Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
481/11.7TBCMN.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENDAS
NÃO PAGAMENTO
MORA
RESOLUÇÃO
ACÇÃO DE DESPEJO
COMUNICAÇÃO AO ARRENDATÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. Em caso de não pagamento de rendas por parte do arrendatário, pode o senhorio operar a resolução por via de acção declarativa, pela correspondente acção de despejo nos termos do art.º 14º da NRAU ( Lei n.º 6/2006 de 27/2 ), e, ainda, em caso de mora superior a três meses no pagamento de renda, encargos ou despesas, através de comunicação ao arrendatário, nos termos do n.º1 do art.º 1084º do Código Civil e art.º 9º-n.º7 da citada Lei n.º 6/2006, sendo optativo este meio extrajudicial de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas previsto no NRAU ( cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 6/5/2010 ).
II. “A necessidade de recorrer às vias judiciais, como substractum do interesse processual, não tem de ser uma necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada.”- Prof. A. Varela, in Manual de Processo Civil, pg. 170.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Modesto e mulher, Maria Rodrigues, instauraram acção declarativa de condenação, com processo sumário, nº 481/11.7TBCMN, do Tribunal Judicial de Caminha, contra João e outros, pedindo se declare resolvido o contrato de arrendamento referente ao prédio urbano, sito no lugar do Castanheirinho, freguesia de Venade, concelho de Caminha, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo nº 4…, destinado exclusivamente a habitação, decretando-se a resolução do contrato de arrendamento, condenando-se os primeiros Réus a despejar imediatamente o locado e condenando-se todos os Réus a pagar solidariamente aos autores a quantia de € 1000,00 de rendas vencidas, e ainda as rendas vincendas até à resolução do contrato de arrendamento, bem como o dobro da renda a partir do momento da constituição em mora quanto à entrega do locado, alegando, em síntese que tendo dado de “arrendamento” aos Réus, por contrato celebrado a 1 de Fevereiro de 2010 o citado imóvel, mediante o pagamento da “renda” mensal de € 250,00, os primeiros Réus não pagaram as rendas relativas aos meses de Junho a Setembro de 2011, que totalizam o montante de € 1000,00.
Citados regularmente, os contestaram os primeiros Réus a acção por excepção, invocando a falta de interesse em agir dos Autores, e, concluem pedindo sejam os Réus absolvidos da instância por procedência da invocada excepção dilatória inominada.
Os Autores apresentaram réplica, pugnando pela improcedência da invocada excepção dilatória.
Foi proferido despacho saneador-sentença, no qual, julgando-se improcedente a excepção dilatória deduzida e conhecendo-se do mérito da causa, decidiu o Mº Juiz “ a quo “ julgar a acção procedente, nos seguintes termos: “Julgo a presente acção totalmente procedente por provada e, em consequência:
a) decreto a resolução do contrato de arrendamento do prédio prédio urbano, sito no lugar do Castanheirinho, freguesia de Venade, concelho de Caminha, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo nº 4…, destinado exclusivamente a habitação.
b) condeno os primeiros réus a entregar imediatamente ao autor o arrendado, livre e desocupado de pessoas e coisas;
c) condeno os primeiros e segundo réus a pagar aos autores as rendas já vencidas e não pagas, no montante de 1.000,00 Euros, bem como as rendas vencidas na pendência da acção até efectiva entrega do arrendado.
d) condeno os primeiros e segundo réus a pagar aos autores o dobro da renda a partir do momento da constituição em mora quanto à entrega do locado”.
Inconformados viram recorrer os Réus, interpondo recurso de apelação.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

Nas alegações de recurso que apresentam, os apelantes formulam as seguintes conclusões:
1.- Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo que decretou a resolução do contrato de arrendamento, tendo condenado o R., entre outras, a entregar imediatamente ao A. o arrendado.
