Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1091/08-1
Relator: AUGUSTO CARVALHO
Descritores: SOCIEDADE IRREGULAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/05/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA PROCEDENTE
Sumário: 1.No artigo 36º, nº 2, do C.S.C., não se reconhece a existência de uma sociedade comercial, mas equipara-se a situação à de uma sociedade civil, cujo contrato se caracteriza pela não sujeição a forma especial, nos termos do artigo 981º, nº 1, do C.P.C.
2.Apenas se poderá reclamar a aplicação da disciplina jurídica das sociedades irregulares, em primeiro lugar, se for celebrado um negócio jurídico de constituição de uma sociedade comercial, sem escritura pública e, em segundo lugar, que esse negócio jurídico sofra começo de execução ou, como se diz no nº 2, do citado artigo 36º, do C.S.C., se “os sócios iniciarem a sua actividade”. Antes deste momento, isto é, do início da actividade social, não se porá qualquer problema de aplicação da disciplina jurídica das sociedades irregulares.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


L... Gonçalves intentou a presente acção com processo ordinário contra A... Rites, V... - Imóveis, Limitada, N... Imobiliária, Lda, pedindo que seja decretada a dissolução da sociedade e, ainda, que se declare nula a escritura de permuta e as duas escrituras posteriores de compra e venda, referentes aos imóveis f) e g) e todos os registos efectuados com base nas mesmas cancelados.

A fundamentar o seu pedido alegou que, em 6.8.2003, o autor e o réu A... acordaram pôr em comum bens e serviços, com vista a obterem e repartirem os lucros ou suportarem as perdas resultantes da comunhão.
Não reduziram a escritura o acordo, nem procederam à publicação e registo legalmente exigidos, constituindo, assim, uma sociedade irregular.
O seu objecto era a compra e venda de imóveis.
O valor global das quotas era de 50.000,00 euros, correspondendo 50% a cada um dos sócios, mas todos os imóveis eram propriedade do autor, à data da constituição da sociedade.
A administração da sociedade pertencia conjuntamente ao autor e ao réu, podendo os mesmos representar o interesse da sociedade em quaisquer negociações que os mesmos participassem.
Esta sociedade está ferida de nulidade, não foi reduzida a escritura pública, nem foi registada.
Da declaração de nulidade ou invalidade do contrato resultará a entrada da sociedade em liquidação e, ainda, a nulidade de todos os actos praticados, como seja, a escritura de permuta e as escrituras de compra e venda posteriores realizadas.

Os réus A... Rites e V... Imóveis, Limitada, contestaram, alegando, além do mais, que entre aquele e o autor nunca chegou a existir qualquer sociedade irregular.
É certo que entre o autor e o réu A... foi reduzido a escrito, no dia 11 de Agosto de 2003, um documento denominado de “contrato de sociedade irregular”.
Do ponto 1º do documento consta, expressamente, que: “Primeiro e segundo outorgantes acordam em criar uma sociedade em partes iguais para gestão por ambos e rentabilização do investimento que resulta da junção de diversas propriedades de ambos, as quais foram adquiridas ou estão a ser adquiridas, especificamente, com o fim de integrarem os bens da referida sociedade, com o capital social de cinquenta mil euros, integralmente realizado em dinheiro, pelo que, está vedado a qualquer dos contraentes dispor ou onerar qualquer das propriedades em questão, sem conhecimento e consentimento do outro contraente, atentos os fins da sociedade”.



