Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1626/11.2TBFAF-A.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: EXECUÇÃO
LEGITIMIDADE
OBRIGAÇÃO
GARANTIA REAL
HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) Em princípio, a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor;
2) Porém, a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro seguirá diretamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor;
3) O instrumento processual adequado para fazer intervir o adquirente do bem hipotecado em execução pendente é o incidente de habilitação de adquirente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) M… veio deduzir oposição à execução que o Banco…, S.A. intentou contra si invocando, em suma, que deverá ser absolvida da instância por ser inexequível o requerimento executivo, que tem por base uma escritura de mútuo com hipoteca e fiança mediante a qual o exequente concedeu à sociedade “C…, Lda.”, a que sucedeu a sociedade “R…, Lda.”, tendo a executada, ora apelante adquirido posteriormente a propriedade e posse da fração “CC”.
Com fundamento no referido título executivo, o banco exequente já antes intentou contra a sociedade devedora a ação executiva n.º 254/11.7TBFAF, que corre termos no 3.º Juízo do Tribunal de Fafe, reclamando a totalidade do débito ora dado à execução, pelo que, estando pendente execução contra o devedor originário, não pode o credor, em ação executiva autónoma vir deduzir idêntico pedido diretamente contra o adquirente dos bens, pelo que não podia o exequente servir-se do mecanismo previsto no artigo 56.º n.º 2 do Código de Processo Civil, antes deveria fazer intervir naquela execução a oponente.
Refere ainda a apelante que face à situação descrita, se verifica uma situação de litispendência, uma vez que intentou várias execuções em simultâneo, em processos independentes, utilizando o mesmo título executivo, em violação do disposto no artigo 45.º do Código de Processo Civil.
Acresce ainda, de acordo com a oponente, que a executada não é pessoalmente responsável pelo cumprimento das obrigações decorrentes do empréstimo referido, tendo o banco oponido recebido da sociedade devedora e de terceiros parte substancial do crédito reclamado e não deduzindo os pagamentos à dívida em apreço, como podia e devia, pretendendo obter um enriquecimento ilegítimo à custa do empobrecimento da executada.
Refere ainda a apelante e oponente que porque não é pessoalmente responsável pelo cumprimento do empréstimo, na pior das hipóteses apenas poderá ser responsabilizado na exata medida do valor da fração que adquiriu, nunca podendo ser superior àquele pelo qual a executada adquiriu a fração “CC”, pelo que sempre poderá a executada expurgar a hipoteca incidente sobre a sua fração mediante a declaração de vontade de entregar ao credor, para pagamento dos seus créditos, até à quantia pela qual obteve o bem, isto é, o valor de €121.000,00.
Conclui entendendo dever a oposição ser recebida e, a final, ser julgada provada e procedente, com as legais consequências.
O exequente e apelado apresentou contestação onde entende dever a oposição à execução ser julgada totalmente improcedente.
Para tanto alega, em síntese, que não é legalmente possível a intervenção de terceiros no processo de execução.
Refere ainda que não é invocada a responsabilidade pessoal da executada e apelante, dado que apenas pretende executar a garantia real de que o exequente é titular sobre a fração indicada à penhora.
No que se refere à litispendência, entende não se verificar a exceção dado que contra a executada apenas corre esta execução, além de que os pedidos são diferentes.
Quanto à alegada inexequibilidade do título, a mutuária amortizou parte do capital em dívida tendo o credor aceitado distratar a hipoteca sobre determinadas frações já expurgadas, contra o pagamento da quantia que reputou como suficiente face à diminuição da garantia hipotecária, não havendo qualquer abuso de direito.
Quanto ao valor da execução referiu que a hipoteca é indivisível subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito, não podendo cada condómino expurgar a sua fração pagando a percentagem correspondente à sua fração no título constitutivo, sendo certo que o banco credor aceita distratar a hipoteca sobre as frações contra o pagamento da quantia que reputar como suficiente face à diminuição da garantia hipotecária, pelo que o valor da execução terá de ser o valor da dívida garantida pela hipoteca.
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Foi elaborado saneador sentença onde se decidiu julgar a presente oposição à execução totalmente improcedente e determinado o prosseguimento dos autos principais.
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B) Inconformada com esta decisão, veio a executada M… interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo (fls. 104).
