Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
273/14.1TBCBT.G1
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Para os efeitos do artigo 238.º n.º 1 d) CIRE, o atraso do insolvente em se apresentar à insolvência tem que originar um prejuízo objectivo aos credores.
A alínea e) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE abrange os casos em que, quando o devedor assume as suas obrigações, há uma manifesta desproporção entre a sua capacidade para as satisfazer e aquilo a que se vai comprometendo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I
Joaquim T e sua mulher Maria M requereram, na Secção de Comércio da Instância Central de Guimarães, da comarca de Braga, em Agosto de 2014, a declaração da sua insolvência e a exoneração do passivo restante.
A 20 de Agosto de 2014 foi declarada a insolvência dos requerentes.
O Sr. Administrador da Insolvência pronunciou-se no sentido do deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, mas os credores Caixa D, S.A., com fundamento no artigo 238.º n.º 1 d) e) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas , e Caixa E, esta com base apenas naquela alínea d), opuseram-se.
Apreciando essa questão a Meritíssima Juiz decidiu:
"Desta forma, porque a conduta dos insolventes se enquadra na previsão do art. 238.º /1 d) e e) do CIRE (DL 53/2004 de 18/03, na redacção do DL 200/2004 de 18/08), justifica-se indeferir liminarmente o requerimento de exoneração do passivo restante, o que se decide."
Inconformados com esta decisão, os insolventes dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
I. Impugnam os recorrentes/insolventes os factos dados como provados/fixados na decisão, considerando-os incorrectamente julgados/decididos, por não ter sido feito correcta interpretação dos factos nem adequada aplicação do direito, e em concreto relacionados com a imputação da conduta dos insolventes na previsão do art. 238.º n.º 1 alíneas d) e e) do CIRE e quanto ao enquadramento do ónus da prova no devedor e não nos credores e insolvente- cfr. Art. 342.º do CC:
II. A decisão do tribunal ad quo, de indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, baseou-se no facto de considerar que os devedores se abstiveram da apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer para os credores, e sabendo ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva seria de melhoria da sua situação económica;
III. E do facto de constarem já no processo, ou terem sido fornecidos ate ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador de insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do art. 186.º do CIRE.
IV. Os recorrentes entendem que, contrariamente ao invocado em sede da decisão ad quo, como se tratam de pessoas singulares os recorrentes só se poderá aludir ao art. 186.º n.º 1 do CIRE.
V. A decisão ad quo, foi baseada primordialmente como prova documental numa certidão, junta pelo Tribunal, de qualificação como culposa da uma insolvência da IRB Lda sociedade onde o devedor Joaquim exerceu a gerência;
VI. Não foi junta qualquer, ou produzida, outra prova por parte dos devedores ou administrador de insolvência que afecte a conduta ou condicione ao indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
VII. Os recorrentes discordando-se do tribunal ad quo, tal como alguma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quanto á imputação do ónus da prova aos recorrentes, caberá aos credores do insolvente e o administrador da insolvência alegar e provar os factos e circunstâncias a que alude o artigo 238.º, n.º 1, CIRE, enquanto factos impeditivos do direito, aplicando-se o art. 342.º n.º 2 do CC e não o n.º 3 como invocado na decisão recorrida (neste sentido, v. acórdão do STJ, de 2010.10.21, proc. 3850/09.9TBVLG, e acórdão desta Relação, de 24.03.2010, proc. n.º 444/10.0TBPNI-D-L1-6), Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 3 Jul. de 2014, Jus Jornal, N.º 1988, 23 de Setembro de 2014, e de 26-02-2015 e Acórdão da Relação de Lisboa de 12-3-2013.
VIII. Uma vez que, em sede de despacho "liminar" do pedido de exoneração do passivo restante, exceptuado o circunstancialismo atinente ao prazo, se não justifique um grande rigor probatório relativamente aos requisitos legalmente enunciados, geradores desde logo do indeferimento liminar daquele razão pela qual o legislador entendeu pôr a cargo do devedor/requerente apenas o ónus da declaração/alegação de que preenche os requisitos e se dispõe a observar as condições enunciadas nos art. 237.º.