No ponto 2º identifica os imóveis pertencentes, exclusivamente, ao réu A... D... Reis, destinados a integrar o património da sociedade a constituir entre o mesmo e o autor.
No ponto 3º identifica os imóveis que competia ao autor levar para a sociedade a constituir e sobre os quais detinha a posição de promitente-comprador.
Pelo facto do autor não ser proprietário dos imóveis que lhe competia integrar no património da sociedade irregular, ficou consignado no ponto 10º o seguinte: “Os primeiro e segundo outorgantes obrigam-se a formalizar notarialmente a sociedade prevista neste contrato, desde que ambos tenham todas as propriedades aqui prometidas vender completamente legalizadas, livres de quaisquer ónus ou encargos, e cujos preços se mostrem liquidados aos respectivos vendedores e prontos a poderem ser transaccionados, até 31 de Dezembro de 2003, sob pena do presente contrato deixar de produzir quaisquer efeitos entre as partes, desde essa data, ficando estas, por isso, imediatamente, desvinculadas das obrigações nele constantes, sem necessidade de qualquer comunicação escrita”.
Sucede que o autor não deu cumprimento à condição de que dependia a efectiva constituição da sociedade irregular entre as partes outorgantes.
Conclui pela improcedência da acção.

Findos os articulados, foi proferida sentença, na qual se declarou nulo o contrato de sociedade celebrado entre autor e réus, por não ter sido reduzido a escritura pública, determinando-se, nos termos do artigo 52º, nº 1, do CSC, a entrada da sociedade em liquidação.

Inconformados com esta decisão, os réus A... Rites e V... Imóveis, Lda, recorreram para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1.O autor instaurou contra os ora apelantes e N... Imobiliária, Lda, a presente acção com processo ordinário, na qual pediu que fosse decretada a dissolução da sociedade entre os mesmos constituída, bem como a nulidade da escritura de permuta e das duas escrituras de compra e venda relativas aos imóveis identificados nas alíneas F) e G), do artigo 6º, da petição inicial e, ainda, o cancelamento de todos os registos efectuados com base nas mesmas escrituras.
2.Os apelantes contestaram a acção referida na alínea precedente, negando a existência de qualquer sociedade irregular constituída entre apelado e apelamtes.
3.Juntaram à contestação um documento denominado “contrato de sociedade irregular” celebrado entre apelantes e apelado.
4.Desse documento, que não foi impugnado pelo apelado, consta que a constituição da sociedade irregular estava condicionada à aquisição, por parte do apelado, de determinados bens imóveis a integrar na sociedade.
5.Foi alegado que o apelado não cumpriu essa condição, cujo prazo terminava em 31.12.2003.
6.Atenta a posição tomada pelos apelantes, a alegada existência da sociedade irregular constitui matéria controvertida.
7.Constituindo matéria controvertida, nunca a decisão recorrida poderia declarar nulo o contrato de sociedade celebrado entre apelado e apelantes, sem que fosse feita a necessária prova, com vista a dirimir a controvérsia.
8.A decisão recorrida, ao não atribuir relevância à impugnação dos factos alegados pelos apelantes, violou o princípio do contraditório consignado no artigo 3º, do C.P.C.




9.Pelo que, no mínimo, se impunha que o processo prosseguisse, com vista a apurar a existência ou não da alegada sociedade irregular.

Foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Consideram-se assentes os seguintes factos:
1.Entre o réu A... Rites e o autor L... Lopes foi reduzido a escrito, no dia 11 de Agosto de 2003, um denominado “contrato de sociedade irregular”, o qual se rege pelas cláusulas seguintes:
1º- Primeiro e segundo outorgantes acordam em criar uma sociedade em partes iguais para gestão por ambos e rentabilização do investimento que resulta da junção de diversas propriedades de ambos, as quais foram adquiridas ou estão a ser adquiridas, especificamente, com o fim de integrarem os bens da referida sociedade, com o capital social de cinquenta mil euros, integralmente realizado em dinheiro, pelo que, está vedado a qualquer dos contraentes dispor ou onerar qualquer das propriedades em questão, sem conhecimento e consentimento do outro contraente, atentos os fins da sociedade.
2º-Assim, o primeiro outorgante é dono e legitimo proprietário das seguintes propriedades, em Viana do Castelo:
a)-casa de rés-do-chão, sita na Praça General Barbosa, com o nº 46 e 47, desta cidade, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Monserrate sob o artigo 260º, e descrita sob o nº 1182/Monserrate na Conservatória de Viana do Castelo.
b)-casa de rés-do-chão, sita na Praça General Barbosa, com o nº 53 e 54, desta cidade, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Monserrate, sob o artigo 263 e descrita sob o nº 1183/Monserrate na Conservatória de Viana do Castelo.
c)-casa de rés-do-chão, sita na Praça General Barbosa, com o nº 55 e 56, desta cidade, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Monserrate, sob o artigo 263 e descrita sob o nº 1184/Monserrate na Conservatória de Viana do Castelo.
d)-casa de rés-do-chão e 1º andar, anexos e terreno de logradouro, sita na Praça General Barbosa, com o nº 57, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Monserrate, sob o nº 265º, e descrita sob o nº 1185/Monserrate na Conservatória de Viana do Castelo.
e)-casa de rés-do-chão e 1º andar, águas furtadas e alpendre, sita na Rua dos Penedos, letras A.M., inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Monserrate, sob o artigo 283º e descrita sob o nº 120/Monserrate na Conservatória de Viana do Castelo; e, pelo presente contrato, o primeiro contraente promete vender à dita sociedade, livre de quaisquer ónus ou encargos, pelo preço que atribuem de quinhentos mil euros, as referidas propriedades, submetendo o contrato às regras de execução específica.
3º-E o segundo outorgante tem contratos-promessa a seu favor das seguintes:
a)-casa de rés-do-chão, sita na Estrada da Papanata, com o nº 52 de policia, freguesia de Santa Maria Maior, desta cidade, inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1124º.
b)-2/3 da casa de rés-do-chão e primeiro andar, prédio urbano, sito na Rua da Papanata, nº 28, freguesia de Santa Maria Maior, Viana do Castelo, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1693º, e descrito na Conservatória sob o nº 1632.
c)-casa de rés-do-chão e 1º andar, sito na Rua da Papanata, freguesia de Santa Maria Maior, Viana do Castelo, inscrito na matriz predial sob o artigo 1125º.




d)-casa de rés-do-chão, sita na Rua do Assento nº 7, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Monserrate sob o artigo 266º, descrita na Conservatória sob o nº 19001/Monserrate.
e)-casa de rés-do-chão e primeiro andar, sita na Rua do Assento nº 15, inscrita na matriz urbana da freguesia de Monserrate sob o artigo 270º, e descrita sob o nº 60394/Monserrate.
f)-casa de rés-do-chão e primeiro andar, sita na Rua do Assento nº 21, actualmente, 19 a 21-A, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Monserrate sob o artigo 385º, descrita sob o nº 39243/Monserrate; e, pelo presente contrato, o segundo contraente promete vender à dita sociedade, livre de ónus ou encargos, pelo preço que atribuem de quinhentos mil euros, as referidas propriedades, submetendo o contrato às regras da execução específica.
4º-Acordam que as propriedades juntas passam a integrar o património da sociedade, em partes iguais, e representam uma valorização superior a 100%, como benefício da criação da dita sociedade.
5º-Mais acordam em tentar adquirir o maior número possível de propriedades das duas Áreas de Intervenção (Jardim Dom Fernando e Papanata), para além das já mencionadas, em comum e com colaboração mútua, tendo de todos os contornos dos negócios de ser conhecidos e acordados por ambos os contraentes, ajudando-se mutuamente em qualquer aquisição para a sociedade.
6º-Os contraentes realizarão todos os contactos tendentes a essas aquisições e figurarão inicialmente como compradores nos contratos promessas, como forma de desenvolver os negócios já apalavrados.
7º-O objectivo dos contraentes é o lucro, pelo que, visam vender por um preço superior à aquisição e beneficiar da valorização atinente à junção de propriedades em áreas de bons índices de construção ou desenvolver um projecto e possível construção.
8º-São da responsabilidade de ambos os contraentes as despesas de escritura e registos a favor da referida sociedade e impostos delas resultantes, nomeadamente, em sede de mais-valias.
9º-A administração financeira desta sociedade irregular será feita em conjunto por ambos os outorgantes.
10º-Os primeiro e segundo outorgantes obrigam-se a formalizar notarialmente a sociedade prevista neste contrato, desde que ambos tenham todas as propriedades aqui prometidas vender completamente legalizadas, livres de quaisquer ónus ou encargos, e cujos preços se mostrem liquidados aos respectivos vendedores e prontos a poderem ser transaccionadas, até 31 de Dezembro de 2003, sob pena do presente contrato deixar de produzir quaisquer efeitos entre as partes, desde essa data, ficando estas, por isso, imediatamente desvinculadas das obrigações nele constantes, sem necessidade de qualquer comunicação escrita.