Nas alegações de recurso da apelante são formuladas as seguintes conclusões:
A) A Recorrente é a atual dona da fração designada pelas letras “CC”, a que a garantia hipotecária constituída a favor do Banco Recorrido respeita, pois que a adquiriu à sociedade “R…, Lda” - devedora da exequente - em 21 de Janeiro de 2011, por Escritura Pública de Compra e Venda lavrada a folhas 36 do Livro de Escrituras Diversas do Cartório Notarial de Amarante da Notária Olga Samões.
B) No dia 21 de Janeiro de 2011, pela AP 4230, a Recorrente registou a seu favor a aquisição da fração adquirida.
C) Em 28 de Janeiro de 2011, o Banco Exequente instaurou contra a devedora uma ação executiva, por dívida provida de garantia real, a qual corre termos pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe sob o n.º 254/11.7TBFAF;
D) Em 25 de Agosto de 2011, o banco exequente instaurou nova execução contra a Recorrente – a execução apensa – por esta ter adquirido o bem com garantia real.
E) A aquisição pela Recorrente foi feita antes da instauração da execução n.º 254/11, pois quanto em 28 de Janeiro de 2011 o exequente instaurou a primeira execução contra a devedora “R… Lda”, já se encontrava registada – desde 21 de Janeiro de 2011 – a aquisição da fração a favor da recorrente M….
F) A exequente intentou primeiramente a ação executiva contra a devedora – “R…, Lda”, e só posteriormente, nos presentes autos executivos, demandou a ora Recorrente, enquanto terceiro detentor de bens com garantia real (estando pendente os autos anteriormente intentados contra a devedora).
G) Estamos perante duas execuções distintas – a presente e a n.º 254/11- que, visam o mesmo fim - o pagamento da mesma divida e à custa do mesmo bem – (fração “CC” da Executada).
H) A Recorrente não figura no título executivo dado à presente execução.
I) Do requerimento executivo e do título executivo extrai-se que a devedora é a sociedade “R…, Lda”, a quem a ora Recorrente adquiriu a fração autónoma “CC” de um prédio dado de hipoteca ao banco exequente.
J) O bem dado em garantia pertence a terceiro, a aqui Recorrente, pelo que o exequente para fazer valer a garantia na execução teria que optar entre propor a execução contra o terceiro e, mais tarde, se os bens forem insuficientes, requerer o chamamento do devedor; ou então propor a execução, desde logo, contra o terceiro e eventualmente o devedor.
K) A Exequente, ao demandar a devedora, em processo executivo deixa de poder, sob pena de extravasar o conteúdo da norma contida no art.º 56.º n.º 2 do CPC, intentar simultaneamente, uma nova ação executiva contra terceiro, neste caso contra a Recorrente M….
L) Nos autos em apreço, a Exequente não observou o disposto no art.º 56.º n.º 2 do CPC, pelo que existe uma situação ilegitimidade da Executada, ora Recorrente.
M) Ilegitimidade esta que, sendo uma exceção dilatória, passível de conhecimento oficioso deveria ter determinado a absolvição da instância executiva da recorrente.
N) A Recorrida, à data em que instaurou a primeira ação executiva n.º 254/11, já tinha conhecimento da transmissão da propriedade da fração onerada com garantia real, a favor da executada.
O) Estão em causa, duas execuções, com efeito duplicado, cujo processamento em simultâneo não está contemplado na lei, nem é processualmente admissível, antes é contrária aos princípios gerais do ordenamento jurídico português.
P) Verifica-se, nos presentes autos, a ocorrência de exceção dilatória de Ilegitimidade Processual,
Q) Deve ser reparada a douta decisão recorrida, declarando-se a existência da invocada exceção dilatória de Ilegitimidade Processual, julgando-se parte ilegítima a Executada M…, a qual deve ser absolvida da instância executiva.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) A questão a decidir neste recurso é a de saber se se verifica a invocada exceção dilatória de ilegitimidade da apelante.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
B) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 660.º n.º 2, 684.º n.º 2 e 3 e 690.º n.º 1 e 2, todos do Código de Processo Civil).
C) Toda a execução se baseia num título, o qual determina o fim e os limites da acção executiva (artigo 45.º n.º 1 do Código de Processo Civil).
Para se apurar quem tem legitimidade para executar e ser demandado numa execução, o artigo 55.º do Código de Processo Civil estabelece que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
Existem, porém, desvios à regra da determinação da legitimidade que constam do artigo 56.º do Código de Processo Civil:
1. Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda. No próprio requerimento para a execução deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão.
