção do juiz perante quem são prestados.
Como alerta Antunes Varela In, RLJ, Ano 129º, pág. 295. ”É sabido que, frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”
No mesmo sentido, salienta António Abrantes Geraldes In, “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, 3ª ed. pág. 273. que “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores”.
A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal, como decorre do disposto nos artigos 396º e 655º, do C. P. Civil.
Todavia, como já dizia Alberto dos Reis In, Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 569., “ (...) prova livre (...),quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”.
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas afirmativas à matéria de facto, consagrado no artigo 653º, n.º2 do C. P. Civil, o qual, após a redacção introduzida pelo DL n.º39/95, passou a ser também obrigatório quanto aos factos não provados.
Segundo Teixeira de Sousa In, “Estudos”, pág. 348. ”o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente”.
Por isso, esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância, sem esquecer, porém, as limitações acima referidas Aliás, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 19.9.2000, in, CJ, Tomo IV, pág. 186, decidiu mesmo que “ porque se mantém vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados”.
No mesmo sentido, vide Ac. da Relação de Lisboa, de 27.3.2001, in, CJ. , Tomo III, pág. 86. .

Na base instrutória, perguntava-se, no artigo:

- 15º- “Em 5 de Março de 1991, os 1ºs Rs prometeram vender ao 2º R. marido, que prometeu comprar àqueles, uma parcela de terreno, com a área de 3.340 m2, a confrontar do Norte com o Monte da ..., Sul com o Monte do ..., Nascente com caminho e Poente com Monte de ..., a desanexar do prédio denominado “Coutada da ...”, no Lugar da ..., freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art. ...?”;
- 16º- “Essa parcela de terreno corresponde ao prédio descrito na alínea A) dos factos assentes?”;
- 17º- “ Que resultou da discriminação do prédio mãe “Coutada da ...”, inscrito na matriz sob o art. 982 e com a área total de 10.150 m2?”
- 18º- “ O preço da venda, pelos 1ºs aos 2ºs Rs. Do prédio referido em A) dos factos assentes, foi de 2.400.000$00? ”;

