Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
144/09.3TBMCD-A.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
INTERPRETAÇÃO DO CLAUSULADO EM TRANSAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Na oposição à execução mediante embargos, só podem ser compensados créditos em relação aos quais o embargante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação.
II. Na interpretação do clausulado pelas partes numa transacção obtida é aplicável o regime geral dos arts. 236.º a 239º do Código Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

Por apenso aos autos de execução de sentença que, sob o n.º 144/09.3TBMCD.1, C. & R., Lda. instaurou contra X – Casa de Repouso, Unipessoal, Lda., para obter desta o pagamento da quantia de € 37.105, 95 (trinta e sete mil, cento e cinco euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida dos juros vincendos até integral e efectivo pagamento, veio a executada deduzir oposição mediante embargos, pretendendo que esta se julgue procedente e, em consequência, se ordene a extinção da instância executiva. Mais pediu que a exequente/embargada fosse condenada como litigante de má fé.
Para o efeito e em síntese, alegou factos tendentes a demonstrar que é titular de um contra-crédito que ascende ao montante total de € 28.549,06 (vinte e oito mil, quinhentos e quarenta e nove euros e seis cêntimos) e, ainda, de um outro contra-crédito, no montante de € 52.012,91 (cinquenta e dois mil e doze euros e noventa e um cêntimos).
A exequente/embargada apresentou contestação, impugnando parte dos factos articulados pela executada/embargante.
Foi realizada audiência prévia, na qual se proferiu despacho saneador, se fixou o objecto do litígio e os temas da prova.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente acção (embargos de executada) improcedente e, em consequência, determino que a execução prossiga contra a Executada /Embargante.
Absolvo a Embargada / Exequente do pedido de condenação como litigante de má fé.
Condeno a Executada / Embargante nas custas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil).
Registe e notifique, inclusive, ao senhor agente de execução.”.
*
Inconformada com esta decisão, a executada/embargante, dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):
IV. Conclusões

