Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
309/18.7T8PTL-C.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
LESÃO GRAVE
EFEITO DE DECISÃO PROFERIDA NOUTRO PROCESSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/29/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, e a obscuridade traduz os casos de ininteligibilidade. A estes vícios se refere a 2ª parte do nº1 do art. 615º do CPC;
II – Os procedimentos cautelares constituem instrumentos processuais destinados a prevenir a violação grave ou de difícil reparação de direitos, derivada da demora natural de uma decisão judicial.
III – No procedimento cautelar inominado constituem requisitos de verificação cumulativa: (i) o fundado receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação ao direito do requerente; (ii) a probabilidade séria da existência do direito ameaçado e (iii) a adequação da providência solicitada para evitar a lesão.
IV – A mera possibilidade de insucesso de um recurso interposto pelo requerente noutro processo, não constitui lesão grave que justifique procedimento cautelar inominado.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

X – ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA, com sede na Rua …, freguesia de …, concelho de Ponte de Lima (…), ora apelante, instaurou esta providência cautelar não especificada(1) contra M. C. e mulher M. R., residentes na Rua …, freguesia de …, concelho de Ponte de Lima (…), requerendo que, sem audiência prévia dos requeridos e com os fundamentos devidamente materializados em factos que descreve, fosse ordenada:

a) a suspensão provisória da sentença transitada em julgada proferida nos autos principais caso venha a ser julgado improcedente o recurso interposto para o STJ, até ao trânsito em julgado do recurso de revisão que a requerente vier a interpor se o requerido for condenado por sentença transitada em julgada no processo nº 786/17.3T9PTL que corre, actualmente, pela 1ª Secção do DIAP de Viana do Castelo, pela prática do crime de falsificação de documento previsto e punido pelas alíneas a) e c) do artigo 256 do Cód. Penal ou da sentença transitada em julgada que vier a ser proferida neste mesmo processo crime;
b) a apreensão da caução no valor de € 32.400,00 prestada nos autos principais a produzir efeitos somente após o trânsito em julgado podendo a mesma ser reforçada caso venha a ser declarada insuficiente.
Mais requereu, nos termos do nº 1 do art. 369º do CPC, a inversão do contencioso.

Aberta conclusão, em despacho liminar, por se ter entendido não ter sido indicado qualquer fundamento para a não audiência prévia dos requeridos, foi ordenada a citação dos mesmos para deduzirem oposição, querendo.

Os requeridos deduziram oposição, requerendo que o presente procedimento cautelar não especificado fosse julgado totalmente improcedente por não provado com as consequências legais.