IX. O devedor não tem que apresentar prova dos requisitos tanto assim é que deriva expressamente do disposto no art. 236.º n.º 3 do CIRE, sob a epígrafe "Pedido de exoneração do passivo restante" que desse requerimento deve constar "… expressamente a declaração de que o devedor preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições exigidas nos artigos seguintes".
X. "Um afloramento deste entendimento pode encontrar-se na alínea e) do referido artigo 238.º, quando aí se prevê o caso de para a indiciação da existência a culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência e no caso de não constarem já do processo, os elementos serem fornecidos pelos credores ou pelos administrador da falência" (citado acórdão de 21.10.2010 – proc. n.º 3850/09.9TBVLG; no mesmo sentido, v. também, por todos, ainda, acórdãos do STJ de 24.01.2012 – Proc. n.º 152/10.1TBBRG-E.G1.S1 e de 19.06.2012 – Proc. n.º 1239/11.9TBBRG-E.G1.S1).
XI. O momento adequado para avaliar concreta e definitivamente se o insolvente é ou não merecedor do benefício excepcional de exoneração em causa, será após o período de cessão e cumpridas as obrigações impostas, em que o juiz emite despacho decretando a exoneração definitiva – cfr. Art 237.º al. d) do CIRE pois só então se terão os elementos suficientes para avaliar da sua boa fé, diligência e propósitos de vida futura e não esta apreciação liminar que não se justifica, por isso, grande rigor probatório.
XII. Os recorrentes consideram que não preenchem o previsto no n.º 1 alínea d) do art. 238.º do CIRE e, portanto, inexiste fundamento para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante;
XIII. Foi alegado pelos recorrentes e provado da inexistência de prejuízo para os credores, bem como que se encontravam preenchidos os requisitos para a exoneração do passivo restante e que o incumprimento do dever de apresentação tempestiva nenhuma incidência teve na sua situação económica;
XIV. Nunca os recorrentes incumpriram como dever de se apresentar á insolvência nos seis meses seguintes à verificação da insolvência;
XV. Não se pode considerar como incumprimento das suas obrigações pessoais o facto de existirem sucessivas declarações de insolvências das sociedades criadas, por um lado porque o que condicionou á insolvência das ditas sociedades foram outros factores que não da culpa dos recorrentes
XVI. A Recorrente Maria M inclusive não exerceu a gerência ou teve qualquer participação no desfecho das ditas sociedades comerciais quando estas foram declaradas insolventes, e não pode ser afectada nos seus direitos pelo facto de ser cônjuge do gerente, nomeadamente na oportunidade de um fresh start;
XVII. A qualidade de sócio ou gerente de uma sociedade comercial não equivale à titularidade de qualquer empresa, o devedor singular – ainda que sócio gerente de uma sociedade comercial – não sendo titular de qualquer empresa, não está sujeito ao dever de apresentação à insolvência e, como tal, a omissão ou retardamento na apresentação, ainda que determinante de um agravamento da sua situação económica, não tem relevância para efeitos de qualificação da insolvência (art. 186.º, n.º 5, do CIRE) e para efeitos do preenchimento do alínea e) do n.º 1 do art. 238.º do CIRE.