a. Resulta do relatório de peritagem junto aos autos que a reparação do elevador não poderia conduzir à emissão de certificado, sendo para tal necessário a sua substituição;
b. Sendo evidente que a reparação do elevador sem emissão do certificado não faz parte do acordado, a decisão de considerar apenas devida a quantia de €4.900, que corresponde às obras no poço do elevador, é ilegal, encontrando-se feita prova de que os custos incorridos para se obter o certificado de conformidade do elevador de €21.086,80;
c. De notar que as facturas n.ºs 1522053806, 1522053911, 1522053997 e 1522054036 são facturas válidas e não contestadas; em consequência, das facturas resultam os factos que atestam, nomeadamente que a Recorrente suportou aqueles custos em troca da reparação e substituição do elevador: esse facto tem de ser considerado assente e não foi;
d. A decisão recorrida baseia-se no acordo homologado ou sentença proferida, no âmbito do processo n.º 403/13.TBMCD-A, que condenou a Recorrida a pagar à Recorrente as obras ali elencadas, cujo orçamento foi fixado em €61.484,13;
e. Resulta dos factos provados que “Qualquer que seja o orçamento escolhido será a requerente a suportar o custo do mesmo, que depois será objecto de desconto na liquidação do processo 144/09.3TBMCD” (Vide artigo 7.º do Acordo);
f. Do ponto de vista formal, entende-se que a decisão é nula nos termos da alínea b) e c) do artigo 615.º do Código do Processo Civil (CPC), por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, limitando-se a enquadrar de forma genérica e abstracta o artigo 817.º do CC nos factos apreciados, sem ser analisado o propósito e ratio do normativo em face do caso concreto. Encontra-se, assim, a decisão em oposição com o próprio sentido lógico resultante dos factos considerados provados em 2.º a 5.º da decisão e a legislação aplicável, em especial os artigos 729.º do CPC e 847.º e 270.º do CC;
g. Do ponto de vista material, entende-se que a decisão é ilegal e inconstitucional, assentando numa interpretação contra legem dos artigos 817.º e 270.º do Código Civil (CC) e na violação do disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP);
h. Atento os factos considerados provados na decisão Recorrida, tais como Qualquer que seja o orçamento escolhido será a requerente a suportar o custo do mesmo, que depois será objecto de desconto na liquidação do processo 144/09.3TBMCD (artigo 7.º do Acordo Homologado), a decisão de que a “Executada/Embargante, em razão dos trabalhos executados, não tem direito à invocada compensação de créditos, pelo que a execução deverá prosseguir.” é absolutamente incompreensível.
i. Na verdade, não pode decorrer do facto Qualquer que seja o orçamento escolhido será a requerente a suportar o custo do mesmo, que depois será objecto de desconto na liquidação do processo 144/09.3TBMCD a conclusão de que Executada/Embargante, em razão dos trabalhos executados, não tem direito à invocada compensação de créditos, pelo que a execução deverá prosseguir, sem que se fundamente legalmente a razão da desconsideração do efeito da obrigação estatuída em função de outro argumento/base legal suficiente para se se considerar que o direito de crédito da Recorrente – facto assente – não tem como consequência o direito de crédito; não há em toda a sentença uma palavra sobre a relação entre a obrigação assumida (suportar o custo do orçamento) e a conclusão de que a Recorrente não tem direito a nada;
j. Atenta a total falta de fundamentação e lógica, a decisão recorrida constitui, por isso, uma decisão surpresa, que é absolutamente ilegal e configura a nulidade da sentença (Cfr. Acórdão do tribunal da Relação do Porto, proc. 721/12.5VPRT.P1, de 8.10.2018);
k. A interpretação integral do Acordo não impõe como pressuposto do reconhecimento do seu direito de crédito o parecer final do perito. Essa exigência constituía, no âmbito do acordo homologado, uma condição, não um pressuposto, sob pena de nenhum sentido ter o Acordo em si mesmo;
l. A decisão é, por isso, obscura e ambígua, não fundamentando os factos provados e a conclusão pela improcedência do pedido, nem tão pouco as consequências práticas em termos de JUSTIÇA dos seus efeitos jurídicos, no caso concreto, revelando-se assim que não se procurou obter JUSTIÇA dentro do quadro legal aplicável.
m. Na decisão recorrida, foi considerado que a Recorrente não pode livrar-se da dívida exequenda por meio de compensação porque nas cláusulas 8) e 9) da Transacção ficou acordado que “O perito, no final da obra emitirá um parecer relativamente à receção definitiva destas obras realizadas” e que “Relativamente a estas obras e obtido parecer favorável do Sr. Perito, a requerente nada mais reclamará.”;