Conforme se vê do despacho de fls. 283 a 288 dos presentes autos, os supra referidos artigos mereceram respostas afirmativas e a Exmª Juíza a quo fundamentou estas respostas positivas do seguinte modo:
“A celebração do contrato-promessa junto a fls. 53 foi confirmada pela testemunha Joaquim S..., que, não obstante ser irmão do Réu "E", depôs de forma que se vê ser isenta, testemunha aquela que, sem hesitações, declarou ter assistido ao acto em questão - o qual, segundo disse, decorreu no escritório do causídico dos Réus nestes autos -, tendo mesmo afirmado ter entregue ao seu irmão um cheque no montante de 1.000.000$00 que sabia ter aquele destinado ao pagamento do terreno objecto do dito contrato-promessa, depoimento este corroborado, nomeadamente, pelo facto de no documento junto a fls. 279 - que integra o original de uma decisão da Câmara Municipal de Fafe datada de 06.05.1993 -, se ler que "E", "na sua qualidade de promitente comprador de um terreno, sito no lugar da ..., S. Romão"... "procedeu à terraplanagem de parte do mesmo para aí construir um prédio", o que indica que já nessa data foi invocada a existência de um contrato-promessa relativo à parcela ora em questão, não abalando esta nossa convicção a circunstância, certificada a fls. 270, de, no processo relativo à construção do edifício no prédio, ora em causa não constar o contrato - promessa de compra e venda do imóvel, dado que esta circunstância pode encontrar uma explicação no facto de as partes não quererem tornar público, por razões óbvias, o preço acordado.
Acresce que, como salientam os Réus a fls. 264, já em 1991 estava a ser tratada a "correcção das áreas e da discriminação do prédio, que depois deu origem a dois artigos, um deles o inscrito na matriz sob o art. ..., com a área de 3.340 m2", circunstância que se mostra em consonância com a intenção plasmada no contrato-promessa datado de 5 de Março do mesmo ano, de proceder, no futuro, à venda de uma das parcelas resultantes da aludida desanexação.
Por último, é de referir que Maria de F... - que possui uma casa junto ao terreno ora em causa - também disse, ao depor em audiência, que, quando, como proprietária confinante, assinou a planta topográfica junta a fls. 258 e 259, viu o contrato-promessa a que se alude nos autos.
Dúvidas não restaram, igualmente, no que tange à correspondência entre a parcela objecto do aludido contrato-promessa e o prédio descrito na alínea A) dos Factos Assentes, atento o teor da certidão junta pelos Réus a fls. 208 (factos n°s 16 e 17), sendo certo que, em audiência de julgamento, tão pouco alguém aventou a possibilidade de os aqui Réus terem negociado entre si a compra e venda de qualquer outra parcela (ou de uma área de terreno distinta) senão aquela que efectivamente veio a ser objecto da escritura pública referida em A) dos Factos Assentes, sendo lógica a explicação avançada pêlos Réus no sentido de a falta de indicação, no contrato-promessa em questão, da área do terreno prometido vender, se ter ficado a dever à circunstância de, para tal definição, se tornar necessário aguardar o termo do processo de discriminação.
A propósito, agora, do facto vertido no n° 18 da Base Instrutória, importará, antes do mais, relembrar que, sendo certo que o art. 394°, n° l, do Cód. Civil torna inadmissível a prova por testemunhas se tiver por objecto convenções contrárias ao conteúdo de documentos autênticos, quer as convenções sejam anteriores à formação do contrato ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores, estipulando, por outro lado, o art. 351° do mesmo código que as presunções judiciais só são admitidas nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal - o que, no rigor literal dos termos, restringia a possibilidade de prova de tais convenções à prova por confissão e à prova testemunhal -, a verdade é que a doutrina e a jurisprudência se mostram propensas a entender que os preceitos em questão não precludem o recurso à prova testemunhal em complemento da prova documental, posição esta à qual aderimos.
Com efeito, se, como se crê, a razão de ser da proibição do art. 394° é a necessidade de afastar os riscos próprios da falibilidade da prova testemunhal, contra o valor que o documento deve ter, se o recurso às testemunhas for um mero complemento da prova documental, motivos não há para recear a verificação dos referidos riscos.
Entendemos, pois, que a prova testemunhal pode ter uma função complementar quando exista um "começo de prova" documental. Admitindo-se, nestes termos, a prova testemunhal, de admitir igualmente será o recurso às presunções judiciais Neste sentido, cfr. Prof. Vaz Serra, RLJ 107, pág. 311 e ss; Prof. Mota Pinto e Pinto Monteiro, in CJ, Ano X, III, págs. e ss.; Prof. Carvalho Fernandes, in Teoria Geral do Direito Civil, 2a edição, II, págs. 237/238.

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Isto posto, é de concluir que, no caso "sub judice", estamos exactamente perante uma daquelas situações em que tanto a prova testemunhal como o recurso às presunções judiciais é de admitir: na verdade, foi carreado para os autos um documento que integra um "começo de prova" quanto ao preço real do prédio vendido, mais concretamente, um contrato - promessa de compra e venda, relativamente ao qual já vimos que teve, efectivamente, por objecto a parcela de terreno objecto desta acção de preferência, contrato esse celebrado em 05.03.1991 e que, como também já vimos, este Tribunal considera autêntico, no qual se pode ler não só que o preço total da compra e venda é de 2.400.000$00, como também que, como sinal e princípio de pagamento os primeiros outorgantes (os ora primeiros Réus) já tinham recebido, naquela data, de José Soares da Silva (aqui também Réu), a importância de 1.500.000$00, de que lhe deram quitação.
Deste facto conhecido é-nos lícito presumir, com recurso às regras da experiência, um outro facto: a compra e venda prometida foi efectuada pelo preço constante do contrato-promessa e não pelo preço declarado na escritura pública. Na verdade, como aliás resulta exemplificado pela conjugação dos documentos juntos a fls. 243 a 247 - escritura de compra e venda da Coutada da ... (de onde foi desanexado o prédio ora em questão) - e a fls. 266 e 267 - contrato-promessa relativo ao mesmo prédio -, a triste realidade é a de que os preços reais dos contratos de compra e venda relativos a imóveis são constantemente ocultados pelas partes para se eximirem do pagamento de impostos elevados. Por outro lado, de estranhar seria que, depois de já ter sido efectuado - como se extrai do contrato-promessa – o pagamento de 1.500.000$00, as partes tivessem acordado na venda do prédio em questão pelo preço de 500.000$00”.