XVIII. Os recorrentes não foram criando novas empresas enquanto as anteriores eram declaradas insolventes, prestando novos avais, e desconheciam que não tinham forma de pagar, pois as empresas já existiam e tinham objectos sociais complementares umas dedicavam-se á construção e outras promoviam a venda dos imoveis e o recorrente Joaquim sempre confiou que apesar da crise generalizada no sector da construção civil, que conseguiriam cumprir com os credores, tendo sido obrigado a recorrer á banca para financiar os seus projectos de construção;
XIX. Os recorrentes invocaram factualmente e consideram que o constante em termos factuais e jurídicos do Proc. n.º 20/14.8TBCBT, não deverá ser considerado relevante, quer em termos de qualificação de insolvência, quer em termos de exoneração do passivo restante pois este referencia-se á insolvência da IRB LDA, uma sociedade por quotas, cuja gerência incumbia ao insolvente Joaquim Teixeira;
XX. Foi por causa da insolvência dessa sociedade IRB LDA que a situação financeira dos insolventes, Joaquim e Maria M, se degradou, como foi explicitado em sede de petição inicial;
XXI. Enquanto órgão social da dita sociedade, o recorrente conjuntamente com a recorrente mulher, foram obrigados a garantir mediante a prestação de avais pessoais diversos tipos de financiamento, e contas caucionadas;
XXII. O passivo financeiro que os insolventes/recorrentes apresentam resulta na sua totalidade de garantias pessoais, e portanto acessórias, prestadas por estes a sociedades que detinham e geriam, que por força da declaração de insolvência foi, este passivo, tido como vencido e os aqui recorrentes chamados ao pagamento;
XXIII. A declaração de insolvência das sociedades privou também o gerente Joaquim de fazer os pagamentos agora solicitados pois deixaram de poder dispor do património das sociedades insolventes e assim deixou de poder liquidar em nome destas as suas responsabilidades;
XXIV. Aquando da prestação das garantias os rendimentos e património dos recorrentes eram sensivelmente iguais aos de hoje, pelo que não houve alteração substancial de realidades, pois a exigência das garantias pessoais era uma prática corrente das instituições de crédito, não conferindo, no caso em apreço, qualquer garantia patrimonial acrescida em face das garantias imobiliárias que eram prestadas pelos devedores principais/Sociedades;
XXV. Apos a sua saída da gerência, em 6-3-2014, e numa tentativa de liquidar as suas obrigações, como não conseguia arranjar trabalho em Portugal viu-se obrigado a emigrar o requerente Joaquim, e procurar trabalho no estrangeiro, contudo não conseguiu arranjar emprego fixo e regressou agora recentemente, dai nunca se poder concluir que a situação de insolvência se reporta ao ano de 2011.
XXVI. Os recorrentes mantiveram sempre a convicção de que por esta via iriam ser liquidados todas as responsabilidades pessoais em que incorreu por força dessas garantias;
XXVII. Nunca os insolventes/recorrentes agravaram a sua situação financeira, tendo inclusivamente diminuído as suas responsabilidades para com os credores, ou dificultaram a cobrança aos seus credores dos créditos;
XXVIII. Não resulta do processo de insolvência da IRB que os insolventes se tenham apropriado de bens da insolvente ou destruído, danificado, inutilizado, ocultado ou feito desaparecer o seu património, nem qualquer outro motivo que impeça a exoneração do passivo,
XXIX. A insolvente Maria M inclusive já não exercia a gerência nem lhe era incumbida a administração ou liquidação da entidade ou património em causa para efeitos do previsto no art. 6.º n.º 1 al. a);
XXX. O administrador da IRB e insolvente nos autos supra epigrafados, Joaquim Teixeira, actuou livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial, no que respeita ao processo n.º 20/14.8TBCBT;
XXXI. Os insolventes não preenchem, os três requisitos cumulativos previstos o art. 238.º do CIRE contrariamente ao invocado em sede de decisão recorrida.
XXXII. Não se demonstrou na decisão recorrida que entre o atraso na apresentação à insolvência e o prejuízo causado aos credores existe um nexo de causalidade;
XXXIII. A maior parte do passivo dos Insolventes reporta-se a obrigações da sociedade de que o Insolvente era sócio gerente e que estes afiançaram ou avalizaram, situação que pode ser explicada pela tentativa ou expectativa de assegurar o cumprimento dos compromissos da sociedade e manter a sua actividade, sem que daí se possa extrair – necessariamente – a existência de dolo ou culpa grave.
