Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
199/22.5T8MLG-B.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A nulidade da sentença decorrente da existência de oposição entre os fundamentos e a decisão, prevista no art. 615º, nº 1, al. c), do CPC, ocorre quando existe uma contradição lógica entre o raciocínio desenvolvido na fundamentação e a decisão tomada, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris).
II - A circunstância de os factos provados não poderem levar a concluir, do ponto de vista da sua subsunção jurídica, que a medida de promoção e proteção que melhor atende o superior interesse da criança é a medida de apoio junto da progenitora, a verificar-se, só pode integrar um erro de julgamento, por o tribunal ter decidido de forma desacertada, mas já não um vício de nulidade da decisão, pois o tribunal não decidiu de forma contraditória com a fundamentação jurídica, antes proferiu decisão em inteira conformidade e de forma consequente com o raciocínio lógico-jurídico anteriormente desenvolvido.
III - O legislador optou, propositadamente, por não definir a noção de superior interesse da criança, recorrendo antes a um conceito amplo e aberto, a preencher casuisticamente, por entender que, dada a variedade e multiplicidade de situações suscetíveis de ocorrerem na vida real, por um lado, e a própria evolução social e cultural, com a consequente alteração de paradigmas, princípios e valores, por outro, seria mais adequado o uso de um conceito aberto e flexível, adaptável a tais situações e evoluções e que permitisse acompanhá-las e integrá-las.
IV - Pese embora todas as tentativas de concretização e densificação conceptual do conceito de superior interesse da criança que se possam levar a cabo, a verdade é que tal interesse só pode ser aferido de forma casuística e atual, perante a criança concreta, no confronto com a sua situação pessoal, familiar, escolar e social e com o seu concreto estado de desenvolvimento físico, psíquico e emocional, por forma a verificar qual é a situação ou projeto de vida que oferece melhores garantias para o seu desenvolvimento físico e psíquico, para o seu bem-estar e segurança e para a sã formação da sua personalidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO

O Ministério Público veio requerer a abertura de processo judicial de promoção e proteção relativamente à criança AA, nascida em ../../2021, requerendo que lhe seja aplicada uma medida de promoção e proteção adequada, nomeadamente a de apoio junto dos pais, em virtude de a criança se encontrar atualmente em situação de perigo, por um lado, porque presencia episódios de violência física e verbal entre os progenitores, os quais afetam gravemente a sua segurança e o seu equilíbrio emocional, e, por outro lado, porque não lhe são prestados pelos progenitores os cuidados adequados à sua idade e situação pessoal.
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Foi proferido despacho (ref. Citius ...59) que, além do mais, ordenou a autuação como processo de promoção e proteção e declarou aberta a instrução, nos termos dos arts. 105º, nº 1 e 106º, nº 1, da LPCJP (Lei 147/99, de 1.9 - Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo).
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Após vária tramitação processual (que aqui nos dispensamos de descrever porquanto a mesma se encontra pormenorizadamente elencada na factualidade provada que ainda será transcrita), realizou-se o debate judicial e, em 20.12.2023, foi proferido acórdão (ref. Citius ...98) com o seguinte teor decisório:

“Em conformidade com o exposto supra, acordam os Juízes que compõem este Tribunal ... em aplicar a AA a medida de promoção e protecção de apoio junto da mãe, BB, pelo período de 3 (três) meses, com revisão obrigatória a meio da medida, ao abrigo do plasmado nos arts. 35.º, n.º 1, alínea a), 39.º, 41.º e 42.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.
Para a execução da medida, estabelecem-se as seguintes condições e obrigações:
Os avós paternos poderão conviver com a menor de 15 (quinze) em 15 (quinze) dias, aos fins-de-semana, com pernoita na sua habitação, recolhendo-a na escola, findo o período lectivo ou escolar, à sexta-feira, e entregando-a na segunda-feira seguinte no estabelecimento de ensino no início do período lectivo ou escolar.
O progenitor poderá conviver com a filha de 15 (quinze) em 15 (quinze) dias, aos fins-de-semana, apenas no domicílio da avó paterna.

Para a mãe, BB, impõe-se:

1. Garantir que a AA recebe os cuidados básicos de alimentação, higiene, vestuário, saúde, supervisão e conforto;
2. Garantir o cumprimento das consultas de saúde necessárias e da administração da medicação, se for prescrita;
3. Garantir que a habitação está sempre em razoáveis condições de higiene e arrumação;
4. Garantir que a AA frequenta a creche, com assiduidade e pontualidade, devendo faltar somente se facto de maior relevância surgir, obrigando-se a comunicar à técnica responsável o sucedido;
5. Garantir que a AA é, durante o mês de Janeiro, sujeita a consulta de pediatria, obrigando-se a comunicar à técnica responsável quando e qual a instituição de saúde onde ocorreu;
6. Continuar a sujeitar-se a controlos aleatórios para despiste de substâncias psicoactivas no Centro de Respostas Integradas (CRI);
7. Sujeitar-se a perícia para avaliação das suas competências de parentalidade;
8. Colaborar com o Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental obedecendo às instruções que receber e obrigando-se a corrigir o seu comportamento em conformidade com as indicações que for recebendo;
9. Garantir que a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais tem acesso à AA e ao interior da sua habitação para aferir do respeito da presente medida;
10. Colaborar com a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais e com o Tribunal, sempre que assim for solicitado, obedecendo às instruções que receber e obrigando-se a corrigir o seu comportamento em conformidade com as indicações que for recebendo; e,
11. Não criar conflitos com a demais família da AA.

Para o companheiro da mãe, CC, impõe-se:
1. Colaborar com a mãe no cumprimento das suas obrigações para com a AA;
2. Sujeitar-se a controlos aleatórios para despiste de substâncias psicoactivas no Centro de Respostas Integradas (CRI);
3. Sujeitar-se a perícia para avaliação das suas competências de parentalidade;
4. Colaborar com o Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental obedecendo às instruções que receber e obrigando-se a corrigir o seu comportamento em conformidade com as indicações que for recebendo;
5. Garantir que a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais tem acesso à AA e ao interior da sua habitação para aferir do respeito da presente medida;
6. Colaborar com a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais e com o Tribunal, sempre que assim for solicitado, obedecendo às instruções que receber e obrigando-se a corrigir o seu comportamento em conformidade com as indicações que for recebendo.
7. Não criar conflitos com a demais família da AA.

Para os avós paternos, DD e de EE, impõe-se:
1. Colaborar com a mãe no cumprimento das suas obrigações para com a AA;
2. Garantir que a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais tem acesso à AA e ao interior da sua habitação para aferir do respeito da presente medida;
3. Colaborar com a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais e com o Tribunal, sempre que assim for solicitado, obedecendo às instruções que receber e obrigando-se a corrigir o seu comportamento em conformidade com as indicações que for recebendo.
4. Não criar conflitos com a demais família da AA.

Para o progenitor, FF, impõe-se:
1. Colaborar com a mãe no cumprimento das suas obrigações para com a AA;
2. Garantir que a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais tem acesso à AA e ao interior da sua habitação para aferir do respeito da presente medida;
3. Colaborar com a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais e com o Tribunal, sempre que assim for solicitado, obedecendo às instruções que receber e obrigando-se a corrigir o seu comportamento em conformidade com as indicações que for recebendo.
4. Não criar conflitos com a demais família da AA.
Nomeia-se a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais que presta apoio a este Tribunal para acompanhamento da medida, devendo elaborar relatório de acompanhamento a tempo da revisão e, bem assim e de imediato, dar notas de qualquer incumprimento que ocorra por parte de qualquer pessoa.
Não são devidas custas.”
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O acórdão manteve ainda o valor da causa que havia sido previamente fixado em € 30.000,01.
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O Ministério Público não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. Nos presentes autos, estamos perante um processo de promoção e proteção que incide sobre a criança AA, nascida a ../../2021, filha de FF e de BB. 
2- Por douto Acórdão proferido no dia 20 de dezembro de 2023, o tribunal a quo decidiu novamente aplicar à criança AA a medida de promoção e proteção de apoio de apoio junto da mãe BB, pelo período de 3 (três) meses, com revisão obrigatória a meio da medida, ao abrigo nos artigos 35.º, nº1, al. a), 39.º, 41.º e 42.º da LPCJP.
3- Salvo o devido respeito por entendimento contrário, consideramos que os fundamentos que o tribunal a quo, invoca para fundamentar tal decisão de prorrogação da medida de apoio junto da progenitora, quer de facto, quer de direito, estão em oposição com a mesma.
4- Em sede de matéria de facto, esse douto tribunal deu como provados, nomeadamente, os seguintes factos: (24)CC tem histórico de consumir estupefacientes em conjunto com o progenitor da AA. (25)A progenitora e CC não aceitam as instruções ou recomendações da técnica da Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais responsável pelo acompanhamento do caso da AA, não permitem que entre livremente no interior da sua habitação. (67)(…) no tempo enquanto se encontrava à guarda da progenitora, a AA sofreu uma queimadura de 2.º grau na mão direita da qual resultaram flictenas em 3 dos dedos, não tendo a progenitora a levado, em consequência dessa queimadura, a qualquer unidade de saúde. 69) Com início por volta de Setembro de 2023, na creche que frequenta, a AA tem-se comportado de forma mais rabugenta, menos cumpridora das regras e mais desafiadora para com os adultos. (70) Com início por volta de Setembro de 2023, na creche que frequenta, a AA evita responder a perguntas concretas sobre a sua família.
5- Em sede de fundamento de direito, esse douto tribunal considerou, e bem, que “A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece aos princípios orientadores do sistema consagrados no art. 4.º da Lei de protecção de Crianças e Jovens em Perigo. São eles: a) Interesse superior da criança; (….) e)Proporcionalidade e atualidade(…)”, sendo quanto a este último considerou que “a medida deverá ser apenas a necessária e adequada à situação de perigo existente no momento da decisão.”
6- Ora, não obstante todos os considerandos a nível de facto e de direito, vem o douto tribunal a quo considerar que “na necessidade de definir um projeto de vida para a AA, a sua progenitora, com as suas limitadas competências de parentalidade, e apesar da sua personalidade conflituosa e a não colaboração - até este momento - com o Tribunal ou com a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais, é, de qualquer forma, a solução que mais se aproxima do superior interesse da criança.”.
7- A contradição entre fundamentos de facto e de direito e a decisão proferida parece-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, óbvia e inexplicável.
8- De facto, a medida de apoio junto aos pais tem como objetivo o reforço ou a aquisição por parte dos pais das competências para o exercício da função parental adequadas à superação da situação de perigo. Aliás, no artigo 7.º do Decreto-lei n.º 12/2008, de 17 de janeiro, que regulamenta as medidas de promoção e proteção das crianças e jovens em perigo em meio natural de vida, encontra-se estipulado que “1 - A execução das medidas obedece a um plano de intervenção, elaborado de harmonia com o estabelecido em acordo de promoção e protecção ou em decisão judicial. 2 - O plano de intervenção, consoante a medida aplicada, é elaborado com a participação dos pais e respectivo agregado familiar (…) 3 - Na operacionalização do plano de intervenção deve ter-se em conta a necessidade do contacto directo e continuado da criança ou jovem com o respectivo agregado familiar ) (…)”.
9- Ora, se ao longo de seis meses não houve qualquer colaboração, por parte da progenitora e do seu companheiro CC, no plano de intervenção delineado para os ajudar no sentido de lhes facultar ferramentas para exercerem de maneira cabal as responsabilidades parentais sobre a AA, ao ponto, não só de não haver quaisquer melhorias em termos das capacidade parentais daqueles, mas também ao ponto da Sr.ª Técnica da EMAT ter visto recusada a sua entrada na habitação das mesmos, esta medida ser adequada e necessária para fazer face ao perigo concreto que a AA vive? Como poderá esta medida salvaguardar o superior interesse desta criança? A resposta parece-nos clara: não poderá.
10 - Acontece que, como o douto Tribunal a quo considerou e bem, a AA encontra-se numa situação de perigo, nos termos do artigo 3.º, al. c) da LPCJP segundo o qual “Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequada à sua idade e situação pessoal”.
11- Ora, encontrando-se atualmente a criança a residir com a sua progenitora, desde ../../2023 (anteriormente tinha estado a cargo da sua avó paterna), ao invés de tal situação se ter diminuído ou pelo menos ter estabilizado, parece-nos, ao contrário, que tal situação apenas se agravou sendo que, como acima referido, foi dado como provado no ponto 69 da matéria de facto que “Com início por volta de Setembro de 2023, na creche que frequenta, a AA tem-se comportado de forma mais rabugenta, menos cumpridora das regras e mais desafiadora para com os adultos.” e, no ponto  70, que “Com início por volta de Setembro de 2023, na creche que frequenta, a AA evita responder a perguntas concretas sobre a sua família.”
12- De facto, concordamos com o douto tribunal a quo que considera, em suma, que se deve dar prevalência à família biológica, apoiando os progenitores a respeitar as suas dificuldades e limitações.
13- Contudo, o afastamento da família biológica é necessário no presente caso, dado que a disfuncionalidade da progenitora, e do seu companheiro, é patente, e está a comprometer gravemente os vínculos afetivos da própria filiação visto que, devido à mesma, a progenitora e o seu companheiro não permitem a intervenção da Sr.ª Técnica da EMAT no sentido de ser cumprido o plano de intervenção.
14- Ora, tal está a agravar a situação da AA, começando a criança a apresentar inclusive, sintomas de mal estar psíquico face  à situação, para além da situação da AA não se encontrar devidamente acompanhada nível de saúde como já acima referido e isto já sem falar da situação da queimadura de 2º grau que a mesma sofreu, e que não foi devidamente tratada pela progenitora e o seu companheiro, sendo a atitude deles no sentido de esquecer a mesma, ignorando o sofrimento da própria criança.”

Terminou formulando o seguinte pedido:

Nestes termos e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, o acórdão proferido pelo tribunal a quo deve ser considerado nulo, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi artigo 124.º, n.º 1, da LPCJP, pois os factos provados e os fundamentos invocados, estão em oposição com a decisão de aplicar à criança AA a medida de promoção e proteção de apoio de apoio junto da mãe BB, devendo o mesmo ser revogado e, em consequência, deverá ser proferido novo acórdão que deverá aplicar medida de promoção e proteção que melhor sirva o superior interesse da criança em consonância com a fundamentação de facto e de direito, isto é, no presente caso, deverá ser aplicada medida de promoção e proteção de apoio junto de outro familiar (avó paterna), nos termos do artigo 35.º, n.º n.º1, alínea b), da LPCJP, ou, caso assim não se entenda, o que não se concede, acolhimento residencial de AA, nos termos do artigo 35.º, n.º 1, alínea f), da LPCJP.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a nulidade invocada, concluindo pela sua improcedência.
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O recurso foi admitido pelo Tribunal a quo como de apelação, a subir em separado, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:

I - saber se o acórdão é nulo;
II - saber se a medida de promoção e proteção aplicada à criança - de apoio junto da progenitora - deve ser substituída pela medida de apoio junto da avó paterna ou, caso assim não se entenda, pela medida de acolhimento residencial.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:

A criança e a sua família
1) AA nasceu a ../../2021.
2) A menor é filha de FF e de BB.
3) À data do nascimento da menor, FF e BB viviam como marido e mulher, e tinham residência comum na Rua ..., ....
4) Actualmente, a AA frequenta a sala dos 3 anos da creche e jardim de infância ....
5) A AA aparenta ter vinculação afectiva quer com a progenitora e CC quer com DD e EE.
6) A AA aparenta ser uma criança feliz e com desenvolvimento normativo.
A progenitora e o seu companheiro
7) A progenitora apresenta um quociente de inteligência de 74, abaixo do esperado para a sua faixa normativa e elevação da escala de mentira.
8) A progenitora é filha de GG e de HH e irmã de II.
9) A progenitora vive, actualmente, como marido e mulher com CC, iniciando a relação há cerca de 10 meses.
10) A progenitora está, actualmente, grávida com cerca de 5 meses de gestão, sendo que o progenitor é o CC.
11) A progenitora encontra-se, actualmente, de baixa médica em função da gravidez, tendo contrato de trabalho com EMP01... — Residência para Seniores (EMP02..., Lda.).
12) A progenitora e o seu agregado familiar residem, actualmente, no Lugar ..., ..., ....
13) A habitação da progenitora e de CC é deste, em termos não concretamente apurados, e é composta por cozinha, sala de estar e jantar, casa de banho, 2 quartos, garagem, e outras divisões usadas por terceiros.
14) A habitação da progenitora e de CC, aquando das visitas da Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais, encontrava-se sempre desorganizada, suja, com cheiro a pó e a cão, roupa por arrumar e limpar espalhada pelas divisões, e louça suja.
15) CC tem um filho de 13 anos de idade, de um outro relacionamento, entregue aos cuidados dos avós maternos da criança.
16) A progenitora aufere os seus rendimentos da baixa médica e do abono de família pela AA.
17) É desconhecida a fonte de rendimentos de CC.
18) A progenitora não padece de anomalia/doença mental grave.
19) CC não padece de anomalia/doença mental grave.
20) A progenitora não tem averbadas condenações no seu certificado do registo criminal.
21) A progenitora não tem limitações civis averbadas na sua certidão do assento de nascimento.
22) CC não tem averbadas condenações no seu certificado do registo criminal.
23) CC não tem limitações civis averbadas na sua certidão do assento de nascimento.
24) CC tem histórico de consumir estupefacientes em conjunto com o progenitor da AA.
25) A progenitora e CC não aceitam as instruções ou recomendações da técnica da Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais responsável pelo acompanhamento do caso da AA, não permitem que entre livremente no interior da sua habitação.
26) A progenitora e CC são conflituosos com as auxiliares, educadoras e demais pessoal da creche e jardim de infância ....
A tia materna e o seu companheiro
27) II vive como marido e mulher com JJ.
28) II e JJ residem na Estrada ..., ....
29) A habitação de II e JJ é composta por cozinha/sala de jantar, sala de estar, 3 quartos, 2 casas de banho, e adega no piso inferior, com razoáveis condições de habitualidade.
30) II trabalha, a part-time, na EMP03... — Comércio e Serviços, S. A. auferindo € 390,00 mensais mais acréscimos legais e prémios.
31) JJ trabalha na EMP04..., Lda., auferindo € 760,00 mensais mais acréscimos legais.
32) II não tem averbadas condenações no seu certificado do registo criminal.
33) II é seguida em psiquiatria, mas recusa fornecer ao Tribunal acesso à sua informação clínica.
34) JJ não tem averbadas condenações no seu certificado do registo criminal.