2.- Na base de tal decisão está o entendimento do Meritíssimo Juiz a quo que considerou que, “(…) por não existir qualquer obrigação legal do autor recorrer à via extrajudicial para cessação do contrato de arrendamento
com fundamento na falta de pagamento de renda, não existe igualmente falta de interesse em agir por parte dos autores, pelo que improcede a invocada excepção. “, na medida em que “(…) Os autores pretendem ainda a condenação solidária dos réus e fiador no pagamento das rendas vencidas e vincendas, solidariedade essa que não teria cobertura caso se optasse pela via extrajudicial.”, o que não corresponde ao entendimento, entre outros, do ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, DE 30-04-2009 (PROC. 5967/08.8).
3.- Não suscita dúvidas que o arrendamento em causa está integralmente submetido às disposições do NRAU, por isso que foi celebrado já em plena vigência de tal novel regime.
4.- A forma legalmente prevista para fazer cessar o contrato arrendamento por resolução do senhorio em caso como o vertente (falta de pagamento da renda por mais de três meses) é a indicada no nº 1 do art. 1084º do CC: mediante comunicação à contraparte.
5.- O modo como se processa a comunicação está estabelecido no nº 7 do artº 9º da Lei nº 6/06.
6.- Há quem entenda, todavia, que está também autorizado o recurso concomitante à acção judicial, mas nós pensamos que a letra da lei são claros no sentido de que, em princípio, a resolução é para ser feita valer extrajudicialmente ou por notificação judicial avulsa. E dizemos “em princípio” porque bem pode suceder que não se logre fazer a comunicação na forma prevista na lei, caso em que necessariamente se tem de admitir o recurso à acção judicial.
Donde, a menos que o demandante senhorio alegue factos (ou seja, que não se logrou efectuar a comunicação nos termos indicados na supra citada norma) que legitimem o recurso à arma judicial, a conclusão a retirar é de que carece de interesse em agir em juízo, com a consequente absolvição dos demandados da instância.
7.- E isto em nada contende com o art. 20º da CRP, pela simples e lógica razão de que só se pode falar de impedimento de acesso aos tribunais quando, precisamente, haja necessidade de acesso aos tribunais para defesa de direitos e interesses para que se necessite de acção judicial…
8.- A circunstância de haver um fiador de permeio em nada altera os dados da questão, contrariamente ao que uma visão primária do assunto poderá porventura sugerir.
9.- É que o fiador também funciona como contraparte (do senhorio) no contexto do contrato de arrendamento, de modo que a comunicação prevista no nº 1 do art. 1084º do CC também se lhe pode e deve dirigir.
10.- E dado que a sua obrigação existe na medida em que exista a do afiançado (o arrendatário), segue-se que se lhe aplica de pleno e automaticamente o nº 2 do art. 15º da Lei nº 6/06, de modo que sempre tem o senhorio meios de exercer os seus direitos contra o fiador fora do contexto da acção judicial.
11.- Ora, os AA. nada alegaram factualmente na sua petição inicial que indicasse que precisavam de recorrer à presente acção.
Como assim, sujeitam-se ao juízo que a decisão recorrida encerra e
que, a nosso ver e repetindo, está adequado ao caso: o de falta de
interesse em agir, ou seja, o de desnecessidade de recurso á arma
judiciária.
12.- É sabido que muito embora a lei não lhe faça qualquer referência expressa, vem, todavia, e desde há muito, a nossa jurisprudência e doutrina esmagadoramente entendendo dever incluir-se, no nosso ordenamento jurídico, a figura do interesse em agir (ou interesse processual ou ainda de necessidade de tutela judiciária, como também costuma ser conhecida) entre os pressupostos processuais referentes às partes, cuja falta consubstancia, por sua vez, uma excepção dilatória inominada e como tal de conhecimento oficioso (vidé, por todos, e para maior desenvolvimento, A. Varela, e outros, in “Manual de Processo Civil, 2ª ed., revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 179, e ss”; Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 79 e ss”; e Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, Almedina Coimbra, págs. 251/255”.
13.- Interesse processual em agir que, sendo autónomo, não se confunde, assim, com os demais pressupostos processuais, e especialmente com o referente à legitimidade das partes, com o qual com frequência é confundido.