2. A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro seguirá diretamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor.
3. Quando a execução tenha sido movida apenas contra o terceiro e se reconheça a insuficiência dos bens onerados com a garantia real, pode o exequente requerer, no mesmo processo, o procedimento da ação executiva contra o devedor, que será demandado para completa satisfação do crédito exequendo.
A este propósito, pode ler-se no Código de Processo Civil anotado do Dr. Lebre de Freitas, Volume I, a páginas 115 que: “a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro face à obrigação exequenda tem de seguir contra este sempre que o exequente pretenda fazer valer a garantia.
É consequência da regra, que não comporta exceções, segundo a qual apenas podem ser penhorados bens que pertençam ao executado (artigo 821.º 2).
Pressupõe, obviamente, a existência de título executivo contra o proprietário do bem.
Fica ao critério e à iniciativa do credor/exequente instaurar a execução, desde logo, contra o devedor e o terceiro, verificando-se então uma situação de litisconsórcio voluntário (n.º 1), ou apenas contra o terceiro (n.º 2).
Mas, vindo-se a verificar, nesta segunda hipótese, a insuficiência dos bens onerados com a garantia real, poderá o exequente requerer a intervenção principal do devedor, nos termos do artigo 325.º, passando a execução a correr também contra este.
É, no entanto, sempre possível ao exequente não pretender fazer valer a garantia e demandar apenas o devedor, de acordo com as regras gerais.
Neste caso, porém, apenas podem vir a ser penhorados os bens do devedor (se o bem onerado for penhorado, poderá o seu proprietário deduzir embargos de terceiro, nos termos do artigo 351.º n.º 1) sem que este possa opor ao exequente a necessidade de previamente se reconhecer, nos termos do artigo 835.º, a insuficiência dos bens dados em garantia para o fim da execução.
É o que decorre, a contrario, do estipulado no artigo 697.º do Código Civil (cfr. Antunes Varela, Código Civil anotado, Volume I, em anotação ao artigo 697.º) e que é aplicável aos casos de privilégio creditório e de direito de retenção (artigos 678.º do Código Civil e 753.º do Código Civil), sem que haja lugar a distinguir entre o terceiro que já era proprietário do bem no momento em que a garantia foi constituída e aquele a quem esse bem foi transmitindo já onerado (de modo diferente, excetuando o primeiro caso do âmbito do artigo 835, Anselmo de Castro, A ação executiva, página 81).”
Refere o mesmo autor em A Ação Executiva, à Luz do Código Revisto, 2.ª edição, a páginas 104 e segs., a propósito do terceiro proprietário ou possuidor do bem onerado, ”dado não ser possível a penhora de bens pertencentes à pessoa que não tenha a posição de executado, a ação executiva terá, na medida em que se quiser atuar a garantia prestada, de ser proposta contra o proprietário do bem…
O exequente só não pode, sob pena de ilegitimidade, deixar de propor a ação executiva contra o proprietário dos bens quando pretenda fazer valer, na execução, o direito real de garantia, pois no caso contrário poderá mover a ação executiva apenas contra o devedor e nela penhorar os seus bens, sem que ele lhe possa opor a necessidade de previamente se reconhecer, nos termos do artigo 835.º, a insuficiência dos bens dados em garantia para o fim da execução.
Por isso, o artigo 56.º nos seus n.ºs 2 e 3 é hoje bem expresso, em estabelecer que, quando os bens dados em garantia pertençam a terceiro, o exequente que queira fazer valer a garantia na execução tem opção entre a propositura da execução contra o terceiro e, mais tarde, se os bens forem insuficientes, o chamamento do devedor ou a propositura da execução, desde logo, contra o terceiro e o devedor.”
E refere-se ainda (ibidem, página 105, nota 12), que “a anterior redação do artigo 56.º n.º 2 deu lugar a várias dificuldades interpretativas, mas a melhor interpretação era a que veio a ser consagrada com a revisão do código.
Dela decorre a consequência de, no caso de o preceito não ser observado, procederem os embargos do executado fundados em ilegitimidade (verificada perante a manifestação, expressa ou tácita, da vontade de fazer valer a garantia, no requerimento executivo) e os embargos de terceiro do proprietário possuidor não demandado, como viu o STJ nos seus acórdãos de 11/10/74 e de 27/3/84, BMJ, respetivamente, 240.º/191 e 335.º/259).