Vê-se, deste despacho, que a Mmª Juíza “a quo” explicou de forma exaustiva, racional e lógica as razões pelas quais deu como provados os factos vertidos nos quesitos 15º a 18º da base instrutória, indicando a razão de ciência de cada uma das ditas testemunhas bem como as razões pelas quais mereceram credibilidade os seus depoimentos.

E, em nosso entender, a prova produzida em audiência de julgamento legitima a convicção formada pelo Tribunal a quo sobre tal matéria.
Por isso, resta-nos apenas rebater os argumentos avançados pelo apelante para colocar em crise tal convicção.

Sustentam os autores/apelantes inexistir nos autos prova segura, concludente, decisiva e irrefutável da celebração do contrato promessa em 1991.
Isto porque, por um lado, não contendo o contrato junto aos autos reconhecimento notarial da letra ou da assinatura dos seus outorgantes, dele não se pode aferir a data da sua celebração, sendo ainda certo que a certidão, junta a fls. 270 e emitida pela Câmara Municipal de Fafe, atesta que junto ao processo n° .../92 não consta nenhum contrato promessa.
E por outro lado, porque apesar de a testemunha Joaquim S... ter afirmado que à data da outorga do contrato entregou ao irmão um cheque de 1.000.000$00 destinado a pagamento do terreno prometido comprar, a verdade é que não foi junto aos autos nenhum comprovativo desse cheque.
E ainda porque a testemunha Maria de F... não podia ter visto o contrato promessa em 1991, mas apenas quando assinou a planta topográfica em 1996 aquando a discriminação do prédio "Coutada da ...", pelo que nada garante que o contrato a que alude seja o que consta dos autos.

Não se desconhece, tal como é entendimento unânime da doutrina, que a prova testemunhal é particularmente falível e precária. Nesta sentido, vide, Alberto dos Reis, in, “Código de Processo Civil, Anotado”, vol. IV, págs. 360 e segs; Antunes Varela, in, “Manual de Processo Civil”, 1984, págs. 596 e segs e Manuel de Andrade, in, “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 276.
Com efeito, a prova testemunhal está sujeita a dois grandes perigos: a infidelidade da percepção e da memória da testemunha e o da parcialidade.
Por isso, os depoimentos prestados não podem deixar de ser ponderados e analisados em confronto com os demais elementos de prova constantes dos autos, nomeadamente com os elementos fornecidos pelos documentos.
Ora, no caso dos autos, conjugando os depoimentos das ditas testemunhas com a análise dos documentos juntos a fls. 53, 258, 259 e 279, que serviram também de base á formação da convicção do Tribunal, é bom de ver que os mesmos se mostram conformes e coerentes.
E, ao contrário do que argumentam os autores, sempre se dirá que a credibilidade merecida por parte destes meios de prova em nada é abalada pela circunstância de as assinaturas constantes do contrato promessa em causa não terem sido notarialmente reconhecidas e de não ter sido junto aos autos nenhum comprovativo do cheque do montante de Esc: 1.000.000$00, a que aludiu a testemunha Joaquim S...
É inquestionável que, caso tivesse havido reconhecimento notarial de assinaturas, a data a sua realização, poderia constituir um indício da data da celebração do contrato promessa em causa.
Também é certo que a junção aos autos de cópia do supra referido cheque reforçaria o depoimento da testemunha Soares da S....
Todavia, o que já não é certo, nem se aceita, é que a falta destes elementos, por si só, possa pôr em causa a convicção formada pela Mmª Juíza a quo, tanto mais que não nos podemos esquecer de que o julgamento deve guiar-se por padrões de probabilidade e nunca de certezas absolutas.
E o mesmo se dirá relativamente à certidão junta a fls. 270 dos autos, emitida pela Câmara Municipal de Fafe e a atestar que junto ao processo n° .../92 não consta nenhum contrato promessa.
Na verdade, do facto do contrato promessa não ter sido junto ao processo respeitante à construção de edifício no prédio objecto desse mesmo contrato, não se pode, sem mais, retirar a ilação de que tal contrato não existia.
De notar ainda que a eventual circunstância de a testemunha Fátima ter assinado a planta topográfica em 1996, não significa que ela não possa ter visto, nessa mesma altura, o contrato promessa em causa.
Aliás, lida a transcrição do depoimento da testemunha, Maria de F..., verifica-se que ela nem sequer se refere com certeza à data em que assinou a planta topográfica, a qual, conforme se vê de fls. 258 e 259, está datada de 4/991.
Não há, pois, qualquer desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e as respostas afirmativas dadas aos quesitos 15º , 16º e 17º da base instrutória.