14.- Pressuposto esse que ocorre em todo o tipo de espécie de acções existente entre nós, desde as acções declarativas (sejam elas condenatórias, constitutivas ou de simples apreciação) às acções executivas, sendo que é nas acções de simples apreciação que tal pressuposto encontra o seu campo por excelência de actuação.
15.- Tal pressuposto avultando especialmente do lado do autor, não deixa, todavia, de surgir por parte do réu/demandado.
16.- Assim, tem-se conceptualizado tal pressuposto como consistindo, grosso modo, na necessidade de usar do processo, de instaurar ou de fazer prosseguir a acção, ou, de forma mais expressiva, na necessidade de tutela judiciária.
17.- Desse modo, costuma dizer-se que o autor tem interesse processual quando a situação de carência em que se encontra necessita da intervenção dos tribunais.
18.- Porém, vem também se entendendo que essa necessidade não tem que ser absoluta, mas carece de ser sempre justificada, fundada e razoável.
19.- Importa dizer que são, assim, duas as razões que justificam a relevância de tal pressuposto: por um lado, pretende evitar-se que as pessoas sejam precipitadamente forçadas a vir a juízo, para organizarem, sob a cominação de uma sanção normalmente grave, a defesa dos seus interesses, numa altura em que a situação da parte contrária o não justifica, e, por outro lado, visa-se também com tal evitar sobrecarregar a actividade dos tribunais com acções desnecessárias (e numa altura em que o tempo de que dispõem é cada vez mais escasso para acudirem a todas as situações em que realmente se torna indispensável a intervenção
20.- Posto isto, e reportando-nos ao caso em apreço, verifica-se que os AA. instauraram a presente acção de despejo pretendendo, em primeira linha, obter a resolução do sobredito contrato de arrendamento que celebrou com a os primeiros e segundo RR., com o fundamento na falta ou mora do pagamento das respectivas rendas acordadas por um período superior a três meses e, em segunda linha, e em consequência, obter a condenação daqueles a entregar o locado e ainda a condenação de ambos os RR (sendo o segundo como fiador) ao pagamento solidário das rendas em mora, vencidas e vincendas.
21.- É sabido que o NRAU revolucionou profundamente todo o regime do arrendamento urbano, e nomeadamente no que concerne às causas gerais da extinção dos contratos e dentro destas aquelas que têm a ver com a resolução dos mesmos.
22.- Actualmente a lei impõe o recurso à via judicial para a cessão do contrato de arrendamento apenas nos casos de resolução pelo senhorio baseada nas hipóteses de incumprimento do contrato pelo arrendatário referidas no artº 1083, nº 2 (cfr. artº 1084, nº 2, do CC), bem como nos casos de denúncia pelo senhorio dos contratos de duração indeterminada, com fundamento no artº 1101 als. a) e b) (artº 1103, nº 1) - para além ainda, no âmbito do regime transitório, dos casos previstos no artº 36, nº 3, do NRAU, e relacionados com a oposição do arrendatário à realização dos actos necessários à avaliação fiscal ou à determinação do coeficiente de conservação do prédio -, e que esse recurso à via judicial é dispensado quando a lei admite a cessação do vínculo pelo senhorio mediante a comunicação à parte contrária.
23.- Assim, e no que concerne ao senhorio (sendo que em relação ao arrendatário também esse meio se encontra previsto), apenas em duas situações se pode recorrer à via extrajudicial para a resolução do contrato de arrendamento: na falta de pagamento de rendas (encargos ou despesas) por mais de três meses e em caso de oposição pelo arrendatário à realização de obras ordenadas pela autoridade pública.
24.- É isso mesmo que resulta do disposto das disposições conjugadas dos artºs 1083, nº 3, e 1084, nº 1, do CC, dispondo-se expressamente neste último normativo (sob a epígrafe “modo de operar”) que “a resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista no nº 3 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário, operam por comunicação à contraparte, onde fundamentalmente, se invoque a obrigação incumprida”. (sublinhado nosso).
25.- Comunicação essa que, nos termos do estatuído no nº 7 do artº 9 do NRAU deve ser efectuada por notificação avulsa ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanham, devendo o notificando assinar o original.