O progenitor e a sua companheira
35) O progenitor tem uma relação amorosa com KK, de nacionalidade ....
36) É desconhecido o local de residência efectivo do progenitor.
37) O progenitor é filho de DD e de EE.
38) O progenitor não tem limitações civis averbadas na sua certidão do assento de nascimento.
39) O progenitor tem averbado no seu certificado do registo criminal uma condenação, proferida pelo Juízo de Competência Genérica ..., transitada em 23-05-2023, no processo n.º 102/20...., pela prática de factos que consubstanciam 1 crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art. 204.º do Código Penal, na pena de 170 dias multa, substituída por 170 horas de trabalho a favor da comunidade.
Os avós paternos
40) DD e EE vivem em habitação que configura um sótão, e composta por 3 quartos, 1 deles com casa de banho, cozinha/sala, casa de banho e 1 varanda, asseada nas partes comuns, mas com falta de higiene nos quartos dos filhos adultos.
41) Com DD e de EE vivem um número aparentemente variável e não concretamente apurado de filhos adultos, provavelmente a tempo integral 2, e, pelo menos por vezes, também o progenitor da AA.
42) DD e de EE no passado eram conflituosos com a técnica da Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais responsável pelo acompanhamento do caso da AA, comportamento este que tem apresentado melhorias nos últimos tempos.
Antes do nascimento de AA
43) Em 13-11-2020, a progenitora apresentou queixa-crime contra o progenitor, junto do Destacamento Territorial ... da Guarda Nacional Republicana, denunciando que o progenitor controlava as suas redes sociais, controlava as suas roupas, a trancou em casa, partia objectos e mobiliário em casa, o progenitor a agrediu com um paralelo da calçada, o progenitor a feriu com uma faca.
44) Existiu, e persiste na actualidade, conflito entre os avós paternos e o progenitor, de um lado, e a progenitora e CC, por outro.
No período da Intervenção da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de ...
45) Em 18-05-2021, iniciou-se junto da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de ... o processo de promoção e protecção a favor da AA devido à informação ocorrerem episódios de violência doméstica do progenitor sobre a progenitora.
46) Em 23-06-2021, os progenitores consentiram na intervenção da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de ....
47) Em 29-06-2021, a AA foi vista em consulta de pediatria na Unidade Local de Saúde do ..., E. P. E. e encontrava-se com «boa evolução no seu desenvolvimento».
48) Em 05-07-2021, foi celebrado acordo de promoção e protecção entre os progenitores, avós, e a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de ... com a aplicação da medida de apoio junto de outro familiar.
49) Em data não concretamente apurada, mas anterior a ../../2021, o progenitor recusou-se a ser acompanhado pelo Centro de Respostas Integradas (CRI).
50) Em data não concretamente apurada, mas posterior a ../../2021 e anterior a 06-01-2022, o progenitor recusou-se a ser acompanhado pelo Centro de Respostas Integradas (CRI).
51) Em 11-01-2021, foi celebrado acordo de promoção e protecção entre os progenitores e a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de ... com a aplicação da medida de apoio junto dos pais.
52) Em 18-02-2022, o progenitor faltou à consulta no Centro de Respostas Integradas (CRI).
53) Em 11-06-2022, foi celebrado acordo de promoção e protecção entre os progenitores e a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de ... com a aplicação da medida de apoio junto dos pais.
54) A Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de ... remeteu o processo da AA para o Ministério Público devido a incumprimentos reiterados, discussões frequentes entre o casal na presença das gestoras do caso, sentindo-se as mesmas impotentes para mediar o conflito.
55) No decurso da coabitação comum com a progenitora e com a AA, o progenitor consumia estupefacientes.
No período de intervenção do Tribunal (medida de apoio junto de outro familiar, concretamente a avó paterna)
56) Em 22-08-2022, o Ministério Público deu entrada em juízo da presente acção de promoção e protecção.
57) Em 11-10-2022, constatou a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais que:
“Trata se de um casal jovem, em que apenas a progenitora está integrada profissionalmente, numa Estrutura Residencial para idosos "EMP01... " como ajudante de lar. O pai verbalizou que efetua trabalhos a biscates,[...]
Efetuada visita domiciliaria na presença dos dois progenitores, num primeiro momento foi dificil manter o dialogo com o progenitor, mostrava-se nervoso e muito agitado, mantinha um discurso pouco coerente , apenas procurava defender-se atacando a progenitora com acusações de ter sido ela a responsável do que se estava a passar , transpareceu um tom de ameaça para as consequências da presente situação, o que levou a progenitora, de inicio calma, a a manifestar em tom alterado , a sua disposição em ser acompanhada em psiquiatria, se é isso que ele e restante família pretende. [...]
A progenitora de inicio estava calada face às acusações feitas, contudo, logo começou por se manifestar e ambos elevaram o tom de voz, havendo necessidade, com alguma insistência de relembrar o motivo daquela reunião. [...]
Confrontado o progenitor com os problemas de saúde, o mesmo referiu ter sido ainda jovem diagnosticado com hiperatividade, com uso de medicação para o efeito durante anos no período escolar. Após a maioridade deixou essa medicação. Confrontado com possíveis consumos de estupefacientes, com o olhar direcionado na companheira, como tendo sido ela a fonte da informação a estes serviços, foi lhe relembrado que as fontes da informação foram os próprios serviços que o acompanharam e não a progenitora. Nesse momento alterou em parte a sua postura e confirmou apresentar consumos
A casa do tipo TI, reúne todas as condições ao nível das infra estruturas básicas, contudo ao nível do asseio do espaço é de salientar, na visita efetuada, o odor decorrente da falta de recolha de lixo, bem como, o hábito de fumar dentro da habitação, nomeadamente na sala, o que condiciona um ambiente saudável. [...]
Segundo a educadora-de-infância LL, a criança frequenta a sala da aquisição de marcha da Creche .... apresenta-se na sala sempre limpa e asseada e com a higiene cuidada. O vestuário é adequado á estação do ano. Tem na escola uma mochila com mudas de roupa, caso seja necessário, assim como as fraldas, os toalhetes e o creme indispensável á sua higiene. Cumpre sempre os horário de entrada e saída da instituição. Chega entre as 7h45m e as 8 horas e regressa a casa a partir das 18 horas, ora acompanhada pelos avós paternos ora pelos pais. A AA é uma criança alegre e bem-disposta e sempre muito recetiva às funcionárias que a recebem e aos familiares que a recolhem, encontrando-se perfeitamente adaptada à creche e aprecia a participação nas atividades dinamizadas em contexto de creche. Em termos desenvolvimento, encontra-se dentro dos parâmetros estabelecidos para a sua faixa etária. A família (pais e avós) mostram interesse nos assuntos da escola e acatam os pedidos feitos pela sala até à data.
Ao nível de saúde, está a ser acompanhada em consultas no Unidade de saúde Familiar em ... e apresenta cumprimento ao nível do seguimento em consultas e apresenta um desenvolvimento com parâmetros adequados á faixa etária.
[...]
Segundo informações recolhidas na comunidade, no âmbito dos serviços que tem vindo a acompanhar a situação, ambos os progenitores manifestam uma relação afetuosa para com a criança, contudo não garantem condições de estabilidade emocional no seu desenvolvimento, sendo o grau de maturidade e sentido de responsabilidade pouco evidenciado por parte de ambos, com frequentes episódios de desacatos entre eles, o que compromete o saudável desenvolvimento da mesma.”
58) Em 13-10-2022, foi celebrado acordo de promoção e protecção, com a aplicação da medida de apoio junto de outro familiar, concretamente a avó paterna, com o seguinte conteúdo:
«- A medida é aplicada pelo período de 6 meses, com revisão obrigatória aos 3 meses.---
- A gestão da vida corrente da menor ficará a cargo da avó paterna, DD. ---
- As responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida da menor serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
- O progenitor compromete-se a dar continuidade ao processo de reabilitação junto do CRI, envidando esforços efetivos para cumprir as orientações.
- Os pais e avós maternos podem visitar afilha/neta desde que avisem a avó DD, com antecedência de 24 horas;
- Todos os intervenientes neste acordo comprometem-se a manter ambiente saudável e cordial na presença da menor, evitando discussões e alterações do tom de voz.
- Será responsável pelo acompanhamento do caso a Técnica da Segurança Social Dr.ª MM.
- A Segurança Social compromete-se a monitorizar o cumprimento da medida. »
59) Em 02-03-2023, constatou a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais que:
“Embora os avós tenham demonstrado abertura para os contactos dos pais com a criança, continua a não haver uma rotina dos mesmos, o progenitor como vai a casa dos avós, frequentemente fazer as refeições, tem a oportunidade de ver a filha, contudo a mãe não o faz com regularidade, sendo as ultimas visitas em finais de janeiro, no dia 8 fevereiro telefonou a agendar visita na creche, contudo não compareceu e desde então não se verificaram contatos.
Embora os avós maternos tenham manifestado inicialmente em tribunal vontade em realizar visitas, não agendaram qualquer tipo de contacto com os avós paternos nesse sentido, segundo informações da D. DD.
Contudo, a progenitora diz que os avós maternos gostariam de estar com a criança alegando serem privados dos mesmos, esta informação foi prestada por telefone e quando questionada com os contactos efetuados a solicitar visita, mostrou-se irritada e com voz alterada, não respondeu e desligou a chamada telefónica.
Numa das ocasiões em que o pai estava com a criança em casa dos avós e tendo a AA perguntado pela mãe, este ligou à mãe para a ir visitar, contudo esta recusou-se alegando indisponibilidade de tempo.
[...]
Os pais continuam a apresentar evidências de uma relação instável onde se registam episódios de violência doméstica, encontrando-se separados desde meados de janeiro. Na sequência de um desses episódios, ocorrido em inícios de janeiro, a progenitora terá saído de casa e apresentado queixa na GNR. Nesta data a 12 de Janeiro a progenitora informou estes serviços que receava pelas atitudes violentas do FF para com ela. Solicitou visita à filha, mas para evitar cruzar-se com ao pai preferia que não fosse em casa dos avós paternos, foi orientada a faze-lo na creche. Estabeleceu contacto com a creche a 23 de janeiro e 8 de fevereiro
[...]
Ao nível laboral a progenitora continua a ser regular no trabalho, e mantem-se empregada na estrutura residencial para idosos, o pai continua com numa situação irregular e sem emprego, apenas diz realizar serviços à jorna.
Ao nível do encaminhamento para tratamento e acompanhamento no âmbito da toxicodependência, foi reagendada para início de março uma consulta, com registos de várias faltas a consultas anteriores neste organismo.”
60) Em 30-03-2023, manteve-se, a título cautelar, a medida de apoio junto de outro familiar, concretamente a avó paterna.
61) Em 17-04-2023 (relatório subscrito à data de 14-04-2023), constatou a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais que:
“Efetuado contacto telefónico com a progenitora a solicitar a atual morada e identificação do elemento do agregado, disse apenas que o seu companheiro se chama CC e questionou se seria para irem recolher informações a seu respeito, tendo sido esclarecida que o objetivo seria conhecer as atuais condições onde e com quem vive. Quanto à visita domiciliária, depois de ter informado que estava no turno da manhã que terminava por volta das 16.30 h, estava a ser ponderada a sua realização no presente dia ou dia seguinte , após as 17h, contudo, começou logo num tom altivo ,menos agradável, a dizer que a visita só poderia ser devidamente programada e com tempo, pois já tinha sido orientada nesse sentido pela advogada e só permita se fosse na presença desta.
A progenitora tem efetuada contatos com a criança recolhendo-a por volta das 16.30h com entrega à avó por volta das 19.30h, contudo desconhecesse se as condições onde acolhe a criança nesse período.
Mais se informa que no jardim assumiu atitudes de ameaça com GNR perante a atitude das colaboradoras a terem informado que a criança para sair teria de ter autorização da encarregada de educação que é actualmente a avó. Para além desta situação de ameaças com GNR no jardim de infância, a avó foi também alvo do mesmo, por telefone, quando acompanhada por outras pessoas que se aperceberam Processo de Promoção e Protecção do estado em que a avó ficou após este telefonema. A ameaça terá surgido na sequência da avó ter ido recolher roupas da criança a casa onde residia o filho, e anteriormente o casal, o que deixou a mãe muito alterada e por telefone terá ameaçado a avó.
O progenitor também se encontra numa nova relação marital com KK, contudo a residência é em ... — Rua ..., ... .... De momento o agregado é composto pelos dois elementos, os rendimentos são provenientes do subsídio de desemprego da companheira. O Sr. FF diz continuar à procura de trabalho e têm surgido algumas propostas, contudo ainda está desempregado. Ao nível do seu acompanhamento na saúde, concretamente no CRI teve consulta dia 20 de março e aguarda a próxima para o dia 23 de maio. O progenitor sempre que vai a casa dos avós da criança, contata com afilha.”
62) Em 12-05-2023 (relatório subscrito à data de 09-05-2023), constatou a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais que:
“Após contacto prévio com a progenitora, no dia anterior à realização da visita domiciliária, foi possível efectivar no dia 6 de maio pelas 10h da manhã, conforme agendada .
A progenitora reside com um novo companheiro de nome CC nascido a ../../1991, no Lugar ... –... .... Segundo declarações do próprio companheiro, que também se encontrava presente à data, trabalha com a mãe num café na vila de .... A casa onde se encontra a morar é do tipo moradia, com dois quartos disponíveis, casa de banho, cozinha e sala com condições dignas habitabilidade. Na visita realizada ao interior da habitação, duas das portas interiores estavam fechadas, segundo informaram uma era de umas escadas interiores e a outra seria um quarto que o companheiro disse ser dos irmãos dele. Todas as divisões estavam no momento da visita com as janelas e portas para exterior totalmente abertas, permitindo um efetivo arejamento da mesma. A progenitora continua a trabalhar na Estrutura Residencial para idosos "EMP01...", à data da visita encontrava-se em período de férias.
Feita a consulta no sistema da segurança Social não constam registos de atividade remunerada por parte do companheiro, sendo os rendimentos do agregado declarados unicamente os do trabalho da progenitora”
63) Em 30-05-2023, antes de se iniciar debate judicial no âmbito destes autos e nas imediações do Tribunal, familiares e interessados não concretamente apurados da AA envolveram-se em altercações, sendo que o progenitor se deslocou ao Centro de Saúde ... queixando-se de ter sido agredido com arma aerossol.
64) Em 06-06-2023, por acórdão após debate judicial, proferido no âmbito destes autos, foi aplicada a medida de apoio junto da progenitora, nos seguintes termos:
«Assim, acorda, por unanimidade, este Tribunal Coletivo ser suficiente, proporcional e adequado ao caso em apreço, e com o fim de proporcionar e promover a formação, educação e bem-estar, da menor AA, com sinais nos autos, rever a medida em vigor, substituindo-a, nos termos do disposto nos artigos 35.º, n.ºl, al. a), 62.º., 114.º, n. º 5 todos da LPCJP por medida de apoio junto da progenitora, com o seguinte conteúdo:
A. A medida deve focar como objetivos essenciais o desenvolvimento e/ou consolidação pela progenitora das competências parentais necessárias para prover todos os cuidados exigidos pela menor;
B. A progenitora compromete-se a manter ambiente saudável e cordial na presença da menor, evitando discussões e altercações com familiares e com a Técnica da Segurança Social que acompanhará o caso.
C. A medida é aplicada imediatamente, por um período de 6 meses, com revisão obrigatória aos 3 meses.
D. A gestão da vida corrente da menor ficará a cargo da progenitora BB.
E. As responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida da menor serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
F. Os avós paternos poderão conviver com a menor de 15 em 15 dias, aos fins-de-semana, com pernoita na sua habitação, recolhendo-a na escola, findo o período letivo ou escolar, à sexta-feira, e entregando-a na segunda-feira seguinte no estabelecimento de ensino no início do período letivo ou escolar.
G. O progenitor poderá conviver com a filha de 15 em 15 dias, aos fins-de-semana, apenas no domicílio da avó paterna.
H. O regime de convívios com os avós paternos e progenitor iniciar-se-à no próximo fim de semana de 9 a 11 de junho, sendo o fim-de-semana de 16 a 18 de junho passado com a progenitora e assim sucessiva e alternadamente até à primeira revisão da medida.
I. Será responsável pelo acompanhamento do caso a Técnica da Segurança Social que vier a ser indicada pela SS em substituição da Dr. a MM.”
No período de intervenção do Tribunal (medida de apoio junto da progenitora)
65) A progenitora faltou ao trabalho, em EMP01... — Residência para Seniores (EMP02..., Lda.), nos dias 2, 11, 12, 13, 14, 15, 20, 21 de Junho de 2023, razão pela qual foi advertida pela sua entidade patronal.
66) Em 22-06-2023, foi indicada pela Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais a dra. NN para acompanhamento do caso.
67) Em data não concretamente apurada, mas certamente alguns dias antes de ../../2023 e no tempo enquanto se encontrava à guarda da progenitora, a AA sofreu uma queimadura de 2.º grau na mão direita da qual resultaram flictenas em 3 dos dedos, não tendo a progenitora a levado, em consequência dessa queimadura, a qualquer unidade de saúde.
68) Em 30-08-2023, a progenitora não levou a AA à consulta de pediatria agendada na Unidade Local de Saúde do ..., E. P. E.
69) Com início por volta de Setembro de 2023, na creche que frequenta, a AA tem-se comportado de forma mais rabugenta, menos cumpridora das regras e mais desafiadora para com os adultos.
70) Com início por volta de Setembro de 2023, na creche que frequenta, a AA evita responder a perguntas concretas sobre a sua família.
71) Em 28-09-2023 (relatório subscrito à data de 25-09-2023), constatou a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais que:
“De acordo com a informação transmitida pela educadora da AA, datada de 26-...23, a AA "É uma criança assídua, e na atualidade, depois da guarda ter sido entregue aos cuidados da BB, com horário de entrada instável, que varia entre as 8.00 h e as 10h40 sendo que a este respeito, a mãe tenta justificar o horário de entrada e saída da criança, como querendo aproveitar ao máximo a companhia da filha, tanto quanto possível. Houve um dia que entrou às 11h40m, uma vez que teve consulta no centro de saúde, de acordo com a informação veiculada pela mãe, sendo que o horário de saída se verifica entre as 16h30m e as 18h.
Até à data, é a mãe que traz a AA à creche e depois a vem buscar. Nos fins-de-semana em que está aos cuidados dos avós paternos, estes recolhem a criança na creche por volta das 16 horas de sexta-feira e por volta das 7h45 da segunda-feira da semana seguinte é deixada na creche, pelo avô Paulo. [...]
A AA é uma criança bem cuidada e asseada. Come de tudo e já é autónoma na hora da refeição e do descanso.
Até à data e sempre que lhes são solicitados produtos de higiene, como fraldas, toalhitas ou creme para muda de fralda ou outros objetos pessoais como mudas de roupa, a mãe cumpre com o pedido, dentro do prazo necessário. No entanto foi solicitada a participação da mãe para a festa dos finalistas e a mãe não deu feedback relativamente a esta questão até à data, apesar de ter sido pedido de forma reiterada. Diariamente, a mãe mostra interesse pelo percurso escolar da criança, questionando a equipa técnica da sala sobre como correu a rotina diária da AA ou se houve alguma ocorrência digna de destaque.
No período em que a criança esteve aos cuidados da avó paterna, apresentava-se igualmente bem cuidada e asseada.
No período da manhã, a criança entrava na creche acompanhada pelo avô Paulo pelas 7h45 e regressava a casa por volta das 18h30 - umas vezes acompanhada pelos dois avós, outras vezes pela avó DD, mas sobretudo pelo avô paterno. Neste período somos a salientar a necessidade de andar a insistir sobre a importância de recolherem as informações/pedidos feitos através do caderno do mensageiro, uma vez que o avô, raramente os levava, e segundo a avó, este não dava os recados. Quando era alertado para estas questões ou outras semelhantes, por vezes, tornava-se conflituoso, respondendo de forma pouco simpática a quem o abordava.
Apesar de ser uma criança feliz na creche, verificamos que, com a mudança da sua rotina diária, a AA começa a mostrar alguma instabilidade emocional, principalmente no cumprimento das regras.
Manifesta-se mais agitada e desatenta nas atividades de grande grupo, desobediente e "resmungona", com dificuldade em acatar os pedidos dos adultos, o que também pode estar relacionado com a fase desenvolvimental que atravessa uma vez que já completou os dois anos de idade.
De uma maneira geral e atualmente, a AA continua a ser uma criança alegre e bem disposta, que nutre carinho por todos os membros da sua família, manifestando a sua alegria de forma efusiva quando a sua mãe, ou os seus avôs a vem buscar à creche" (sic.).
Desde a decisão judicial em que a criança foi entregue à BB, têm-se registado vários episódios de conflitos verbais entre a BB e os avós paternos, recorrendo, estes últimos, à GNR para apresentação de queixas contra a BB.
No dia 19-07-2023 a BB estabeleceu contacto telefónico com a Técnica da EMAT, da parte da manhã, para solicitar ajuda. Referiu que a GNR se tinha deslocado à sua habitação porque o avô paterno tinha efetuado uma queixa de que a AA "estava picada das pulgas" (sic.). Segundo a BB, o companheiro encontrava-se na habitação, "mas não permitiu a entrada da GNR porque não tinham nenhuma notificação" (sic.). Estabelecido contacto posterior com a BB, esta informou que a GNR "já tinha visto se os cães tinham pulgas" (sic.).
Segundo foi possível apurar junto da GNR ..., a primeira tentativa de contacto ocorreu em 10-07-2023. Existiam dois cães na habitação, sendo um deles considerado de raça potencialmente perigosa e foi efetuado encaminhamento para o Núcleo de Proteção Ambiental de ... que iriam proceder a fiscalização (FISC0000051/...52).
No mesmo dia estabeleceu-se contacto telefónico com a Creche ... para se aferir se foram observadas picadas de insetos na criança. Segundo transmitido pela educadora OO, a AA apresentadas umas picadas nos braços, mas não podia afirmar se eram picadas de pulga. [...]
Solicitada informação de saúde à médica de família, foi transmitido, em 20-07-2023, "Tive o primeiro contacto com a AA no dia 14/6/2023 no âmbito de consulta de vigilância dos 2 anos de idade. Veio à consulta acompanhada da mãe BB e da sua avó materna. A equipa de família realizou nessa data as atualizações/cuidados necessários à AA, de acordo com o programa nacional de saúde infantil e juvenil. Família apresenta comportamento adequado durante a consulta, não se objetivando, neste contacto, sinais de alerta em relação à criança. Menina cuidada e bastante comunicativa. A frequentar a creche e segundo família com boa adaptação.
No entanto, como se tratou de um único contacto, é difícil avaliar de forma rigorosa o contexto familiar. Anteriormente a esta consulta, a AA realizou última consulta de vigilância em dezembro de 2021, tendo, nesse intervalo, recorrido aos serviços do centro de saúde em contexto de doença aguda" (sic.).
Realizada entrevista presencial à BB, em 21-07-2023, esta referiu que a filha esteve aos cuidados da avó paterna, mas esta "agia como se fosse mãe da AA" (sic.).
[...]
BB mantém relação com CC, desde ../../2023, iniciando, desde essa altura, coabitação. Segundo esta, já o conhecia quando este vinha de férias a Portugal. Este terá regressado definitivamente a Portugal, juntamente com a sua mãe, no na passado, para apoiarem o avô que foi diagnosticado com Alzheimer.
Abriram um café, de nome "... ", em ..., e CC trabalha com a mãe, auferindo 800, 00€ mensais (sem descontos), prestando apoio essencialmente na hora do almoço.
BB não tem carta de condução. É CC que a leve à creche para deixar a AA e, posteriormente, leva-a ao seu local de trabalho.
Segundo a BB, a sua irmã trabalhava na ..., e teve conhecimento de que o avô paterno da AA enviou um email à entidade por forma a que a sua irmã fosse despedida.
Questionada relativamente à habitação, referiu tratar-se de uma habitação de ... e ... andar, de tipologia ..., mas apenas habitam o ... uma vez que o companheiro tem 5 irmãos e o ... andar pertence-lhes. Que quando vêm de férias a Portugal é lá que pernoitam. No entanto, este ano não viria nenhum irmão porque se encontravam a construir habitação em ....
Relativamente às rotinas da AA, segundo a BB, vai buscá-la à creche às 16:00 horas e quando chega a casa dá-lhe o lanche — um croissant e um iogurte. Janta às 20:00 horas, dá banho depois do jantar e tenta que esta adormeça por volta das 21:30 horas.
No final da entrevista solicitou-se à BB a possibilidade de realização de visita domiciliária. A BB referiu apenas que tinha deixado a loiça por lavar, mas não se opôs. Posteriormente referiu, "mas a casa não é minha" (sic,) mostrando algum receio nessa altura. Ao sair das instalações do Serviço Local da Segurança Social foi solicitado à BB para ir falar com o seu companheiro, que se encontrava à sua espera, se se podia realizar a visita domiciliária. A BB foi ter com o companheiro e regressou dizendo que não dava jeito porque já tinham coisas combinadas. Foi novamente solicitado para falar com o mesmo, tendo em conta que a visita não seria morosa. Regressou mantendo a versão de que já tinham coisas combinadas e que o companheiro tinha de ir abrir o café que ainda se encontrava fechado. Foi sugerido à BB que esta poderia acompanhar a Técnica na viatura do serviço, o companheiro iria abrir o café e, posteriormente, poderia ir buscá-la e cumprirem com o que tinham combinado. A BB foi ter novamente com o companheiro e este, vem junto da Técnica, completamente exaltado, a falar em tom de voz elevado, no meio da rua, que a sua mãe estava à sua espera para irem fazer compras e que já da outra vez tinha sido assim, que lhe deram 5 minutos para mostrar a habitação. Foi explicado que, atenta a substituição de Técnica, gozo de férias e a proximidade da revisão da medida seria importante efetuar a visita domiciliária. Em tom de voz mais elevado e nitidamente mais descontrolado afirmou que os irmãos estavam em casa e este não tinha chave, mas mesmo que tivesse não iria. Confrontado com o facto de a BB ter transmitido que os irmãos deste não se encontravam em Portugal, este olhou-a e questionou "Ai disse?" (sic.), não tendo esta respondido. De salientar que após o companheiro se dirigir à Técnica, a BB não verbalizou mais nenhuma palavra, dando a entender que o companheiro terá alguma ascendência sobre a mesma. Entraram na viatura e seguiram a uma velocidade elevada, face ao local onde se encontra o Serviço Local da Segurança Social (num espaço habitacional). [...]
[...]
Contudo, segundo a auxiliar e a educadora, a AA apresentasse sempre bem-disposta e vai sempre bem cuidada, quer seja quando é entregue pela BB, quer pela avó paterna. O companheiro da BB, espera sempre no automóvel, quando a BB vai buscar a AA, pelo que não o conhecessem. Referiram ainda que não foram identificadas marcas de picadas de insetos na criança. [...]
Progenitor iniciou nova relação amorosa, com KK, de 41 anos de idade, logo após a separação, e reside com esta em ..., ....
Relativamente ao consumo de estupefacientes, segundo o progenitor, mantém-se abstinente e tem cumprido com o acompanhamento no CRI Considera que a sua vida melhorou, quer a nível pessoal, uma vez que se sente mais calmo/tranquilo, quer a nível profissional.
Segundo o progenitor, o CC era seu amigo e era este quem o acompanhava a ..., uma vez que não tem carta de condução, para comprarem produtos estupefacientes. Referiu que apenas tem conhecimento que o CC comprava droga para si e "erva " para a sua mãe, não sabendo se comprava para vender.
Progenitor referiu que fumou haxixe, com apenas 16 anos de idade, porque foi o CC que, na altura, trouxe de ... e este experimentou.
Mostrou a sua indignação perante a decisão do Douto Tribunal, na entrega da sua filha à BB, perante o historial do CC e perante a situação ocorrida entre ambos em plenas instalações do Tribunal que originou o Processo n.º ...23... - ofensa à integridade fisica voluntária simples.
[...]
Relativamente aos consumos, segundo informação transmitida pelo CRI, em 26-...23, "Em relação ao vosso pedido e, complementando a informação remetida em 20 de Março, informamos que o Sr. FF teve uma consulta agendada em Abril, mas que foi desmarcada pelo terapeuta (ausência por doença). Esteve presente em 23 de Maio em consulta, fazendo despiste para substâncias ilícitas, encontrando-se negativo. Segundo referiu encontrava-se a trabalhar e a viver em ... com nova companheira. Postura colaborante e assertiva. Até ao presente teve duas consultas pelo que o atendimento e avaliação da Técnica de Serviço Social ainda não foi possível. Referiu algumas dificuldades no agendamento das consultas dado viver em ... e trabalhar numa fábrica em ... (dificuldades em faltar ao trabalho). Tem agendada nova consulta para o dia 12 de Julho pelas 14H. com a Técnica de Referência e Assistente social" (sic.).
[...]
No dia 26-07-2023, foi possível estabelecer contacto telefónico com a avó paterna da criança, tendo esta manifestado a sua preocupação pelo facto de o companheiro da BB ter um cão de raça considerada perigosa e poder acontecer alguma coisa à AA. Segundo a avó paterna, por vezes a AA apresenta arranhões nas pernas e diz que foi o lobo, tendo os avós percebido que o lobo seria um cão.
[...]
Perante o relatado pela avó paterna, solicitou-se informação à creche acerca do sucedido, tendo-se obtido a seguinte informação: "No dia 18 de agosto de 2023, deu entrada na creche às 7h 45m, acompanhada pela mãe.
A menina apresentou-se bem-disposta e brincalhona durante todo o dia, quer nas suas rotinas diárias, nas atividades e/ou nas brincadeiras na sala e no parque.
Em traços gerais, pelas nove horas a AA comeu o pão, juntamente com os amigos na sala, enquanto se cantavam algumas canções infantis. Seguidamente, a criança ajudou a arrumar alguns legos, que estavam espalhados pela sala e juntamente com a educadora e mais uma colega dirigiu-se ao parque, para andar no baloiço.
Acompanhada pelas auxiliares, uma vez que a educadora teve de se ausentar da sala, a AA acabou as suas brincadeiras, no parque, no período da manhã, andando no escorrega, nas motas e fazer corridas com os amigos, tendo posteriormente regressado à sala, para fazer a sua higiene e preparação para o almoço.
Na hora do almoço, a AA, como autónoma que é, comeu sozinha sendo que na preparação para a sesta, a menina ficou feliz porque tirou os sapatos sozinha. De seguida, a auxiliar apoiou-a a tirar a roupa e fez a muda da fralda, preparando-a para o descanso.