n. Sucede que, na decisão recorrida, não se considerou que Lar pode impor o cumprimento da obrigação, pois, não se trata de uma obrigação natural, mas sim de obrigação judicial, a obrigação de pagamento está vencida, tendo sido dado por provado que a C. & R. se encontrava obrigada ao pagamento conforme orçamento escolhido e identificados os valores efectivamente suportados pelo Lar que obrigam a C. & R. a pagamento (factos 1.º a 7.º da base instrutória).
o. Parece (pois a fundamentação é inexistente), no entanto, que na decisão recorrida se terá considerado que a obrigação da C. & R. estaria sujeita a condição suspensiva, por força das cláusulas 8) e 9) do acordo homologado, constituindo uma obrigação sob condição da emissão do relatório final de obra.
p. Ora, da análise da transação que serve de base à oposição à execução, em especial das cláusulas 8) e 9) não é de todo possível extrair que a obrigação de pagamento da C. & R. ficou subordinada a uma condição suspensiva e que a emissão do parecer do perito é condição da existência da obrigação de pagamento que a C. & R. consentiu em 7), sem nenhuma condição associada, estabelecendo-se exactamente o contrário de qualquer condição ao ser estabelecido que a C. & R. assumia a obrigação de pagamento do orçamentado em obras qualquer que fosse o orçamento escolhido.
q. A interpretação das cláusulas 8) e 9) desenvolvida na sentença em análise é ab-rogatória, na medida em que se traduz na negação do sentido e valor do acordo (ignorando-se o indiscutível direito de crédito da Recorrente) e, em consequência, é ilegal.
r. Ademais, parece, também, defensável que a falta do parecer final do Perito não pode constituir uma excepção peremptória, pois, na essência do acordo, as cláusulas 8) e 9) não constituem condições da assunção de dívida pela C. & R..
s. Em face da jurisprudência já firmada sobre a matéria, entende-se que a decisão viola o princípio da legalidade, o princípio da gestão processual e o princípio do contraditório.
t. A decisão é, também inconstitucional pois a sua aplicação prática conduz à negação do direito à tutela jurisdicional efectiva da Recorrente.
u. Em face da decisão proferida, é a seguinte a situação da Recorrente:
a) A Recorrente dispõe de um crédito de €61.484,13 sobre a Recorrida, que detêm um crédito de €35.827 sobre a Recorrente;
b) A Recorrente está obrigada a pagar à Recorrida €35.827, embora disponha de um crédito de €61.484,13 sobre a Requerida, crédito esse que não foi pago à Recorrente, nem será por falta de bens penhoráveis da Recorrida, como resulta do Processo n.º 388/13.3TBMCD, Tribunal Judicial da Comarca de Bragança e do pedido de insolvência apresentado contra a Requerida – Proc. 49/20.7T8MAC, Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo Macedo de Cavaleiros;
c) A Recorrida condenada à prestação de caução no âmbito do processo n.º 388/13.3TBMCD, que corre termos no Tribunal Judicial de Macedo de Cavaleiros, não cumpriu com a sua obrigação, mesmo após decisão judicial e dissipou o seu património, razão pela qual o crédito da Recorrente está por pagar (assim como a caução da obra), encontrando-se, apreendidos à ordem da Recorrida apenas cerca de €100;
d) A Recorrente tem um crédito de valor bastante superior ao crédito da Recorrida reconhecido judicialmente, por acordo homologado e reconhecido na própria sentença recorrida, mas caso a decisão transite em julgado, é a Recorrente que está obrigada a pagar €35.827 à Recorrida e não está obrigada a receber o seu crédito reconhecido por sentença homologada, por falta de parecer final de perito;
v. É evidente dos factos sumariamente descritos que à Recorrente tem sido negado o acesso à justiça, sendo CARICATURIAL perceber que a Recorrente tem um crédito judicialmente reconhecido superior ao da Recorrida, mas o seu imóvel (onde desenvolve uma actividade de interesse público e social – LAR DE IDOSOS) está adjudicado provisoriamente por força da dívida exequenda inferior reconhecida no processo 144/09.3TBMCA.1 – esta sim exigível, apesar do crédito da Recorrente e apesar daquela nunca ter prestado a caução devida.
w. Sem mais palavras, que a dor que aqui se exprime, deve relevar suficientemente bem a negação total e absoluta de JUSTIÇA a que a Recorrente TEM SIDO conduzida, em todo este emaranhado de decisões secas, informais e que obstam ao acesso à JUSTIÇA, PEDE-SE A ESTE DIGNO TRIBUNAL SE DIGNE ORDENAR JUSTIÇA!
Nestes e nos mais termos de Direito que V. Ex.as Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, tudo com as demais consequências legais que V. Ex.as doutamente suprirão, em nome da JUSTIÇA!”.
*
Não consta dos autos que tenha havido contra-alegações.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:

1. das nulidades da sentença.
2. da impugnação da matéria de facto.
3. da possibilidade de compensação de créditos.
*
III. Fundamentação de facto.

Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:

Da discussão da causa, resultaram provados os factos essenciais que, a seguir, se discriminam:

1.º - A Exequente / Embargada C. & R., Lda. instaurou contra a Executada / Embargante X – Casa de Repouso, Unipessoal, Lda., execução de sentença nos próprios autos, n.º 144/09.3TBMCD.1, para obter da Executada o pagamento da quantia de € 37 105, 95 (trinta e sete mil, cento e cinco euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida dos juros vincendos até integral e efetivo pagamento.
2.º - Em 26-09-2014, nos autos do procedimento cautelar n.º 403/13.0TBMCD, em que eram, Requerente, a ora Embargante X, Casa de Repouso, Unipessoal, Lda. e Requerida, a ora Embargada C. & R., Lda., foi proferida por sentença, transitada em julgado, que homologou a seguinte transacção:
“1)
A requerente reduz o pedido às seguintes obras:
a) Do terraço com a consequente reparação do teto do corredor de acesso à capela e da própria capela;
b) Eliminação das humidades e infiltrações do quarto n.º 5;
c) Reforçar o chão e reparação das paredes da casa das máquinas;
d) Reparação do elevador, por forma que, o mesmo obtenha o certificado de conformidade.
2)
A requerida aceita tais obras.
3)
Mais acordam em que, no prazo de 15 dias, as partes comprometem-se a entrar em contacto com o perito Eng. J. C., com domicílio Rua 20 de Julho, n.º 20-3.º esq., Vila Real, e a solicitarem-se relatório escrito, onde conste as obras necessárias à eliminação dos pontos referidos.
4)
Obtido o relatório, as partes comprometem-se, no prazo de 10 dias, a obterem, cada uma, orçamento em conformidade com o relatório que antecede e a apresenta-lo ao mesmo perito, a quem solicitarão que opte pelo orçamento que entenda por mais adequado às obras necessárias, esta resposta deverá ser por escrito e fundamentada.
5)
Os encargos com o Sr. perito serão suportadas por ambas as partes.
6)
As partes comprometem-se a aceitar o orçamento selecionado, adjudicando-se à empresa escolhida.
7)
Qualquer que seja o orçamento escolhido, será a requerente a suportar o custo do mesmo, que depois será objecto de desconto na liquidação do processo n.º 144/09.3TBMCD, a correr termos na Comarca de Bragança – Instância Central.
8)
O perito, no final da obra emitirá um parecer relativamente à receção definitiva destas obras realizadas.
9)
Relativamente a estas obras e obtido parecer favorável do Sr. Perito, a requerente nada mais reclamará.
10)
Custas em partes iguais.”
3.º - Para realização dos trabalhados referidos em 2.º, foi elaborado um orçamento pela empresa Y – Construções – Soc. Unip. Lda. efetuado com base no relatório de peritagem datado de 06/02/2015, junto aos autos do referido procedimento cautelar n.º 403/13.0TBMCD, e sobre o qual foi decidido que o mesmo seria o mais adequado, que descreveu os trabalhados a realizar e os valores orçados para a sua efetivação, que se cifram no total de € 61 484, 13.
4.º - Dos trabalhos mencionados na alínea “a) do terraço reparação do tecto do corredor de acesso à capela e da própria capela;”, a executada realizou e suportou os trabalhos constantes da factura n.º 0145. no montante de € 1 999,52.
5.º - Dos trabalhos mencionados na alínea “b) eliminação das humidades e infiltrações do quarto n.º 5”, a executada realizou e suportou os trabalhos constantes da factura n.º 0146. no montante de € 1 416,04.
6.º - Dos trabalhos mencionados na alínea “d) reparação do elevador, por forma que o mesmo obtenha o certificado de conformidade”, a executada realizou e suportou os trabalhos constantes da factura n.º 0119, no montante de € 4 900, 00.
7.º - No âmbito dos autos da acção especial de prestação de caução (processo n.º 388/13.3TBMCD – que corre termos no Juízo de Competência Genérica de Macedo de Cavaleiros), que a Embargante intentou contra a aqui Exequente, foi decidido o seguinte: “condeno a Ré “C. & R., Lda.” a prestar caução pelo valor contratualizado de € 52.012,91 € que só será restituída, quando a obra for definitivamente recebida, a efetuar por depósito em dinheiro ou em títulos emitidos ou garantidos pelo Estado ou mediante garantia bancária ou ainda por seguro caução, conforme escolha do adjudicatário, e de acordo com os modelos constantes do anexo do caderno de encargos;”.
8.º - O que a exequente não fez até à presente data.”
*
Não constam como não provados quaisquer factos.
*

IV. Do objecto do recurso.

1. Delimitadas que estão, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de apreciá-las.
1.1. Das nulidades da sentença.
Sobre as mesmas se não pronunciou o Tribunal a quo, como determina o art. 617º nº1 do CPC. Entendeu-se contudo ser desnecessária a remessa dos autos à 1ª instância para sua apreciação (art. 617º nº 5 do CPC), por tal não se mostrar indispensável.
Vejamos então.
As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no art. 615º do CPC.
Tais vícios, designados como “error in procedendo”, respeitam apenas à estrutura ou aos limites da sentença.
Como se escreveu nos Acórdãos desta Relação de 4/10/2018, e do STJ de 17/10/2017, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má percepção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito.
Com excepção das previstas na al. a) do n.º 1 do artigo 615.º e no artigo 666.º, n.º 1, segunda parte, estas nulidades respeitam ao teor do acto decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objecto e limites do julgamento; porém, não quanto ao mérito desse julgamento.
A causa de nulidade da sentença prevista na al. b) do nº1 do art. 615º do Código de Processo Civil – falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão –, foi considerada verificar-se, unanimemente e por um longo período de tempo, quer na doutrina quer na jurisprudência, “quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito”, não a constituindo “a mera deficiência de fundamentação” (Cfr., neste sentido, entre muitos outros: Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2ª ed., pag. 703; Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, Lisboa, 1972, pag. 226, e Acórdão do STJ de 05.05.2005, relatado por Araújo Barros, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.)
Contudo, Jurisprudência mais recente tem entendido que a falta de fundamentação a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 615.º ocorre, seja quando não há nenhuma fundamentação (de direito ou de facto), seja quando falta, em termos funcionais e efectivos, algum segmento da fundamentação exigida pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º.
Como se entendeu no Ac. desta Relação de Guimarães, de 18/01/2018, disponível in www.dgsi.pt: “ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial”.
Nesta medida, entendemos também que a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório.
No caso dos autos, invoca a apelante que a sentença apelada é nula por falta de fundamentação.
Basta a leitura da sentença apelada para verificar que tal não ocorre, uma vez que da mesma consta quer a fundamentação de facto, quer a de direito, pelo menos de forma suficiente, e que permite aos destinatários a percepção das razões de facto e de direito da decisão em causa.
Improcede assim, esta invocada nulidade.
*
Entende também a apelante que a sentença proferida está ferida de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, nº 1 c) do CPC.

