Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO SOBRINHO | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO RECURSO EXCEPCIONAL REQUISITOS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/20/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
Decisão: | DESATENDIDA | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | I – O recurso excepcional previsto no artº 49º, nº 2, da Lei nº 107/2009, de 14.09, pressupõe que, independentemente da indicação desta norma no respectivo requerimento de interposição, o arguido ou o Ministério Público aleguem em concreto as razões da necessidade de melhoria da aplicação do direito e da promoção da uniformidade da jurisprudência. | ||
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Decisão Texto Integral: | I - Relatório Reclamante: AA… (arguida); Reclamado: ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho; ***** AA… veio reclamar do despacho da Sr. Juiz da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Guimarães – 2ª Secção Criminal, datado de 09.01.2017, que lhe não admitiu o recurso por si interposto, com o fundamento de que o valor da coima aplicada é inferior ao limite previsto na alínea a) do nº 1, do artº 49º, da Lei nº 107/2009, de 14.09. Segundo a reclamante, o recurso não deveria ter sido rejeitado, argumentando que: 1. A arguida interpôs o seu recurso nos termos do n° 2 do art. 49° da Lei 107/2009. 2. Em face do supra mencionado, sempre caberia ao tribunal da Relação aceitar ou não o recurso interposto pela arguida, motivo pelo qual padece de nulidade o despacho proferido pelo tribunal de 1a Instância, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais. 3. Por outro lado, sempre se dirá que a decisão de não admissão do presente recursa prejudica gravemente a reclamante, uma vez que esta tem todo o interesse e legitimidade em recorrer, pois a decisão de que se recorre a prejudica manifesta e gravemente. 4. Entendeu o Tribunal a quo que a arguida não podia impugnar judicialmente a decisão da autoridade administrativa na parte relativa à demais matéria que não seja a sua qualidade de gerente da arguida à data dos factos, pelo que em face de tal situação não foi apreciado pelo tribunal a quo a matéria alegada em sede de Impugnação Judicial. 5. Para o efeito o tribunal a quo fundamentou a sua decisão, alegando que a responsabilidade da arguida prevista nos termos do disposto no artigo 551, no 3 do Código do Trabalho é uma responsabilidade meramente obrigacional, não lhe era extensível quaisquer outros efeitos da condenação para além da obrigação de pagamento da coima. 6. Dispõe o n° 3 do Código do Trabalho que “se o infractor for pessoa colectiva ou equiparada, respondem pelo pagamento da coima, solidariamente com aquela, os respectivos administradores, gerentes ou directores” 7. A responsabilidade destes administradores, gerentes ou directores que até é solidária e não meramente subsidiária, apresenta-se em face da norma Cód. do Trabalho como automática. Para que estes sejam responsabilizados pelo pagamento da coima basta que a pessoa colectiva seja considerada responsável, não se exigindo qualquer comportamento culposo por parte daqueles em termos de lhes ser possível assacar responsabilidade mesmo que o facto integrador do ilícito não lhes possa ser imputável. 8. A imputação aos administradores, gerentes ou directores prescinde da verificação dos pressupostos gerais, atinentes ao cometimento de um facto ilícito e culposo, bem como ao nexo de causalidade adequada entre a acção e o dano produzido. 9. A responsabilidade destes não deriva de um facto ilícito e culposo pelos mesmos praticado. 10. Ora, esta interpretação, ou seja de que a responsabilidade dos gerentes é solidária assenta, no próprio facto-típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, e não num facto autónomo, inteiramente diverso desse. 11. Neste entendimento, a norma em questão consagra a possibilidade da transmissão da responsabilidade contra-ordenacional, que é equiparável à responsabilidade penal, o que não é permitido pela Constituição (artigo 30º n° 2), equivalendo à punição dos administradores, gerentes ou directores em termos de responsabilidade objectiva, ou seja, sem necessidade da verificação da imputação subjectiva a título de culpa. 12. Por isso, a norma do n° 3 do artigo 551° do Cód. do Trabalho padece de inconstitucionalidade material por violar o disposto no n° 3 do artigo 30° Constituição da Rep. Portuguesa, devendo por este motivo ser recusada a sua aplicação e em consequência ser revogada a sentença proferída pelo tribunal a quo e ser apreciada a matéria de impugnação apresentada pela arguida. 13. A verdade é que a procedência do recurso determinaria a absolvição da arguida. 