Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2211/10.1TBGMR-C.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: INCIDENTE DE OPOSIÇÃO À PENHORA
RENDIMENTOS PERIÓDICOS DO EXECUTADO
MONTANTE IMPENHORÁVEL
VALOR LÍQUIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A oposição à penhora consiste num incidente declarativo enxertado na execução, que corre por apenso (art. 732º, n.º 1 “ex vi” do art. 785º, n.º 2, ambos do CPC), constituindo um meio processual próprio para o executado reagir contra penhoras objetivamente ilegais, através do qual visa obter a declaração da ilegalidade da penhora e alcançar o seu levantamento (total ou parcial) – cfr. art. 785º, n.º 6, do CPC.
II- A regra geral da impenhorabilidade de dois terços dos rendimentos periódicos do executado (pessoa singular) é calculada em função da parte líquida, para a qual apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios (art. 738º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
III- O montante impenhorável previsto no n.º 1 do art. 738º do CPC, como resulta do n.º 3 do citado normativo, tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, se o executado não tiver outros rendimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.
IV- Não constando dos autos o valor da pensão mensal líquida auferida pelo executado, ao abrigo do disposto no art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC, impõe-se a baixa dos autos à 1ª instância a fim de, no âmbito dos seus poderes/deveres inquisitórios (art. 411º do CPC), o Tribunal recorrido indagar o referido elemento e, após, proferir nova decisão sobre se a penhora da pensão decretada respeita, ou não, o limite mínimo da impenhorabilidade prescrito no art. 738º, n.º 3 do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa que é movida pela exequente X Portugal, SA, que corre termos no Juízo de Execução de Guimarães – J1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, veio o executado, F. L., em 24/12/2019, deduzir oposição à penhora, peticionando o levantamento da penhora da sua pensão de reforma por velhice e devendo ser ordenado ao Sr. Agente de Execução a restituição de todas as quantias entretanto penhoradas em violação do disposto no n.º 3 do art.º 738.º do Código de Processo Civil.
Para tanto alegou, em resumo, que a quantia exequenda está paga e, sem prescindir, que a penhora determinada ofende os limites de penhorabilidade fixados no art. 738º, nº 3, do Cód. Proc. Civil.
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Liminarmente admitido o incidente, a exequente apresentou contestação, pugnando pela improcedência da oposição à penhora, alegando que não se mostra paga a quantia exequenda e que o valor da penhora salvaguarda o valor do salário mínimo nacional (Ref.ª 34561590).
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O executado apresentou resposta à contestação apresentada (Ref.ª 34650541).
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Findos os articulados e por entender dispor de todos os elementos para o efeito, o Tribunal “a quo” proferiu decisão, em 21/02/2020, julgando improcedente a oposição à penhora e determinando a manutenção da penhora efectuada (ref.ª 167332453).
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Inconformado com esta decisão dela recorre o executado (ref.ª 35816304), formulando, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. Decidiu o Tribunal a quo indeferir o incidente de oposição à penhora por entender que a inexistência da obrigação exequenda não é fundamento para a oposição à penhora, nos termos do disposto no artigo 784.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
2. É posição do recorrente que a decisão de indeferir a sua pretensão, fundada em alegada inexistência de causa de oposição, colide com o que dispõem os artigos 735.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, bem como o artigo 784.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal, normas que o Tribunal a quo violou.
3. Na verdade, continuar indefinidamente a penhorar a pensão de reforma do executado para além do montante acordado e, entretanto, liquidado, sem qualquer fundamento, não deixa de ser excesso de penhora.
4. De facto, como consta do requerimento que deu início aos presentes autos e perante a penhora de bens próprios, entende o recorrente que a mesma é inadmissível, por excessiva, ofendendo o princípio da proporcionalidade, nos termos do disposto pelo artigo 784.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil.
5. Note-se, aliás, que uma das situações mais frequentes de “oposição à penhora fundamenta-se no seu excesso, geralmente devida ao facto de o agente de execução, depois de efetuada a primeira penhora, por sua iniciativa ou por sugestão do exequente, continuar a penhorar bens como se não houvesse limites” - cf. Virgínio da Costa Ribeiro, Sérgio Rebelo in “A Ação Executiva Anotada e Comentada”, 2015, p. 429).
6. Assim, a penhora de bens para além do limite do necessário ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução (art.735º, n.º 3,do Código de Processo Civil) é fundamento de oposição à penhora, previsto no artigo 784.º, n.º 1, al. a), Código de Processo Civil, e um desses casos será o de já ter sido obtido, por penhora, o montante necessário ao pagamento daqueles valores (cfr. Ac. do TRL de 12/09/2019, no processo 4720/03.0YYLSB-A.L1-2, disponível em www.dgsi.pt).
7. Como tal, a inadmissibilidade da extensão com que porventura tenha sido realizada a penhora de bens do executado constitui, entre outros, fundamento de oposição à mesma, através do respectivo incidente, que, em caso de procedência, determina o seu levantamento, à luz do disposto nos artigos 784.º e 785.º do Código de Processo Civil.
8. Nessa medida, e uma vez que a quantia exequenda e as custas da execução encontram-se pagas no âmbito do acordo verbal firmando entre a exequente e o recorrente por ocasião da diligência de penhora de bens móveis, conforme resulta dos documentos juntos aos autos, o recorrente deduziu oposição à penhora por entender que esta é objectivamente excessiva e ilegal, por violar o princípio da proporcionalidade, a que se alude no artigo 735.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ao estipular que a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução não podendo manter-se.
9. Se assim não fosse, ou seja, se o crédito exequendo e as custas não estivessem satisfeitas, por que motivo o recorrente teria pago os montantes que se encontram documentados nos autos?
10. Evidenciando-se uma situação que configura indiciariamente uma penhora excedentária em contradição com o imposto princípio da proporcionalidade, a eventual violação desse princípio justifica com o fundamento na al. a) do artigo 784º do Código de Processo Civil que o executado possa socorrer-se do incidente de oposição à (continuação da) penhora para fazer valer os seus direitos de oposição, conforme afirmado em acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 28/05/2009 (disponível in Col. Jur., Tomo 3, 255) no qual se conclui que a violação do princípio da proporcionalidade, a que alude o artigo 735.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, é fundamento idóneo para a oposição à penhora (cf., também, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/11/2003, no processo 03A3129, disponível em www.dgsi.pt; acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/07/2011 e de 12/05/2016, respetivamente, nos processos 28450/08.7YYLSB-A.L1-7 e 20516/10.0YLSB-B.L1-2, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
11. É inadmissível a penhora de bens desnecessários para pagamento da dívida exequenda acrescida das despesas previsíveis segundo valor legalmente presumido - artigo 735.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
12. E, por via disso, a penhora de bens para além do limite do necessário ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução é fundamento de oposição à penhora, previsto no artigo 784º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Civil, e um desses casos será o de já ter sido obtido, por penhora ou por pagamento voluntário, o montante necessário ao pagamento daqueles valores.
13. Assim sendo, a decisão de indeferir a pretensão do recorrente, fundada em alegada inexistência de causa de oposição, colide com o que dispõem os artigos 735.º, n.º 3, do Código de Processo Civil bem como o artigo 784.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal, normas que o Tribunal a quo violou.
14. O recorrente alegou que a dívida exequenda encontra-se satisfeita, conforme documentos que juntou e para que remeteu, procurando assim demonstrar o excesso, desnecessidade ou desproporcionalidade da penhora realizada.
15. Por isso, a pretensão do recorrente, por constituir fundamento legítimo da oposição, não mostra ser manifestamente improcedente, não podendo, nesse pressuposto, ser liminarmente indeferida - cf. entendimento prolatado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 1871/10.8TBSTB-A.E1, de 05-12-2019, consultável em www.dgsi.pt.

Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.as Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso, em consequência do que deve revogar-se a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que, admitindo liminarmente a oposição, ordene o prosseguimento dos ulteriores termos, só assim se fazendo
Justiça».
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Contra-alegou a exequente, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão recorrida (ref.ª. 36382163).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª. 169911472).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Delimitação do objeto do recurso

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se bem andou o Tribunal “a quo” ao julgar improcedente o incidente de oposição à penhora deduzida pelo executado a coberto do petitório apresentado em 24/12/2019.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:

a) O executado auferia, mensalmente, no ano de 2019, de pensão de reforma a quantia de €: 702.
b) O CNP notificou o executado em Novembro de 2019 de que, a partir de Dezembro de 2019, seria deduzida mensalmente, da pensão referida em a), para efeitos de penhora e apreensão à ordem dos presentes autos, a quantia de €: 145,06.
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V. Fundamentação de direito

1. Na instância recorrida a oposição à penhora foi julgada improcedente por se ter entendido que, tal como já decidido no apenso B que indeferiu o incidente de oposição, a inexistência da obrigação exequenda não é fundamento para a oposição à penhora (cfr. art. 784º, nº 1, do Cód. Proc. Civil) e no caso dos autos não se provou que a penhora da pensão, no valor de € 145,06 em 2020, excederá o limite previsto no art. 738º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, atento o salário mínimo previsto para 2020.
O apelante (executado) discorda dessa decisão final, reiterando que a decisão de indeferir a sua pretensão, fundada em alegada inexistência de causa de oposição, colide com o que dispõe o art. 735.º, n.º 3, do CPC, bem como o art. 784.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal, posto que continuar indefinidamente a penhorar a pensão de reforma do executado para além do montante acordado e, entretanto, liquidado, sem qualquer fundamento, não deixa de ser excesso de penhora, acrescentando que perante a penhora de bens próprios a penhora é inadmissível, por excessiva, ofendendo o princípio da proporcionalidade, nos termos do disposto pelo art. 784.º, n.º 1, al. a) do CPC.
Vejamos, pois, se lhe assiste razão.
Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados no Código Civil e nas leis de processo (art. 817º do Código Civil - CC).
Segundo o princípio geral enunciado no art. 601º do CC, pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor suscetíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios, se bem que, salvo quando se trate de matéria subtraída à disponibilidade das partes, é possível, por convenção entre elas, limitar a responsabilidade do devedor a alguns dos seus bens no caso de a obrigação não ser voluntariamente cumprida (art. 602º do mesmo Código).
Atendo-nos aos bens que podem ser penhorados, mais concretamente ao objeto da execução, prescreve o n.º 1 do art. 735º do CPC que estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.
A penhora deve limitar-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução (n.º 3 do art. 735º do CPC).
Consagrando o princípio da proporcionalidade da penhora, o citado normativo impõe ao agente de execução o dever legal de promover a penhora apenas dos bens na medida do necessário e suficiente para atingir os limites estabelecidos naquela norma (1).
Ao limitar-se a penhora aos bens necessários à satisfação daquelas finalidades, evita-se a indisponibilidade e eventual venda de bens que excedam largamente o valor do crédito do exequente (2).
A penhora pressupõe, por isso, uma adequação entre meios e fins, o que significa que não devem ser penhorados mais bens do que os necessários para a satisfação da pretensão exequenda e das despesas previsíveis da execução.
Como salienta Miguel Teixeira de Sousa (3), a “agressão do património do executado só é permitida numa medida que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que impõe a indispensável ponderação dos interesses do exequente na realização da prestação e do executado na salvaguarda do seu património. Essa ponderação conduz a que a natural e indispensável prevalência dos interesses do exequente não pode fundamentar uma completa indiferença pelos do executado, dado que a posição jurídica do credor, embora prevalecente, não pode ser considerada absoluta”.