A fundamentação da sentença tem regulamentação específica na norma do artigo 607º do CPC, que dispõe: (…)
“2. A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”

Dispõe o Artigo 615º, nº1, alínea c), que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição – cfr. Acórdãos da Relação de Coimbra de 11.1.94, Cardoso Albuquerque, BMJ nº 433, p. 633, do STJ de 13.2.97, Nascimento Costa, BMJ nº 464, p. 524 e de 22.6.99, Ferreira Ramos, CJ 1999 – II, p. 160.
Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, ou seja, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos – cfr. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, 2000, pg. 298.
Por outras palavras, se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.3.2001, acessível em www.dgsi.jstj/pt.

No que tange à obscuridade conducente à ininteligibilidade da decisão, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, p. 151, ensinava a este propósito:
«A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.»
Assim, a decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.
Vista a sentença recorrida, resulta manifesto que não ocorre a nulidade prevista nesta al. c) do nº 1 do art. 615º do CPC.
Com efeito, não se verifica a existência de qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão (muito pelo contrário) pois que na fundamentação da sentença é seguida determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, decide-se nesse sentido.
Por outro lado, não se verifica igualmente qualquer obscuridade ou ambiguidade da sentença, porquanto não tem a mesma qualquer passo cujo sentido seja ininteligível, nem qualquer passagem que se preste a interpretações diferentes. Muito pelo contrário, é perceptível o que o Tribunal recorrido quis dizer, não decorrendo da leitura da mesma qualquer passagem que se preste a interpretações diferentes.
Improcede também esta arguida nulidade.
*
1.2. Da impugnação da matéria de facto.

Pese embora o não faça da forma mais correcta e perceptível, resulta das conclusões de recurso, conjugadas com as alegações apresentadas, que pretende a apelante a alteração da matéria de facto provada sob o ponto nº 6, no sentido de se dar como provado, para além do valor aí constante, também o valor de € 21.086,80 de custos em que apelante incorreu para substituir o elevador e obter o certificado de conformidade do mesmo, dado que a sua reparação não era suficiente para esse efeito.
Para tanto invoca que as facturas n.ºs 1522053806, 1522053911, 1522053997 e 1522054036 são facturas válidas e não contestadas, pelo que atestam que a apelante suportou aqueles custos.
Vejamos.
O Tribunal a quo apenas considerou no ponto 6º dos factos dados como provados, que a ora apelante realizou e suportou a quantia de € 4 900, 00, no que se refere aos trabalhos mencionados na alínea “d) reparação do elevador, por forma que o mesmo obtenha o certificado de conformidade”, constantes da factura n.º 0119.
Para justificar tal facto, e desconsiderar as restantes facturas apresentadas pela apelante, e não impugnadas, entendeu o Tribunal que o acordo obtido entre as partes no âmbito do outro processo, nomeadamente a referida al.d), não previa a possibilidade de substituição do elevador, mas apenas a sua reparação.
Ora, entendemos que cabe razão à apelante na sua crítica à decisão.
É que, como esta bem refere, resulta do relatório pericial efectuado pelo perito escolhido por ambas as partes na sequência do acordo firmado, que a reparação do elevador não poderia conduzir à emissão de certificado de conformidade, sendo para tal necessário a sua substituição. Assim sendo, e interpretando a cláusula em causa, nomeadamente quando é afirmado “por forma que o mesmo obtenha o certificado de conformidade” parece-nos evidente que o pretendido pelas partes era uma solução para o problema do elevador, que levasse a que este funcionasse e pudesse obter o certificado de conformidade. Ora, não logrando a mera reparação do mesmo obter tal desiderato, é de considerar que apenas a sua substituição, como preconizado pelo Sr. Perito, era a solução para tal finalidade.
Assim sendo, considerando a prova documental dos autos, que não foi impugnada, temos que se apurou o pagamento pela ora apelante, para além dos já referidos € 4.900,00, também do montante de € 20.233,50 (cfr. as facturas juntas com a p.i., com os n.ºs 1522053806, 1522053829, 1522053911, 1522053997 e 1522054036 referentes o pagamento do elevador,), e já não o montante de € 21.086,80, referido pela apelante.

