Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1825/05-1
Relator: ANTÓNIO GONÇALVES
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/02/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1. Só quando o possuidor não perde o contacto com a coisa possuída, mas é meramente inquietado na sua posse por alguém não legitimado a fazê-lo, é que estamos em face de um acto de turbação da posse.
2. À requerente a quem foi efectivamente retirada a posse do direito de passar pelo caminho que lhe permitia a aceder ao seu prédio rústico e se estende no prédio dos requeridos onerado com um direito de servidão em benefício do prédio da recorrente, esta atitude assim tomada pelos recorridos constitui um acto de esbulho violento a merecer a sua imediata restituição.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:


"A", residente no lugar de ..., em Monção, nos termos do artigo 393º e segs. do CPC propôs providência cautelar especificada contra "B" e mulher "C", residentes também no referido lugar de ..., pedindo que se lhe ordene a restituição à posse do caminho de servidão identificado na p.i.

A fundamentar o seu pedido alega que os requeridos, na parte poente do seu prédio (nascente do prédio urbano da requerente), construíram um muro de forma a impedir que a requerente possa exercer o seu direito de passagem pelo caminho de acesso da casa de requerente ao seu prédio rústico situado mais a nascente, impossibilitando o trânsito pelo prédio que lhes pertence e, deste modo, ofendendo o direito da requerente consubstanciado na servidão de passagem que beneficia os seus prédios e onera o prédio dos requeridos.

Após a inquirição das testemunhas arroladas pela requerente, sem audiência prévia dos requeridos, o tribunal considerou provados os seguintes factos:
- A Requerente é dona e legitima possuidora dos seguintes bens imóveis, sitos no lugar de ..., concelho de Monção:
Prédio urbano, composto de casa de morada com dois pavimentos e duas divisões, com 158 m2 de área coberta e 20 m2 de descoberta, a confrontar de norte com Angelina D..., de sul com a Requerente e José A..., do nascente com Joaquim D... e do poente com Estrada Camarária, omisso na Conservatória do Registo Predial e inscrito no respectivo Serviço de Finanças de Monção sob o art. ...;
Prédio rústico, composto de cultura e vinha em cordão, com 860 m2, a confrontar de norte com Joaquim D..., de sul com caminho público, do nascente com Adelaide e de poente com Conceição dos A..., omisso na Conservatória do Registo Predial e inscrito no respectivo Serviço de Finanças de Monção sob o art.º ....
O prédio referido em 1) al. a) foi adquirido pela Requerente por via de sucessão, não titulada, de sua avó, em representação de sua mãe, há mais de 40 anos.
O prédio referido em 1) al. b) também foi adquirido pela Requerente por sucessão.
A Requerente, por si e seus antepossuidores, desde há mais de 20, 30 e 40 anos que sempre possuíram e possuem os referidos prédios.
Quer habitando, dormindo, confeccionando e tomando refeições e realizando obras de conservação e melhoramento da casa.
Quer cultivando milho, batatas, ervilhas e vinha no prédio rústico e colhendo as respectivas produções.
À vista de toda a gente, de dia e de noite, de forma ininterrupta, sem qualquer oposição, com exclusão de outrem, na fé de exercer um direito próprio e de ao assim agir estar a exercer o direito de propriedade incidente sobre os aludidos prédios, legitimamente adquirido, sendo por todos considerada sua proprietária.
Os Requeridos são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, composto de casa de morada, com dois pavimentos e rossios, sito no aludido lugar de ..., Concelho de Monção, a confrontar de norte com Manuel D..., de sul com caminho de consortes, de nascente com Manuel L... e de poente com a Requerente.
O prédio referido em 1) b) não tem acesso com a via pública.
A Requerente e seus antecessores, para aceder do seu prédio urbano ao prédio rústico e deste para o urbano, utilizou e utiliza uma faixa de terreno dos rossios do prédio dos Requeridos, com 1,50 m de largura, pelo menos, ao longo de uma extensão de cerca de 15 metros, que medeia entre o prédio referido em 1) a) e um caminho de consortes que dá acesso ao prédio rústico referido em 1) b).
A Requerente e seus antecessores passa, há mais de 20, 30, e 40 anos, pela aludida faixa de terreno a pé e dirigindo veículos de tracção animal.
Existindo nesse troço de terreno um trilho no qual são visíveis os sulcos criados pela circulação de pessoas e animais.
As pessoas transitavam a pé pelo prédio dos Requeridos, em qualquer época do ano, à vista de toda a gente, ininterruptamente, sem oposição dos Requeridos ou qualquer outra pessoa, tendo a Requerente, ao assim agir, a convicção de exercer um direito próprio.
A Requerente passava ainda com carro de bois no dito prédio, nos meses de Maio e Outubro, à vista de toda a gente, ininterruptamente, sem oposição dos Requeridos ou qualquer outra pessoa, tendo a Requerente, ao assim agir, a convicção de exercer um direito próprio.
Este prédio, pertencente aos Requeridos, está também obrigado à servidão de passagem a favor de outro prédio, pertencente a outra pessoa, localizado a norte do prédio da Requerente.
O prédio urbano da Requerente e o prédio dos Requeridos está delimitado por um muro em pedra com cerca de 1,20 m de altura;
Nesse muro existe uma abertura, ladeada de tranqueiros em pedra, com cerca de 2 m de largura, para aceder do prédio urbano da Requerente ao prédio dos Requeridos.
É a partir dessa entrada que a Requerente sempre penetrou no prédio dos Requeridos a fim de passar para o prédio rústico identificado no art. 1) b), deste requerimento.
Cruzando o terreno dos Requeridos a pé e com carros de bois.
Em Setembro do presente ano, os Requeridos decidiram vedar o terreno, onde se situa a passagem que dá acesso do prédio urbano da Requerente ao prédio rústico, através dum muro em pedra com cerca de 1 m de altura.
Os Requeridos construíram esse muro de forma a vedar por completo o terreno por onde passa a Requerente, deixando, apenas, uma abertura a nascente.
Os Requeridos, na parte poente do seu prédio, nascente do prédio urbano da Requerente, construíram o muro encostado ao muro ali existente, referido em 20), sem qualquer abertura para aceder à passagem situada no prédio deles.
Obstruindo por completo a entrada por onde a Requerente sempre acedeu ao trilho que conduz ao prédio que lhe pertence.
Os Requeridos, com a construção do muro, taparam o caminho de acesso da casa da Requerente ao seu prédio rústico, situado mais a nascente, impossibilitando o trânsito pelo prédio que lhes pertence.
Com a construção do muro, conforme supra referido, os Requeridos intimidaram a Requerente, sentindo-se ameaçada.