Segundo o mesmo autor, não é difícil encontrar, no ordenamento jurídico português, um fundamento constitucional para este princípio da proporcionalidade, uma vez que a penhora traduz uma agressão a um património alheio e, portanto, a um direito de propriedade constitucionalmente consagrado (art. 62º, n.º 1, da CRP), pelo que uma interpretação conforme à Constituição impõe o respeito da proporcionalidade consagrada no art. 18º, n.º 2 da CRP quanto às restrições aos direitos, liberdades e garantias (4).
Porém, afirma o autor que vimos citando, o «referido princípio da proporcionalidade não pode pôr em causa a realização da prestação que consta do título executivo, isto é, não pode fundamentar a não realização coactiva dessa prestação ou de seu sucedâneo pecuniário. Isso vale mesmo para o caso em que o montante do crédito do exequente seja diminuto. Mas esse princípio influencia decisivamente as medidas coactivas que podem ser tomadas na acção executiva: destas devem ser escolhidas aquelas que, pela sua característica ou medida, melhor se compatibilizem com a realização da prestação exequenda» (5).
O Código de Processo Civil não consagra atualmente uma imposição legal atinente a uma ordem de prioridade em relação aos bens que devem ser penhorados, estatuindo o art. 751º, n.º 1, do CPC que a penhora deve começar pelos bens cujo valor pecuniário seja de “mais fácil realização” e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente (6).
Em processo executivo, o executado pode defender-se por dois meios: opondo-se à execução, atacando o direito que o exequente pretende efectivar, através de embargos de executado (art. 728º e ss. do CPC); ou opondo-se à penhora, quando entenda que os bens atingidos por esta diligência não o devem ser, quer porque não devem, em concreto, ser apreendidos, quer porque o foram para além do permitido pelo princípio da proporcionalidade (art. 784º e ss. do CPC) (7).
A oposição à execução por embargos constitui um incidente de natureza declarativa, enxertado no processo executivo e dele dependente, por meio do qual o executado se tenta libertar (total ou parcialmente) da execução contra si instaurada, seja com base em razões de natureza processual, seja aduzindo argumentos materiais (que contendam com a existência ou a subsistência da obrigação), seja pela verificação de um vício de natureza formal que obsta ao prosseguimento da execução (8).
A procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte, além de que a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda (art. 732.º, n.ºs 4 e 5 do CPC)
Diferentemente, o incidente de oposição à penhora, previsto no art. 784º do CPC, cinge-se à impugnação do ato de penhora, constituindo o meio específico de oposição à penhora objetivamente ilegal (9) e baseando-se sempre num fundamento que releva da violação dos limites objetivos desse ato (10), entre os quais figuram os casos da penhora de bens que, sendo embora do executado, não deveriam ter sido apreendidos por inadmissibilidade ou por força da extensão com que ela tenha sido realizada (al. a) do n.º 1 do art. 784º do CPC) (11).
O incidente de oposição à penhora é, nas palavras de Rui Pinto (12), a «ação funcionalmente acessória da ação executiva, pela qual o executado se defende de um ato de penhora de um bem seu com fundamento em violação das regras sobre o objecto penhorável».
Constitui um incidente declarativo enxertado na execução, que corre por apenso (art. 732º, n.º 1, “ex vi” do art. 785º, n.º 2, ambos do CPC), cujo pretensão visa obter a declaração da ilegalidade da penhora e alcançar o seu levantamento (total ou parcial) (13) e o cancelamento de eventuais registos – cfr. art. 785º, n.º 6, do CPC.
É processado nos termos previstos no art. 785.º do CPC, seguindo os termos dos arts. 293.º a 295.º, aplicando-se ainda, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 1 e 3 do art. 732.º (n.º 2 do art. 785º do CPC).
Ao abrigo do pretérito regime do processo civil, a oposição à penhora podia ser, por sua vez, cumulada com a oposição à execução que o executado pretendesse também deduzir, mas só nos casos em que a citação tivesse sido efetuada após a penhora, conforme decorre do disposto nos arts. 813.º, n.º 2, e 863.º-B, nº 1, alínea a), do CPC (14).
Os fundamentos da oposição à penhora – meio de oposição privativo do executado – encontram-se tipificados no art. 784º do CPC.