Sustentam ainda os autores/apelantes que mesmo admitindo que o preço inicialmente a pagar pelo terreno era de 2.400.000$00, nenhuma prova segura existe nos autos de que este preço foi efectivamente pago.
Isto quer porque os réus nem sequer se dignaram a proceder à rectificação do preço escriturado de 500.000$00 para 2.400.000$00, quer porque do depoimento da testemunha Joaquim S..., única que revelou ter conhecimento desse facto, resulta apenas que a mesma emprestou ao seu irmão a quantia de 1.000.000$00 em 1991 e aquando da celebração do contrato promessa.
E ainda porque tendo o réu, José S..., celebrado o dito contrato promessa com o objectivo de construir no prédio dele objecto uma casa de habitação e tendo Câmara Municipal inviabilizado a construção da dita habitação em 1993, torna-se evidente que tal terreno sofreu uma acentuada desvalorização, pelo que, mesmo admitindo-se como verdadeira a quitação da quantia estipulada no contrato promessa de 1.500.000$00, em 1991, é lícito presumir, de acordo com as regras da experiência, que o preço inicialmente acordado foi posteriormente alterado para o preço de 500.000$00 referido na escritura de compra e venda, sendo este o preço real.

A este respeito cumpre, desde logo, referir que, apesar de ser desejável, que nesta situação tivesse havido rectificação do preço escriturado, a verdade é que a sua falta não constitui obstáculo à prova do preço real por qualquer outro meio de prova.
Acresce que os demais argumentos ora avançados pelos autores/apelantes com vista a afastar a ilação que o julgador retirou do contrato promessa, dos documentos juntos a fls. 243 a 247 e a fls. 266 e 267 e do depoimento da testemunha Joaquim S... não colhem, pois que não assentam em quaisquer elementos objectivos, baseando-se apenas na mera suposição da celebração de um posterior acordo quanto á diminuição do preço acordado quando é certo que, conforme se refere no despacho de fundamentação, “de estranhar seria que, depois de já ter sido efectuado - como se extrai do contrato-promessa – o pagamento de 1.500.000$00, as partes tivessem acordado na venda do prédio em questão pelo preço de 500.000$00”.
Importa ainda esclarecer que, ao contrário do afirmado pelos autores na sua 21ª conclusão das suas alegações de recurso não corresponde à verdade que os documentos de fls. 265 e 266 dos autos não tenham sido submetidos a contraditório.
Com efeito, conforme claramente se vê de fls. 268, 269 e 270, os autores foram notificados da respectiva junção.
Acresce que a circunstância de os autores os terem impugnado, por desconhecimento, em nada impede que os mesmos valham como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal.

Por tudo isto e tendo ainda em atenção que a Mmª juíza a quo teve oportunidade de apreciar os depoimentos de todas as referidas testemunhas, com recurso aos instrumentos que lhe foram proporcionados pelos princípios da imediação e da oralidade e que nos presentes autos inexiste qualquer elemento objectivo que permita pôr em causa a convicção por ela adquirida, entendemos, não haver fundamento para este Tribunal alterar as respostas aos quesitos em causa no sentido de considerar como não provada a matéria neles vertida.