Tendo sido feita expressa menção na conclusão que então foi aberta ao processo que igualmente correra naquele Juízo Local Cível sob o nº 428/20.0T8PTL, com decisão já transitada em julgado, em tudo conexo com o presente, após os autos terem sido instruídos com certidão do referido procedimento cautelar, foi proferida, em 13-08-2020, a decisão recorrida, cujo teor é o seguinte:
DESPACHO FINAL
O presente despacho assenta nos mesmos pressupostos avançados pelo signatário no procedimento n.º 428/20.0T8PTL, cujos factos, com pontuais alterações a que atentamente se atentou, são, no essencial, os mesmos dos aqui em apreciação (essa a razão do despacho de 13.7.2020).
Nesse procedimento n.º 428/20.0T8PTL foi liminarmente indeferida a providência, pela sua manifesta improcedência.
Desta feita, é também pela manifesta improcedência das providências pretendidas que se decidirá. A diferença reside somente na circunstância de que nestes autos, dado o seu estado, se ficcionará que toda a matéria alegada no requerimento inicial está demonstrada.
Dito isto:
Pretende a requerente:
- a suspensão provisória da sentença proferida pela 1ª instância transitada em julgado no processo principal (caso venha a ser julgado improcedente o recurso para o STJ) até ao trânsito em julgado do recurso de revisão que a requerente venha a interpor se o requerido for condenado (por sentença transitada em julgado, pela prática do crime de falsificação de documento previsto e punido pelas alíneas a) e c) do artigo 256 do Código Penal;
- a apreensão da caução no valor de € 32.400,00, prestada nos autos principais a produzir efeitos após o trânsito em julgado do mesmo.”
De acordo com o seu próprio relato, a requerente acredita que a sentença proferida em 1.ª instância no processo n.º 309/18.7T8PTL, entretanto confirmada pela Relação de Guimarães, na qual foi condenada a pagar ao aqui requerido a quantia de €30.000,00 acrescida de juros, não será revogada pelo Supremo Tribunal de Justiça (para onde recorreu da decisão da Relação), mas acredita também que o autor dessa ação acabará condenado em processo-crime (ainda em fase de inquérito), condenação que, por sua vez, habilitará a requerente a apresentar recurso de revisão nesse tal processo em que não acredita ter vencimento junto do STJ.
Ademais, e porque acredita no sucesso do recurso de revisão do acórdão proferido no processo principal (ainda não transitado e na mesma medida em que não acredita no sucesso do recurso interposto para o STJ), pretende ver “apreendida” a caução que no processo principal prestou com o fito de obter efeito suspensivo da decisão da primeira instância.
E todos estes pedidos – o da suspensão provisória da sentença [?], já confirmada pela Relação de Guimarães, que o condenou no pagamento de quantia certa; e o de apreensão da caução que voluntariamente prestou para obter efeito suspensivo da sentença – a requerente dedu-los aqui, em procedimento cautelar autónomo.
Ora, as decisões judiciais e, naturalmente, os efeitos que as mesmas produzem na ordem jurídica, só podem ser impugnadas por meio de recurso (artigo 627.º, 1 do CPC). Este tribunal (o que julga este apenso) não está numa posição de superioridade hierárquica em relação a qualquer outro tribunal (e muito menos em relação à Relação de Guimarães ou ao STJ) e, nessa medida, não lhe é permitido suspender, provisoriamente ou não, os efeitos das decisões judiciais já proferidas.
Pela mesma razão, não pode este tribunal (o tribunal que julga este apenso) alterar os pressupostos e efeitos decorrentes de uma caução prestada no processo principal.
Se a aqui requerente entende que está perante questão prejudicial (o tal processo-crime em fase de inquérito), então terá de convencer o tribunal do processo 309/18.7T8PTL dessa mesma prejudicialidade (o tribunal é, neste caso, a Relação de Guimarães ou o STJ). Não pode é fora do mecanismo da sindicância das decisões judiciais – fora, portanto, do mecanismo dos recursos – alterar os efeitos de decisões proferidas em processos diferentes do presente apenso.
Não pode igualmente, por via de mecanismos pretensamente cautelares, obter efeitos jurídicos diferentes (e antagónicos) daqueles que o processo civil atribui aos seus próprios atos (aqui, a propósito, dos efeitos que agora pretende ver atribuídos à caução que em tempos prestou).
Pelo exposto, decide-se, dada a manifesta improcedência das providências requeridas, indeferir o presente procedimento cautelar e, em consequência, dele absolver os requeridos dos pedidos cautelares.
Custas pela requerente - artigo 527.º, 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Fixo o valor da causa em € 32.400,00 (o indicado pela requerente).
Registe e notifique.”.
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Inconformada com essa decisão, a Requerente interpôs recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1. Na decisão recorrida foi decidido “indeferir o presente procedimento cautelar e, em consequência, dele absolver os requeridos dos pedidos cautelares”;
2. Discordamos da decisão recorrida porque consideramos que deveria ter sido ordenado o prosseguimento dos autos;
3. Nos termos da alínea b) nº 1 do artigo 615 do Cód. Proc. Civil, “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”;
4. O nº 1 do artigo 205 da Constituição da República Portuguesa estabelece que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”;
5. Prevê o nº 1 do artigo 154 do Cód. Proc. Civil que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”;
6. Consideramos que a fundamentação da decisão recorrida é deficiente por não assentar em quaisquer preceitos legais;
7. Desconhecemos quais as normas legais violadas pela recorrente;
8. A fundamentação da decisão recorrida contraria os factos alegados na petição e o pedido formulado pela recorrente;
9. Facto que constitui à luz do disposto na parte final da alínea c) nº 1 do artigo 615 do Cód. Proc. Civil, uma nulidade da decisão recorrida;
10. Estamos perante uma decisão ininteligível;
11. Pela fundamentação da sentença recorrida constatamos que o Meritíssimo Juiz “a quo” não entendeu a finalidade do procedimento cautelar;
12. Contrariamente ao afirmado na decisão recorrida, desconhecemos se o recurso interposto nos autos principais, para o STJ, será julgado procedente ou improcedente;
13. Contrariamente ao afirmado na decisão recorrida, desconhecemos se, no processo nº 786/17.3T9PTL – 1ª Secção do DIAP de Viana do Castelo, será deduzida acusação contra o recorrido, pela prática de um crime de falsificação de documento;
14. Contrariamente ao afirmado na decisão recorrida, desconhecemos se, no processo nº 786/17.3T9PTL caso venha a ser deduzida acusação, o recorrido será condenado pela prática de um crime de falsificação de documento;
15. Contrariamente ao afirmado na decisão recorrida, desconhecemos, caso o recurso interposto para o STJ, nos autos principais, venha a ser julgado improcedente, se o recurso de revisão que vier a ser interposto após trânsito em julgado da sentença que vier a condenar, eventualmente, o recorrido, pela prática de um crime de falsificação de documento, será julgado procedente;