XXXIV. A mora é uma consequência normal do incumprimento e característica das obrigações pecuniárias.
XXXV. Não se verificou demonstrado na decisão recorrida, que o atraso na apresentação à insolvência não teve qualquer incidência na situação económica e financeira dos devedores, não implicou o acréscimo do passivo nem inviabilizou nem dificultou a cobrança dos créditos.
XXXVI. Até ao momento de apresentação à insolvência, sempre os recorrentes-insolventes acreditaram que a sua situação económica podia melhorar e que teria a possibilidade de honrar os seus compromissos.
XXXVII. Não impendia sobre os insolventes, o dever de apresentação à insolvência (n.º 2 do art. 18.º do CIRE), mas estes também não se abstiveram a essa apresentação com prejuízo para os credores;
XXXVIII. Não se verifica nenhuma situação relativamente aos insolventes que permitam conduzir ao indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante;
XXXIX. Os recorrentes preenchem todos os requisitos previstos no Título XII, Capitulo I, artigos 235.ºe seguintes do CIRE
XL. Predispuseram-se a observar todas as condições e exigências previstas nos referidos artigos, em sede de petição inicial de apresentação á insolvência;
XLI. Os insolventes não forneceram por escrito, com dolo ou culpa grave, nos três anos anteriores aos da propositura da presente lide, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza;
XLII. Não beneficiaram da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do presente processo de insolvência;
XLIII. Não incumpriram o dever de apresentação à insolvência, apresentando-se atempadamente, em suma não se absteve da sua apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, para efeitos do previsto a contrario na alínea d) do art. 238.º do CIRE.
XLIV. Não tiveram culpa na criação da situação de insolvência.
XLV. Não foram condenados por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal nos 10 anos anteriores à datada entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data;
XLVI. Prestaram-se a cumprir escrupulosamente com os deveres de informação, apresentação e colaboração e a ceder o seu rendimento disponível, tendo em conta o estabelecido no art. 239.º do CIRE.
XLVII. Sendo os factos impeditivos da admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante constantes das al. d) e e) do n.º 1 do art. 238.º de verificação cumulativa, nada evidenciando os autos relativamente qualquer factor conducente ao agravamento do prejuízo dos credores, assente que o ónus da prova dos requisitos enunciados no art. 238.º n.º 1 d) do CIRE cabe aos credores ou ao administrador da insolvência e não foi feito.
XLVIII. Não resultando dos autos qualquer das situações a que alude o citado artigo 238.º n.º 1 do CIRE, que impõem o indeferimento liminar, nem foi invocado ou juntos elementos suficientes por parte dos credores para prova do contrário.
XLIX. Dever-se-á, considerar encontrarem-se verificadas as condições mínimas para aceitar o requerimento de exoneração do passivo restante formulado pelos insolventes.
L. A qualidade de sócio, gerente ou administrador de uma sociedade comercial não equivale à titularidade de qualquer empresa - neste sentido, os Acórdãos da Relação do Porto de 20/04/2010 e de 06/10/2009, com os n.ºs convencionais JTRP00043876 e JTRP00043002, em http://www.dgsi.pt - (o titular da empresa não é o sócio, gerente ou administrador da sociedade, mas sim a própria sociedade, que é pessoa jurídica diversa dos respectivos sócios, gerentes e administradores) e, portanto, dessa qualidade não decorre qualquer obrigação de apresentação à insolvência, quando o que está em causa é sua própria insolvência e não a insolvência da sociedade da qual é sócio ou gerente.
LI. Assim, os Insolventes sejam – ou alguma vez tenha sido – titular de qualquer empresa, não estavam sujeitos ao dever de apresentação à insolvência (cfr. citado art. 18.º, n.º 2) e, por conseguinte, o retardamento da apresentação à insolvência, não implica também que a insolvência seja considerada culposa, como decorre expressamente do citado art. 186.º, n.º 5.
LII. Não sendo possível concluir, pela existência de dolo ou culpa grave dos Insolventes na criação ou agravamento da situação de insolvência, não estão reunidos os pressupostos para que a insolvência possa ser qualificada como culposa, devendo ser qualificada como fortuita, e não se pode considerar como preenchida o previsto no n.º 1 aliene e) do art. 238.º do CIRE.