Também no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07-05-2009, proferido no recurso n.º 284/07.3TBASL-A.E1 se refere que “a questão da legitimidade das partes na ação executiva (no âmbito da anterior redação do n° 2 do artº 56° do CPC) quando o objeto desta é uma dívida provida de garantia real incidente sobre bens de terceiro, foi questão controversa na doutrina e jurisprudência defendendo uns que a execução teria necessariamente de ser instaurada contra o terceiro e pode também sê-lo contra o devedor (cfr. Rodrigues Bastos, "Notas ao CPC" anot. ao artº 56 e Lebre de Freitas "A Acção executiva", 1993, p. 103); defendendo outros que a execução tinha que ser necessariamente instaurada contra o terceiro e contra o devedor (cfr. Prof. Anselmo de Castro. "A Acção Exec. Singular e Colectiva", p. 77); e outros ainda que a execução só pode ser inicialmente intentada contra o terceiro (cfr. Lopes Cardoso, "Manual da Ac. Executiva", ed. da Imprensa Nacional, 1986, p. 123).
O nº 2 deste artº 56°, na sua atual redação, veio pôr termo a tal controvérsia, tomando-se posição clara sobre a questão da legitimação do terceiro, possuidor ou proprietário dos bens onerados com garantia real, concedendo-se tanto a um como a outro, legitimidade passiva para a execução, quando o exequente pretenda efetivar tal garantia incidente sobre bens pertencentes ou na posse de terceiro, sem, contudo, se impor o litisconsórcio necessário, quer entre estes proprietário e possuidor dos bens - quer com o devedor.
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Entende a apelante que o bem dado em garantia pertence a terceiro, a aqui recorrente, pelo que o exequente para fazer valer a garantia na execução teria que optar entre propor a execução contra o terceiro e, mais tarde, se os bens forem insuficientes, requerer o chamamento do devedor; ou então propor a execução, desde logo, contra o terceiro e eventualmente o devedor.
Já tivemos oportunidade de esclarecer esta questão.
De qualquer forma, nunca se poderia colocar a questão do chamamento do devedor dado não ser possível a dedução do incidente de intervenção de terceiros, na modalidade de intervenção principal ou acessória, em processo executivo.
O instrumento processual adequado para fazer intervir o adquirente do bem hipotecado em execução pendente é o incidente de habilitação de adquirente (cfr. neste sentido, entre outros, Ac. da R. Lx. de 14/12/2004, CJ T. V, p. 122; Ac. da R.P. de 21/03/2002 CJ. T. II, pág 203; Ac. da R. Ev. de 3/11/94 CJ T. V, pág. 278).
Deste modo, sendo intenção da lei legitimar na execução a presença do terceiro possuidor ou proprietário do bem dado em garantia, há que concluir que vale inteiramente a razão de ser da exigência legal também no caso de só após a execução ocorrer a transmissão ou ser conhecida essa transmissão.
Assim sendo, não estando o terceiro na execução e pretendendo o exequente continuar a usar da garantia real não há qualquer obstáculo a que o faça intervir, continuando o devedor originário também na execução.
Se não fosse possível a habilitação do adquirente dos bens hipotecados na execução então estaria encontrada a via de escape dos devedores hipotecários nas execuções contra eles movidas.
Bastaria que na pendência da execução alienassem a propriedade do bem e que o adquirente não registasse a aquisição para impedir a venda do mesmo no processo em curso; seguidamente, se o credor instaurasse nova execução contra o novo proprietário bastaria a este fazer exatamente o mesmo para que a venda se não pudesse verificar - cfr. Ac. da R. Lx. de 14/12/2004.
É certo que o incidente de habilitação de adquirente foi concebido para realizar a substituição de alguma das partes e para ser aplicado no âmbito da ação declarativa, como resulta dos artºs 271° al. a) e 376º do Código de Processo Civil.
Porém, nada obsta a que seja aplicado, analogicamente, no âmbito do processo executivo para fazer intervir o adquirente de bem hipotecado.
Como se refere no supra citado Ac. da Relação de Évora, "nenhuma desvantagem há em manter na execução quem já nela é parte e que, diga-se, continua a não ser um estranho em relação à mesma (continua a ser devedor do exequente e, como tal, pode, em qualquer momento, pagar o crédito exequendo e, em momento ulterior, pode mesmo ver penhorados bens próprios, caso o produto dos bens objeto da garantia real seja insuficiente para satisfazer o crédito do exequente – ver parte final do nº 2 do artº 56 do CPC (atualmente no nº 3)), sendo certo que a exclui-lo, bem podia acontecer que, mais tarde, fosse necessário chamá-lo de novo à execução, o que aconteceria na referida hipótese de insuficiência do produto dos referidos bens, com os inerentes atrasos processuais".