Em face deste circunstancialismo assim comprovado foi proferida decisão em que, julgando a providência procedente, ordenou que a requerente fosse restituída provisoriamente à posse sobre o caminho de servidão identificado na p.i. e, concretamente, no seu art. 13º, ordenou aos requeridos que removessem imediatamente a vedação que colocaram a impedir a passagem da requerente e proibiu os requeridos de, por qualquer modo, praticarem quaisquer actos capazes de turbar a posse e o direito de passagem da requerente.

Os requeridos deduziram oposição a esta providência cautelar de restituição provisória de posse e, produzida a prova apresentada, ficaram destarte comprovados os factos seguintes:
1) É falso que o prédio descrito em l. b) dos factos provados da decisão de 16/12/2004 não tenha qualquer acesso à via pública.
2) A requerente, para aceder do prédio urbano descrito em l. a) dos factos provados da decisão de 16/12/2004 ao prédio rústico identificado em l. b), tem um caminho devidamente alcatroado, no seu tramo inicial, e cimentado, já junto ao caminho de consortes que segue para o prédio rústico.
3) Tal caminho tem sensivelmente o mesmo comprimento daquele que vem referido em 10) dos factos provados da decisão de 16/12/2004.
4) Esse caminho foi feito em terreno dos requeridos e a expensas dos mesmos.
5) Tal caminho dá directamente do prédio descrito em l. a) para o caminho de consortes que depois desemboca no prédio descrito em l. b) e vice-versa, bem como verte da via pública para o dito caminho de consortes, que desemboca no prédio descrito em l. b) e vice-versa.
6) A requerente pode utilizar e utiliza esse caminho desde que ele foi feito, para transitar a pé, com animais e com veículos de tracção animal do prédio descrito em l. a) para o prédio descrito em l. b).
7) Os requeridos só construíram o dito muro bem como a restante vedação do quintal, porque pretendiam dessa forma alcançar privacidade no seu prédio e achavam que o faziam sem prejudicar ninguém.
8) A pessoa que anteriormente passava no caminho que atravessava o prédio dos requeridos, deixou de passar pelo mesmo e nada opôs a que os requeridos construíssem o muro e vedassem parte do prédio uma vez que estes lhe fizeram um outro caminho, pelo qual tem transitado.
9) Os prédios identificados em I. a) e I. b) têm actualmente caminho pelo prédio dos requeridos para que a requerente possa transitar de um para o outro e este caminho permite um trânsito a todas as horas do dia e da noite, durante todo ano, de carro, a pé, com animais, ou seja, sem qualquer restrições.
10) Por referência aos documentos constantes de fls. 32 da acção principal, a largura da entrada plasmada na foto n° I é de 3,60 metros e, por referência à foto n.° 2, a distância que vai desde a viga ao muro que divide o quintal de José A... é de 3 metros.
11) Um carro de bois passa perfeitamente no local, vindo dos dois sentidos possíveis.
12) Desde a realização da última audiência (23/02/2005), os requeridos alargaram a saída do "quinteiro" da requerente, destruindo a esquina de um "cortelho" pertencente a terceiro, de modo a facilitar a entrada de um carro de bois no mesmo.

