Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
358/06-2
Relator: MIGUEZ GARCIA
Descritores: INJÚRIA
INJÚRIAS CONTRA AGENTE DA AUTORIDADE
INJÚRIAS CONTRA AGENTE DA FORÇA PÚBLICA
INJÚRIAS GRAVES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – A injúria, enquanto expressão puramente afectiva e quase sempre espontânea da vontade de poder do sujeito, é acto verbal (ou atitude!) atirado à cara do interlocutor, a quem se nega qualquer valor, que é desprezado e desdenhado inúmeras as maneiras de cometer o crime, incluindo “as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão”.
II – Apesar de se ter provado que “o arguido, com a mão direita fechada, apontou o dedo indicador à sua própria cabeça” e que “agiu livre, deliberada, conscientemente, estava ciente dos factos descritos e quis agir da forma que o fez” e que, além disso “sabia que o gesto que efectuou com o dedo indicador, no âmbito do diálogo que travava com o agente P. era, objectiva e subjectivamente, lesivo da honra e dignidade pessoal e profissional do referido agente”; que sabia ainda que “os militares se encontravam no exercício das suas funções, bem sabendo, igualmente, que a conduta que decidiu era proibida e punida pela Lei Penal”, tal conduta não tem relevo penal, não passando de uma expressão de falta de civismo, grosseria e mesmo falta de educação.
III – Com efeito, no caso concreto, o significado “literal” do gesto de levar o indicador estendido à cabeça aparece dominado por um forte sentimento de ostentação e um tom claramente insolente.
Decisão Texto Integral: Acordam em audiência no Tribunal da Relação de Guimarães

Na comarca de Caminha, a sentença de 16 de Dezembro de 2005 condenou J como autor de um crime de injúria agravada dos artigos 181º, nº 1, e 184º do Código Penal, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 5 euros com base nos seguintes factos provados:
(1) No dia 30 de Agosto de 2002, cerca das 09.30 horas, na Avenida…, em …, os militares da GNR A e P, que, devidamente uniformizados, procediam ao patrulhamento daquela localidade, constataram que os dois ocupantes do veículo de matrícula --- não faziam uso do cinto de segurança, sendo que o passageiro que seguia ao lado do condutor circulava com o tronco, nu, fora da janela do referido veículo.
(2) Tendo verificado que o dito veículo estacionara na referida artéria, os dois agentes, que faziam parte do pelotão ciclo, dirigiram-se para o local em que o mesmo se encontrava, deparando com os ocupantes do veículo a urinar na via pública.
(3) Ao solicitarem-lhes os documentos pessoais e do veículo, ambos referiram que não se faziam acompanhar pelos documentos pessoais, tendo o arguido, que era o condutor do veículo, perguntado se iria ser autuado.
(4) Foi-lhe dito que lhe iria ser passado um aviso um aviso para apresentação dos documentos, que incorria numa coima cujo mínimo seria de € 30,00 e que também seria autuado por conduzir sem fazer uso do cinto de segurança.
(5) Nessa altura, o militar P perguntou-lhe se tinha o certificado internacional de seguro, tendo-lhe o arguido respondido que visse o vidro da viatura, que o selo estava lá.
(6) O referido agente respondeu-lhe que o selo não provava que tinha seguro, que tinha de ter o referido certificado.
(7) O arguido dirigiu-se para o veículo e, com a mão direita fechada, apontou o dedo indicador à sua própria cabeça.
(8) Advertido para ter cuidado com o que dizia e fazia, o arguido exaltado, disse-lhes que se identificassem pois ia participar deles.
(9) Os agentes disponibilizaram-lhe as respectivas identidades, e quando o arguido viu que o Cabo António Martins da Silva era do regimento de Cavalaria, exclamou “ainda por cima da cavalaria”, o que levou o agente a perguntar-lhe se tinha algo de mais ser de Cavalaria.
(10) Tendo o arguido respondido “vocês não sabem com quem se meteram, porque eu sou filho do Capitão Fonseca Magalhães. Vocês vão ver quem é que vai ser multado”.