LIII. A maior parte do passivo dos Insolventes/recorrentes reportam-se a obrigações da sociedade de que o Insolvente era sócio gerente e que este afiançou ou avalizou, situação que pode ser explicada pela tentativa ou expectativa de assegurar o cumprimento dos compromissos da sociedade e manter a sua actividade, sem que daí se possa extrair – necessariamente – a existência de dolo ou culpa grave que são essenciais à qualificação da insolvência como culposa.
LIV. O Administrador de Insolvência, no relatório a que alude o art.º 155.º do C.I.R.E., manifestou que nada tinha a opor ao deferimento da exoneração do passivo restante.
LV. Os recorrentes fizeram tudo o que lhe era humanamente possível para cumprir com os seus credores, sempre actuaram com boa fé, não foi invocada fundamentação suficiente na decisão recorrida para os inibir de começar de novo, nunca pretenderam prejudicar os seus credores ou actuar com culpa grave, não se devem considerar preenchidos o previsto no art. 238.º n.º 1 alíneas d) e e) do CIRE;
LVI. O Tribunal da Relação deve alterar a decisão dando provimento ao recurso, revogando o despacho proferido pelo tribunal ad quo/a decisão recorrida, dada a violação e errada aplicação dos arts. 238.º, n.º 1 d) e e), e 186.º todos do CIRE, e art. 342.º n.º 2 e 3 do CC, e em consequência, e ser proferida decisão a deferir liminarmente o requerimento e exoneração do passivo restante, determinando-se o prosseguimento dos termos do incidente de exoneração.
Não foram apresentadas contra-alegações.
As conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste em saber se "não se devem considerar preenchidos o previsto no art. 238.º n.º 1 alíneas d) e e) do CIRE" .
II
1.º
Estão provados os seguintes factos:
- Os insolventes relacionaram um passivo de € 2 569 458,00 tendo sido reconhecidos pelo Administrador da Insolvência créditos no montante de € 8 373 739,43;
- Os créditos advêm de avales prestados nas sociedades de que eram sócios gerentes;
- A insolvência da sociedade C Construção S.A. foi considerada culposa e nessa qualificação afectado o aqui insolvente e lá sócio gerente Joaquim T;
- A Caixa D pronunciou-se contra o deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, atenta a qualificação supra indicada e porque os seus créditos que não conseguiram ser ressarcidos, resultam de avais prestados a essa sociedade;
- A insolvência da sociedade IRB, L.da foi considerada culposa e abrangido por tal qualificação o sócio gerente e aqui insolvente Joaquim T;
- A Caixa E pronunciou-se contra o deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, atenta a qualificação supra indicada.
- Os insolventes vivem em casa da mãe do insolvente marido e não pagam qualquer contrapartida;
- Os insolventes têm dois filhos, sendo um ainda menor e outro estudante;
- Não lhes são conhecidos, à data da apresentação dos CRC, antecedentes criminais;
- Da sentença de qualificação como culposa da IRB, L.da resultam os seguintes factos provados:
1. Por sentença proferida em 6.3.2014, já transitada em julgado, foi a sociedade declarada insolvente.
2. No registo comercial relativo à requerida consta que a gerência era exercida por Joaquim T
3. A sociedade não se apresentou à insolvência.
4. A insolvência foi requerida pelo credor Banco E em 20.1.2014.
5. À data da constituição da sociedade, o capital social tinha o valor nominal de € 24.940,00, com uma quota no valor nominal de € 12.470,00 pertencente a Joaquim T e outra quota nominal de € 12.470,00 subscrito por Maria M.
6. Os sócios mencionados são casados entre si.
7. A 30 de Dezembro de 1998, a gerência foi atribuída a Joaquim T e a Maria M.
8. O sócio gerente Joaquim T em 8 de Junho de 2006, transmitiu a sua participação no capital social da devedora, no valor nominal de € 12.470,00 à sociedade START, S.A, NIPC 50*****35 com sede na Rua C n.º 1306, 2.º sala 206, Lordelo do Douro, Porto.