Em face deste novo circunstancialismo verificado a Ex.ma Juíza, julgando procedente a oposição deduzida, revogou integralmente a decisão anteriormente proferida que havia decretado a restituição provisória da posse.

Inconformada com esta decisão recorreu a requerente "A" que alegou e concluiu do modo seguinte:
1. Resulta apodíctico que o direito de passagem da recorrente e seus antecessores é público, pacífico, ininterrupto, de boa-fé, exercido em nome próprio e onera o prédio dos requeridos;
2. Os recorridos unilateralmente taparam este caminho por onde a recorrente sempre passou;
3. Os recorridos construíram outro caminho, noutro local, por onde pretendem que a recorrente passe;
4. O procedimento cautelar de restituição provisória de posse foi deferido, mas a recorrente nunca foi investida na sua posse;
5. É nulo todo o processado posterior ao deferimento do procedimento cautelar, uma vez que depois de deferida a restituição provisória da posse o requerente tem que ser investido na posse para que o procedimento cautelar obtenha o efeito útil;
6. O decretamento da restituição consubstancia-se na imposição coerciva ao requerido da entrega material e efectiva da coisa esbulhada ao requerente;
7. No entanto, apesar de o Tribunal considerar e dar como assente que estavam verificados os pressupostos da restituição provisória da posse não investiu a recorrente na posse;
8. O tribunal recorrido notificou os recorridos da decisão e admitiu a oposição antes da investidura da posse;
9. O tribunal recorrido concluiu após a dedução da oposição pelos recorridos que não existiu esbulho, mas mera turbação do exercício da servidão;
10. Ora, a turbação do direito também é tutelado, não, através, do procedimento cautelar especificado, mas, através do procedimento cautelar não especificado;
11. Dos autos não resulta que os recorridos tivessem construído o novo caminho para passagem da recorrente e que atribuíssem o direito de passagem à recorrente através de um dos meios estatuídos na lei;
12. Nada garante à recorrente que os recorridos não tapem o novo caminho;
13. Daí que estejam verificados os requisitos do procedimento cautelar não especificado;
14. À recorrente, até à decisão da acção principal, deve ser atribuído o direito de passagem sobre o caminho que define no art. 13.º do requerimento inicial;
15. Devendo o mesmo caminho ser desimpedido, pois esse é que é o caminho a que a recorrente tem direito, conforme ficou provado;
16. À recorrente, se foi perturbada no exercício da servidão deve ser esse direito tutelado;
17. O tribunal recorrido, neste caso, deveria convolar o procedimento cautelar de restituição provisória de posse num procedimento cautelar não especificado e manter o caminho à recorrente;
18. A decisão recorrida violou os arts. 393°, 394, e 395° do CPC; e 1251°, 1277°, 1278, 1279, 1543°, 1547° e 1568° do C.Civil.
Termina pedindo que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que declare o procedimento cautelar de restituição provisória de posse procedente, conforme o decretado na decisão inicial; ou decida manter a recorrente, uma vez perturbada, no exercício do seu direito, na posse do caminho identificado no art. 13.º do requerimento inicial.

Contra-alegaram os recorridos pedindo a manutenção do julgado.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

Passemos então á análise das censuras feitas à decisão recorrida nas conclusões do recurso, considerando que é por aquelas que se afere da delimitação objectiva deste (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do C.P.C.).

A questão posta no recurso é a de saber se estão verificados os requisitos legalmente estatuídos para a procedência da restituição provisória de posse.