26.- Importa ainda, para aquilo que ora aqui nos interessa, referir que, nos termos do disposto no artº 15, nº 1 al. e), do NRAU, quando a resolução do contrato de arrendamento (por mora no pagamento de rendas superior a 3 meses) ocorra pela via extrajudicial atrás referida servem de base à execução para entrega de coisa certa (ou melhor, no caso, para entrega do imóvel arrendado – cfr. artº 930-A do CPC) o respectivo contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da tal comunicação
aludida nos citados artºs 1084, nº 1, do CC e 9, nº 7, do NRAU, dispondo-se ainda no nº 2 do citado artº 15 que o contrato de arrendamento é titulo executivo para a acção de pagamento de renda, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante da dívida.
27.- Aqui chegados, a grande questão que se coloca traduz-se em saber se nos casos em que senhorio pretende resolver o contrato de arrendamento baseado no fundamento da existência de rendas em atraso por um período superior a 3 meses, tanto pode, para obter a extinção desse contrato, recorrer à via judicial (através da instauração da competente acção de despejo) como à via extrajudicial (através da comunicação, a que atrás se aludiu, fundamentada à contraparte), ou seja, e por outras palavras, a
resolução extrajudicial do contrato pelo senhorio, com base em tal fundamento, constitui uma mera faculdade ou consubstancia mesmo uma imposição legal a que se encontra sujeito?
28.- Impõe (norma imperativa - vg. artº 1080º) o nº 1 do artº 1084º, na parte que ora interessa considerar: “A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista no nº 3 do art.º anterior…opera por comunicação à contraparte onde fundamentalmente se invoque a obrigação incumprida”.
29.- A causa prevista no nº 3 do art.º 1083º do Cód Civil é precisamente a existência de mora superior a três meses no pagamento da renda.
30.- Se assim é, não suscita dúvida, que na presente situação é este o procedimento a seguir, já que esse critério é imposto de modo imperativo pela lei do processo.
31.- Assim, o senhorio apenas pode resolver o contrato pela via do artº 1084º nº 1 do Cód. Civil, porque não lhes pode ser reconhecido o interesse em agir para a demanda judicial.
32.- Por outro lado, se existir fiador solidariamente responsável pelo pagamento das rendas em falta, os AA. podem tornar efectivo o direito ao recebimento das rendas em atraso, se estas não forem depositadas, nada impedindo que o R. arrendatário e também o fiador sejam imediatamente executados.
33.- O Réu, pelo modo acima referido; o fiador, através do procedimento do art.º 15º nº 2 do NRAU, nada impedindo (até aconselhando) que possam ser demandados na mesma execução.
34.- O artº 1084º nº 1 do Código Civil, sob a epígrafe “Modo de operar” não diz que a causa prevista no nº 3 do artº 1083º pode operar por comunicação à contraparte. Diz sim imperativamente que opera por essa comunicação.
35.- Daí que no mesmo preceito se faça distinção entre o nº 1 e o nº 2, quando neste se diz que a resolução pelo senhorio com o fundamento numa das causas previstas no nº 2 do artigo anterior é decretada nos termos da lei do processo.
36.- Ou seja, não pode cindir-se a norma em duas interpretações distintas. Sendo ela no seu todo imperativa, tanto o é no âmbito do nº 1 como do nº 2, não admitindo a possibilidade alternativa de não ser aplicada (pugnando-se pela acção de despejo nas situações do nº 1, fazendo letra morta da imperatividade e do que diz o artº 14º nº 1 do NRAU).
37.- No tribunal devem ser discutidas causas onde exista verdadeiro litígio, ou que a própria matéria pressuponha vincada possibilidade nessa discussão (por isso a indicação no art.º1083º nº 2 al. a) a e) do Código Civil), sendo necessária (imperativa) a instauração de acção de despejo nestas situações.
38.- O art.º 1048º nº1 do Código Civil trata-se de uma norma inserida nas disposições gerais da locação e não no normativo inerente ao arrendamento de prédios urbanos (artºs 1064º e seg), que contém as suas próprias regras.