Nesta medida, procedendo parcialmente a impugnação da matéria de facto, deve em consequência o art. 6º dos factos provados passar a ter a seguinte redacção:
“6.º - Dos trabalhos mencionados na alínea “d) reparação do elevador, por forma que o mesmo obtenha o certificado de conformidade”, a executada realizou e suportou os trabalhos constantes das facturas n.º 0119, no montante de € 4 900, 00 e n.ºs 1522053806, 1522053829, 1522053911, 1522053997 e 1522054036, no montante de € 20.233,50”.
*
1.3. Considerando a alteração que foi feita na decisão relativa à matéria de facto, a factualidade (provada) a atender para efeito da decisão a proferir, é a que consta já do ponto III, com a alteração do ponto 6º, nos termos supra descritos.
*
1.4. Do direito.
Os embargos de executado têm sido entendidos, quer na doutrina quer na jurisprudência, como uma acção declarativa enxertada no processo de execução, sendo que o requerimento de embargos equivale a uma petição inicial para acção declarativa – e tal posição tem-se mantido ao longo das diversas reformas registadas no âmbito da acção executiva (cfr., entre outros, Alberto dos Reis, “Processo de Execução”, Vol. 2º, 48; Anselmo de Castro, “Acção Executiva singular”, 2ª ed., 276; Lopes Cardoso, “Manual da Acção Executiva”, 3ª ed., 250; Remédio Marques, “Curso de Processo Executivo Comum”, 150 e 151).
Como refere Lebre de Freitas in “A Acção Executiva”, 4ª ed., 188, ao contrário do que sucede com a contestação na acção declarativa, os embargos de executado surgem como algo extrínseco à acção executiva, assumindo uma natureza de contra-acção que pretende obstar a que se produzam os efeitos do título executivo em que aquela se baseia.
Assim, a oposição à execução mediante embargos de executado é o meio de que o executado dispõe para se libertar (total ou parcialmente) da execução contra si instaurada, seja com base em razões de natureza processual, seja aduzindo argumentos materiais - que contendam com a existência ou a subsistência da obrigação (Cfr. Paulo Pimenta, In Acções e Incidentes Declarativos na Pendência da Execução, Revista Themis, Ano V, n.º 9, 2004, p. 73), seja pela verificação de um vício de natureza formal que obsta ao prosseguimento da execução (J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Almedina, pp. 149/150).
Na sua petição inicial de oposição à execução, o embargante/apelante invocou a compensação de créditos, como facto extintivo do crédito exequendo.
A compensação é uma de entre várias causas de extinção das obrigações. Na definição do Prof. Antunes Varela, é o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor (Das Obrigações em Geral, volume II, 5.ª edição, página 195).
Em termos práticos, a compensação traduz-se num encontro de contas, com vista a evitar às partes um duplo acto de cumprimento.
Mas, como esclarece o Prof. Almeida Costa, é, também, o princípio da equidade a dar o seu contributo, já que não seria justo obrigar a cumprir quem seja credor do seu credor, até pelo risco de vir a perder a garantia de pagamento do respectivo crédito, como sucederia, por exemplo, em caso de insolvência da contraparte (Direito das Obrigações, página 797).

Os requisitos da compensação vêm enunciados no artigo 847.º do Código Civil, nos seguintes termos:

1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.
Segundo o Prof. Antunes Varela, são quatro os pressupostos que emergem do preceito: a) a reciprocidade de créditos; b) a validade, exigibilidade e exequibilidade do contracrédito; c) a fungibilidade do objecto das obrigações; d) a existência e validade do crédito principal (obra citada, páginas 198 a 206).
Mas mesmo que se verifiquem todos estes requisitos, há casos em que a compensação não opera; assim acontece em relação aos créditos provenientes de factos ilícitos dolosos, aos créditos impenhoráveis (a menos que ambos sejam da mesma natureza), aos créditos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas e, ainda, quando haja prejuízo de direitos de terceiro, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis, ou quando o devedor tenha renunciado à compensação (artigo 853.º do Código Civil).
Seguindo a fundamentação explanada nos Acs. do STJ de 14/03/2013 e de 02/06/2015, ambos disponíveis in www.dgsi.pt., que tende a ser maioritária, entendemos que para efeitos de apresentação de compensação em sede de oposição à execução, o contra crédito do executado só é exigível quando está reconhecido judicialmente.
Com efeito, tem sido entendido que no âmbito de um processo executivo, um crédito do executado só se torna exigível, para efeitos de compensação com o crédito exequendo, quando a sua realização coactiva não depende de reconhecimento judicial em processo declarativo, ou seja, quando já está reconhecido judicialmente ou pelo menos quando esse crédito se mostra corporizado em título executivo.
“A compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra-crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível” (Ac. do STJ de 14/12/2006, in www.dgsi.pt.).
Pois, “só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação”, pelo que “estando o crédito que a ré apresentou na contestação como sendo compensante a ser discutido numa acção declarativa pendente, deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor.
Tal crédito não é, pois, exigível judicialmente, pelo que não pode ser apresentado a compensação” (Cfr. Ac. do STJ de 29/03/2007, in www.dgsi.pt).
Assim, a utilização da compensação em processo de embargos/oposição à execução tem que ter como fundamento um contra crédito do executado já reconhecido judicialmente, não sendo, de todo, admissível que o reconhecimento judicial do contra crédito tenha lugar nos autos de embargos/oposição à execução.

No caso dos autos, temos que a embargante/apelante invoca um direito de crédito que já se encontra reconhecido judicialmente, pois que resulta de uma transacção efectuada no âmbito de um outro processo judicial (procedimento cautelar nº 403/13.0TBMCD), homologada por sentença, transitada em julgado, processo no qual a ora embargante/apelante era requerente e a embargada/apelada era requerida.
Ora, tal direito já tem a consistência de um crédito em sentido estrito, uma vez que, já impende sobre a exequente a obrigação de efectuar o pagamento dos trabalhos já suportados pela embargante, nos termos acordados na transacção em causa.
Nesta medida, a compensação pretendida está em condições de ser exercida nesta acção executiva, através da presente oposição mediante embargos.
De facto “A significância da expressão «judicialmente exigível», não passa por uma mera eventualidade e/ou possibilidade de o titular do pretenso crédito poder ou não suscitar a intervenção do Tribunal para efectivar a sua pretensão, implicando, antes, que tal pretensão já se mostre devidamente efectivada e o crédito efectivamente reconhecido”. (cfr. Ac STJ de 04/07/2019, disponível in www.dgsi.pt)).
Ou seja, o direito que a embargante/apelante quer fazer valer é desde já exequível. E, contrariamente ao entendido pelo Mmo Sr. Juiz a quo, a tal não obsta o conteúdo das als. 8) e 9) do acordo em causa, pois que não resulta do seu teor que as partes pretendessem que a emissão de um parecer pelo Sr. Perito por ambas escolhido, no final da obra, relativamente à recepção definitiva das obras realizadas, fosse condição para que a ora embargante pudesse reclamar nestes autos, como acordado no ponto 7) dessa transacção, os montantes por si suportados.
De facto, quanto à interpretação do clausulado pelas partes na transacção obtida é aplicável o regime geral do Código Civil (arts. 236.º a 239º).

Dispõe o art. 236º:
«1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida».
O declaratário normal é o declaratário medianamente inteligente, instruído e diligente.

Por sua vez o art. 238º estatui:
«1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.».

Temos assim que a busca do significado daquilo que as partes terão querido, ao emitirem uma declaração negocial, deve nortear-se pela regra geral enunciada no dito nº 1 do art. 236º do Código Civil, valendo, decisivamente, o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, teria deduzido do comportamento do declarante, só assim não sendo se este último, em termos de razoabilidade, não puder contar com a atribuição de tal sentido à sua declaração.
E também assim não será – como decorre do nº 2 do mesmo preceito – se o declaratário conhecer o sentido que o declarante pretendeu exprimir através da declaração, caso em que o negócio valerá “de acordo com a vontade comum das partes (…), quer a declaração seja ambígua, quer o seu sentido (objectivo) seja inequivocamente contrário ao sentido que as partes lhe atribuíram.” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição, vol. I, pág. 224).
Naturalmente, esta última regra excepcional só poderá ter aplicação no caso de se conhecer, a par da declaração negocial em análise, aquela que teria sido a vontade real das partes.
Quando nada foi sequer alegado pelas partes acerca do sentido subjacente às declarações negociais emitidas, nunca poderá resultar demonstrada, por tal via, essa vontade real, pelo que o sentido da vontade negocial tem de ser aferido em função da acima enunciada regra geral que consagra uma doutrina objectivista da interpretação, ao fazer prevalecer o sentido que “seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.”(Ibidem, pág. 223).