De seguida, na hora do levante, as auxiliares fizeram o mesmo procedimento, preparando a criança para o lanche.
Após o lanche, as crianças foram novamente para o parque uma vez que assim o solicitaram e o tempo se mostrava muito convidativo. A AA mostrou-se sempre bem disposta e brincalhona, tendo brincado no escorrega e com as motas, andando novamente no baloiço.
Por volta das 17 horas, recolhemos à sala. A auxiliar presente deu de beber às crianças da sala e tratou da sua higiene pessoal, incluindo a da AA. As crianças cantaram algumas canções infantis e fizeram a sua coreografia com gestos.
Seguidamente, enquanto os seus colegas fizeram construções com os legos e brincavam na cozinha. a AA esteve sentada na mesa com um colega a ver um livro de texturas.
Por volta das 17.30 a educadora foi embora e despediu-se do grupo, tendo a AA acenado com as mãos à educadora e dizendo: "Tchau, LL! Até segunda! Depois deste momento, a criança ficou a cargo das auxiliares da sala até à chegada da avó DD.
Devo sublinhar que a AA, durante todo o dia, mostrou-se alegre, brincalhona e bem disposta, nunca se queixando nem mostrou algum tipo de ferimento salientando-se também que em nenhum momento das suas atividades ou rotinas diárias as demais colaboradoras presentes se aperceberam de qualquer tipo de ferimento nas mãos da criança.
Por volta das 18h15 minutos, a avó DD veio à creche buscar a criança, para ela passar o fim de semana em sua casa. A auxiliar, mais uma vez viu a fralda da menina e entregou a menina à avó, que saiu da instituição com a criança feliz, também ela não se apercebendo de nada. A avó regressa e entra novamente na creche, passados 2 ou 3 minutos, a perguntar à auxiliar se não se apercebeu de nada na mão da menina, ao que a auxiliar respondeu que não se tinha apercebido de nada e que as suas colegas também não a alertaram para qualquer situação.
A avó mostrou então 3 bolhas na mão da criança, as quais pareciam ser queimaduras. A auxiliar referiu que a AA esteve sempre bem-disposta e muito brincalhona, e nunca se queixou de nada. A avó DD disse que a criança ao sair da escola lhe mostrou a mão, dizendo: "Olha o meu dói-dói!" ao que a avó perguntou onde fora e a menina teria respondido que fora em casa. As auxiliares presentes tiraram fotos mão da criança e enviaram-nas ao cuidado da educadora da sala, dando-lhe conhecimento do ocorrido.
Passado algum tempo, a mãe BB telefonou para a creche muito aflita, a comunicar que a avó DD estava com a menina no centro de saúde e a teria ameaçado que lhe ia mandar a GNR à porta, por maus tratos e negligência à criança, tendo a mãe afirmado que quando entregou a menina na sala no período da manhã, esta não tinha nada. As auxiliares presentes disseram à mãe que elas não se aperceberam de nada e que a menina em algum momento mostrou a mão ou se queixou. [...]
A avó DD, ainda antes da sair da instituição referiu também que ia dar parte da assistente social que acompanha a situação da AA, porque estava farta de lhe telefonar e ela não atendia o telefone. Disse ainda que a profissional em questão a teria informado que estaria de férias até ao dia 16 e que já era o dia 21 e que não lhe atendia o telefone tendo ainda acrescentado "que já tinham posto fora a MM e agora, que também ia sair esta, porque ia escrever no livro amarelo ".
[...]
No dia 28-08-2023 realizou-se entrevista à avó paterna da AA. O avô paterno não compareceu alegando que não sabia que também tinha de estar presente (Técnica ao efetuar agendamento mencionou entrevista aos avós). A avó paterna assumiu, inicialmente, uma postura pouco adequada, confrontando a Técnica e falando em tom de voz exaltado, referindo que o marido não tinha de estar presente porque era tudo tratado com ela e que ele nunca tinha sido ouvido. Tentou-se explicar que seria importante ouvir o avô tendo esta referido que não lhe interessava se a Técnica queria falar com ele, o que lhe interessava era saber o que tinha acontecido à mão da AA. Solicitou-se à avó para estabelecer contacto com o companheiro para aferir possibilidade de se deslocar até às instalações do Serviço Local da Segurança Social. O avô atendeu a chamada referindo que se tinha de estar presente tinha de lhe ter sido dito e "se o que a outra escreveu não valeu de nada o que essa escrever também não vale" (sic), tendo desligado a chamada. Antes de a avó estabelecer contacto com o avô disse que este não poderia comparecer pois encontrava-se a trabalhar, estando a montar andaimes na via pública. Questionada acerca da entidade patronal e se tinha contrato de trabalho respondeu negativamente, mas que tinha seguro de trabalho. Posteriormente, acabou por dizer que o companheiro se encontrava a ajudar o irmão numas obras.
[...]
Face à postura/forma/tom de voz que o avô paterno falava com a avó, tentou-se perceber um pouco a relação de ambos. Segundo a avó paterna, estão juntos há 33 anos, embora tenha surgido situação de violência doméstica, há cerca de cinco anos atrás. Questionada se este não era agressivo consigo, esta referiu que "ele anda assim mais nervoso desde que ficou sem a AA" (sic).
Segundo a avó, esta costuma enviar sms à BB a questionar se a menina se encontra bem, mas esta não lhe responde.
No decorrer da entrevista foi agendada visita domiciliária à habitação da avó paterna, no mesmo dia, às 15:00 horas. Na habitação encontrava-se a avó paterna e a filha PP que se encontrava a prepara o almoço para si. Tinha vindo passar o festival de ... e dormia num saco cama na sala de estar.
Segundo a avó paterna, o QQ encontrava-se a dormir no quarto. No outro quarto estaria o filho RR que, segundo esta, tinha acabado de chegar a casa e ia tomar banho tendo esta lhe dito para não o fazer porque a Técnica estaria a chegar. O progenitor da AA partilha quarto com o irmão RR e, insistindo para se ver o quarto, a avó paterna questionou o filho "estás sem roupa?" (sic.). Este começou a rezingar, tendo-se apenas percebido que disse em tom exaltado "eu não dou informações a estranhos" (sic).
A habitação trata-se de um sótão, constituído por três quartos, um deles com casa de banho, cozinha/sala, casa de banho e uma pequena varanda onde se encontrava um gato, com uma caixa de areia, e areia espalhada em todo o chão.
[...]
Abordado com a BB o facto de a AA apresentar queimaduras, alegou que não sabia o que tinha acontecido.
Na 4.ª e 5.ª feira quando foi buscar a AA à creche porque lhe telefonaram para a ir buscar porque tinha piolhos, a mãe, na segunda feira já tinha visto lêndeas, tendo aplicado vinagre na cabeça da menina e colocou um pano durante cerca de meia hora, tendo sido um conselho da sua avó, de que "matava as lêndeas Só tinha lêndeas; não tinha piolhos. Há 15 dias atrás voltou a aparecer com lêndeas depois de ter passado ofim de semana com os avós. Voltou a aplicar desparasitante.
[...]
BB admitiu que mentiu ao dizer que os irmãos do namorado não estavam em Portugal, porque "não tenho de os meter no processo " (sic.). Afirmou que avô paterno consome bebidas alcoólicas em excesso e os irmãos do progenitor da AA, QQ e RR consomem marijuana. RR é mais reservado e não se dá com o FF e mal fala com o pai.
[...]
Solicitada informação relativamente à sua gestação foi possível apurar, de acordo com informação médica, prestada em 31-07-2023, "No que diz respeito a consulta de saúde materna, como o protocolo de IVG na Unidade Local de Saúde do ...,
E. P. E. não passa pelos cuidados de saúde primários, tomei apenas conhecimento da gravidez através da enfermeira de família em contacto oportunista. A BB teria já contactado o serviço de obstetrícia para dar inicio ao protocolo de IVG. Teve consulta dia 14/7/2023 tendo faltado às consultas subsequentes. Indicação dos colegas para marcação de consulta de Planeamento Familiar no seu Centro de Saúde mas tal não aconteceu. A equipa de família no centro de saúde vai agendar consulta para averiguar situação atual" (sic).
Em informação da ULS..., rececionada a 01-08-2023, é corroborada a anterior
"Informo que a BB recorreu à consulta de IGO ( Interrupção da Gravidez Opcional) no dia 14.07.2023 onde foi confirmada a gravidez (6 semanas) e onde: Foram prestados esclarecimentos sobre IGO e entregues folhetos explicativos; Foram fornecidas informações sobre apoio Social e Psicológico disponíveis; Foram entregues folhetos explicativos sobre os diferentes métodos contracetivos e alertada para o facto da importância dos mesmos; Foi entregue Consentimento Livre e Esclarecido para a Interrupção da Gravidez e Foi-lhe solicitado que vá ao C. saúde marcar uma consulta de Planeamento Familiar dentro de 2 meses e que traga comprovativo dessa mesma marcação. A mesma faltou às consultas seguintes a 17.07.2023 e 27.07.2023, não tendo por isso concluído o processo/procedimento" (sic.).
Ao nível de saúde a AA faltou a consulta de Pediatria no dia 08-08-2023, tendo solicitado remarcação de consulta no dia 30-08-2023, no mesmo dia em que teve entrevista com a Técnica da EMAT. Consulta foi reagendada para dia 04-01-2023.
[...]
No dia 04-09-2023 foi realizada visita domiciliária à habitação da progenitora, da parte da manhã, sem agendamento prévio. Chegada à habitação, após tocar à campainha, o companheiro da BB abriu a porta e espreitou (a porta da entrada fica distante do portão). O portão encontrava-se trancado com corrente e cadeado. Após um compasso de espera e após alguém ter espreitado pela cortina (não foi percetível identificar a pessoa atenta a distância), avistou-se a BB que foi até ao portão e abriu o mesmo, embora tenha afirmado que foi uma sorte a ter encontrado porque estavam de saída para casa da sua avó e porque não foi avisada do dia da realização da visita domiciliária. A BB referiu que não era boa altura para efetuar visita domiciliária porque tinham recebida umas coisas de ... e encontravam-se por organizar (deu apenas o exemplo dos sofás).
Após chegar à habitação, encontrava-se na mesma o companheiro e a AA. A AA encontrava-se com vestuário limpo e adequado, embora se encontrasse descalça, com ranho a escorrer pelo nariz e com chieira na respiração. A Técnica interagiu com a AA, tocando-lhe no cabelo e fazendo cócegas na barriga, não tendo a criança estranhado. A progenitora disse que a iria levar a consulta por estar "muito atacada"
A habitação é constituída por cozinha, sala de estar/jantar, casa de banho e dois quartos. Dentro da habitação encontrava-se um cão e, segundo a BB e o companheiro, o outro encontrava-se na garagem. Após a entrada na habitação foi notório odor intenso a cães.
A sala encontrava-se desorganizada, repleta de pó nos móveis, os sofás encontravam-se bastante sujos, com pêlos dos animais, sendo que um deles não tinha a almofada do assento (sofá de três lugares) e tinham, inclusive, um ecrã de TV colocado no chão. A cozinha também não se encontrava organizada, tendo a pia da loiça repleta de loiça por lavar, sendo evidente que não se tratava de loiça de apenas uma refeição. O quarto do casal encontrava-se com a cama feita, mas continha, num dos cantos do quarto, um amontoado de roupa por dobrar. A divisão que se encontrava limpa e organizada era o quarto da AA. Continha uma cama de solteiro e um berço, devidamente decorados. O Berço tinha uma colcha fina e almofadas decorativas. Questionou-se a BB onde dormia a AA, tendo esta afirmado que dormia no Berço. A Técnica levantou a colcha, pegando nela entre as grades do berço e questionou como é que a criança dormia no berço se este não tinha lençóis nem apeto de que dormia lá uma criança. Perante esta questão, a BB, em tom exaltado começou por acusar a Técnica por estar a tocar nos pertences da habitação porque não tinha esse direito e que deveria ter cuidado devido ao facto de ter uma criança pequena e poder transmitir-lhe o Covid-19. A BB foi confrontada com o facto de a Técnica ter tocado na sua filha, aquando a sua chegada e a BB, em momento algum, chamou a atenção à Técnica para ter cuidado devido ao Covid-19. A BB de imediato começou a afirmar que iria contactar o seu advogado, que até deveria estar presente durante a realização da visita, e que também iria solicitar para a Técnica ser substituída.
Após se sair do quarto existiam duas portas que se encontravam fechadas. O companheiro abriu uma das portas, referindo que era a garagem e encontrava-se lá o cão, questionando a Técnica, em tom irónico, se queria conhecer a garagem porque a menina dormia lá às vezes. A outra porta identificou-a como a porta que dava acesso ao sótão e abriu-a afirmando que o podia fazer porque a sua irmã encontrava-se lá durante aquela semana e deixou aporta aberta porque, até então, não tinha acesso ao sótão. Foi solicitado para ver o sótão, tendo o companheiro da BB acedido. Este é constituído por uma divisão que seria uma sala e por dois quartos. Todas as divisões se encontravam extremamente desorganizadas; num dos quartos nem era visível a cama devido ao amontoado de roupa por dobrar.
[...]
[...] segundo a entidade patronal da BB:
— BB é trabalhadora da EMP02..., Lda., estando contratada como auxiliar de serviços gerais em EMP01... Residência para Seniores ... desde ../../2022;
— Até final de fevereiro 2023, a BB nunca faltou ao trabalho, nunca se atrasou, sempre cumpriu o horário estipulado, até abril 2023 fazia horário rotativo (manhã 8h às 16h; tarde 16h às 00h). No entanto, a partir de Março 2023, começou a apresentar alguns atrasos nos turnos, sendo que o horário de entrada é as 8h e a BB chegava eventualmente com atraso de 15 a 20 minutos;
— Quando chamada à atenção, nunca apresentou justificação os atrasos, apenas dizia que não iria voltar a atrasar-se. No entanto estes repetiam se, mas nunca em dias consecutivos;
— Em junho 2023, a BB faltou injustificadamente 8 dias, sendo 5 consecutivos, sem qualquer justificação. Quando foi questionada acerca de tal comportamento, disse à entidade patronal que ela própria ou a filha AA estavam doentes, mas nunca apresentou qualquer atestado/baixa ou justificação médica. O que levou a entidade patronal a entregar lhe uma advertência por escrito [...]
 — Além das faltas referidas no mês de junho, a BB manteve o mesmo registo/comportamento de atrasos ao trabalho (entre 10, 15 a 20 minutos), sendo chamada atenção, dizendo que não volta a ter atrasos.
— Em julho 2023 faltou 5 dias, apresentou justificação de falta para os dias 11 e 12 julho, os restantes 2 dias não apresento qualquer justificação. No entanto no dia 16.07.2023 pelas 16h enviou uma mensagem de texto para um dos responsáveis da empresa onde dizia textualmente "Boa tarde chefe eu já ando desde ontem a tentar falar consigo para o avisar que amanhã tenho consulta em ... por causa de fazer o aborto", sendo o dia 16.08 foi domingo e tendo a pessoa responsável estado no Lar quer dia 15 e 16 agosto, nunca a BB tendo comunicado a necessidade de se ausentar. No dia seguinte, 17.08 compareceu a trabalho, mas não entregou justificação. Posteriormente faltou dia 20 junho, também sem justificar para a ausência. Os responsáveis da empresa voltaram a falar com a BB, a qual nos disse que tinha as justificações para as faltas e que as iria entregar, mas até à data de hoje as faltas continuam injustificadas;
— No dia 28 de julho ausentou se do trabalho pelas 13h30m pois recebeu um telefonema da creche onde está a AA para ir buscar a filha por ter piolhos;
— Em agosto 2023 faltou dia 6.08 trazendo um documento onde consta a ida ao centro de saúde pelas 18h. No dia 8.08 compareceu ao trabalho com 50 minutos de atraso. Faltou sem apresentar justificação nos dias 17, 17, 26, 27 agosto. Sendo que no dia 25.08 pelas 14h30m, estando em turno a trabalhar, enviou mensagem a um dos responsáveis onde dizia textualmente "Boa tarde FF era para lhe pedir se amanhã posso trazer a pequena para o lar é que não tenho quem me fique com a pequena". Não se deu resposta da parte da empresa à mensagem. Sabemos que a BB vive com o companheiro que será uma pessoa idónea para fazer o acompanhamento da filha menor e está desempregado. No entanto a BB não compareceu ao trabalho nos dias 26-27.08, sem até ao momento dar qualquer justificação verbal. Sendo que até ao momento tem 7 faltas injustificadas ao trabalho e sendo os atrasos constantes, só este último fim de semana (sábado e domingo) solicitou folga para poder ficar com a criança;
— Como já referimos no dia 25.08 pelas 14h30m, estando em turno a trabalhar, enviou mensagem a um dos responsáveis onde dizia textualmente "Boa tarde FF era para lhe pedir se amanhã posso trazer a pequena para o lar é que não tenho quem me fique com a pequena". A empresa não se deu resposta à mensagem. A BB não falou pessoalmente com o responsável que estava no lar, apenas enviou mensagem a qual não obteve resposta da empresa e, nunca autorizaríamos que a AA permanecesse no lar, nem tampouco solicitou qualquer troca de folgas, pelo que não foi autorizado pela empresa a troca de folgas;
— No que diz respeito ao desempenho profissional até ao momento e sempre que comparece ao trabalho, mostra se atenta e responsável nas tarefas que lhe são atribuídas. Raramente recusa executar tarefas que lhe são propostas. Assim como raramente levanta o tom de voz às colegas de trabalho. Em relação ao cuidado e atenção com os residentes podemos dizer que é atenciosa e meiga com os residentes, mostra carinho e atenção;
— Nunca vem junto do responsável pelo lar solicitar trocas de folgas ou justificar qualquer atraso ou ausência, o que notamos é uma total falta de responsabilidade para com o horário, prejudicando o trabalho e as colegas que a têm de substituir eventualmente;
— Quando que foi chamada pelos administradores da empresa devido às ausências e atrasos ao trabalho, tenta justificar, diz ter provas/justificação para as faltas, mas nunca as entrega." (sic.).
[...]
Segundo fontes da comunidade, que solicitaram o anonimato, CC mantém consumos estupefacientes, e consideram ser uma pessoa em quem não se pode confiar, temendo pelo que este possa fazer contra a integridade fisica de outros.
Ainda segundo fontes da comunidade, a avó materna não é pessoa idónea, tendo em conta que não teve competências parentais para criar as filhas, deixando que a BB saísse de casa com apenas 14 anos idade para ir viver com outros jovens/adultos.
Avó paterna foi vista a ser agredida pelo avô paterno, na rua, tendo este agarrado no seu cabelo e encostou- a contra a parede. Avô paterno é considerado pessoa conflituosa, que pouco gostou de trabalhar, sendo a avó paterna quem sempre trabalhou.”
72) Em 04-10-2023, a progenitora e CC manifestaram concordância em ter acompanhamento junto do Centro de Respostas Integradas (CRI), na intervenção do Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, e na realização de perícia médico-legal, no sentido de aferir as competências de parentalidade, estabilidade psico-emocional e características de personalidade.