9. A 11 de Novembro de 2008 o gerente Joaquim T renunciou ao cargo de gerente, sendo quem posteriormente, por deliberação de 28 de Janeiro de 2009, foi, novamente nomeado gerente da insolvente.
10. A 10 de Agosto de 2010 a quota detida pela sócia Maria M foi dividida por três e transmitida a START, S.A, Valentim C e Maria A nos montantes de € 6.234,00; € 3.118,00 e € 3.118,00 respectivamente.
11. A gerente Maria M renunciou em 27 de Agosto de 2013 às funções da renúncia, repristinando a mesma a 3 de Julho de 2013.
12. A contabilidade referente aos exercícios de 2008, 2009 e 2012 foi elaborada e submetida à A.T; a de 2008 foi submetida atempadamente; as de 2009 e 2010 foram submetidas em 2011 e 2012.
13. A elaboração da contabilidade submetida à A.T até 2010, foi elaborada de acordo com o POC e o SNC.
14. A insolvente tem dívidas acumuladas ao Estado no valor de € 545.342,46 referente ao IRC desde o ano de 2000, referente ao IMI desde o ano de 2008, de IRS desde o ano de 2010 e de IMT desde o ano de 2011.
15. Em 21 de Junho de 2007 foi constituída a sociedade E, L.da com o capital social de € 100.000,00 repartido por duas quotas de € 50,000,00 pertencendo uma a Rui T e a outra a START, SA. A gerência desta sociedade pertencia ao Rui T e ao Joaquim T.
16. Tal sociedade foi declarada insolvente.
17. Em 12 de Março de 2009 foi constituída a sociedade R Construções e Engenharia L.da com o capital social de € 130.000,00 repartido por três quotas, pertencendo uma à sociedade START, SA, no valor de € 104.000,00, outra a Susana M no valor de € 13.000,00 e outra de idêntico valor pertencente a Maria P.
18. A gerência desta sociedade pertence a Susana M, Maria P e ao Joaquim T.
19. Foi o Banco E, S.A., que como já era credor do vendedor do imóvel, chamou para o negócio a IRB de forma a receber um crédito que era difícil de cobrar do antigo proprietário, sabendo do real fim a dar aos imóveis.
20. Atentas dificuldades económicas a insolvente não conseguiu manter o pagamento das avenças ao TOC.
21. A devedora insolvente pelo menos desde 2010 conhecia o estado deficitário da sociedade, não se tendo apresentado à insolvência.
22. O administrador da insolvente tinha conhecimento desde essa data da situação deficitária da sua empresa das dívidas à Fazenda Nacional e à Segurança Social.
23. O administrador da insolvente sabia que só havia depositado as contas da sociedade até 2009 e elaborado contabilidade apenas até 2010.
24. As dívidas ao Estado- Autoridade Tributária nos seguintes montantes- € 56.570,72 IRC com mais de 1 ano; € 63.043,65- IMI com mais de 1 ano; € 387.623,88 IMT com mais de um ano e IRS € 457,87 com mais de 1 ano, perderam o privilégio por a sociedade não se ter apresentado à insolvência.
25. O Instituto da Segurança Social viu também € 15.894,49 ser qualificado como comum, perdendo o privilégio, por ter decorrido mais de um ano.
26. O dinheiro da IRB era gerido numa conta pessoal da credora Maria P, que através desta conta, fazia os pagamentos das contas da empresa e recebia rendas.
27. O gerente da sociedade sabia que o IMT não era pago na transmissão dos imóveis, nomeadamente nos contratos-promessa.
- Da respectiva fundamentação consta:
"Ora, a Sociedade Requerida nunca se apresentou à insolvência, sendo as dívidas à Autoridade Tributária que perderam o privilegio no montante de € 507.696,12. (art. 20.º n.º 1 al. g) i) e as da Segurança Social que também foram qualificadas como comuns por existentes há mais de um ano no montante de € 15.894,49 (art. 20. n.º 1 al. g) ii)".