16. A recorrente acredita, no entanto, no recurso que interpôs para o STJ;
17. Fê-lo por entender que a 2ª instância fez uma interpretação incorrecta do nº 2 do artigo 374 do Cód. Civil e do nº 2 do artigo 445 do Cód. Proc. Civil;
18. Entendemos que a 2ª instância não pode, para fundamentar a não alteração dos factos provados e dos factos não provados, socorrer-se de um documento que não foi validado pela 1ª instância, como meio de prova;
19. Requereu por isso, a recorrente, a revogação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães e a sua substituição por outro que declare que “não pode constituir meio de prova, um documento que não foi admitido como tal pela 1ª instância devendo ser ordenado que o processo baixe à 2ª instância para a prolacção de acordão”;
20. Não é verdade que “a requerente acredita que a sentença proferida em 1.ª instância no processo n.º 309/18.7T8PTL, entretanto confirmada pela Relação de Guimarães, na qual foi condenada a pagar ao aqui requerido a quantia de € 30.000,00 acrescida de juros, não será revogada pelo Supremo Tribunal de Justiça (para onde recorreu da decisão da Relação)”;
21. Não é verdade que “acredita também que o autor dessa ação acabará condenado em processo-crime (ainda em fase de inquérito), condenação que, por sua vez, habilitará a requerente a apresentar recurso de revisão nesse tal processo em que não acredita ter vencimento junto do STJ”;
22. Não é verdade que “acredita no sucesso do recurso de revisão do acórdão proferido no processo principal (ainda não transitado e na mesma medida em que não acredita no sucesso do recurso interposto para o STJ)”;
23. Tal como foi decidido em Conselho de Ministros que o país entrará em Estado de Contingência a partir do dia 15 de Setembro de 2020 também a recorrente intentou o presente procedimento cautelar caso o STJ venha, eventualmente, a confirmar a sentença proferida pela 1ª instância nos autos principais;
24. A presente providência cautelar tem carácter preventivo;
25. A recorrente apresentou nos presentes autos, um quadro hipotético que abrange dois processos que se encontram, actualmente, pendentes e a um outro que poderá ou não, vir a ser instaurado;
26. Se, nos autos principais, o STJ der razão à recorrente e revogar a sentença proferida pela 1ª instância, este quadro hipotético nem sequer se coloca;
27. Tal como a contingência requer que sejam tomadas medidas atempadas também, no caso em apreço, impõe-se à recorrente, tomar medidas caso o recurso para o STJ não seja julgado procedente;
28. A recorrente teme que, caso o STJ não lhe dê razão, nos autos principais, a revogação dessa sentença que vier, eventualmente, a ser declarada na sequência da interposição do recurso de revisão, não surta quaisquer efeitos por não conseguir recuperar o montante que, eventualmente, vier a pagar;
29. Tal constituirá para a recorrente, um enorme prejuízo financeiro;
30. Foi e está a ser cumprido nos autos principais, pela recorrente, o disposto no nº 1 do artigo 627 do Cód. Proc. Civil;
31. A recorrente impugnou a decisão proferida pela 1º instância por meio de recurso não tendo sido ainda proferida uma sentença transitada em julgado;
32. Nos autos principais, a recorrente prestou caução com vista à atribuição de efeito suspensivo ao recurso que interpôs quer para o Tribunal da Relação de Guimarães quer para o STJ;
33. Por despacho proferido em 8 de Julho de 2019, foi a mesma julgada validamente prestada;
34. Com o trânsito em julgado dos autos principais, a caução prestada pela recorrente perde a função para a qual foi prestada;
35. Nunca se tratará de “alterar os pressupostos e efeitos decorrentes de uma caução prestada no processo principal” tal como vem afirmado na decisão recorrida;
36. O quadro delineado na petição, visa produzir efeitos após o trânsito em julgado dos autos principais;
37. Se o STJ der, eventualmente, razão à recorrente, o aludido quadro hipotético nem sequer se coloca e a caução ser-lhe-á devolvida;
38. Se, eventualmente, tal não acontecer, a caução poderá também lhe ser devolvida porém neste caso e de modo, a evitar a instauração de uma execução para pagamento de quantia certa, dada a pendência do inquérito nº 786/17.3T9PTL - 1ª Secção do DIAP de Viana do Castelo, a recorrente deverá nessa altura, optar pelo pagamento da quantia de € 30.000,00 acrescida de juros de mora ou pela prestação espontânea de caução prevista no artigo 913 do Cód. Proc. Civil;
39. Neste caso concreto, é a recorrente a requerer, no presente procedimento cautelar que, após o trânsito em julgado dos autos principais e caso o STJ não decida a seu favor, que a caução que prestou para a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, em vez de lhe ser devolvida, que a mesma fique à ordem dos autos principais até ao trânsito em julgado do processo crime nº 786/17.3T9PTL que corre, actualmente, pela 1ª Secção do DIAP de Viana do Castelo ou até ao trânsito em julgado do recurso de revisão caso o recorrido venha a ser condenado por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de falsificação de documento oferecendo-se a reforçá-la se vier a ser declarada insuficiente;
40. Contrariamente ao declarado na decisão recorrida, o pedido formulado pela recorrente não põe em causa “os mecanismos da sindicância das decisões judiciais”;
41. Neste momento, está pendente nos autos principais, o recurso interposto pela recorrente, para o STJ;
42. Esta não pretende, de todo, caso o acórdão do STJ não lhe seja favorável, deixar de cumprir a sentença proferida pela 1ª instância transitada em julgado;
43. O que pretende é que a caução que foi prestada nos autos principais com vista a atribuir efeito suspensivo ao recurso, passe a ser prestada espontaneamente ao abrigo do artigo 913 do Cód. Proc. Civil com vista a impedir a instauração do processo executivo até ao trânsito em julgado do processo crime nº 786/17.3T9PTL que corre, actualmente, pela 1ª Secção do DIAP de Viana do Castelo ou até ao trânsito em julgado do recurso de revisão de sentença caso o recorrido venha a ser condenado por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de falsificação de documento;
44. Tal suspensão não constitui para o recorrido, nenhum prejuízo patrimonial uma vez que o seu direito estará sempre assegurado pela caução que poderá, nos termos do artigo 626 do Cód. Civil, a todo o tempo, ser reforçada se se vier a decidir que a mesma é insuficiente;
45. A decisão recorrida resulta assim, de uma interpretação incorrecta dos presentes autos tornando a mesma ininteligível fazendo consignar que apresenta uma fundamentação deficiente por não mencionar quaisquer preceitos legais que nos permite conhecer as normas jurídicas que alegadamente, foram violados pela recorrente;
46. A decisão recorrida violou as seguintes disposições legais:
- artigo 205 nº do Constituição da República Portuguesa;
- artigos 154 nº 1 e 615 nº 1 c) do Cód. Proc. Civil.