Não é pelo facto de, in casu, o exequente credor pretender que o terceiro, atual proprietário do bem hipotecado, fique na execução ao lado do devedor que, por não haver substituição, o incidente deixa de ser o próprio.
Também Lopes Cardoso prevê situações de aplicação do incidente de habilitação, por analogia, para fazer intervir na lide interessados com legitimidade, não em substituição das primitivas partes, mas a par de uma ou de outra por não haver nenhum outro incidente especialmente determinado ou mais adequado ("Manual dos Incidentes da Instância em P.C.", 1999, pág. 257/258).
E, in casu, não se vislumbra qualquer outro incidente, designadamente, de entre os incidentes de intervenção de terceiro que se mostre mais adequado.
Assim sendo, permitindo o artigo 56.º n.º 2 que a execução seja movida contra terceiro e contra o devedor, não se vê razão para não se admitir a habilitação do terceiro adquirente dos bens onerados alienados após a instauração da execução.
Conforme resulta do disposto no nº 2 do artº 376.º, a contestação do incidente tem por fim impugnar o ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo, sendo que, na falta de contestação verificar-se-á se o documento prova a aquisição ou a cessão e, no caso afirmativo, declarar-se-á habilitado o adquirente ou cessionário.”
Cremos bem ser esta posição de acolher, por traduzirem a solução mais adequada de acordo com a letra e o espírito da lei.
Do exposto resulta que o meio processual adequado à execução da garantia hipotecária dos bens de terceiro, no caso, da oponente M…, de que é devedora a sociedade R…, Lda., contra a qual foi intentada, previamente, execução, atenta a inexistência de Incidente especificamente adequado à situação, terá de ser o de habilitação de adquirente, prevista no artigo 376.º do Código de Processo Civil, com as devidas adaptações, sem implicar a substituição da primitiva parte, mas ficando ambas, a primitiva e a interveniente, na lide, nos termos atrás expostos, pelos motivos apontados.
Em princípio, é permitida a instauração de execução hipotecária contra a adquirente de uma fração de um imóvel hipotecado, depois de ter sido instaurada execução hipotecária contra o primitivo devedor, quando o estado desta execução, não permita já a habilitação de adquirente.
De qualquer forma uma coisa é certa: é que não se coloca aqui qualquer problema de ilegitimidade da executada, por força do disposto no artigo 56.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, que a apelante invoca, não podendo a redação legal deixar quaisquer dúvidas e cujo teor já tivemos a oportunidade de referir supra.
Admite-se que, em determinadas condições, não seja possível a exequente, após a instauração de execução hipotecária contra a devedora vir, posteriormente, intentar nova execução, com o mesmo objeto, contra um terceiro, então proprietário dos bens hipotecados, tudo dependendo do circunstancialismo de facto, simplesmente não se pode afirmar que tal suceda no caso dos autos.
E a factualidade que o permita ou impeça deverá decorrer da matéria alegada nos articulados que permita concluir pela possibilidade ou impossibilidade de tal ocorrência.
O que foi alegado no requerimento inicial foi que, com fundamento no referido título executivo, o banco exequente já antes intentou contra a sociedade devedora a ação executiva n.º 254/11.7TBFAF, que corre termos no 3.º Juízo deste tribunal, dela reclamando o pagamento da totalidade do débito ora dado à execução, simplesmente a alegação não nos permite saber qual a fase em que se encontra aquela execução, para poder avaliar da possibilidade ou conveniência de se deduzir uma execução em separado ou dever fazer intervir na mesma através do incidente de habilitação de adquirente a opoente e apelante, ónus que lhe incumbia, pelo que improcede a pretensão da apelante.
Pelo exposto ter-se-á de confirmar a douta decisão recorrida e, em consequência, julgar a apelação improcedente.
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D) Em conclusão:
1) Em princípio, a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor;
2) Porém, a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro seguirá diretamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor;
3) O instrumento processual adequado para fazer intervir o adquirente do bem hipotecado em execução pendente é o incidente de habilitação de adquirente.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a douta decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
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Guimarães, 21/05/2013
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte
Fernando Freitas