São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do C. P. Civil.
A questão a decidir consiste em saber se, apesar do que autor e réu acordaram no documento que subscreveram, entre ambos chegou a existir qualquer sociedade irregular.

I.O autor defende que constituiu com o réu uma sociedade irregular, pois, não reduziram a escritura pública o acordo, nem procederam à publicação e registo legalmente exigidos.



O réu, por sua vez, afirma que entre si e o autor nunca chegou a existir qualquer sociedade irregular, dado que este não deu cumprimento, nomeadamente, às obrigações consignadas na cláusula 10ª, do documento que subscreveram.
Dizem-se irregulares as sociedades a que se referiam os artigos 107º e 147º, do C. Comercial, actualmente revogados pelo artigo 3º, nº 1, alínea a), do DL nº 262/86, de 2 de Setembro, que aprovou o novo Código das Sociedades Comerciais. São sociedades em cuja constituição não foram cumpridos os requisitos e trâmites formais exigidos pela lei: celebração de escritura pública (artigo 7º, nº 1, do C.S.C.), cujo documento é requisito essencial, ad substantiam, do contrato de sociedade comercial; e registo do contrato.
Nos termos do artigo 36º, nº 2, do C.S.C., se for acordada a constituição de uma sociedade comercial, mas, antes da celebração da escritura pública os sócios iniciarem a sua actividade, são aplicáveis às relações estabelecidas entre eles e com terceiros as disposições sobre as sociedades civis que não pressuponham a personalidade jurídica desta.
Não se reconhece aqui a existência de uma sociedade comercial, mas equipara-se a situação à de uma sociedade civil, cujo contrato se caracteriza pela não sujeição a forma especial, nos termos do artigo 981º, nº 1, do C.P.C.
Como refere Ferrer Correia, «a solução que se oferece como mais ajustada à intenção das partes é sem dúvida a que consiste em regular as relações entre elas, onde não possam alcançar as cláusulas do contrato, por normas pertencentes ao direito das sociedades; e como à validade do acto constitutivo de toda a sociedade comercial é essencial a forma solene da escritura pública, é manifesto que as normas aplicáveis só poderão ser as correspondentes ao tipo da sociedade civil, pois a sociedade civil basta-se com qualquer forma.
(…)O problema da conversão em sociedade civil só se põe no próprio momento em que o tribunal declara a nulidade do acto constitutivo da sociedade querida pelos interessados – e põe-se porque não é possível ignorar as múltiplas manifestações da existência jurídica do ente social; põe-se porque não seria razoável deixar sem protecção adequada os tantos que contrataram com a sociedade, quase sempre em estado de total ignorância quanto ao vício de forma do negócio; põe-se, ainda, porque é preciso que à liquidação da sociedade irregular presida, nas relações entre os sócios, uma norma justa.
Não se trata, em suma, de deixar viver a sociedade comercial irregular como sociedade civil, senão de a liquidar como sociedade civil». Estudos Vários de Direito, 1982, pág. 511 e 512.
Assim, relativamente às relações entre os sócios são aplicáveis os artigos 983º a 995º, do C. Civil, sendo aplicáveis às relações com terceiros os artigos 996º a 1000º, do mesmo Código.
Daqui resulta, além do mais, que os terceiros poderão fazer valer os seus créditos perante a sociedade, mas que os sócios também respondem pessoal e solidariamente, embora subsidiariamente, pelas respectivas dívidas – artigo 997º, nº 1 e 2, do C.C.
Isto quanto às dívidas sociais.