39.- Daí que deva interpretar-se os artºs 1079º e seguintes, designadamente artº 1084º, relativas ao arrendamento urbano, como normas especiais em relação ao referido preceito que se encontra inserido nas normas gerais da locação.
40.- Admite a imperatividade do artº 1084º nº 1 o Acórdão da Relação de Coimbra exarado em 15/04/08 – Procº 937/07 (http://www.dgsi) e mais recentemente o Acórdão do Tribunal de Guimarães de 30/04/09 – Procº 5967/08.8 (http://www.dgsi), onde se sumariou: “...”
41.- Face à legislação vigente, não descortinamos qualquer utilidade em instaurar acção de despejo por falta de pagamento de rendas, já que sendo revogado o RAU aprovado pelo Dec. Lei nº 321- B/90 de 15/10, deixou de existir possibilidade de o senhorio requerer mandado para a execução do despejo, conforme sucedia no âmbito daquele diploma.
42.- Na verdade, nas situações em que a lei impõe o recurso à acção de despejo (art.º 1083º nº 2 do Código Civil), bem como a especialíssima hipótese do artº 21º nº 2 do NRAU o senhorio, através da decisão favorável na acção, fica munido de título executivo judicial, devendo instaurar a respectiva execução (para entrega de coisa certa) nos termos da lei do processo (se também para pagamento de quantia certa, conforme art.º 14º nº 5 do NRAU).
43.- Ora, o mesmíssimo procedimento terá de prosseguir, no caso da comunicação resolutiva (artº 1084º nº 1 do Código Civil), já que igualmente se mune de título executivo, tal como o prevê o art.º 15º nº 1 al. e) e 2 do NRAU.
44.- Na sequência da argumentação supra desenvolvida, não existe interesse em agir para deduzir pleito cujo fundamento seja a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas com mora superior a três meses.
45.- Sobre esta questão pronunciou-se o Acórdão da Relação de Coimbra exarado em 15/04/08 – Procº 937/07 (http//www.dgsi), onde analisou esta contingência.
46.- Conforme se salienta neste Acórdão e pelas palavras de Anselmo de Castro (in obra referida – pág. 252 e seg), “… “
47.- Retira-se desta doutrina a necessidade do recurso aos tribunais só nas situações em que a tutela dos interesses subjectivos exija a intervenção judicial, e, por outro lado, tal como já dissemos, acautelar a verdadeira função judicial - julgar e decidir as questões onde exista na verdade litígio a ser dirimido.
48.- Devemos assim concluir que não carece de tutela judicial a dedução de acção de despejo com finalidade de obter a resolução do contrato de arrendamento para entrega do prédio e pagamento das rendas vencidas há mais de três meses, por inexistência do interesse processual em agir, já que esse efeito é conseguido através de uma norma legal sem a intervenção dos tribunais e com o mesmo efeito que seria obtido através da respectiva sentença.
49.- O interesse processual em agir conforma uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que reconhecido, impõe a absolvição da instância de quem tenha sido demandado com aquele fundamento (artºs 288º nº 1 al. e); 493º; 494º e 495º do CPC).


Foram proferidas contra – alegações.
O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 684º-nº3 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 660º-nº2 do CPC).
E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artº 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- ao senhorio não é lícito instaurar acção de despejo quando ocorra situação justificativa de resolução do contrato por falta de pagamento de rendas cuja mora seja superior a três meses, apenas podendo resolver o contrato pela via do artigo 1084º nº 1 do Código Civil ?
- consequentemente, não lhe pode ser reconhecido o interesse em agir para a demanda judicial ?




Fundamentação.
I) OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida):
1. Por contrato de arrendamento reduzido a escrito no dia 1 de Fevereiro de 2010, os autores deram de arrendamento aos primeiros réus, pelo prazo de 5 anos, com início no dia 1 de Fevereiro, mediante o pagamento da renda mensal de € 250,00, o prédio urbano, sito no lugar do Castanheirinho, freguesia de Venade, concelho de Caminha, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo nº 4…, destinado exclusivamente a habitação.