73) Em 20-10-2023, a progenitora foi controlada no Centro de Respostas Integradas (CRI), tendo o resultado do despiste de substâncias psicoactivas dado negativo, mas recusou-se a assinar o protocolo de consentimento informado para a realização de controlos urinários aleatórios.
74) Em 20-10-2023, CC faltou ao controlo no Centro de Respostas Integradas (CRI).
75) Em 26-10-2023 (relatório subscrito à data de 24-10-2023), constatou a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais que:
“[...],estabeleceu-se contacto telefónico com a tia materna da criança no sentido de agendamento de entrevista. No decorrer do contacto telefónico questionou-se a tia materna como se encontrava a AA, tendo esta transmitido que a AA esteve doente, na quarta-feira, dia 04-10-2023. Tinha febre e foi-lhe prescrito Brufen (contrariamente às declarações prestadas pela progenitora, em sede de Tribunal, de que a AA nunca tinha ficado com febre desde que se encontrava aos seus cuidados). Questionada com quem tinha ficado, tendo em conta que coincidiu com o dia da diligência em Tribunal, disse que tinha ficado aos cuidados da avó materna.
Em articulação com a Creche ... foi possível aferir que, efetivamente, a AA faltou à creche, nos dias 03-10-2023 e 04-10-2023. Contudo, no dia 02-10-2023 não se aperceberam que a menina estivesse doente, tendo em conta que "esteve bem durante o dia" (sic) e, quando regressou, não levou qualquer medicação.
No sentido de se confirmar quem assegurou os cuidados à AA no dia 04-10-2023, estabeleceu-se contacto com a entidade patronal da avó materna, tendo sido obtida a informação de que, nesse dia, a avó materna faltou ao emprego, não tendo comunicado a sua ausência, nem justificado a mesma.
[...]
A habitação apresenta razoáveis condições de habitabilidade e embora tenha salamandra a pellets de corredor, denota-se bastante humidade que enegresse as paredes. Segundo o companheiro da tia materna da criança, é necessário substituir a totalidade do telhado devido a infiltrações e humidade que já danificaram uma zona da cozinha que tinha sido já remodelada (zona da chaminé/exaustor). Avó materna do companheiro da tia da criança também efetuou doação de terreno que será vendido para poderem efetuar substituição do telhado.
A cozinha/sala de jantar e a sala de estar apresentam condições de conforto, tendo em conta que já foram remodeladas. As restantes divisões não apresentam condições de conforto, embora todas as divisões se encontrassem devidamente limpas e organizadas.
[...]
No que concerne à situação de saúde, a tia materna referiu que se encontra a ser acompanhada em consultas de psicologia e psiquiatria devido a ansiedade. Referiu que, em 2018, tinha crises de ansiedade, tendo como principais sintomas choro fácil e dor de peito. Iniciou acompanhamento psiquiátrico em 2019, na ULS..., com o Dr. SS e em consultas de psicologia, em 2020, com a Dra. TT, na ULS... (não sabia apelido). Referiu que efetua toma de medicação para dormir, Lorazepam, de 2.5mg e, embora lhe tenha sido prescrita outra medicação, abandonou a mesma, desde ../../2023, uma vez que se sentia "apagada e com sono " (sic.). Referiu ainda que, em 2022, teve um episódio, tendo de ser hospitalizada "tive de ficar intemada 24 horas e disseram-me que estava com "Burnout" (sic.).
[...] importa reportar situação entretanto ocorrida e transmitida pela creche, em 16-10-2023: "Hoje, quando a D. DD veio trazer a menina à creche informou a educadora da sala que na sexta-feira havia encaminhado a criança ao Centro de Saúde porque estava com tosse. De acordo com a informação veiculada pela avó, a médica assistente recomendou que a menina ficasse em casa. Antes de trazer a criança para a creche, a avó teria ligado à mãe para lhe dar esta informação mas não conseguira falar com ela. A educadora recebeu a AA e disse à avó que entraria ela em contacto com a mãe, o que acabou por não acontecer porque a mãe acabou por vir buscar a AA uma vez que já conseguira falar com a avó da menina. Parece também relevante mencionar que a avó paterna levou o casaco que a AA trazia vestido uma vez que fora ela que lho comprara, ficando assim a menina sem casaco. Quando a mãe chegou, procuraram um casaco na mochila, mas como não tinha, a mãe acabou por levar a AA sem casaco e de manga curta." (sic).
Estabeleceu-se articulação com a Assistente Social do Centro de Saúde ... que informou que a AA recorreu ao Centro de Saúde, no dia 15-10-2023, às 17:00 horas (não existe registo de quem a acompanhou) "por pouca tosse há um dia, sem febre" (sic.). Foi medicada com paracetamol, spray nasal Sterimar e Clarus. Não constava informação por escrito com indicação para permanecer em casa.
De acordo com informação da creche, datada de 19-10-2023, "Na terça-feira contactamos telefonicamente a mãe ao início da tarde para saber informações sobre a menina e a mãe referiu que ela estava bem, a fazer a medicação prescrita e que se a evolução fosse favorável, regressaria na quarta-feira o que aconteceu. A avó paterna, na segunda-feira, não trouxe nenhum comprovativo de ter estado no centro de saúde, deixando apenas os medicamentos prescritos pela médica que assistira a menina no Centro de Saúde e a informação de que a profissional de saúde recomendara que a menina permanecesse em casa alguns dias. Quer no dia de ontem, quer hoje, a menina tem estado bem e não tem tido episódios de tosse, aparentando estar totalmente recuperada" (sic.).”
76) Em 08-11-2023 (relatório subscrito à data de 03-11-2023), constatou a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais que:
“[...]tem- se efetuado articulação frequente com a diretora técnica da Creche ... e, têm surgido algumas dubiedades relativamente à criança.
Segundo transmitido pela creche, em informação datada de 24-10-2023, "queria informar que hoje a BB ligou para a creche a avisar que a AA não viria uma vez que estava com tosse e por precaução iria ficar em casa com ela. Confirmei com a equipa técnica da sala se ontem a menina tinha tossido, inclusive durante a sesta e todas foram unânimes a dizer que a menina ontem não tinha tossido durante a sua permanência na creche " (sic).
No dia 02-11-2023, é rececionada nova informação por parte da creche expondo "A BB ligou hoje para a creche a avisar que a AA não viria hoje nem amanhã porque não tinha quem a viesse buscar à creche, não acrescentando mais informação. Quando partilharam esta informação comigo pedi que contactassem a mãe para apurarem mais informação. Assim a BB referiu que a menina não estava doente mas que ela iria para a casa da sua avó que fica em ..., uma vez que a senhora partiu uma mão e precisa de apoio e não teria quem recolhesse a menina na creche ao final do dia" (sic.).
No sentido de aferir esta situação estabeleceu-se contacto telefónico com a BB a questionar o motivo pelo qual a AA não se encontrava a frequentar a creche, tendo esta informado que iria para casa da sua avó paterna e não conseguia ir buscar a AA à creche ao final do dia. Questionada acerca do nome da sua avó disse que não tem de dar essa informação porque a avó não quer que se saiba o nome dela e, indagada acerca da morada da avó, respondeu que não tem de dar essa informação, questionando "porquê? Na casa da minha avó tem uma plantação de droga?" (sic). Relativamente ao facto de ter de levar a AA à creche disse que podia levá-la mas depois deixava-a ficar lá poque não podia ir buscá-la.
Posteriormente, estabeleceu-se contacto telefónico com a avó paterna da BB, UU. A Sra. referiu estar a  par de toda a situação, que estava a conduzir para ... e que tinha sido esta a pagar ao advogado da BB. Confirmou que tinha partido uma mão mas que já conseguia conduzir e, questionada se necessitava de apoio para realização de tarefas domésticas, afirmou que não necessitava pois tinha empregada. Questionou-se a Sra. se a BB esteve em sua casa ontem e se iria no dia presente dia, tendo a Sra. referido que ontem falou com a BB por telefone e que hoje ia para ... tratar de umas coisas.
Abordou-se a Sra. relativamente ao facto de a BB ter dito que esta não queria que se soubesse o seu nome, tendo a Sra. afirmado, em tom mais axaltado, que não ia estar a discutir por telefone e se quisesse falar com ela que fosse a sua casa, na segunda ou na terça feira, a ..., tendo desligado a chamada.
Passado um pequeno período de tempo, foi rececionada nova informação por parte da creche, tendo sido relatado "A Educadora LL recebeu hoje de manhã um telefonema da BB bastante desagradada por termos partilhado consigo a informação de ontem, referindo que iria contactar o advogado e que "lhe iria acontecer a si o que acontecera à dra. MM. Referiu ainda que a avó dela não queria que ela facultasse os seus dados pessoais, os quais a Dra. NN havia solicitado na sequência da informação que nós havíamos partilhado e que a partir de agora estaria na disponibilidade de mentir, passando a dizer que a menina não viria à creche porque estaria doente. Alegou também que "isto não iria importar" uma vez que a menina iria, brevemente, sair da creche ". (sic.).
De salientar que, para além de a BB manter uma atitude desadequada e intempestiva para com a Técnica da EMAT, perante o contacto estabelecido com a sua avó paterna é evidente que mantém a sua postura de faltar com a verdade aos serviços, dificultando ou mesmo inviabilizando o próprio acompanhamento e deixando sérias reservas quanto ao bem estar da criança.”
77) Em 15-11-2023 e 16-11-2023, a progenitora mostrou-se indisponível para comparecer no controlo do Centro de Respostas Integradas (CRI).
78) Em 17-11-2023, CC faltou ao controlo no Centro de Respostas Integradas (CRI).
79) Em 24-11-2023, a progenitora foi controlada no Centro de Respostas Integradas (CRI), tendo o resultado do despiste de substâncias psicoactivas dado negativo.
80) Em 30-11-2023 (relatório subscrito à data de 29-11-2023), constatou a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais que:
[...], foi agendada com a creche, reunião/visita, no dia 22-11-2023, pelas 12:00 horas, no sentido de observar a criança, em interação com a Educadora, estando presente outra criança, tendo em conta que a Educadora considerou que a AA estaria mais à vontade.
A AA apresentava-se muito bem disposta, interagindo com o colega, a Educadora e as Técnicas da EMAT. Enquanto foi utilizado um jogo didático com a criança, a Educadora foi realizando algumas perguntas à AA relativamente ao próprio jogo e ao colega. No entanto, sempre que a Educadora realizava alguma pergunta mais relacionada com a familia/dinâmica a outra criança respondia mas a AA não (como por exemplo, como se chama a mamã, quem te trouxe de manhã). Apenas no final pronunciou o nome BB e questionada quem era a BB disse que era a mamã. Segundo a Educadora, é usual a AA "mudar de assunto" (sic.) quando coloca alguma questão relacionada com a familia.
Segundo transmitido verbalmente pela Educadora, a progenitora colabora e leva sempre, atempadamente, tudo o que é solicitado, nomeadamente fraldas, toalhitas e muda de roupa. [...]
A AA apresentava-se vestida com um fato de treino cardado, aparentemente novo (visível pelo cardado), pese embora não tivesse nenhuma camisola/body/t-shirt por baixo. [...] Verificou-se que a AA tinha as unhas cortadas, embora apresentasse sujidade, na maioria das unhas, sendo uma situação que a Educadora desvalorizou. Foi visivel no cabelo da criança alguns "pontos brancos ' tendo a Educadora transmitido que a menina não tem apresentado pediculose atualmente e sacudiu o cabelo da criança. Segundo a Educadora, por vezes, a AA apresenta "perto do pescoço " comichão e cascão, provavelmente por ser retirado mal o champô aquando a lavagem do cabelo.
[...]
No mesmo dia, pelas 15:15 horas realizou-se visita domiciliária à progenitora. Após se ter tocado à campainha foi visível a progenitora espreitar da janela da cozinha e fechar a cortina, tendo comparecido ao portão, posteriormente. Explicou-se que se pretendia realizar visita domicliária, tendo a mesma afirmado que só autorizaria a realização da mesma, perante a presença do seu mandatário, tendo em conta que tinha indicações expressas do mesmo nesse sentido. Foi transmitido à progenitora para estabelecer contacto com o seu mandatário, contudo, segundo a mesma, este não atendia as chamadas. Foi solicitado à progenitora se poderia facultar o contacto do seu mandatário, tendo esta afirmado que não facultava dados pessoais.
Tentou-se sensibilizar a progenitora para colaborar, contudo esta manteve-se firme, afirmando que não autorizava a realização da visita domiciliária sem a presença de testemunhas "por causa do que estava escrito nos relatórios e que não correspondiam à verdade" (sic). Posteriormente ainda questionou se eram horas de se realizar uma visita domicilária e sem aviso.
Passado alguns minutos, a Técnica da EMT foi informada pelo Tribunal, via chamada telefónica, que a progenitora pretendia falar com a Técnica. A Técnica transmitiu que iria efetuar chamada telefónica com a progenitora, contudo iria fazê-lo, através de número privado, tendo em conta que não tem telemóvel de serviço e utilizaria o seu número pessoal (essa informação seria transmitida à progenitora). A Técnica realizou duas chamadas telefónicas, às 15:45 horas e 15:50 horas, tendo a progenitora atendido apenas na terceira tentativa, às 16:01 horas. A progenitora apresentava um discurso muito pacífico informando que tinha falado com o seu advogado e que este lhe disse para autorizar a realização da visita domiciliária pois não poderia estar presente por se encontrar em .... Solicitou desculpa pela sua atitude, justificada pela relação que manteve com a anterior Técnica gestora do processo e que a Técnica da EMAT poderia ir realizar a visita domiciliária. A Técnica informou a progenitora que já se encontrava a caminho de ... e que teria de ser realizada posteriormente. A progenitora transmitiu que a Técnica poderia realizar a visita em qualquer dia pois iria estar sempre em casa, exceto segunda e quarta-feira, dias 27-11-2023 e 29-11-2023 uma vez que teria consulta médica, na ULS..., em .... Tendo em conta que a progenitora iria a ... foi solicitado à mesma para que, na segunda feira, após a consulta estabelecesse contacto telefónico para que fosse realizada entrevista à mesma, tendo esta concordado.
Durante o dia de segunda feira, dia 27-11-2023, a progenitora não estabeleceu qualquer contacto telefónico com a Técnica da EMAT.
No dia 28-11-2023 a Técnica da EMAT tentou realizar visita domiciliaria à progenitora, acompanhada por um outro Técnico da EMAT.
Ao chegar à habitação, por volta das 12:00 horas e, após se ter tocado à campainha, foi possível visualizar o companheiro da progenitora que se encontrava na garagem. Contudo, uma vez que este não respondeu ao toque, tendo uma atitude de que não tinha visto ninguém, foi dito "Bom dia" em tom de voz elevado para que o mesmo ouvisse, tendo em conta a distância da garagem ao portão e ouviu-se este a dizer "olha, estão cheios de pressa" (sic).
O companheiro da progenitora entretanto apareceu com um cão de grande porte, preso por uma trela e colocou-o dentro de um automóvel. De seguida compareceram ambos ao portão. Foi transmitido que o objetivo seria realizar uma visita domiciliária. Ambos concordaram com a realização da mesma, exigindo que a Técnica Gestora do processo entrasse sozinha, recusando que o Técnico que a acompanhava e pudesse entrar na habitação, mesmo depois de ter sido de imediato identificado como tal. O companheiro da progenitora ainda verbalizou que deveriam estar a gravar a conversa mas não tinha o telemóvel consigo,
A progenitora afirmou que iria contactar o seu advogado até que o seu companheiro lhe ordenou que não o fizesse, acabando por permitir a entrada dos Técnicos. A entrada do portão questionou-se a progenitora acerca do contacto em que a mesma se comprometeu em efetuar no dia anterior, tendo esta respondido que não tinha o contacto. Posteriormente questionou a Técnica da EMAT acerca do que, alegadamente, a Educadora lhe teria transmitido, afirmando: "a Educadora disse que a Dra. implicou com a camisola, com as pantufas e que eu tinha de cortar as cutículas das unhas à minha filha" (sic.).
Os Técnicos foram conduzidos até à garagem, o que levou a questionar a progenitora acerca de tal motivo, o companheiro afirmou que era para confirmar que não tinham nenhuma plantação de cannabis. Indagados acerca deste facto, nomeadamente do porquê de estarem a abordar o assunto da plantação a progenitora afirmou que foi a Técnica da EMAT que escreveu no relatório e o companheiro tentou intimidar a Técnica dizendo que tinha conhecimento de quem transmitiu essa informação e que o iria obrigar a fazer prova disso.
A Técnica questionou a progenitora se tinha lido os relatórios juntos aos autos, tendo esta respondido negativamente,
A progenitora salvaguardou que a habitação não se encontrava arrumada, tinha a cama por fazer e ainda tinha uma taça com leite por lavar porque tinha estado a comer.
A garagem era constituída por três divisões: na entrada encontrava-se a máquina de lavar roupa (encontrava- se a lavar sem o tampo superior), outra divisão cheia de terra/areia e outra com arrumos (vários materiais e uma mota). Esta divisão encontrava-se bastante repleta, sendo o acesso à mesma dificultado (estreito) tendo a Técnica transmitido orientação de que poderiam ter aquele espaço mais organizado. De imediato o companheiro da progenitora disse "Ai é? Só por isso já nem vai ver o ... andar e agora lá pra fora" (sic). Saiu atrás dos Técnicos afirmando "já não vão ver casa nenhuma" (sic) e a progenitora referiu "vou ligar ao meu advogado" (sic.). Ambos se encontravam completamente exaltados, a falar em tom de voz elevado e, enquanto a progenitora estava a efetuar uma chamada e os Técnicos a aguardarem na garagem (estava a chover) o companheiro exigiu que aguardassem fora da garagem. Nesse momento pegou no seu telemóvel e houve a perceção de que este se encontrava a tirar fotografias/gravar, tendo sido alertado para o facto de não o poder fazer. Numa postura desafiante afirmou que estava em sua casa e, portanto, fazia o que queria.
Face à postura de ambos foi considerado não estarem reunidas as condições para se prosseguir com a realização da visita domiciliária, tendo os técnicos abandonado a residência.
Salienta-se novamente que a progenitora da criança e o companheiro mantêm uma atitude desadequada e intempestiva para com a Técnica da EMAT, dificultando e inviabilizando qualquer tipo de avaliação, intervenção e acompanhamento, o que gera sérias reservas quanto ao bem-estar da criança.”
81) Em 15-12-2023, CC faltou ao controlo no Centro de Respostas Integradas (CRI).
82) O progenitor, CC e EE tiveram comportamentos desajustados na sala de audiências do Tribunal nas audiências com vista à revisão da medida de promoção e protecção vigente.
*
Na 1ª instância foram considerados não provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:

Alegações da patrona oficiosa da AA

a) A avó materna (HH) é pessoa calma, educada, reservada, serena, cautelosa e nada intrusiva.
b) Nunca houve qualquer conflito com a avó materna.
c) A progenitora tem uma casa com boas condições.

Alegações da progenitora

d) A AA encontra-se em boa saúde psíquico-emocional.
e) A progenitora e CC dão à AA um ambiente familiar estável, apaziguador e seguro.
f) A progenitora tem, somente, uma mera falta de colaboração pontual.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

I – Nulidade do acórdão

O Ministério Público alega que o acórdão é nulo, nos termos do art. 615º, nº 1, al. c), do CPC, por contradição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão.

Dispõe o art. 615º, nº 1, do CPC, que é nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades da decisão são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da decisão.
As nulidades da decisão, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cf. Acórdão desta Relação de 4.10.2018, Relatora Eugénia Cunha, in www.dgsi.pt).

Relativamente à nulidade prevista na al. c), do nº 1, do art. 615º, a mesma ocorre quando:
1) os fundamentos estejam em contradição com a decisão;
2) ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

O vício decorrente da existência de oposição entre os fundamentos e a decisão ocorre quando existe uma contradição lógica entre o raciocínio desenvolvido na fundamentação e a decisão tomada.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 12.2.2008, Relator Sebastião Póvoas, (in www.dgsi.pt)trata-se de um vício intelectual, caraterizado pela ilogicidade entre as premissas e a conclusão do silogismo judiciário. (...) Esta [nulidade] só ocorre se o julgador, ao arrepio da lógica de raciocínio, extrai uma conclusão impertinente, por, numa perspetiva discursiva coerente, se impor uma ilação diversa, sem que, contudo, tal tenha a ver com a adoção de determinada corrente doutrinária ou jurisprudencial ou com a aceitação de um facto como bastante para justificar uma decisão de direito.
Todavia, “se ocorrer apenas falta de idoneidade dos fundamentos para alcançar a decisão final, o que ocorre é um erro de julgamento, que não um vício de limite. Ou seja, se o julgador faz errada subsunção dos factos ao direito não se verifica a nulidade”.
Como escreve Lebre de Freitas, (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, pág. 670) entre “os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial.”

No caso em análise, da leitura do acórdão decorre que não existe qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão. Bem pelo contrário, há uma absoluta coerência lógica entre o raciocínio desenvolvido e a conclusão a que se chegou.
Na verdade, o acórdão, depois de fixar os factos provados e não provados e de fundamentar a decisão proferida sobre tal matéria, contém o enquadramento jurídico geral relativo aos pressupostos e critérios pelos quais se deve nortear a aplicação das medidas de promoção e proteção.
Explica qual o concreto perigo a que a criança se encontra exposta.
Analisa a possibilidade de aplicar a medida de apoio junto de familiar, afastando, no caso concreto, que esse apoio possa ser prestado pelo progenitor, pela avó materna ou pela tia materna, em virtude de estes não possuírem as necessárias capacidades para o efeito pelas razões que detalhadamente enuncia.
Eliminadas tais possibilidades, conclui que existem três soluções possíveis, a saber: o acolhimento residencial - que considera ser de afastar por ser solução de último recurso, a aplicar unicamente quando todas as outras soluções se mostrem inviáveis -, o apoio junto da progenitora ou o apoio junto da avó paterna.
Confrontando as duas únicas soluções possíveis ainda dentro do núcleo familiar, considera que “a menos má” é a de a renovar a medida de apoio junto da progenitora, concedendo-lhe “a derradeira oportunidade de demonstrar que é capaz de ser mãe enquanto tem a filha ao seu cuidado”.
Em consequência, aplica a medida de promoção e proteção de apoio junto da mãe pelo período de três meses, com revisão obrigatória a meio da medida.

Trata-se de um correto e coerente silogismo judiciário, não existindo qualquer contradição lógica entre a fundamentação e a decisão pois que aquela concreta fundamentação só podia conduzir às decisões que constam do dispositivo do acórdão.
Questão absolutamente distinta é a de saber se a fundamentação e a subsequente decisão são ou não corretas do ponto de vista da adequada subsunção jurídica do direito aos factos. A ocorrer essa incorreção ou desacerto da decisão tal configura um erro de julgamento, e não uma nulidade do acórdão.

Aliás, lendo a argumentação do Ministério Público resulta claramente que a situação apenas é abstratamente enquadrável, do ponto de vista jurídico, no erro de julgamento e nunca na nulidade, a qual, como se explanou, é um vício intrínseco da decisão, decorrente da existência de uma contradição lógica entre o raciocínio desenvolvido na fundamentação e a decisão tomada.
Com efeito, a argumentação aduzida pelo Ministério Público consiste, em síntese, na circunstância de os factos provados, designadamente os nºs 14, 15, 24, 25, 26, 67, 68, 69, 70, 73, 74, 77, 78 e 81, não poderem levar a concluir, do ponto de vista da sua subsunção jurídica, que a medida de promoção e proteção que melhor atende ao superior interesse da criança é a medida de apoio junto da progenitora.
Ora, tal situação, a verificar-se, só pode integrar um erro de julgamento, por o tribunal ter decidido de forma desacertada, mas já não um vício de nulidade da decisão, pois o tribunal não decidiu de forma contraditória com a fundamentação jurídica, antes proferiu decisão em inteira conformidade e de forma consequente com o raciocínio lógico-jurídico anteriormente desenvolvido.

Do que vem antedito conclui-se pela inexistência de qualquer nulidade do acórdão por contradição entre a fundamentação e a decisão.

II – Da substituição da medida de promoção e proteção aplicada

O Ministério Público entende que, à luz dos factos provados, designadamente dos factos nºs 14, 15, 24, 25, 26, 67, 68, 69, 70, 73, 74, 77, 78 e 81, a medida de promoção e proteção que melhor atende ao superior interesse da criança é a medida de apoio junto da avó paterna, a qual deve ser aplicada em substituição da medida de apoio junto da progenitora; ou, a não se entender assim, considera que deve ser aplicada a medida de acolhimento residencial.

Conforme estabelece o art. 36º, nºs 1, 5 e 6, da CRP, todos têm o direito de constituir família em condições de plena igualdade e os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, os quais não podem ser separados deles, salvo quando não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
Em consonância com o princípio constitucional referido, estabelece o art. 1878.º, nº 1, do CC, quanto ao conteúdo das responsabilidades parentais, que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
As responsabilidades parentais configuram-se, assim, como um conjunto de faculdades cometidas legalmente aos pais no interesse dos filhos e em ordem a assegurar convenientemente o seu sustento, saúde e educação, bem como a representação da sua pessoa e a administração dos seus bens.
Neste sentido, as responsabilidades parentais são integradas por um conjunto de poderes-deveres ou poderes funcionais atribuídos legalmente aos progenitores para a prossecução dos interesses pessoais e patrimoniais de que a criança é titular.
Deste carácter funcional deriva que o exercício dos poderes que o integram, não tendo a ver com a realização de interesses próprios dos progenitores, encontra-se vinculado à salvaguarda, promoção e realização do interesse da criança (cf. Rui Epifânio e António Farinha in OTM Anotada, pág. 301).
As “responsabilidades parentais” não são “um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral” (acórdão da Relação de Coimbra, de 11.12.2018, Relator Fonte Ramos, citando Armando Leandro, Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária, Temas do Direito da Família – Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Almedina, pág. 119, in www.dgsi.pt).

Assim, é aos progenitores que compete, no exercício dos poderes-deveres que decorrem dessa sua qualidade, assegurar, em primeira linha, que os filhos não se encontram expostos a qualquer situação que, de algum modo, direto ou indireto, imediato ou mediato, possa pôr em perigo o harmonioso e são desenvolvimento da sua personalidade nos vários aspetos em que esta se desdobra.

Porém, quando tais poderes-deveres não são adequadamente exercidos pelos progenitores, torna-se necessária a intervenção do Estado para que tal finalidade seja alcançada, estando constitucionalmente garantido que as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições e que o Estado assegura especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal (art. 69º, nºs 1 e 2, da CRP).

Como se afirma no Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1990, (aprovada para ratificação pela Resolução da AR n.º 20/90, de 12 de setembro), “a família, elemento natural e fundamental da sociedade e meio natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças, deve receber a protecção e a assistência necessárias para desempenhar plenamente o seu papel na comunidade” e “a criança, para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, deve crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão”.

Em execução dos comandos constitucionais atinentes à infância e juventude e para garantir as obrigações a que o Estado Português se encontra vinculado nessa matéria, na sequência da adesão a instrumentos internacionais, o legislador ordinário publicou a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, constante do anexo da Lei nº 147/99, de 1.9 (doravante LPCJP e à qual se referem todos os preceitos citados sem menção de diferente proveniência), diploma que, como decorre do seu art. 1º, tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral.

Por seu turno, estabelece o art. 2º, no que concerne à legitimidade da intervenção, que:

1 - A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
2 - Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
h) Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.

A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece aos princípios elencados no art. 4º, a saber:

a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
b) Privacidade - a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;
c) Intervenção precoce - a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;
d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo;
e) Proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;
f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;
g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;
h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável;
i) Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;
j) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção;
k) Subsidiariedade - a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais.

De acordo com o art. 34º, e no que concerne à sua finalidade, as medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo, adiante designadas por medidas de promoção e proteção, visam:
a) Afastar o perigo em que estes se encontram;
b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;
c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.

De acordo com o art. 35º, nº 1, as medidas de promoção e proteção são as seguintes:
a) Apoio junto dos pais;
b) Apoio junto de outro familiar;
c) Confiança a pessoa idónea;
d) Apoio para a autonomia de vida;
e) Acolhimento familiar;
f) Acolhimento residencial;
g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.

Este elenco é taxativo e a opção por uma destas medidas há-de ser efetuada à luz dos princípios consagrados no art. 4º e já supra referidos.