PEDIDO
Em face do exposto e do mais que, muito doutamente se suprirá, deve a presente apelação ser julgada procedente e, consequentemente, deve revogar-se a decisão recorrida e substituir-se a mesma, por decisão que ordene o prosseguimento dos autos.
ASSIM SE FARÁ INTEIRA JUSTIÇA
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Não consta dos autos terem sido apresentadas contra alegações.
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O Exmo Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Foram facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos.
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Nas alegações recursórias que apresentou, a apelante argui nulidades da decisão recorrida, em virtude de tal acto decisório enfermar de vícios previstos nas als. b) e c) do nº 1 do art. 615º do CPC.
Não se tendo a Mmª juiz a quo pronunciado expressamente sobre os apontados vícios formais, como dispõe o art. 617º/1 do citado diploma, face à simplicidade das questões suscitadas e face aos elementos que constam dos autos, nos termos do nº 5 da já referida norma, não se mostra indispensável ordenar a baixa dos autos para a apreciação das nulidades.
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Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, esta pretende que:

I - se declare nula a decisão recorrida, por falta de fundamentação;
II - se declare nula a decisão recorrida, por ser ininteligível;
III - se revogue a decisão recorrida e se substitua por outra que ordene o prosseguimento dos autos.
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3OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Tendo em conta o enquadramento supra exposto, há, então, que proceder à apreciação das questões suscitadas no recurso.