2. Os primeiros réus não pagaram as rendas relativas aos meses de Junho a Setembro de 2011.
3. O locado foi dado de arrendamento com os seguintes móveis e equipamentos: na cozinha – um armário de parede, um fogão de forno a gás e um esquentador inteligente; no quarto – uma cama completa, uma mesa de cabeceira e um guarda-fatos; e na arrecadação – uma salamandra.
4. O segundo réu, na qualidade de fiador, assumiu com os inquilinos, primeiros réus, a obrigação do fiel cumprimento de todas as cláusulas do contrato de arrendamento e suas renovações, declarando ainda que a fiança subsistiria mesmo que houvesse alterações da renda e prevaleceria durante a vigência do contrato e suas renovações, renunciando expressamente ao benefício da excussão.

II) O DIREITO APLICÁVEL
Pretendem os Autores, Modesto, por via da acção sumária instaurada contra os Réus, e apelantes, João e outros, seja declarada a resolução do contrato de arrendamento em referência nos autos, com o fundamento na falta de pagamento de rendas, pedindo a condenação dos primeiros Réus a despejar imediatamente o locado e condenando-se todos os Réus a pagar solidariamente aos autores a quantia de € 1000,00 de rendas vencidas, e ainda as rendas vincendas até à resolução do contrato de arrendamento, bem como o dobro da renda a partir do momento da constituição em mora quanto à entrega do locado.
Resulta dos factos provados que tendo por contrato de arrendamento reduzido a escrito no dia 1 de Fevereiro de 2010, os Autores dado de arrendamento aos primeiros Réus, pelo prazo de 5 anos, com início no dia 1 de Fevereiro, mediante o pagamento da renda mensal de € 250,00, o prédio urbano, sito no lugar do Castanheirinho, freguesia de Venade, concelho de Caminha, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo nº 4…, destinado exclusivamente a habitação, intervindo o 2º Réu no contrato de arrendamento na posição de fiador e principal pagador dos arrendatários, os indicados Réus não pagaram as rendas relativas aos meses de Junho a Setembro de 2011.
Regulamenta a Subsecção IV, da Secção VII- Arrendamento de prédios urbanos, do Capítulo IV- Locação-, do Código Civil, a Cessação do contrato de arrendamento urbano, dispondo o art.º 1079º, do citado código, que “o arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei”, tendo natureza imperativa as normas constantes da indicada Subsecção IV, como determina e estatuí o art.º 1080º.
Nos termos do disposto no art.º 1083º, do Código Civil, n.º1- “ Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte” e, n.º2: “ È fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento…”, dispondo o n.º3 do indicado preceito legal que “È inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento de renda, encargos ou despesas (…) sem prejuízo do disposto nos n.º3 e 4 do art.º seguinte”, dispondo o indicado n.º3 do art.º 1084º que “A resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento de renda, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses”, dispondo, por sua vez, o n.º1 do art.º 1084º, relativamente ao modo de operar a resolução do contrato de arrendamento que “A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista no n.º3 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário operam por comunicação à contraparte, onde fundamentalmente se invoque a obrigação incumprida”, sendo esta comunicação realizada nos termos consignados no n.º 7 do art.º 9º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, Lei esta que aprovou o NRAU, e entrou em vigor em 28/6/2006, sendo aplicável ao caso sub judice.