O processo judicial de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo, doravante designado processo judicial de promoção e proteção, é de jurisdição voluntária (art. 100º), pelo que lhe são aplicáveis as regras constantes dos arts. 986º e ss, do CPC.
Tal significa que, nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso concreto a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art. 987º, do CPC) podendo, para o efeito, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, apenas sendo admitidas as provas que o juiz considere necessárias (art. 986º, nº 2, do CPC).
Não obstante a ausência de sujeição a critérios de legalidade estrita e a possibilidade de a decisão se nortear por critérios de conveniência e oportunidade, importa frisar que o processo de promoção e proteção se encontra subordinado ao conjunto de princípios orientadores, legalmente estabelecidos no art. 4º, conforme já supra referimos, os quais têm de ser observados e respeitados quer na tramitação processual adotada, quer nas decisões proferidas, e, no que toca às provas, há que ter em conta o regime constante do art. 117º, segundo o qual, para a formação da convicção do tribunal e para a fundamentação da decisão só podem ser consideradas as provas que puderem ter sido contraditadas durante o debate judicial.

É absolutamente pacífico na doutrina e na jurisprudência que o critério último e preponderante na tomada de decisões relativas a crianças e jovens é o do seu superior interesse.
A lei não define em que consiste o interesse superior da criança. No art. 4º, al. a) alude, a propósito de tal interesse, à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto. No entanto, não se trata de uma definição desse interesse, mas tão só de um mero exemplo de fatores a atender quanto à concretização e preenchimento de tal conceito.
Na verdade, o legislador optou, propositadamente, por não definir a noção de superior interesse da criança, recorrendo antes a um conceito amplo e aberto, a preencher casuisticamente, por entender que, dada a variedade e multiplicidade de situações suscetíveis de ocorrerem na vida real, por um lado, e a própria evolução social e cultural, com a consequente alteração de paradigmas, princípios e valores, por outro, seria mais adequado o uso de um conceito aberto e flexível, adaptável a tais situações e evoluções e que permitisse acompanhá-las e integrá-las.
Helena Bolieiro e Paulo Guerra (in A Criança e a Família – Uma Questão de Direitos, Coimbra Editora, 2009, pág. 322), propõem a seguinte forma de densificação do conceito de superior interesse da criança: “podemos definir o interesse superior da criança (...) como o interesse que se sobrepõe a qualquer outro interesse legítimo, seja o dos pais, seja o dos adultos terceiros, devendo ser densificado e concretizado através de uma rigorosa avaliação casuística, numa perspetiva global e sistémica, de natureza interdisciplinar e interinstitucional, visando a satisfação da premente necessidade da criança de crescer harmoniosamente, em ambiente de amor, aceitação e bem-estar, promovendo-se a criação de ligações afetivas estáveis e gratificantes”.
Rui Epifânio e António Farinha, (in Organização Tutelar de Menores, Contributo Para uma Visão Interdisciplinar do Direito de Menores e de Família, I, 1987, pág. 327) referem que o interesse do menor encontra-se “em estreita conexão com a garantia de condições materiais, sociais, morais e psicológicas, que possibilitem o seu desenvolvimento estável, à margem da tensão e dos conflitos que eventualmente oponham os progenitores e que possibilitem o estabelecimento de relações afectivas contínuas com ambos, em especial com o progenitor a quem não seja confiado”.
Almiro Rodrigues (in “Interesse do Menor, Contributo para uma Definição”, Revista Infância e Juventude, nº. 1, 1985, págs. 18/19”), afirma que tal interesse deve ser entendido como “o direito da criança ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social em condições de liberdade e dignidade”.
Paulo Guerra (in Área de Família e Menores, Sentença de Regulação do Exercício do Poder Paternal, Novembro de 2002) afirma que “a prossecução do interesse do menor tem sido entendida em estrita conexão com a garantia das condições materiais, sociais, psicológicas e morais que possibilitem o seu desenvolvimento saudável, equilibrado e estável, à margem dos compreensíveis conflitos que, eventualmente, surjam entre os pais, e que assegurem o estabelecimento de relações afectivas contínuas com ambos os pais, particularmente, e como bem se compreende, com o progenitor a quem o menor não tenha sido confiado”.
Nas palavras do acórdão da Relação de Lisboa, de 12.3.2019, (Relator José Capacete, in www.dgsi.pt) “o conceito interesse da criança, enquanto instrumento operacional cuja utilização e confiada ao juiz, é uma noção em desenvolvimento contínuo e progressivo, de natureza polimorfa, plástica e essencialmente não objetivável, que pode assumir todas as formas e vigorar em todas as épocas e em todas as causas. Deve, no entanto, entender-se por superior interesse da criança e do jovem, o seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições liberdade e dignidade”.
Pese embora todas as tentativas de concretização e densificação conceptual do conceito de superior interesse da criança que se possam levar a cabo, a verdade é que tal interesse só pode ser aferido de forma casuística e atual, perante a criança concreta, no confronto com a sua situação pessoal, familiar, escolar e social e com o seu concreto estado de desenvolvimento físico, psíquico e emocional, por forma a verificar qual é a situação ou projeto de vida que oferece melhores garantias para o seu desenvolvimento físico e psíquico, para o seu bem-estar e segurança e para a sã formação da sua personalidade.
*
Assentes nestas premissas, vejamos, então, no concreto caso em análise e em função dos critérios explanados, se a medida mais adequada para proteger a criança do perigo a que se encontra exposta é a de apoio junto da progenitora, medida que foi aplicada pelo tribunal recorrido, ou a de apoio junto da avó paterna, medida que o Ministério Público entende que deve ser aplicada.

A medida de apoio junto dos pais consiste em proporcionar à criança ou jovem apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário, ajuda económica (art. 39º).
A medida de apoio junto de outro familiar consiste na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de um familiar com quem resida ou a quem seja entregue, acompanhada de apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário, ajuda económica (art. 40º).

No recurso não é questionado que a criança se encontra sujeita a uma situação de perigo.
A situação a que a criança se encontra sujeita, de acordo com o acórdão recorrido, o qual nesta parte não foi impugnado, consiste em “[a]os cuidados da progenitora (BB), a AA está actualmente em situação de perigo de não estar a receber os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal (cf art. 3.º , n.º 2, alínea c), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).
A progenitora demonstra fragilidades no exercício da parentalidade (que se irão agravar, certamente, com o nascimento do/a irmão/ã uterina da AA, por volta de Março a Maio de 2024, e os impactos que um recém-nascido provoca nas rotinas diárias do agregado familiar, o trabalho acrescido de prover a um recém-nascido extremamente dependente dos adultos cuidadores, a redução do tempo disponível para cuidar da AA, e o cansaço acrescido), nomeadamente, dificuldade em prover as rotinas da AA com a creche, dificuldade em compatibilizar a sua actividade laboral com o cuidar a tempo integral da AA (de realçar os incumprimentos do tempo de trabalho que coincidem com a aplicação da medida de promoção e protecção de apoio junto da progenitora), alguma fragilidade em garantir a higiene da AA (o tratamento desajustado à pediculose, alguns episódios de pouca limpeza), alguma fragilidade em garantir um ambiente seguro à AA (de realçar a queimadura na mãe, que se pode tratar de um mero acidente doméstico, mas o ocultar do facto pela progenitora e, mais relevante, o não levar a AA a um estabelecimento de saúde).
Não bastasse, a habitação onde a AA reside com a sua progenitora e CC (actualmente, padrasto da AA) de todas as vezes que foi visitada pela Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais apresentava sérias deficiências a nível da limpeza, quer da habitação, quer dos utensílios de cozinha.
A situação de perigo agrava-se por a progenitora e CC serem conflituosos, impedindo a actuação da Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais e, forçosamente, não melhorando o seu comportamento.
Neste ponto é de realçar que CC é pessoa que, além de conflituosa, é associado ao consumo de estupefaciente (o progenitor da AA aponta que CC foi a pessoa que o introduziu no mundo do consumo de estupefacientes e CC recusou-se até este momento a ser controlado uma única vez que seja pelo Centro de Respostas Integradas (CRI), o que, em vez de debelar as dúvidas, só as adensa) e tem um modo de vida desconhecido.
Ora, o modo de vida desconhecido de CC e as personalidades conflituosas deste e da progenitora impediram que a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais desenvolvesse com normalidade o seu trabalho, sendo mais as dúvidas que as certezas.
Ainda no domínio do conflito que ronda a vida da AA, é de realçar a discórdia (mesmo uma guerra sem quartel) entre progenitora, progenitor, CC, avó materna e avô materno, que coloca em causa o sadio desenvolvimento da AA e já tem efectivo reflexo no seu comportamento e que é notado na creche, tanto que a AA (uma criança com 2 anos e 6 meses de idade) já evita falar da sua família.
Se a violência física e o conflito aberto entre todos os familiares da AA dá, agora, alguns sinais de acalmia, em todos os demais pontos, a intervenção primeiro da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens e actualmente do Tribunal, ao longo de toda a vida da AA (e, relembremo-nos que a situação da AA está sinalizada desde antes do seu nascimento), tem sido marcada pela insucesso, não se registando a melhoria de comportamentos que seria expectável.
Em conformidade, julgado que a AA se encontra numa situação de perigo para a sua própria saúde, educação, formação e são desenvolvimento fisico e psicológico, sem que os seus progenitores, mormente a sua mãe, tenham contribuído para afastar os perigos apontados.”

O tribunal a quo optou pela aplicação da medida de apoio junto da progenitora com a seguinte fundamentação:

“Aqui chegados, ao Tribunal apresentam-se somente 3 soluções como possíveis:
— A AA continuar a beneficiar da medida de apoio junto da progenitora;
— Ser aplicada a medida de apoio junto de outro familiar, concretamente a avó paterna; ou,
— O acolhimento residencial.
Começando por esta última possibilidade, o acolhimento residencial, e como supra foi apontado, deve ser determinado como último recurso, quando se mostrem inviáveis todas as outras soluções. Como infra se escrevem, entendemos que ainda não estão esgotadas todas as possibilidades de actuação do núcleo familiar da AA.
Aqui chegados, e não obstante as incapacidades parentais apresentadas pela progenitora, daquilo que é conhecido pelo Tribunal, a AA aparenta ser uma bebé feliz e apresenta-se com um desenvolvimento normativo. Ademais, não há nota que a AA seja vítima de violência física.
Partindo daquele pressuposto, na necessidade de definir um projecto de vida para a AA, a sua progenitora, com as suas limitadas competências de parentalidade, e apesar da sua personalidade conflituosa e a não colaboração — até este momento — com o Tribunal ou com a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais, é, de qualquer forma, a solução que mais se aproxima do superior interesse da criança.
A avó materna, por seu lado, apresenta várias das fragilidades que se notam na progenitora (conflito familiar, desinteresse pelo desenvolvimento da AA na creche, conflito com as educadoras e técnicas da creche, conflito com a técnica da Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais, proximidade de adultos que não se esforçam por adaptar plenamente os seus comportamentos às necessidades educativas de uma criança tão pequena), com o revés de ser sempre uma solução tendencialmente temporária.
Não se ignora que o comportamento da AA começa a demonstrar sinais negativos, mas que não podem ser unicamente apontados à progenitora e a CC, pois, o conflito familiar que envolve a AA é também imputável ao progenitor e aos avós paternos, que não estão, de todo, impolutos neste domínio.
Apesar de não ser especialmente relevante para a AA neste momento, na nossa análise não é possível ignorar que a progenitora da AA está grávida, prevendo-se o nascimento da criança para daqui a alguns meses, pelo que é premente, também por aqui, redobrar esforços, no sentido de dotar aquela progenitora das competências parentais que os seus filhos exigem e merecem.
Ainda, independentemente da solução escolhida, todas impõem que a disfuncionalidade familiar que rodeia a AA, e em especial a sua progenitora, seja intervencionada.
Também não se ignora que a progenitora se tem comportado de forma petulante para com a técnica da Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais, desrespeitando toda e qualquer instrução recebida, por mais inócua que seja, criando um ambiente de conflito e intimidatório (faz-se um parêntesis para fazer constar que o Tribunal só consegue compreender o comportamento da progenitora, após as diversas advertências que lhe foram pessoalmente feitas pelo Tribunal, como um sinal de imaturidade e incapacidade de compreensão do que está em causa para si, para a sua filha, do que está a acontecer no processo de promoção e protecção, das consequências do seu comportamento, de qual a função da Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais, tudo num contexto de infantil guerrilha pessoal contra a pessoa da técnica a ver se vence — não sabemos o quê — com a sua substituição como já o conseguiram com a anterior), todavia, com a advertência desta decisão, entende-se o Tribunal na condição de correr um calculado risco no sentido de antever uma alteração positiva no seu comportamento.
Assim, ponderado devidamente os princípios do primado da família, da intervenção mínima e da responsabilidade parental, a melhor solução possível (verdadeiramente, é só a menos má) para o caso vertente é renovar a media de apoio junto da progenitora.
A medida de apoio junto da mãe consiste em proporcionar à criança ou jovem apoio de natureza psicopedagógica e social (art. 39.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).
O apoio psicopedagógico consiste numa intervenção de natureza psicológica e pedagógica que tenha em conta as diferentes etapas de desenvolvimento da criança ou do jovem e o respectivo contexto familiar e que vise, nomeadamente, promover o desenvolvimento integral da criança ou do jovem e contribuir para a construção da sua identidade pessoal, identificar necessidades especiais, promover a construção de interacções positivas entre os membros do agregado familiar e orientar o agregado familiar nas suas atitudes para com a criança ou jovem (art. 11.º do Decreto-Lei n.º 12/2008, de 17 de Janeiro, que aprova o Regime de Execução das Medidas de Promoção e Protecção das Crianças e Jovens em Perigo).
O apoio social consiste numa intervenção que envolve os recursos comunitários, tendo em vista contribuir para o desenvolvimento integral da criança ou jovem e para a satisfação das necessidades sociais do agregado familiar (art. 12. 0 do Decreto-Lei n. 0 12/2008, de 17 de Janeiro, supracitado).
Com efeito, a execução da medida de apoio junto da mãe deve ser orientada no sentido do reforço ou aquisição por parte desta das competências para o exercício da função parental adequadas à superação da situação de perigo e suas consequências e à conveniente satisfação das necessidades de protecção e promoção da criança (art. 16. º, n.º 2, do Regime de Execução das Medidas de Promoção e Protecção das Crianças e Jovens em Perigo). Devem pois ser consideradas na operacionalização do plano de intervenção, entre outras situações, a capacidade da mãe para remover qualquer situação de perigo, a ausência de comportamentos que afectem a segurança ou o equilíbrio emocional da criança ou do jovem e a disponibilidade da mãe para colaborar nas acções constantes do plano de intervenção (n. º ... do mesmo artigo).
Aqui chegados, a pretérita decisão do Tribunal já foi no sentido de permitir que a progenitora assumisse na plenitude o encargo de ser mãe da AA, e que o fez com muitas falhas, o que leva que a esta nova medida seja mais restrita no tempo, e mais severa na efectiva e urgente exigência na demonstração pela progenitora de deter (ou se estar a esforçar para deter) capacidade de criar uma família sadia, que se constitua como modelo de referência estruturante e securizante, capaz de cuidar, educar e orientar, possibilitando um normal desenvolvimento da personalidade da AA.
Aproximamo-nos, numa última nota, do que se pode definir como sendo a derradeira oportunidade da progenitora demonstrar-se como capaz de ser mãe enquanto tem a sua filha ao seus cuidados(sublinhados nossos).

Começamos por dizer que sufragamos e subscrevemos esta fundamentação por a considerarmos correta e assertiva à luz da factualidade provada e do regime legal aplicável que supra deixámos explanado.

Na verdade, perante a situação de perigo a que a criança se encontra exposta, do conjunto de medidas que lhe podem ser aplicadas é de excluir, de imediato, a medida de acolhimento residencial.
Como se consigna no artigo 49.º, n.ºs 1 e 2, tal medida consiste “na colocação da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações, equipamento de acolhimento e recursos humanos permanentes, devidamente dimensionados e habilitados, que lhes garantam os cuidados adequados” e tem “como finalidade contribuir para a criação de condições que garantam a adequada satisfação de necessidades físicas, psíquicas, emocionais e sociais das crianças e jovens e o efetivo exercício dos seus direitos, favorecendo a sua integração em contexto sociofamiliar seguro e promovendo a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral”.