I – Da nulidade da decisão, por falta de fundamentação - art. 615º/1, b) do Código de Processo Civil

Assim o prescreve o art. 615°/1, b) do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Alega a apelante existir falta de fundamentação na decisão ora em recurso, na medida em que o tribunal a quo não a faz assentar em quaisquer preceitos legais, desconhecendo quais as normas legais violadas pela recorrente.
Como é sabido, constitui entendimento pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que, na arguição desta nulidade, importa distinguir entre a falta absoluta de motivação e a motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação. A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser alterada ou revogada em recurso, mas não produz a nulidade.
Só enferma, pois, de nulidade a sentença em que se verifique a falta absoluta de fundamentos, seja de facto, seja de direito, que justifiquem a decisão e não aquela em que a motivação é deficiente.
Neste sentido, relativamente à fundamentação de facto, só a falta de concretização dos factos provados que servem de base à decisão, permite que seja deduzida a nulidade da sentença/acórdão.
Quanto à fundamentação de direito, “o julgador não tem de analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes: a fundamentação da sentença/acórdão contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador” (2).

No caso dos autos, diremos que, salvo o devido respeito, esta arguição de nulidade só se pode compreender como fruto de uma incompleta leitura da decisão recorrida, ou, em qualquer caso, por equívoco ou deficiente compreensão da mesma. É que, se bem compulsada for tal decisão, não pode deixar de se constatar que inexiste a questão em referência, tendo fundamentado o Tribunal a quo a decisão de indeferir o presente procedimento cautelar, na manifesta improcedência das providências requeridas, pois os pedidos que são feitos - o da suspensão provisória da sentença [?], já confirmada pela Relação de Guimarães, que o condenou no pagamento de quantia certa; e o de apreensão da caução que voluntariamente prestou para obter efeito suspensivo da sentença - decorrem de decisões judiciais e dos efeitos que as mesmas produzem na ordem jurídica, só podendo aquelas ser impugnadas por meio de recurso (artigo 627.º, 1 do CPC). E acrescenta que se a aqui requerente entende que está perante questão prejudicial (o tal processo-crime em fase de inquérito), então terá de convencer o tribunal do processo 309/18.7T8PTL dessa mesma prejudicialidade (o tribunal é, neste caso, a Relação de Guimarães ou o STJ). Não pode é fora do mecanismo da sindicância das decisões judiciais – fora, portanto, do mecanismo dos recursos – alterar os efeitos de decisões proferidas em processos diferentes do presente apenso.
Tanto basta para se poder seguramente concluir que a decisão recorrida não padece da invocada nulidade.

II – Da nulidade da decisão, por se verificarem ambiguidades que a tornam ininteligível - art. 615º/1, c) do Código de Processo Civil

Entende a recorrente que a decisão em causa no recurso, por ser ininteligível, é nula à luz do disposto na parte final da al. c) nº 1 do art. 615º do CPC, pois a fundamentação da decisão recorrida contraria os factos alegados na petição e o pedido formulado pela recorrente. E isto porque, pela fundamentação da sentença recorrida constatamos que o Meritíssimo Juiz “a quo” não entendeu a finalidade do procedimento cautelar.
Quid iuris?