14. Não admitir o recurso nos termos em que o foi, afasta claramente a justiça material subjugando-a a um critério formalista absolutamente arredado dos princípios mais elementares norteadores do nosso sistema jurídico, sem suporte material no mesmo. Pede que se revogue o despacho proferido pelo Tribunal a quo que não admitiu o recurso interposto pela reclamante, substituindo-o por um outro que o admita. II - Fundamentação As incidências fáctico-processuais a levar em linha de conta são as constantes do Relatório supra e ainda o seguinte: - O teor do despacho reclamado é o seguinte: «Não admito o recurso constante de fls. 136 e segs. porque a decisão em apreço não é recorrível atento o valor da coima nela aplicada ser inferior ao limite previsto na al. a) do n° 1 do art. 49º da Lei n° 107/2009, de 14-9. Custas do incidente a cargo da recorrente com taxa de justiça mínima, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário. Notifique.». - Na decisão recorrida decidiu-se na sua parte dispositiva o seguinte: « Pelo exposto, nego provimento à impugnação em apreço nos termos sobreditos e condeno a impugnante, AA…, como responsável solidária pelo pagamento da coima de € 714 (aplicada pela autoridade administrativa à sociedade da qual era gerente, “BB… Unipessoal, Ldª”)». * Decidindo: Face ao disposto no artº 405º do Código de Processo Penal (CPP), do despacho que não admitir ou retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige, reclamação cujo exclusivo fim é o de impugnar as decisões que não admitem um recurso ou o retenham, estando arredado do respectivo âmbito a apreciação da bondade do despacho recorrido. Assim, o verdadeiro objecto da reclamação consubstancia-se em saber se se mostram preenchidos os requisitos processuais para que seja recorrível a decisão em crise. Não está em causa que, de acordo com o seu art° 49°, n°1, al.a) do RPCOLSS (Regime processual aplicável às Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social, introduzido pela Lei nº 107/2009, de 14/09), a possibilidade de recurso da decisão proferida pela lª instância ficou a limitar-se aos casos em que a sanção aplicada seja superior a 25 Ucs ou seja €2.550,00. A arguida nunca tal contestou. Como também é inquestionável que nos autos foi ela condenada na coima de € 714,00, ou seja, em montante inferior a 25 Ucs. Reconduz-se então o caso à aplicação da norma excepcional do artº 49°, nº2, do RPCOLSS, no qual se estipula que “para além dos casos enunciados no número anterior, pode o tribunal da Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da decisão quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência”. Tal norma é equivalente à disposição constante do artº 73º, nº2, do Regime Geral das Contra-ordenações (RGCO), aprovado pelo DL 433/82. Em tais preceitos estatui-se um regime excepcional de recurso, por contraposição ao regime normal de recurso contemplado no nº 1 de tais normativos, fazendo depender aquele recurso excepcional de requerimento do arguido ou do Ministério Público, quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência. Ou seja, por força, quer do artº 49º, nº 2 do RPCOLSS, quer do artº 73º, nº 2, do RGCO, o poder-dever do tribunal da Relação em aferir da aceitação desse recurso excepcional está sempre dependente de ter sido interposto o recurso para esse efeito. Quer isto dizer que, independentemente de nesse requerimento de recurso ter sido invocado qualquer daquelas disposições legais (artºs 49º, nº 2 e/ou 73º, nº 2) – in casu, nenhuma delas foi invocada – no caso sub judice a reclamante não alegou nenhum dos pressupostos que subjazem a faculdade de aceitação desse recurso excepcional - melhor aplicação do direito ou promoção da uniformidade da jurisprudência. No seu douto requerimento de interposição de recurso e alegações a arguida não só não faz qualquer apelo quer à indicação, quer ao conteúdo da norma que estatui um regime recursivo de excepção, como jamais se retira da sua alegação que houve invocação e concretização da necessidade de melhoria da aplicação do direito e a promoção da uniformização de jurisprudência porque nem para tanto identificou concretas decisões contraditórias que a justificassem. Logo, o que se pode concluir é que bem andou a Mmª Juiz a quo ao apreciar tal requerimento de recurso segundo o regime normal previsto no artº 49º, nº 1, da citada Lei nº 107/2009, rejeitando-o, atento o valor da coima, por ser nele completa a omissão à referência dos requisitos substanciais contidos no citado nº2 daquele preceito. Ademais, como se extrai linearmente do teor quer do artº 49º, nº2, quer do apontado artº 73º, nº2, do RGCO, a admissibilidade do recurso aí previsto pressupõe um requerimento prévio ou autónomo ao mesmo, que o acompanha, que será apreciado e, só depois de julgado procedente, se passará a conhecer do recurso propriamente dito, constituindo uma espécie – diremos nós – de incidente prévio. Neste sentido, veja-se “Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, Desemb. António Beça Pereira, 11ª ed., pag.226, e “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações”, Paulo Pinto de Albuquerque, pág. 305. No mesmo sentido aponta a jurisprudência - entre outros, o Acórdão do TRC de 15.01.2003, recurso 737/02, www.gde.mj.pt/jtrc, e o Acórdão do TRE de 16.12.1998, in CJ XXIII, 5, 286. Também isto a reclamante não cumpriu. Inexiste, pois, a invocada nulidade atinente ao conhecimento da inadmissibilidade do recurso pelo tribunal a quo com base no valor da coima inferior ao limite (25 UC) consignado na al. a) do nº 1, do artº 49º, do RPCOLSS. Já a apontada inconstitucionalidade da norma do nº 3, do artº 551º, do Código do Trabalho, diz respeito ao mérito da decisão judicial recorrida e de que a presente reclamação propriamente não cuida. A decisão reclamada não padece, pois, de qualquer vício, impondo-se desatender a reclamação apresentada pela arguida. Sumariando: I – O recurso excepcional previsto no artº 49º, nº 2, da Lei nº 107/2009, de 14.09, pressupõe que, independentemente da indicação desta norma no respectivo requerimento de interposição, o arguido ou o Ministério Público aleguem em concreto as razões da necessidade de melhoria da aplicação do direito e da promoção da uniformidade da jurisprudência. III. Decisão O Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, António Júlio Costa Sobrinho |