Relativamente às normas gerais que regulam o contrato de locação, e, designadamente, no tocante à “Resolução” determinam, por sua vez, o art.º 1047º que “ A resolução do contrato de locação pode ser feita judicial ou extra judicialmente”, dispondo o n.º2 do art.º 1048º, do citado código, que a faculdade de fazer operar a caducidade do direito à resolução do contrato por falta de pagamento de rendas decorrente do respectivo pagamento até ao termo do prazo de contestação na acção declarativa ou oposição à execução, destinadas a fazer valer esse direito, só pode ser usada por uma única vez e com referência a cada contrato;
sendo o regime geral de resolução legalmente previsto divergente do regime especial consignado nas normas da indicada Subsecção IV- art.º 1079º e sgs., ;
reconduzindo-se a questão em discussão no presente recurso a saber qual o regime aplicável ou se ocorre regime de aplicação prevalecente e exclusivo, sendo questão debatida e de divergente entendimento na Doutrina e Jurisprudência (v. designadamente, (no sentido que seguimos) Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 6/5/2010, 17/2/2011; Ac. TRL de 17/4/2008, 23/10/2007, 24/5/2007, 11/3/2008, 18/6/2009; Ac. TRP de 31/1/2008, 19/2/2009, 20/4/2009, 23/3/2010, já citados nos autos, e, Ac. TRL de 15/3/2011, 31/3/2009, 25/2/2009, e, em sentido contrário, nomeadamente, Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 15/4/2008, TRG de 30/4/2009, todos in www.dgsi.pt).
Salienta-se, que relativamente a questão idêntica se pronunciou já este mesmo colectivo e relatora, em Acórdão de 31/5/2012, proferido P.6856/11.4TBBRG.G1, deste TRG, e que seguiremos de perto.
Alegam os apelantes, que ao senhorio não é lícito instaurar acção de despejo por falta de pagamento de rendas cuja mora seja superior a três meses, apenas podendo resolver o contrato pela via do artigo 1084º nº 1 do Código Civil, por comunicação à outra parte, e, consequentemente, não lhe pode ser reconhecido o interesse em agir para a demanda judicial,
em recurso da sentença recorrida na qual, contrariamente a esta interpretação, se julgou improcedente a excepção dilatória de falta de interesse em agir invocada pelos Réus pelas razões que ora reiteram em sede de recurso de apelação, e se decidiu, em conclusão, “ … Deste modo, por não existir qualquer obrigação legal do autor recorrer à via extrajudicial para cessação do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas, não existe igualmente falta de interesse em agir por parte dos autores, pelo que improcede a invocada excepção (…)
Os autores pretendem ainda a condenação solidária dos réus e fiador no pagamento das rendas vencidas e vincendas, solidariedade essa que não teria cobertura caso se optasse pela via extrajudicial.”
Atentas as normas aplicáveis e sua interpretação conjugada, e, considerando os legais fundamentos expostos na sentença recorrida, e, ainda, tendo em conta a unidade do sistema jurídico e demais circunstâncias em que a lei foi elaborada e aplicada, a considerar nos termos do art.º 9º do Código Civil, e, no seguimento das considerações e explanação jurídica constante dos Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 17/2/2011 e 6/5/2010, propendemos a considerar, reiterando as considerações expressas na sentença recorrida, e como no citado Ac. do STJ de 6/5/2010 se refere “ O meio extrajudicial de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, previsto no NRAU, é optativo. Assim, o senhorio pode resolver o contrato com esse fundamento, utilizando o meio processual comum de despejo logo que o arrendatário esteja em mora relevante.”, considerando como especialmente pertinentes, e assim se salientando, os seguintes fundamentos expressos no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça : “… tendo em conta a arrumação sistemática da norma, o princípio geral estatuído na lei é o seguinte: o senhorio pode resolver o contrato nos termos gerais de direito, podendo lançar mão da acção de despejo, baseado no incumprimento por qualquer causa que o fundamente, e, no caso do n.º 3, pode ainda o senhorio utilizar, em alternativa, a resolução extrajudicial aí prevista, se verificar que essa possibilidade que a lei lhe concede é mais expedita.
(…)
A imperatividade a que alude o art. 1080.º do CC. não é a de se considerar que a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas superior a três meses se faz pela via extrajudicial exclusivamente, a imperatividade aí vertida reporta-se a todos os mecanismos que a lei prevê para obter a cessação do contrato e não apenas àquela: (…) Portanto, a regra da imperatividade tem a ver com a definição do regime jurídico da cessação do contrato de arrendamento (a todo ele) e não com a possibilidade que se abre ao senhorio de a fazer operar também por via extrajudicial.