(11) O arguido estava ciente dos factos descritos e quis agir da forma por que o fez.
(12) O arguido sabia que os militares Sousa e Silva se encontravam no exercício das suas funções, bem sabendo, igualmente, que a conduta que decidiu ter era proibida e punida pela Lei Penal.
(13) O arguido não tem antecedentes criminais.
(14) É pessoa considerada pelos amigos do pai.
(15) É estudante universitário.
(16) Não tem rendimentos próprios, sendo o seu pai que o sustenta, pagando-lhe as propinas, dando-lhe a mesada e oferecendo-lhe o carro.

Vem interposto recurso pelo arguido, sustentando que não há qualquer nexo causal entre o gesto praticado e o alegado ilícito, sendo a sentença completamente omissa quanto à zona da cabeça que foi tocada pelo indicador direito do arguido; também é subjectiva e especulativa a interpretação dada ao aludido gesto, afastando o recorrente qualquer intenção injuriosa, pois nem sequer concebeu o ilícito; do que se trata é, porventura, de indelicadeza e inconveniência. Além disso, a matéria de facto apurada não é bastante para suportar a decisão de direito, havendo contradição entre a fundamentação e a decisão, padecendo a sentença dos vícios das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 410º.
Na resposta do MP escreve-se a dado passo: “ambos os agentes da GNR, ao verem tal gesto, interpretaram-no como sendo o comum gesto que se faz quando se quer dizer a, ou de, alguém que é maluco, pelo que o tomaram como sendo ofensivo”. Só que isto, diz por sua vez o ilustre Procurador Geral Adjunto, não o refere a sentença. Ora, “quer a queixa, quer a acusação, quer as transcrições da prova produzida em audiência, referiam que o gesto feito pelo arguido pretendia significar que os visados (elementos da GNR) eram malucos e a sentença não diz, em lado nenhum, qual o significado do gesto em causa”. Haverá por isso vício da insuficiência da alínea a) do nº 2 do artigo 410º.
Colhidos os “vistos” legais, procedeu-se à audiência a que se refere o artigo 423º do Código de Processo Penal, com observância do formalismo respectivo.
O ilícito previsto no artigo 181º do Código Penal verifica-se quando alguém injuria outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou lhe dirige palavras ofensivas da sua honra ou consideração.
A injúria, enquanto expressão puramente afectiva e quase sempre espontânea da vontade de poder do sujeito, é acto verbal (ou atitude!) atirado à cara do interlocutor, a quem se nega qualquer valor, que é desprezado e desdenhado. Deste modo, a relação transitiva sujeito-objecto, que é do domínio da linguística e da psicologia, explica também a preferência da lei: com a injúria o locutor afronta o adversário fisicamente, atirando a ofensa directamente ao outro, na 2ª pessoa ou no vocativo.
Palavras e acções podem, deste modo, ser significativas no código da honra porque são expressões de atitude que reivindicam, concedem, ou não reconhecem honra. São por isso inúmeras as maneiras de cometer o crime. O artigo 182º equipara à difamação e à injúria verbais “as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão”. É a tradicional dupla modalidade: cometimento por palavras ou por acções. Para além da injúria verbal, onde as palavras têm um inequívoco significado ofensivo da consideração (“ladrão”, “gatuno”, “cornudo”, “puta”, “filho de puta”), o crime pode cometer-se metendo a ridículo o ofendido, de maneira simbólica, mediante actos, imagens ou objectos que, pelo seu significado, facilmente compreendido pelos outros, ofendem a honra. Há todo um vocabulário de gestos que poderão ser usados junto com os insultos verbais, alguns deles adaptados para o uso à distância, e portanto equivalentes aos insultos gritados.