- Os insolventes constam como inscritos no Centro de Emprego desde 23-10-2014, inscrição essa apenas efectuada, após para tal efeito serem convidados a juntar a documentação pelo Tribunal e a autuação dos autos ser de 14-8-2014.
- Não foram apreendidos quaisquer bens móveis ou imóveis.
- Os insolventes apresentaram-se à insolvência a 14 de Agosto de 2014.
2.º
Os insolventes atacam a decisão recorrida por considerarem "que não preenchem o previsto no n.º 1 alínea d) do art. 238.º do CIRE e portanto inexiste fundamento para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante" .
Nos termos do artigo 238.º n.º 1 d) "o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica".
Esta omissão da apresentação à insolvência, em devido tempo, tem que, para além do mais, ser geradora de "prejuízo (…) para os credores"; o atraso do insolvente em ir a juízo para que se declare a sua insolvência tem, necessariamente, que prejudicar objectivamente aqueles para com quem ele tem as suas obrigações. Por isso, "o retardamento na apresentação à insolvência não é, ipso facto, causa de prejuízos para os credores" , "não constitui, por si só, presunção de prejuízo" . Com efeito, "para que a norma se aplique será preciso (…) que entre a não apresentação atempada à insolvência e o prejuízo para os credores se verifique um nexo de causalidade" .
A Meritíssima Juiz concluiu que:
"o atraso na apresentação à insolvência causou prejuízos aos credores fundamentalmente por três ordens de razões:
- privaram os credores dos rendimentos normais resultantes do exercício da sua actividade;
- aumentaram o passivo, motivado pelos juros devidos a título de indemnização com o incumprimento;
- praticaram actos que importaram uma redução da possibilidade de pagamento aos credores, o que dificulta o pagamento dos créditos, realizando créditos de avultados montantes, quando já se sabia em incumprimento e com execuções pendentes".
Salvo melhor juízo, dos factos provados nada emerge que permita sustentar a afirmação de que os insolventes "privaram os credores dos rendimentos normais resultantes do exercício da sua actividade" e muito menos que essa privação seja um efeito na demora em requerem a sua insolvência.
Por outro lado, o aumento do passivo decorrente dos juros de mora sobre o capital em dívida, resultante do atraso na apresentação à insolvência por parte do devedor, não consiste, para os efeitos do artigo 238.º n.º 1 d) CIRE, num prejuízo para credores .
E a quanto à actuação dos insolventes "realizando créditos de avultados montantes, quando já se sabia em incumprimento e com execuções pendentes", ela não se traduz em si mesma num "prejuízo (…) para os credores" que tenha sido causado pela demora daqueles em se apresentarem à insolvência. Como se diz no acórdão do STJ citado pelo Tribunal a quo , "restringir a (…) aplicação [desta alínea d)] às hipóteses em que o devedor contraiu novas dívidas (…) significa encontrar outra causa do prejuízo."
Assim, admitindo que, como se diz na sentença recorrida, "a situação de insolvência verificou-se pelo menos a partir de 2011", não se acompanha a Meritíssima Juiz na parte em que identifica estes três prejuízos, nem quando, face a eles, conclui que "o atraso na apresentação à insolvência gerou prejuízos para os credores, impedindo o ressarcimento dos seus créditos, totalmente".
Neste capítulo convém ainda sublinhar que não se apurou qualquer facto que evidencie uma diminuição, no decorrer dos últimos anos, do activo do património dos insolventes. Sabemos, por exemplo, que nos autos não foram apreendidos quaisquer bens móveis ou imóveis; mas desconhecemos se, no passado recente, os insolventes tinham bens móveis ou imóveis susceptíveis de apreensão.
E importa não esquecer que "o conceito de prejuízo, deve ser interpretado como patente agravamento da situação dos credores que assim ficariam mais onerados pela atitude culposa do insolvente" .