I. O possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse (art. 1279 do C.C.), através da providência cautelar prevista no art. 393° do C.P.C., alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.
De acordo com o art. 1251° do Código Civil, a posse é concebida como o poder de facto que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
A lei portuguesa veio consagrar, assim, a concepção subjectivista de posse (saliente-se, contudo, a tese defendida por Menezes Cordeiro no sentido de uma orientação objectivista do nosso Código Civil - in A Posse; Perspectivas Dogmáticas Actuais; pág. 54 e segs.), seguindo de perto Savigny (para quem a posse encontra a sua razão de ser e se justifica para salvaguardar a dignidade da pessoa humana e reprimir a violência), sendo possuidor aquele que, actuando por si ou por intermédio de outrem (art.1252.°, n.º l C.Civil), além do "corpus" possessório tem também o "animus possidendi" que se caracteriza pela intenção de exercer sobre a coisa um direito real próprio.
A posse é “o exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real (rectius: do direito real correspondente a esse exercício)- Orlando de Carvalho - “Introdução à Posse”, in R.L.J., ano 122º, pp. 104 e 105.
A detenção revela-se assim, como o “exercício de poderes de facto sem animus possidendi: com simples animus detinendi ou, como diz o artigo 1253º, sem intenção de agir como beneficiário do direito ( jus in re )” – Prof. Orlando de Carvalho ( in obra citada, p. 105 ).
Meros detentores ou possuidores precários - e não verdadeiros possuidores - são, pois, todos aqueles que exercem os poderes de facto “sem intenção de agir como beneficiários do direito” - al. a ) do art.º 1253º do C.C. - ou que “se aproveitam da tolerância do titular do direito” - al. b ) do mesmo preceito legal, ou que são meros “representantes ou mandatários do possuidor”, ou ainda “todos os que possuem em nome de outrem” - al. c ) do mesmo normativo.
Os meros detentores não podem adquirir originariamente o direito real por via da usucapião.
A esta situação de reunião dos dois elementos (corpus e animus) atribui a lei tutela jurídica, ligando-lhe determinados efeitos e concedendo-lhe meios de defesa (artigos. 1276º e segs. do C.C.).

Da análise do preceito do artigo 393.º do C.P.Civil resulta que, para que a pretensão do requerente da acção de restituição provisória de posse deva obter êxito, necessário se torna que alegue e prove a posse, o esbulho (que lhe foi retirada a posse que tinha sobre a coisa) e a violência (o actual possuidor usou de coacção física ou moral para a deter).
É matéria controvertida, tanto na doutrina como na jurisprudência, a questão de saber se, na caracterização da violência, esta tanto pode ser exercida sobre pessoas, como sobre as coisas, ou se o conceito deve ser limitado à coacção exercida sobre o possuidor.
A violência está definida no art. 1261°, n.º 2, do Código Civil, considerando-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do art. 255°.
Ora, de acordo com o n.º 2 do citado artigo, a ameaça integradora da coacção moral tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do esbulhado ou de terceiro.
Assim, não pode afastar-se liminarmente a relevância da acção do esbulhador sobre a coisa, havendo que analisar, em concreto, em que medida a violência exercida afecta a relação do possuidor com essa mesma coisa, adiantando-se que a caracterização como esbulho violento, para efeitos do disposto no artigo 1279º do Código Civil, não se limita ao uso da força física contra as pessoas, sendo ainda de considerar violento o esbulho quando o esbulhado fica impedido de contactar com a coisa face aos meios ou à natureza dos meios usados pelo esbulhador e, por isso, há-de considerar-se privado da posse, em virtude de acção violenta dos esbulhadores, exercida sobre a coisa, quem é impedido de usar e fruir um caminho onerado com servidão de passagem.
Na verdade e como comummente é entendido, deve também considerar-se violento o acto de esbulho quando o possuidor fica impedido de contactar com a coisa como resultado dos actos empregues pelo esbulhador.
Teremos de ter em atenção que uma acção concretizadora de esbulho se não pode confundir com um acto de turbação da posse, porquanto se, porém, o possuidor não perde o contacto com a coisa possuída, mas é meramente inquietado na sua posse por alguém não legitimado a fazê-lo, temos a turbação (Guerra da Mota; Acção Possessória; pág. 134).
Só de acções de restituição provisória de posse ou acções de esbulho violento se pode falar se o possuidor, mercê de acto violento, perde o contacto com a coisa possuída. Se o possuidor apenas for perturbado ou turbado na sua posse, pode ele recorrer a tribunal para nela ser mantido ou restituído (art.º 1278.º do C.Civil).
Porém, o meio processual a usar neste caso é a providência cautelar não especificada e preconizada pelo art.º 395.º do C. P Civil, seguindo-se os termos do procedimento cautelar comum previsto nos artigos 381.º e segs. do mesmo diploma legal.