Mas não é fácil definir o que constitui um insulto. Em qualquer cultura existem palavras e imputações que são especialmente ofensivas, potenciando uma forma de agressão na qual os adjectivos e substantivos são usados menos para descrever a outra pessoa do que para atingi-la. Outras vezes usam-se de forma subtil, sendo a sua relevância especialmente complexa. Ocorrem, por exemplo, graus de insultos, em que a visão do mundo de cada um e em especial o contexto assumem importância decisiva. Podemos até, de passagem, exemplificar essa gradação com palavras de um escritor italiano bem conhecido, Antonio Tabucchi. Diz ele, em bom português: "O que me ofende mais é ‘cabrão’. Não gosto. Acho que é uma palavra horrível, é um insulto baixo, ferino, de animais. Prefiro ser chamado "filho de puta". ( António Tabucchi, Pública 201, 2 de Abril de 2000, que a seguir não perde a oportunidade de se explicar.) Por conseguinte, antes de decidir se os critérios valorativos dum termo justificam a sua qualificação como injurioso (ou difamatório) é inevitável passar pela compreensão do sentido exacto da palavra no contexto linguístico e social em que foi proferida. Se esse sentido pode ser pejorativo, de desprezo, também pode revestir-se de uma marca irónica e em última instância amigável. ( Os insultos, como outras formas de discurso, são um produto da sociedade na qual são veiculados, sendo o contexto que determina a escolha de uma dada palavra precisando-lhe o sentido, isto é, a direcção que o interlocutor tem de seguir para compreender. O contexto individualiza o sentido. Por vezes até contribui para o completamento do significado. Veja-se Pio Ricci Bitti / Bruna Zani, A comunicação como processo social, Ed. Estampa, 1993, pág. 51. Sobre as noções de contexto e de elucidação contextual consulte-se Catherine Kerbrat-Orecchioni, La conversation, Seuil, 1996; e Roger Fowler, Crítica e linguística, edição da Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 180.) Aponta-se até a pluralidade do sentido no próprio seio de um único contexto. ( Tzvetan Todorov, Os géneros do discurso, Edições 70, pág. 109.) Por outro lado, existem palavras que, ditas em particular, podem ser aceitáveis, ao passo que usadas entre as mesmas pessoas, mas de forma pública, tornam-se ofensivas; “se faladas com raiva, com a clara intenção de insultar, elas são entendidas dessa forma; se articuladas em voz baixa, ou em tom de brincadeira, podem ser entendidas de maneira bastante diferente”. ( David Garrioch, “Insultos verbais na Paris do século XVIII”, in P. Burke e Roy Porter (orgs.), História social da linguagem, UNESP, São Paulo, 1997, pág. 121 e ss.) Um número muito grande de variáveis entra em jogo.
O que agora está em causa tem a ver fundamentalmente com a matéria do ponto 7, onde se tem por provado que “o arguido dirigiu-se para o veículo e, com a mão direita fechada, apontou o dedo indicador à sua própria cabeça”. Apurou-se, passando a constar igualmente do elenco dos factos provados, que o arguido “agiu livre, deliberada, conscientemente, estava ciente dos factos descritos e quis agir da forma que o fez”; e que, além disso “sabia que o gesto que efectuou com o dedo indicador, no âmbito do diálogo que travava com o agente P era, objectiva e subjectivamente, lesivo da honra e dignidade pessoal e profissional do referido agente”; sabia ainda que “os militares se encontravam no exercício das suas funções, bem sabendo, igualmente, que a conduta que decidiu era proibida e punida pela Lei Penal”.
Como a decisão condenatória foi impugnada, o recurso pode ter como fundamento a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum (artigo 410º, nº 2, alínea a), do CPP).
O Ex.mo Procurador Geral Adjunto prevalece-se dessa insuficiência (“insuficiência de factos, não de provas”). Diz em resumo que quer a queixa, quer a acusação, quer as transcrições da prova produzida em audiência referiam que o gesto feito pelo arguido pretendia significar que os visados (elementos da GNR) eram malucos. Ora, “a sentença não diz em lado nenhum qual o significado do gesto em causa, porque é que o mesmo era lesivo da honra e dignidade pessoal do agente P, como se refere no ponto 12 da matéria de facto provada”. Não parece assim possível, escreve-se no Parecer, “o salto lógico entre a matéria de facto provada e a conclusão de ter o arguido cometido o crime por que foi condenado”; até porque a motivação de facto “está longe de obedecer aos cânones legais, doutrinários e jurisprudenciais” — e por isso “também não ajuda nada”.