Neste contexto, entende-se que não se verifica a situação prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º.
3.º
O pedido de exoneração do passivo restante foi também indeferido com base no disposto na alínea e) desse mesmo n.º 1, onde se estabelece o indeferimento de tal pretensão se "constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º".
Estão aqui em causa "comportamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuíram de algum modo ou a agravaram" . Como se diz no Ac. Rel. Coimbra proferido no Proc. 1252/11.6T2AVR , "é o que se passa com os que contraem obrigações manifestamente desproporcionadas aos bens ou rendimentos de que são titulares. Com efeito, quem contrai obrigações tem o dever de avaliar se está em condições de as cumprir. Havendo desproporção entre os bens e os rendimentos e as obrigações, cai-se na situação tida em vista pela alínea e), do n.º 1, do artigo 238.º do CIRE."
No caso dos autos, os insolventes foram dando avales até que o total da responsabilidade por eles assim assumida atingiu o montante total que na petição inicial disseram ser de € 2 569 458,00, mas que segundo o Administrador da Insolvência é, sim, de € 8 373 739,43. É, portanto, evidente que a partir de certo momento os insolventes continuaram a dar avales com a consciência plena de que não dispunham de património suficiente para satisfazer as obrigações que estavam a contrair . Ao agir deste modo, ignorando a sua incapacidade para honrar os compromissos que assumiam e desrespeitando, por essa via, os legítimos interesses dos credores, contribuíram decisivamente para se colocarem em situação de insolvência, o mesmo é dizer que o pedido de exoneração do passivo restante deve ser indeferido ao abrigo do disposto nos artigos 238.º n.º 1 e) e 186.º n.º 1.
III
Com fundamento no atrás exposto, julga-se improcedente o recurso, pelo que se mantém a decisão recorrida.
Custas pela massa insolvente (artigos 303.º e 304.º CIRE).
15 de Setembro de 2016
(António Beça Pereira)
(Maria Amália Santos)
(Ana Cristina Duarte)
*
1 São deste código todas as disposições adiante mencionadas sem qualquer outra referência.
2 Cfr. conclusão LV.
3 Cfr. folha 36. Havendo um facto relevante para a decisão da causa que está assente, e não figurando ele entre os factos provados, nos termos dos artigos 663.º n.º 2 e 607.º n.º 4 do CPC, o tribunal da Relação pode aditá-lo a estes. Neste sentido veja-se Ac. Rel. Coimbra de 29-5-2012 no Proc. 37/11.4TBMDR.C1, em www.gde.mj.pt.
4 Cfr. conclusão XII
5 João Labareda e Carvalho Fernandes, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª Edição, 2008, pág. 901.
6 Ac. STJ de 24-1-2012, no Proc. 152/10.1TBBRG-E. G1.S1, www.gde.mj.pt.
7 Catarina Serra, O Novo Regime da Insolvência, Uma Introdução, 4.ª Edição, pág. 140.
8 Neste sentido veja, por exemplo, Ac. STJ de 22-03-2011 no Proc. 570/10.5TBMGR, Ac. STJ de 3-11-2011 no Proc. 85/10.1TBVCD, Ac. STJ de 24-01-2012 no Proc. 152/10.1TBBRG, Ac. STJ de 19-04-2012 no Proc. 434/11.5TJCBR e Ac. STJ de 19-6-2012 no Proc. 1239/11.9TBBRG-E.G1.S1, todos em www.gde.mj.pt.
9 Ac. STJ de 3-11-2011 no Proc. 85/10.1TBVCD-F.P1.S1, www.gde.mj.pt.
10 Ac. STJ de 24-1-2012 atrás citado.
11 João Labareda e Carvalho Fernandes, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª Edição, pág. 901.
12 Tanto quanto é do nosso conhecimento este acórdão não se encontra publicado. O aqui relator foi adjunto nesse processo.
13 Mesmo que o valor global em causa fosse aquele que eles mencionaram no início do processo.