Daí, improcederem as 1ª a 14ª e 18ª a 24ª conclusões dos autores/apelantes.


II- E, assente que a factualidade a ter em conta para efeitos de decisão de mérito, é a supra descrita na alíneas a) a q), cumpre, agora, indagar se existe fundamento legal para a procedência do pedido formulado pelos autores.

A este respeito, diremos, desde logo, que esta questão foi devidamente analisada e decidida na douta sentença recorrida, com cujos fundamentos de facto e de direito concordamos e para os quais remetemos, nos termos do artigo 713º, n.º5 do C. P. Civil, excepto no que concerne ao entendimento seguido pela Mmª Juíza a quo no sentido de que é aos autores/preferentes que compete o ónus da prova de que o dever de comunicação do projecto da alienação não foi cumprido.
Na verdade, como decidiu o Ac. do STJ, de 19.4.94 In BMJ n.º333, pág. 369. Neste mesmo sentido, vide Ac. do STJ, de 26.9.91, in, BMJ n.º 409, pág. 779, Ac. da Relação do Porto, de 27.10.1981, in, CJ, 19881, Tomo IV, pág. 217 e Ac. da Relação de Évora, de 9.5.1991, in, BMJ n.º 407, pág. 642., não é ao autor da preferência que cabe provar que não lhe foi dado conhecimento do projecto de venda, pois que o ónus da prova deve ter-se por invertido nos casos de extrema dificuldade de produção, como sucede em relação aos factos do tipo negativo. É, assim, ao réu, que a título de excepção, compete alegar e provar que fez a devida comunicação ao titular da preferência”.

Posto isto, importa, finalmente, rebater os fundamentos agora invocados pelos autores/apelantes.
Sustentam estes que não tendo ficado provado que o réu/vendedor lhes tivesse dado conhecimento dos elementos essenciais do negócio projectado, nomeadamente do preço da venda, nem tendo os réus procedido à rectificação do preço escriturado, os autores nunca tiveram conhecimento do preço simulado, pelo que apenas tinham de depositar o preço consignado na escritura, não podendo ser prejudicados com a pretensa simulação do preço.