Vejamos se a observação é justa.
Repare-se que a sentença deixa consignado que “o gesto feito pelo arguido é, na generalidade dos contextos existenciais, e naquele que subjaz ao caso dos autos de sobremaneira, injurioso, representando uma ofensa ilegítima ao bem jurídico tutelado pela norma em causa”.
Com isto, a sentença entrou no âmago dos chamados crimes de aptidão, a que pertencem, entre outros, as ofensas à honra: a acção típica encerra, em si mesma, uma genérica aptidão para produzir o evento danoso, que é a ofensa à honra e consideração alheias. Dizendo de forma muito abreviada, são crimes que requerem a aptidão ex ante da conduta para produzir o resultado. A lesão efectiva do bem jurídico protegido com a incriminação não entra na composição destes crimes de aptidão, são delitos de consumação antecipada, embora essa genérica aptidão se encontre sujeita à avaliação e prova judicial. As respectivas características devem ser estabelecidas pelo juiz, o qual, portanto, não pode prescindir de uma suficiente base fáctica. Se não se prova o perigo efectivo, exige-se ao menos a potencialidade da conduta para produzi-lo.
Acontece que, na nossa visão das coisas, a questão da significação do gesto feito pelo arguido, que o Ex.mo Procurador Geral Adjunto (e de modo semelhante o recorrente) envolve na insuficiência da matéria de facto para a decisão, deve ser procurada nesse exercício comprovativo: o juiz aprecia a acção do arguido no contexto em que se produziu, para saber se a mesma, em princípio, deve ser considerada perigosa. O juízo de perigosidade exige determinadas operações cognoscitivas que o julgador exprime mediante proposições linguísticas dirigidas à explicação racional dos fenómenos empíricos observados. A interpretação do gesto (levar a mão fechada à cabeça com o indicador apontado) feita pelos próprios agentes da GNR pode entrar certamente no indicado juízo de adequação mas não é nele imprescindível, não se espera que sejam os visados a atestar a natureza da conduta observada.
Daí que não se veja a insuficiência apontada.
Ainda assim, a sentença não se mostra isenta de reparo.
Estabeleceu-se nela, é certo, com suficiente nitidez, o assento fáctico necessário à discussão da perigosidade da conduta, incluindo, com abundantes pormenores, toda a envolvência desta. Não obstante isso, a sentença limitou-se a constatar que o gesto feito pelo arguido “é, na generalidade dos contextos existenciais, e naquele que subjaz ao caso dos autos de sobremaneira, injurioso”. Com o que, temos de convir, para aferir da conduta como genericamente perigosa, se contentou com enunciados excessivamente desapoiados, ainda que se deva reconhecer que, linhas atrás, se discreteara, com algum pormenor e de forma correcta, acerca dos elementos objectivos e subjectivos do ilícito. Não temos dúvidas que a realização dos juízos de perigosidade torna em geral difícil isolar as explicações, correndo-se o risco de chegar a juízos aparentemente plausíveis mas que nada ou pouco contêm. No caso, a sentença concluiu pela perigosidade da acção — afirma-a claramente e conclui até pela condenação, mas o juízo realizado não passa pela concreta explicação das cargas de significação da conduta analisada. Se acompanharmos o Parecer junto aos autos, uma dessas explicações estaria em que o arguido, com o seu gesto, quereria dizer que o guarda P ou ambos os agentes eram malucos; outros diriam que se quis significar simplesmente: tenham juízo! Mas quanto a isso a sentença é omissa, contentando-se com um discurso banal, de ordem subjectiva, é simplesmente opinativa. Nem se nos contraponha que uma determinada significação estaria implícita no juízo de apreciação realizado. Para os fins do Direito Penal, que persegue fundamentalmente a tutela de bens jurídicos, a concreta delimitação do objecto de valoração normativa (a que se segue a atribuição de uma qualificação e das correspondentes consequência jurídicas) reclama que o jogo das associações não seja deixado aos cuidados ou à vontade dos destinatários da sentença, nomeadamente em situações dominadas pela complexidade e a contingência. Não parece por isso que o discurso decisório se possa validamente refugiar em estruturas implícitas ou de simples ressonância factual.