Relativamente às dívidas pessoais dos sócios, o património da sociedade não responde por elas, apenas podendo os credores particulares penhorar o direito do sócio aos lucros e à quota de liquidação – artigo 998º, do C.C.
E, visando proteger a segurança do comércio jurídico e os interesses dos terceiros de boa-fé, desconhecedores da falta de escritura, como vício que afecta o contrato de sociedade, o nº 2, do artigo 52º, do CSC, dispõe que a eficácia dos negócios jurídicos concluídos anteriormente em nome da sociedade não é afectada pela declaração de nulidade ou anulação do contrato.
Dito isto, importa então responder à questão de saber se entre autor e réu chegou a existir qualquer sociedade irregular.
É certo que entre ambos foi reduzido a escrito, no dia 11 de Agosto de 2003, o referido documento denominado “contrato de sociedade irregular”, estabelecendo-se na sua cláusula 1ª que ”primeiro e segundo outorgantes acordam em criar uma sociedade em partes iguais para gestão por ambos e rentabilização do investimento que resulta da junção de diversas propriedades de ambos, as quais foram adquiridas ou estão a ser adquiridas, especificamente, com o fim de integrarem os bens da referida sociedade, com o capital social de cinquenta mil euros, integralmente realizado em dinheiro, pelo que, está vedado a qualquer dos contraentes dispor ou onerar qualquer das propriedades em questão, sem conhecimento e consentimento do outro contraente, atentos os fins da sociedade”.
Na cláusula 2ª, identificam-se os imóveis, pertencentes ao réu A... Rites, destinados a integrar o património da sociedade.
Na cláusula 3ª, identificam-se os imóveis que competia ao autor levar para a sociedade e sobre os quais detinha a posição de promitente-comprador.
Na cláusula 10ª, ficou consignado que “os primeiro e segundo outorgantes obrigam-se a formalizar notarialmente a sociedade prevista neste contrato, desde que ambos tenham todas as propriedades aqui prometidas vender completamente legalizadas, livres de quaisquer ónus ou encargos, e cujos preços se mostrem liquidados aos respectivos vendedores e prontos a poderem ser transaccionadas, até 31 de Dezembro de 2003, sob pena do presente contrato deixar de produzir quaisquer efeitos entre as partes, desde essa data, ficando estas, por isso, imediatamente desvinculadas das obrigações nele constantes, sem necessidade de qualquer comunicação escrita”.
Alega o réu que esta cláusula teve o seu fundamento no facto “do autor não ser proprietário dos imóveis que lhe competia integrar no património da sociedade irregular” e que “o autor não deu cumprimento à condição de que dependia a efectiva constituição da sociedade irregular…”.
No fundo, o réu nega que tivesse sido exercida qualquer actividade, no âmbito do convénio que foi celebrado (contrato de sociedade irregular), por falta de cumprimento por parte do autor daquela condição, que é explicitada nos artigos 8º, 9º, 10º e 11º, da contestação.
E o autor alega determinados factos nos artigos 5º, 6º, 7º, 9º, 10º e 11º, da petição inicial, com os quais parece querer afirmar a prática de actos e negócios, no âmbito do contrato de sociedade irregular em causa, mas que o réu impugna.
Ora, a nosso ver, apenas se poderá reclamar a aplicação da disciplina jurídica das sociedades irregulares, em primeiro lugar, se for celebrado um negócio jurídico de constituição de uma sociedade comercial, sem escritura pública e, em segundo lugar, que esse negócio jurídico sofra começo de execução ou, como se diz no nº 2, do citado artigo 36º, do C.S.C., se “os sócios iniciarem a sua actividade”. Antes deste momento, isto é, do início da actividade social, não se porá qualquer problema de aplicação da disciplina jurídica das sociedades irregulares.