O acolhimento residencial é uma medida de ultima ratio que só deve ser aplicada quando todas as outras falhem no seu propósito de remover a criança do perigo a que se encontra exposta.
Na situação em apreço, não se justifica a aplicação desta medida pois existem outras medidas, menos gravosas e menos invasivas, que permitem de forma adequada proteger a criança da situação de perigo em que se encontra. Por isso, à luz dos princípios consagrados no art. 4º, que têm que presidir à aplicação de qualquer medida, mais concretamente dos princípios da proporcionalidade, da responsabilidade parental, do primado da continuidade das relações psicológicas profundas e da prevalência da família, no caso sub judice é de afastar a aplicação da medida de acolhimento residencial.

Em confronto ficam as medidas de apoio junto da progenitora ou de apoio junto da avó paterna.
Perante estas duas alternativas, consideramos ser de optar pela primeira por ser aquela que, no caso concreto, melhor atende prioritariamente aos interesses e direitos da criança, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, que melhor garante o princípio da responsabilidade parental, pois permite que a progenitora assuma os seus deveres para com a criança, e que melhor satisfaz o primado da continuidade das relações psicológicas profundas, pois permite respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, garantindo a continuidade da vinculação securizante que tem com a progenitora.
Chegamos a esta conclusão pelas razões aduzidas na decisão recorrida, que já declarámos que subscrevemos e sufragamos, por serem corretas, e estarem em conformidade com o regime legal aplicável.

Da factualidade dada como provada resulta efetivamente que a progenitora não tem desempenhado as suas responsabilidades parentais de forma a permitir o desenvolvimento harmonioso da criança, pois apresenta incapacidades, ou, pelo menos, fragilidades, no exercício dessas suas funções, sendo precisamente essas fragilidades ou incapacidades que colocam a criança exposta a uma situação de perigo e justificam que lhe seja aplicada uma medida de promoção e proteção.
Nomeadamente, e tal como é referido na decisão recorrida, a progenitora tem dificuldade em prover as rotinas da criança com a creche e em compatibilizar a sua atividade laboral com o cuidar a tempo integral da filha, sendo de realçar os incumprimentos do horário de trabalho os quais coincidem com a aplicação da medida de promoção e proteção de apoio junto da progenitora.

A progenitora tem alguma fragilidade em garantir a higiene da filha, de que constitui exemplo o tratamento desajustado à pediculose e alguns episódios de pouca limpeza, bem como em manter a higiene da habitação, visto que de todas as vezes que foi visitada pela Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais a casa apresentava sérias deficiências a nível da limpeza, quer da habitação, quer dos utensílios de cozinha.
Tem também alguma fragilidade em garantir um ambiente seguro à filha, de que constitui exemplo a situação da queimadura na mão. Embora esta situação decorra, aparentemente, de um acidente doméstico, pois não há indícios de que tenha outra causa, não é adequado o facto de a progenitora ter ocultado o sucedido e de não ter levado a filha a um estabelecimento de saúde para ser assistida.
Acresce que, pelo menos em 30.08.2023, a progenitora não levou a filha à consulta de pediatria que se encontrava agendada.
Por outro lado, o companheiro atual da progenitora, CC, é uma pessoa conflituosa, tem um histórico de consumo de estupefacientes e recusa-se a ser controlado pelo CRI.

Não obstante todas as apontadas fragilidades e incapacidades parentais da progenitora e a vivência algo disfuncional do agregado familiar onde a mesma e a filha se encontram inseridas, e apesar da criança, a partir de setembro de 2023, se ter comportado de forma mais rabugenta, menos cumpridora das regras, mais desafiadora para com os adultos e de evitar responder a perguntas concretas sobre a sua família (factos 69 e 70), o que compromete o seu são e harmonioso desenvolvimento, a verdade é que da globalidade da factualidade provada resulta que a criança mantém um vínculo afetivo sólido e securizante com a progenitora.
Por outro lado, da factualidade provada não resultam indícios de que a criança seja alvo de qualquer situação de maus tratos ou de negligência, mas apenas que é reflexamente afetada pela situação disfuncional e desadequada do agregado familiar em que está integrada.
Ora, afastar uma criança da sua progenitora é uma medida extrema que só deve ter lugar quando o seu superior interesse o impuser.

Se analisarmos a medida aplicada pelo tribunal recorrido, a mesma é absolutamente adequada a remover e resolver as situações de incapacidades e fragilidades da progenitora e do seu companheiro CC que acabamos de descrever porquanto a mãe está obrigada a:

1. Garantir que a AA recebe os cuidados básicos de alimentação, higiene, vestuário, saúde, supervisão e conforto;
2. Garantir o cumprimento das consultas de saúde necessárias e da administração da medicação, se for prescrita;
3. Garantir que a habitação está sempre em razoáveis condições de higiene e arrumação;
4. Garantir que a AA frequenta a creche, com assiduidade e pontualidade, devendo faltar somente se facto de maior relevância surgir, obrigando-se a comunicar à técnica responsável o sucedido;
5. Garantir que a AA é, durante o mês de Janeiro, sujeita a consulta de pediatria, obrigando-se a comunicar à técnica responsável quando e qual a instituição de saúde onde ocorreu;
6. Continuar a sujeitar-se a controlos aleatórios para despiste de substâncias psicoactivas no Centro de Respostas Integradas (CRI);
7. Sujeitar-se a perícia para avaliação das suas competências de parentalidade;
8. Colaborar com o Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental obedecendo às instruções que receber e obrigando-se a corrigir o seu comportamento em conformidade com as indicações que for recebendo;
9. Garantir que a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais tem acesso à AA e ao interior da sua habitação para aferir do respeito da presente medida;
10. Colaborar com a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais e com o Tribunal, sempre que assim for solicitado, obedecendo às instruções que receber e obrigando-se a corrigir o seu comportamento em conformidade com as indicações que for recebendo; e,
11. Não criar conflitos com a demais família da AA.

Por seu lado, CC, companheiro da progenitora, está obrigado a:

1. Colaborar com a mãe no cumprimento das suas obrigações para com a AA;
2. Sujeitar-se a controlos aleatórios para despiste de substâncias psicoactivas no Centro de Respostas Integradas (CRI);
3. Sujeitar-se a perícia para avaliação das suas competências de parentalidade;
4. Colaborar com o Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental obedecendo às instruções que receber e obrigando-se a corrigir o seu comportamento em conformidade com as indicações que for recebendo;
5. Garantir que a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais tem acesso à AA e ao interior da sua habitação para aferir do respeito da presente medida;
6. Colaborar com a Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais e com o Tribunal, sempre que assim for solicitado, obedecendo às instruções que receber e obrigando-se a corrigir o seu comportamento em conformidade com as indicações que for recebendo.
7. Não criar conflitos com a demais família da AA.

Ora, estas medidas visam, de forma direta e imediata, obviar às situações a que aludem os factos provados nºs 14, 15, 24, 25, 26, 67, 68, 69, 70, 73, 74, 77, 78 e 81, que são invocados pelo Ministério Público no recurso que interpôs, sendo absolutamente proporcionais e adequadas para alcançar tal finalidade.
Por outro lado, trata-se de uma medida provisória que vigorará por um período muito curto de três meses e que será revista ao fim de um mês e meio, pelo que, caso se verifique que a mesma não está a surtir o efeito desejado, a situação poderá ser corrigida de imediato, de forma célere, na sequência da apertada monitorização que o tribunal recorrido impôs.

Acresce ainda que a progenitora se encontra grávida e, a muito breve trecho, a AA terá um(a) irmão(ã). É de toda a conveniência que a criança possa conviver com a progenitora e o novo membro da família desde os primeiros tempos, criando com ele estreitos laços de afetividade como é desejável que existam e se estabeleçam entre os irmãos.
O nascimento de uma nova criança será seguramente um fator determinante na dinâmica e organização desta família porquanto tanto a poderá estabilizar e equilibrar, como se deseja que venha a suceder, como a poderá desequilibrar de forma definitiva.
Na verdade, em qualquer família, mesmo que muito estruturada e funcional, o nascimento de uma criança traduz-se sempre num período de exigências e esforços acrescidos, dada a atenção e cuidados constantes que um recém-nascido necessita que os progenitores lhe prestem.
Não se sabe se a progenitora terá ou não capacidade para, simultaneamente, cuidar adequadamente da AA, ultrapassando as fragilidades parentais que tem e que estão assinaladas nos autos, e, em acréscimo, prestar, também adequadamente, todos os cuidados que o(a) seu(sua) filho(a) recém-nascido(a) lhe exigirá.
É uma tarefa duplamente exigente que a progenitora terá de levar a cabo, demonstrando que tem condições para ultrapassar as incapacidades parentais que já lhe foram assinaladas. E esta é a derradeira oportunidade para o fazer porquanto, se não conseguir cumprir as obrigações que lhe foram impostas pela medida aplicada, a situação não poderá continuar a arrastar-se no tempo, na esperança vã de que a progenitora um dia se reorganize e adquira competências. E tal não poderá suceder porque o tempo não para e a criança vai crescendo, exposta a situações indesejáveis que a poderão afetar de forma definitiva e irreversível no futuro, comprometendo o seu são crescimento e desenvolvimento e causando-lhe danos permanentes, irreversíveis e inalteráveis.
Por tudo quanto já consta da decisão recorrida e do que aqui acrescentámos, à luz dos princípios da responsabilidade parental, do primado da continuidade das relações psicológicas profundas e da prevalência da família, entende-se que a medida aplicada pelo tribunal recorrido de apoio junto da progenitora, com uma extensa e rigorosa imposição de deveres, quer à progenitora, quer ao seu companheiro, a vigorar provisoriamente por um curto período de tempo de três meses e com monitorização apertada a realizar em mês e meio, no momento atual é a medida que melhor garante o superior interesse da criança permitindo-lhe uma derradeira oportunidade permanecer junto da sua progenitora e do(a) irmão(ã) que irá brevemente nascer.
Por assim ser, deve essa ser a medida aplicada e não a de apoio junto da avó paterna, propugnada pelo Ministério Público, a qual implicaria o afastamento da criança da mãe e do(a) futuro(a) irmão(ã), sendo que a integração no agregado familiar da avó paterna, para além de, por natureza, não ser uma situação que possa ocorrer de forma definitiva, o que não é ideal, também não é isenta de problemas porquanto o seu agregado familiar apresenta igualmente várias disfuncionalidades.
Pelo contrário, se a progenitora cumprir todas as obrigações que lhe foram impostas pelo tribunal, a situação de perigo a que a criança se encontra sujeita poderá vir a ser ultrapassada de forma definitiva, com a correspondente e consequente extinção da medida.
Melhor seria que todos os familiares da AA, em vez de gastarem as suas energias envolvendo-se em disputas e conflitos, quer entre si, quer com os técnicos, que apenas os pretendem ajudar, colaborassem e desenvolvessem esforços comuns de modo a criar as melhores condições possíveis para que a AA possa permanecer com a progenitora e manter um contacto pacífico e regular com os avós paternos e com o progenitor.
Na verdade, todos os envolvidos devem dar o seu melhor, contribuindo e ajudando no dia-a-dia, na medida das suas possibilidades, de modo a que a AA possa crescer como uma criança saudável e feliz, direito de que todas as crianças são titulares mas que, na prática e na vida real, lamentavelmente nem sempre se concretiza por exclusiva responsabilidade dos adultos que as rodeiam os quais, em vez de as protegerem e se preocuparem com o seu bem estar, dão prioridade a outros interesses e questões absolutamente colaterais e secundários.
Esta conjugação de esforços poderá não ser fácil, mas é possível, desde que os envolvidos nisso se empenhem, devendo ter sempre presente que a finalidade última da sua atuação deve ser a de dar contributo para que a AA possa concretizar o direito de crescer de forma saudável e feliz junto dos seus familiares.

O Ministério Público, no recurso interposto, argumenta que “se ao longo de seis meses não houve qualquer colaboração, por parte da progenitora e do seu companheiro, no plano de intervenção delineado para os ajudar no sentido de lhes facultar ferramentas para exercerem de maneira cabal as responsabilidades parentais sobre a AA, ao ponto, não só de não haver quaisquer melhorias em termos das capacidade parentais daqueles, mas também ao ponto da Sr.ª Técnica da EMAT ter visto recusada a sua entrada na habitação das mesmos, como poderá esta medida surtir o mínimo efeito no futuro? Como poderá esta medida ser adequada e necessária para fazer face ao perigo concreto que a AA vive? Como poderá esta medida salvaguardar o superior interesse desta criança? A resposta parece-nos clara: não poderá.”

Não acompanhamos esta posição pois, como explanámos, consideramos que ainda é possível dar uma derradeira oportunidade à progenitora para se reorganizar e embora, no futuro, se possa vir a chegar à conclusão propugnada pelo Ministério Público, no presente consideramos que a situação não é de molde a permitir fazer um juízo de prognose negativa acerca da capacidade da progenitora vir a exercer adequadamente as suas funções e deveres parentais.
Concordamos plenamente com o Ministério Público quando refere que “o afastamento da família biológica é necessário quando a família biológica “apresenta “disfuncionalidades que comprometem gravemente os vínculos afetivos próprios da filiação”. Porém, discordamos do entendimento pelo mesmo sufragado de que, no caso concreto, já se atingiu esse ponto, antes entendendo que deve ser dada à progenitora a última e derradeira oportunidade para proporcionar à filha um ambiente em que a mesma possa crescer e desenvolver-se em todos os aspetos da sua personalidade de forma saudável, harmoniosa e segura junto da família constituída pela mãe e pelo(a) irmão(ã) que em breve irá nascer.

Por tudo o exposto, entende-se que a decisão recorrida deve ser confirmada, mantendo-se a medida aplicada de apoio junto da progenitora.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.

Sem custas (artº. 4, nºs. 1, al. a), e 2, al. f), do RCP).
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Sumário (da responsabilidade da relatora, conforme art. 663º, nº 7, do CPC):

I – A nulidade da sentença decorrente da existência de oposição entre os fundamentos e a decisão, prevista no art. 615º, nº 1, al. c), do CPC, ocorre quando existe uma contradição lógica entre o raciocínio desenvolvido na fundamentação e a decisão tomada, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris).
II - A circunstância de os factos provados não poderem levar a concluir, do ponto de vista da sua subsunção jurídica, que a medida de promoção e proteção que melhor atende o superior interesse da criança é a medida de apoio junto da progenitora, a verificar-se, só pode integrar um erro de julgamento, por o tribunal ter decidido de forma desacertada, mas já não um vício de nulidade da decisão, pois o tribunal não decidiu de forma contraditória com a fundamentação jurídica, antes proferiu decisão em inteira conformidade e de forma consequente com o raciocínio lógico-jurídico anteriormente desenvolvido.
III - O legislador optou, propositadamente, por não definir a noção de superior interesse da criança, recorrendo antes a um conceito amplo e aberto, a preencher casuisticamente, por entender que, dada a variedade e multiplicidade de situações suscetíveis de ocorrerem na vida real, por um lado, e a própria evolução social e cultural, com a consequente alteração de paradigmas, princípios e valores, por outro, seria mais adequado o uso de um conceito aberto e flexível, adaptável a tais situações e evoluções e que permitisse acompanhá-las e integrá-las.
IV - Pese embora todas as tentativas de concretização e densificação conceptual do conceito de superior interesse da criança que se possam levar a cabo, a verdade é que tal interesse só pode ser aferido de forma casuística e atual, perante a criança concreta, no confronto com a sua situação pessoal, familiar, escolar e social e com o seu concreto estado de desenvolvimento físico, psíquico e emocional, por forma a verificar qual é a situação ou projeto de vida que oferece melhores garantias para o seu desenvolvimento físico e psíquico, para o seu bem-estar e segurança e para a sã formação da sua personalidade.
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Guimarães, 29 de fevereiro de 2024

(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) Maria João Marques Pinto de Matos
(2º/ª Adjunto/a) Maria Gorete Morais