O art. 615º/1, c) do CPC dispõe que a sentença é também nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Para Alberto dos Reis, esta nulidade verifica-se «quando a sentença enferma de vício lógico que a compromete (…)», quando «a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto» (3).
A lei refere-se aqui «à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) Nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, 1, c) [correspondendo, na redação atual, ao artigo 615.º, 1, c)], há um vício real de raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direção diferente» (4).
A nulidade em questão verifica-se quando a fundamentação do despacho aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se e, enquanto vício de natureza processual, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal – ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente.
A nulidade referida no art. 615º/1, c) do CPC está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154º e 607º/3 e 4, de o Juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a Sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor), não ocorrendo essa nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou da sua interpretação.
Não estando in casu em causa a situação da 1ª parte do nº1 do art. 615º do CPC, já que a recorrente não alega qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, passemos, pois, à apreciação da alegada nulidade referente à 2ª parte.
Ora, quanto à 2ª parte do nº1 do art. 615º do CPC, como ensina Remédio Marques (5), “a ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos”, e “a obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrinas dominantes, traduz os casos de ininteligibilidade da sentença”.
Posição idêntica é manifestada por Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (6), referindo “o pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos)”.
Ora, aqui, é bem de ver que inexiste qualquer obscuridade ou ambiguidade da sentença, a não ser na perspectiva da recorrente, sendo inequívoco o sentido da decisão e dos seus fundamentos, não se mostrando ininteligível, pois lendo os seus fundamentos é de fácil compreensão.
Na verdade, a recorrente não aponta à decisão qualquer ambiguidade ou obscuridade, antes discorda da decisão por pensar que o Meritíssimo Juiz “a quo” não entendeu a finalidade do procedimento cautelar. Todavia, o que se parece verificar é que foi ela que não entendeu a decisão ou o que nela foi dito, discorrendo sobre situações hipotéticas que pretende acautelar, sem aceitar não ser possível fora do mecanismo da sindicância das decisões judiciais – fora, portanto, do mecanismo dos recursos – alterar os efeitos de decisões proferidas em processos diferentes do presente apenso.

Improcede, pois, nesta parte o recurso, dado que não se verificam as invocadas nulidades que afectariam a decisão recorrida.

III – Revogação da decisão recorrida

Como já resulta das questões anteriormente apreciadas, não merece qualquer reparo a decisão do Tribunal a quo que decidiu pela manifesta improcedência das providências requeridas, pois só podemos concordar com os assertivos argumentos expendidos pelo Sr. Juiz a quo, que, a fim de evitar repetições e porque já supra transcritos, aqui subscrevemos e damos por integralmente reproduzidos.
Acresce que também não se encontravam preenchidos os requisitos necessários ao decretamento do procedimento cautelar comum apresentado pela requerente.
Efectivamente, como se sabe, os procedimentos cautelares constituem instrumentos processuais destinados a prevenir a violação grave ou de difícil reparação de direitos, derivada da demora natural de uma decisão judicial.
Representam, por isso, uma garantia de eficácia, em relação à decisão a proferir no processo principal. Decorre da necessidade desta eficácia, a urgência do processo de providência cautelar e concomitantemente, a análise apenas sumária da situação de facto, “summaria cognitio”, de forma a fazer-se um mero juízo sobre a provável existência do direito, “fumus boni juris”, e o receio justificado da necessidade da providência, de forma a evitar que o direito seja seriamente afectado ou até inutilizado “periculum in mora”.
Como refere António Geraldes, in “Temas da Reforma de Processo Civil”, III Vol. pág. 35, os procedimentos cautelares “são, afinal, uma antecâmara do processo principal, possibilitando a emissão de uma decisão interina ou provisória destinada a atenuar os efeitos erosivos decorrentes da demora na resolução definitiva ou a tornar frutuosa a decisão que, porventura, seja favorável ao requerente”.

O art. 362º do CPC, que se pronuncia sobre o Âmbito das providências cautelares não especificadas, dispõe que:

1 - Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
2 - O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.
3 - Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte.”.

Constituem, pois, requisitos, de verificação cumulativa, das providências cautelares inominadas, os seguintes: (i) o fundado receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação ao direito do requerente; (ii) a probabilidade séria da existência do direito ameaçado e (iii) a adequação da providência solicitada para evitar a lesão.