«Como é evidente, a falta de forma bastante não poderá deixar de sujeitar o acto constitutivo da sociedade à sanção adequada, que é a nulidade. Nulo é, porém, o negócio jurídico enquanto dirigido à constituição de uma sociedade mercantil de certo tipo, e nada mais. Nenhum impedimento existe a que do convénio logo derivem direitos e deveres jurídicos para as partes e efeitos para com terceiros. Certo que, enquanto o negócio não sofre começo de execução, não se levanta qualquer problema, ou melhor, não se levanta qualquer problema para que o esquema do contrato-promessa não proporcione solução conveniente. Mas, se os sócios satisfazem acto contínuo as prestações combinadas e deliberam iniciar imediatamente as actividades sociais, advém daí uma situação a que não parece possível obviar de modo adequado fora das estruturas próprias do direito das sociedades». Ferrer Correia, ob. cit., pág. 508 e 509.
Por tais razões, entendemos que não podia ter sido proferido despacho saneador, nos termos do artigo 510º, nº 1, alínea b), do C.P.C., destinado a conhecer imediatamente do mérito da causa, pois, o estado do processo não o permitia.
Doutro modo, entende-se que deve ser seleccionada «a matéria de facto relevante que se considera assente e a que constitui a base instrutória da causa», tendente a averiguar, nomeadamente, os factos alegados pelo autor nos artigos 5º, 6º, 7º, 9º, 10º e 11º, da petição inicial, com vista a saber se ocorreu a prática de actos e negócios, no âmbito do contrato de sociedade irregular em causa, que demonstrem o começo de execução deste negócio jurídico ou, como resulta do nº 2, do citado artigo 36º, do C.S.C., se autor e réu, na qualidade sócios, iniciaram a respectiva actividade social. cfr. artigo 508º-A, nº 1, alínea e), do C.P.C.
Em resumo: sociedades irregulares são aquelas em cuja constituição não foram cumpridos os requisitos e trâmites formais exigidos pela lei: celebração de escritura pública (artigo 7º, nº 1, do C.S.C.), cujo documento é requisito essencial, ad substantiam, do contrato de sociedade comercial; e registo do contrato; No artigo 36º, nº 2, do C.S.C., não se reconhece a existência de uma sociedade comercial, mas equipara-se a situação à de uma sociedade civil, cujo contrato se caracteriza pela não sujeição a forma especial, nos termos do artigo 981º, nº 1, do C.P.C.; apenas se poderá reclamar a aplicação da disciplina jurídica das sociedades irregulares, em primeiro lugar, se for celebrado um negócio jurídico de constituição de uma sociedade comercial, sem escritura pública e, em segundo lugar, que esse negócio jurídico sofra começo de execução ou, como se diz no nº 2, do citado artigo 36º, do C.S.C., se “os sócios iniciarem a sua actividade”. Antes deste momento, isto é, do início da actividade social, não se porá qualquer problema de aplicação da disciplina jurídica das sociedades irregulares; não podia ter sido proferido despacho saneador, nos termos do artigo 510º, nº 1, alínea b), do C.P.C., destinado a conhecer imediatamente do mérito da causa, pois, o estado do processo não o permitia.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a apelação procedente e, consequentemente, anula-se a sentença recorrida e ordena-se que seja seleccionada, nos termos referidos, a matéria de facto relevante que se considere assente e a que deva constituir a base instrutória da causa, prosseguindo os autos os ulteriores e adequados termos.


Custas pelo apelado.


Guimarães, 5.6.2008