II. O caso que ora apreciamos apresenta uma peculiar dimensão, qual seja a circunstância de os requeridos, muito embora tenham impedido a requerente de usufruir do direito de passagem que onera o seu prédio, servidão constituída por usucapião, construindo um muro em pedra com cerca de 1 m de altura de forma a vedar por completo o terreno por onde ela passava e deixando apenas uma abertura a nascente, igualmente diligenciaram no sentido de que à requerente não adviesse dano em consequência disso, edificando no seu terreno e a expensas suas um novo caminho sensivelmente do mesmo comprimento do primeiro onerado com a servidão, devidamente alcatroado no seu tramo inicial e cimentado, através do qual a requerente pode aceder do seu prédio urbano descrito em l. a) para o seu prédio rústico identificado em l. b).
Ponderando esta realidade assim detectada, a Ex.ma Juíza considera que estamos perante uma caso de mera turbação do exercício da servidão, pois que o que aconteceu foi tão-só uma alteração do local por onde a mesma se exercia, e, por isso, se não verifica o esbulho violento, pressuposto legal da pretendida restituição provisória da posse.
Não poderemos, todavia, sufragar este entendimento.
Sendo a posse um direito real autónomo com um regime legal específico que o faz distinguir dos restantes direitos reais de gozo, o juízo a fazer sobre se há ou não violação deste direito há-de ser aferido pelo acto ou facto cometido sobre a coisa possuída e assim legitimada por esta ocorrência jurídico-positiva.
Com esta anotação queremos asseverar que o que releva para se julgar se há ou não lugar à restituição provisória da posse violentamente ofendida é a de constatarmos se a “res” foi efectivamente desapossada do poder de quem a desfruta, pouco importando saber se o esbulhador pretendeu, unilateralmente, remediar o mal provocado com a cedência ao esbulhado de um igual ou até mais amplo direito que, objectivamente considerado, satisfaz as prerrogativas do possuidor.
Tendo como certo que é mutável o direito de servidão, designadamente mediante acordo das partes que se incluem nesta relação, também não poderemos deixar de frisar que a extinção da obrigação imposta ao titular do prédio serviente só depois de comprovada poderá ter validade relativamente ao dono do prédio dominante e que não tem esta dimensão e alcance quaisquer eventuais diligências do esbulhador no sentido de obviar à solução que resultou do esbulho praticado.
A restituição provisória da possa não visa afastar um perigo ou acautelar um dano ilicitamente advindo ao possuidor, mas antes dar protecção imediata e efectiva ao detentor esbulhado, deste modo se punindo o esbulhador com a medida de reposição da situação “quo ante” sem curar de saber se outra qualquer circunstância poderá justificar essa atitude.
Só quando o possuidor não perde o contacto com a coisa possuída, mas é meramente inquietado na sua posse por alguém não legitimado a fazê-lo, é que estamos em face de um acto de turbação da posse.
Ora, porque à requerente foi efectivamente retirada a posse do direito de passar pelo caminho que lhe permitia a aceder ao seu prédio rústico e se estende no prédio dos requeridos onerado com um direito de servidão em benefício do prédio da recorrente, a atitude assim tomada pelos recorridos constitui um acto de esbulho violento a merecer a sua imediata restituição.

III. Salienta a recorrida que, depois de deferida a restituição provisória da posse, o requerente tem que ser nela investido.
Esta afirmação está destituída de qualquer rigor jurídico-processual.
Na verdade, deduzindo os requeridos oposição à providência decretada nos termos e com a oportunidade conferida pelo disposto no art.º 388.º, n.º 1, b), do C.P.Civil, a decisão primeiramente proferida passa a ter carácter de provisoriedade, pois fica ferida de invalidade e ineficácia perante o requerido logo que em juízo é conhecida a oposição; e só a decisão que necessariamente se seguirá, nos termos do n.º 2 deste mesmo normativo (…o juiz decidirá da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada…), é que passa a ter natureza vinculativa e a constituir a decisão final no processo.

Pelo exposto, dando-se provimento ao agravo, revoga-se o despacho recorrido e, julgando-se a providência procedente, ordena-se que a requerente seja restituída provisoriamente à posse sobre o caminho de servidão identificado no art. 13º da petição inicial, ordena-se aos requeridos que removam imediatamente a vedação que colocaram a impedir a passagem da requerente e proíbem-se os requeridos de, por qualquer modo, praticar quaisquer actos capazes de turbar a posse e o direito de passagem da requerente.

Custas pelos recorridos.

Guimarães, 02 de Novembro de 2005.