In casu, o requerido procedimento situa-se no espaço das providências cautelares comuns não especificadas, uma vez que não se subsume a nenhuma das providências cautelares tipificadas no Capítulo II, do Titulo IV, do Código de Processo Civil (cfr. art. 362º/3 do CPC).

A requerente/recorrente deduziu o presente procedimento cautelar comum não especificado, pedindo:

a) a suspensão provisória da sentença transitada em julgada proferida nos autos principais caso venha a ser julgado improcedente o recurso interposto para o STJ, até ao trânsito em julgado do recurso de revisão que a requerente vier a interpor se o requerido for condenado por sentença transitada em julgada no processo nº 786/17.3T9PTL que corre, actualmente, pela 1ª Secção do DIAP de Viana do Castelo, pela prática do crime de falsificação de documento previsto e punido pelas alíneas a) e c) do artigo 256 do Cód. Penal ou da sentença transitada em julgada que vier a ser proferida neste mesmo processo crime;
b) a apreensão da caução no valor de € 32.400,00 prestada nos autos principais a produzir efeitos somente após o trânsito em julgado podendo a mesma ser reforçada caso venha a ser declarada insuficiente.

Ora, desde logo não existe qualquer periculum in mora, pois o suposto perigo decorrerá do Acórdão que julgue improcedente o recurso interposto pela requerente para o STJ. Ou seja, ao contrário da previsibilidade legal, o presente procedimento cautelar não se destina a prevenir a violação do direito ameaçado do requerente derivada da demora natural de uma decisão judicial, mas antes decorre do perigo que resulta da prolação dessa decisão, pois enquanto não houver decisão não existe qualquer perigo (!). Não se justifica, pois, o recurso a um procedimento cautelar comum não especificado para acautelar o efeito decorrente do trânsito em julgado de uma decisão proferida em processo diferente.
Além disso, porque o pedido de suspensão provisória constante da al. a) depende do insucesso do recurso por si interposto para o STJ, antevendo tal desfecho, na medida em que não acredita no sucesso do referido recurso que interpôs, tem que se imputar ao Tribunal Superior a autoria da lesão grave e de difícil reparação ao direito do requerente que pretende acautelar com o presente procedimento cautelar. E isto porque, caso o recurso por si interposto para o STJ venha a ser julgado procedente, os pedidos aqui deduzidos não têm razão de ser, pois inexistirá o direito ameaçado. Pretendendo, pois, através do presente procedimento cautelar, evitar o trânsito em julgado de tal decisão, suspendendo os seus efeitos. Assim sendo, são os requeridos completamente alheios à verificação dos requisitos do procedimento cautelar, na medida em que se imputam os mesmos ao desfecho do recurso. Nunca se encontrariam, pois, assim preenchidos os requisitos necessários ao decretamento do procedimento cautelar comum apresentado pela requerente, na medida em que a mera possibilidade de insucesso do recurso não constitui lesão grave que justifique procedimento cautelar inominado.

Termos em que, tudo considerado, dada a manifesta improcedência das providências requeridas como assertivamente exposto pelo Sr. Juiz a quo na decisão recorrida e por considerarmos que também não se encontravam preenchidos os requisitos necessários ao decretamento do procedimento cautelar comum apresentado pela requerente, improcede o recurso de apelação.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – A ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, e a obscuridade traduz os casos de ininteligibilidade. A estes vícios se refere a 2ª parte do nº1 do art. 615º do CPC;
II – Os procedimentos cautelares constituem instrumentos processuais destinados a prevenir a violação grave ou de difícil reparação de direitos, derivada da demora natural de uma decisão judicial.
III – No procedimento cautelar inominado constituem requisitos de verificação cumulativa: (i) o fundado receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação ao direito do requerente; (ii) a probabilidade séria da existência do direito ameaçado e (iii) a adequação da providência solicitada para evitar a lesão.
IV – A mera possibilidade de insucesso de um recurso interposto pelo requerente noutro processo, não constitui lesão grave que justifique procedimento cautelar inominado.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 29-10-2020

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)



1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, P.Lima - JL Cível
2. Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, página 688.
3. Cfr. “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, 1984, volume V, página 141.
4. Vd. neste sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1.ª edição, página 689.
5. In “Ação Declarativa À Luz Do Código Revisto”, 3.ª Edição, pág. 667.
6. In Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 693.