A possibilitar o reexame por esta Relação, há alguns elementos concretos de reflexão. A actividade do tribunal de recurso trata de verificar se a regra da experiência adoptada pelo juiz e os cânones de raciocínio são idóneos para formar a convicção. Incide também nos erros sobre o acertamento dos dados de facto e na interpretação das resultantes processuais, no caso de a motivação estar aparentemente correcta mas nos factos incompatível com os elementos trazidos ao processo.
Ora, na multiplicidade das imagens possíveis, o que há de visível e mais impressivo é o alardear de importância do arguido que, inclusivamente, ao saber das origens regimentais de um dos guardas que o apanharam a conduzir em falta, logo se põe em bicos de pés, dizendo-se filho dum capitão da mesma arma. O significado “literal” do gesto de levar o indicador estendido à cabeça aparece dominado por um forte sentimento de ostentação. Isso mesmo fica até mais evidente se considerarmos a relação assimétrica de poder estabelecida com a intervenção dos dois agentes, o que permitiria situar a reacção do arguido numa simples estratégia de compensação narcisística, de (re)valorização da face. É a partir daí, desses pontos fortes, que se abre outro espaço de legibilidade e que outras perspectivas se nos afiguram redutoras. Já antes abordámos a questão dos graus de ofensa. Aludimos até aos muitos factores que determinam o “significado” das acções infamantes e vexatórias e a reacção que provocam. Reconheçamos agora que não existe, em absoluto, uma escala capaz de avaliar o peso de cada variável, de modo que a falta de indicações, tanto de intenções ameaçadoras ou agressivas por parte do arguido (pois não parece que este quisesse arranjar uma briga a todo o custo), como a ausência de um tom claramente insolente (ainda que possa ter reagido, em certo momento, com exaltação, que não vem quantificada), justificam que se negue ao gesto um claro sinal de desprezo ou de desdém para com os agentes autuantes ou que simplesmente, como fez a sentença, se lhe liguem inequívocas conotações negativas, de vexame ou engulho.
É hoje claro, de resto, o “estreitamento” da honra enquanto bem jurídico, a acompanhar “uma certa perda da sua importância relativa”, como escreve o Prof. Faria Costa. ( José de Faria Costa, Direito Penal Especial, Coimbra, 2004, pág. 104, que igualmente aponta para uma “verdadeira erosão interna” e para uma indesmentível “erosão externa” a que a honra tem sido sujeita. A grande civilização da injúria e da agressão verbal hoje reduziu-se ao papaguear de estereótipos medíocres, reconhece Italo Calvino, Ponto Final, pág. 368.) A ponto de já se ter decidido que o proferir da palavra maluco, no circunstancialismo estudado pelo acórdão da Relação do Porto de 7 de Dezembro de 2005, proc. nº 0515154, “não tem sem mais a virtualidade de ser considerada acção típica de um crime de injúrias, sendo mais uma expressão de falta de civismo, grosseria e mesmo de falta de educação ou cultura”. Nesse outro caso, uma tal expressão, ouvida de modo perfeitamente límpido, não terá passado, mesmo assim, de um simples “desafogo verbal”, que pode incomodar ou perturbar alguém, mas não chega para abalar a ordem jurídica.
Não é pois destituída de fundamento a pretensão recursória, parecendo-nos elementar que, em contrário do entendimento veiculado na sentença impugnada, se conclua pela não perigosidade da conduta atribuída na acusação ao arguido, por ser esta a explicação que se inscreve, de modo correcto, na linguagem do senso comum, discordando-se dela igualmente quando, em jeito puramente conclusivo, e no seguimento do que antes pusera em evidência, aponta para a consciência do ilícito. O arguido não pode deixar de ser absolvido do crime do artigo 181º do CP, por não ser a conduta típica.
Nestes termos, acordam em conceder provimento ao recurso.
Não são devidas custas.
Guimarães, 27 de Abril de 2006