No caso dos autos temos que, para além do teor literal da referida cláusula 7ª) do acordo “Qualquer que seja o orçamento escolhido, será a requerente a suportar o custo do mesmo, que depois será objecto de desconto na liquidação do processo n.º 144/09.3TBMCD, a correr termos na Comarca de Bragança – Instância Central.”, há que considerar que a requerente no processo onde foi obtido o acordo, era a ora embargante, e foi ela quem assumiu no mesmo proceder às obras, suportar o seu custo, e depois proceder ao “desconto” do valor que suportasse, no âmbito deste processo.
A tal acresce que a cláusula 9ª) do acordo em causa refere que: “Relativamente a estas obras e obtido parecer favorável do Sr. Perito, a requerente nada mais reclamará.”.
Ora, a requerente desse processo, como se disse já, era a aqui embargante, e não a aqui exequente. Tal leva a que não faça sentido, para um declaratário normal, que o conteúdo das als. 8) e 9) do acordo em causa, possa ser interpretado como condição para que a ora embargante pudesse reclamar nestes autos, como acordado no ponto 7) dessa transacção, os montantes por si suportados.
Assim sendo, podemos concluir com segurança que, contrariamente ao entendido na decisão apelada, o teor das cláusulas 8ª) e 9ª) da transacção obtida, em nada contende com a possibilidade do pretendido exercício de compensação de créditos, no que aos montantes suportados pela embargante diz respeito.
O mesmo se não poderá dizer já no que aos montantes ainda não suportados pela embargante respeita, pois que da interpretação da cláusula 7ª) da transacção em causa, resulta que o “desconto” a efectuar neste processo será daquilo que foi já suportado, nomeadamente quando se afirma “será a requerente a suportar o custo do mesmo, que depois será objecto de desconto”, e não já, do valor total do orçamento, ainda que parte das obras ainda não estejam efectuadas e não tenham sido suportadas pela embargante/apelante. É que, desta cláusula em concreto e da globalidade do acordo resulta que, o que as partes pretenderam foi que a aqui embargante/apelante, e ali requerente, assumisse a realização das obras, na sequência da obtenção de um orçamento aceite por ambas as partes, e suportasse o seu custo, vindo posteriormente fazer o desconto respectivo (do que efectivamente tiver pago) neste processo. Não resulta que as partes tenham acordado que, independentemente de serem ou não feitas as obras e pagas as mesmas pela aqui embargante/apelante e ali requerente, esta teria direito a vir “descontar” neste processo o valor do orçamento aceite. Com efeito, se as partes pretendessem com o acordo alcançado a solução de que o valor do orçamento aprovado era devido independentemente de as obras se mostrarem realizadas e pagas, tal deveria transparecer das cláusulas que firmaram, e, efectivamente, não transparece.
Nessa medida, e considerando que apenas no que ao contra-crédito resultante da transacção efectuada no procedimento cautelar nº 403/13.0TBMCD diz respeito, foi impugnada a sentença proferida através do presente recurso (e já não no que respeita à questão da caução discutida na acção especial de prestação de caução nº 388/13.3TBMCD), a apelação será julgada parcialmente procedente, devendo em consequência a presente oposição à execução por embargos ser julgada parcialmente procedente e nessa medida, por força da compensação do contra-crédito da embargante sobre a exequente, ser reduzida a quantia exequenda ao montante de € 8.556,89.
Invoca ainda a embargante/apelante que a decisão proferida pelo Tribunal a quo violou o disposto pelo art. 20º da Constituição da República Portuguesa e que constitui uma decisão surpresa. Considerando contudo o que acaba de expor-se, e vista a parcial procedência da apelação, desnecessário se torna o conhecimento de tais questões.
Procede, pois, parcialmente a apelação.
*
*
V. Decisão.

Perante o exposto, acordam as Juízes desta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar parcialmente procedente a apelação, e em consequência:
- Julgar parcialmente procedente a presente oposição à execução por embargos e nessa medida, por força da compensação do contra crédito da embargante sobre a exequente, reduzir a quantia exequenda ao montante de € 8.556,89.
Custas do recurso por apelante e apelada, na proporção dos respectivos decaimentos.
*
Guimarães, 21 de Janeiro de 2021

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Alexandra Viana Lopes
Anizabel Pereira

(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações” efectuadas que o sigam)