Quer a inserção sistemática do n.º 3 do art. 1084.º, a seguir ao n.º 1, quer a intenção do legislador em agilizar a resolução do contrato de arrendamento pelo reiterado incumprimento do arrendatário, justificam esta posição.;
no caso de pretender demandar também o fiador para pagamento das rendas; nesses casos, seria preciso intentar duas acções autónomas, uma declarativa outra executiva, o que dificultaria muito o exercício do direito do senhorio em despejar o arrendado, contrariamente à intenção do legislador em pretender agilizar essa possibilidade com a nova lei do arrendamento.; como o art. 9.º, 7 do RAU estabelece uma forma de notificação do arrendatário que tem que ser pessoal, não sendo permitida a notificação edital, como acontece na acção de despejo, essa eventual demora está em contradição com a celeridade que o legislador visou para tornar mais expedito o despejo do arrendatário que seja um contumaz incumpridor;
o art. 1048.º, 2, que é uma norma inovadora, permite apenas uma vez a possibilidade do arrendatário purgar a mora, em acção de despejo; é, por isso, uma forma mais expedita de resolver o contrato por falta de pagamento de rendas do que a extrajudicial em que o arrendatário a pode sempre purgar em sucessivos incumprimentos contratuais por tal fundamento; se se admitisse só esta forma de fazer cessar o contrato por resolução, estar-se-ia a permitir ao arrendatário um constante incumprimento contratual, o que contrariaria a celeridade e agilidade que o legislador quis introduzir na resolução do contrato.
(…)
Mesmo quem defende a posição contrária – exclusividade da resolução extrajudicial -, tem que admitir casos em que só por via da acção de despejo se consegue a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas, o que torna incoerente a defesa da exclusividade e imperatividade do recurso à referida via extrajudicial”.
Mais se considerando ser sempre possivel o recurso à via judicial para obter a resolução do contrato de arrendamento por reconhecimento da inexigibilidade da sua manutenção nos termos do n.º 2 e 3 do art.º 1083º do Código Civil, pois que a limitação constante do nº 2 do art.º 1048º, do citado código, só vale em fase judicial, e por via da resolução extrajudicial operada nos termos do n.º1 do art.º1084º sempre poderia o arrendatário, indefinidamente, reiterar a situação de incumprimento, obstando à resolução do arrendamento nos termos previstos no n.º3 do art.º 1084º, do Código Civil, pondo fim à mora no prazo de três meses, não podendo ao senhorio ser coarctado o direito de acção correspondente ao efectivo exercício do direito de resolução do contrato nas situações de falta de pagamento de rendas e mora superior a três meses, acrescendo que não se mostra impedido, por não excluído por lei, o uso de tal direito em casos de prazo inferior de mora no cumprimento desta obrigação contratual do arrendatário.
Conclui-se, nos termos expostos, que em caso de não pagamento de rendas por parte do arrendatário, pode a senhorio operar a resolução por via de acção declarativa, pela correspondente acção de despejo nos termos do art.º 14º da NRAU ( Lei n.º 6/2006 de 27/2 ), e, ainda, em caso de mora superior a três meses no pagamento de renda, encargos ou despesas, através de comunicação ao arrendatário, nos termos do n.º1 do art.º 1084º do Código Civil e art.º 9º-n.º7 da citada Lei n.º 6/2006, mais se concluindo, consequentemente, improceder a invocada excepção de falta de Interesse Processual, consistindo este, na noção dada pelo Prof. A. Varela, in Manual de Processo Civil, pg. 170, “na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção”, no dizer do mesmo autor, “ Relativamente ao autor, tem-se entendido que a necessidade de recorrer às vias judiciais, como substractum do interesse processual, não tem de ser uma necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada. Mas também não bastará para o efeito a necessidade de satisfazer um mero capricho ou o puro interesse subjectivo.
O interesse processual constitui um requisito a meio termo entre dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção - mas não mais do que isso.”
Nestes termos, se conclui pela improcedência do recurso de apelação, devendo manter-se a sentença recorrida, a qual não merece qualquer censura.


DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.

Guimarães, 25.10.2012
Luísa Duarte
Raquel Rego
António Sobrinho