Carecem, contudo, de qualquer razão.
Senão vejamos.
Importa, porém e desde logo, clarificar que, ao contrário do agora defendido pelos apelantes, no caso dos autos está afastada a possibilidade de se considerar que houve simulação do preço, pois que a factualidade dada como assente sob a alínea n) nada tem a ver com um acordo simulatório Pois que , de harmonia com o disposto no art. 240º, n.º1 do C. Civil, a simulação pressupõe que haja divergência intencional entre a vontade real e a declarada com intuito de enganar terceiros. , ao qual, aliás, nenhuma das partes aludiu nos articulados.
Na verdade, conforme se vê da petição inicial, os autores pretendem exercer o direito de preferência relativamente ao preço de 500.000$00 que consta da escritura de compra e venda.
Os RR alegaram, laconicamente, nos artigos 2º, 3º e 4º da sua contestação, que o preço de venda, não foi o constante da escritura, mas o de 2.400.000$00, como o comprova o contrato promessa constante de fls. 53.
Na sua resposta, os AA reafirmaram a tese inicial de que o preço efectivamente pago foi o preço escriturado de 500.000$00, negando a existência de qualquer contrato promessa (cfr. arts 1º a 4º ).
E, finalmente, lograram os RR provar que “ O preço da venda, pelos 1ºs ao 2s Réus, do prédio referido na alínea a), foi de 2400.000$00”.
Todavia, e não obstante ser desconhecido o motivo da divergência entre o preço escriturado e o preço efectivamente pago, a verdade é que impõe o art. 1410º, n.º1 do C. Civil ao preferente, como condição ou pressuposto do efectivo exercício da acção de preferência, o depósito do “preço devido”.
E a expressão “preço devido” tem o sentido de “quantia que o comprador preferido desembolsou para haver a coisa objecto da preferência.
Na verdade, constitui entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência o de que seja um caso de lapso na indicação do preço, seja um caso de simulação do preço, sempre o preferente, para se substituir ao adquirente tem de pagar o preço efectivamente pago Neste sentido vide Menezes Cordeiro, in, “Direito das Obrigações”, vol. I, 1988, págs.502 e 503; Mota Pinto, in, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, págs. 369 e 370; Pires de Lima e Antunes Varela in, Código Civil, Anotado, vol. III, 2ª ed., pág. 371 e , entre muitos outros, os Acs do STJ de 25.11.186, in, BMJ ,n.º 361, pág. 534; de 26.04.1995, in, CJ/STJ, ano III, tomo I, pág. 153; de 21.05.96, in, CJ/STJ, Ano IV, tomo II, pág. 79; Acs. da Relação de Évora, de 30.10.97, in, CJ, ano XXI, tomo IV, pág. 279 e de 19.04.90, in, BMJ n.º396, pág. 452; Ac. da Relação do Porto, de 22.09.1988, in, BMJ n.º 379, pág. 642. .
Isto porque, como se escreve no citado Acórdão do STJ, de 26.04.95, “... não só a lei (artigo 1410º, n.º1 do CC) exige que o preferente deposite o preço devido, e não o preço (inverídico) declarado, como seria contrário aos princípios que regem o instituto do enriquecimento sem causa (artigo 473º do CC) que fosse o próprio tribunal, conscientemente, a provocar uma situação desse jaez”.
Acresce que, tal como se escreve no citado Acórdão do STJ, de 21.05.96 “O direito de preferência é um direito real de aquisição, cujo significado radica na obtenção de um bem , tanto por tanto (...). O que vale dizer que a preferência, para ser exercida, implica uma predisposição do preferente para assumir todo o contexto da relação jurídica que subsiste e, na qual, apenas muda um polo subjectivo. (...)”.
Quer tudo isto dizer, aliás, como muito bem refere a douta sentença recorrida, na esteira do entendimento expandido no já citado Acórdão da Relação de Évora, de 30.10.97 que, ante a alegação dos réus de que preço de venda, não foi o de 500.000$00, constante da escritura, mas o de 2.400.000$00, deveriam os autores/apelantes ter formulado, na réplica, pedido subsidiário de reconhecimento do direito de preferência pelo preço – dos dois em discussão – que viesse a ser considerado o efectivamente pago, como lhe consentia o disposto no art. 273º, n.º1 do C. P. Civil.
Não o tendo feito nem tendo procedido ao depósito do preço real pago pelos réus adquirentes, não pode o Tribunal reconhecer-lhe o direito de preferir por um preço não correspondente ao preço devido e pago aos vendedores pelo comprador, sob pena de se proferir decisão “ultra petitum”, o que não é consentido pelo art. 661 do C. P. Civil.

Daí improcederem as demais conclusões apresentadas pelos apelantes.


CONCLUSÃO:
Do exposto, poderá extrair-se que:

1º- A preferência, para ser exercida, implica uma predisposição do preferente para assumir todo o contexto da relação jurídica que subsiste e, na qual, apenas muda um polo subjectivo

2º- Em caso de divergência entre o preço real e o preço declarado na escritura, quer se trate de um caso de lapso na indicação do preço, quer de um caso de simulação do preço, o direito de preferência só pode ser reconhecido se o preferente pagar o preço real pago pelo adquirente.

3º- Assim, ante a alegação dos réus de que preço de venda, não foi o de 500.000$00, constante da escritura, mas o de 2.400.000$00, deveriam os autores ter formulado, na réplica, pedido subsidiário de reconhecimento do direito de preferência pelo preço – dos dois em discussão – que viesse a ser considerado o efectivamente pago, como lhe consentia o disposto no art. 273º, n.º1 do C. P. Civil.

4º- Não o tendo feito, nem tendo procedido ao depósito do preço real pago pelos réus adquirentes, não pode o tribunal reconhecerlhe o direito de preferir por um preço não correspondente ao preço devido e pago aos vendedores pelo comprador, sob pena de se proferir decisão “ultra petitum”, o que não é consentido pelo art. 661 do C. P. Civil.


DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, em manter a decisão recorrida.
Custas da presente apelação a cargo dos autores/apelantes.



Guimarães,