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do referido artigo, “[s]endo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada”.

Neste concreto fundamento de oposição, para além dos casos de impenhorabilidade enunciados na lei – os casos em que que tenham sido penhorados bens absoluta ou totalmente impenhoráveis (art. 736º), a penhora de bens relativamente impenhoráveis (art. 737º) ou a penhora de bens parcialmente impenhoráveis, com desrespeito pelos limites ou pela proporção em que a penhora é permitida (art. 738º) –, são igualmente contemplados os casos em que tenham sido penhorados bens/direitos cujo valor exceda manifesta ou significativamente o da quantia exequenda e demais custas da execução, em violação do princípio da proporcionalidade a que aquele acto está submetido, nos termos previstos nos arts. 735º, n.º 3 e 751º do CPC (15) (16). Ou seja, no que aqui releva e para sermos mais precisos, quando tenham sido penhorados mais bens do que os necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e das despesas prováveis da execução.
Recai sobre o executado/oponente o ónus de alegar e demonstrar os factos concretos que traduzam o preenchimento de determinada categoria de impenhorabilidade ou, quando invoque a violação do princípio da proporcionalidade da penhora, de alegar os elementos donde decorra tal violação (17).
Feitos estes considerandos prévios e revertendo ao caso concreto, evidencia-se desde logo a falta de razão do recorrente quando, a propósito da alegada inexistência da obrigação exequenda, pretende valer-se da dedução do incidente de oposição à penhora.
Na verdade, esse concreto fundamento de oposição – encontrar-se já satisfeita a dívida exequenda, o que põe em causa a sua própria existência – não é adequado ao incidente de oposição à penhora – cujo objeto deverá restringir-se à impugnação do ato de penhora –, mas sim ao incidente de oposição à execução por embargos de executado, já que no fundo através do mesmo o executado pretende obter a extinção da execução.
Sobre esse concreta questão constatamos que, no apenso B, o ora Recorrente apresentara já requerimento de oposição à penhora com fundamento no facto dos bens móveis penhorados não serem seus, acrescendo o facto da quantia exequenda estar já liquidada, invocando para o efeito os mesmos factos que ora reitera neste incidente de oposição.

Sucede que, por despacho de 10.09.2020 proferido nesse apenso B, o Tribunal “a quo” decidiu nos termos seguintes:
Veio o executado F. L. deduzir oposição à penhora realizada, na execução contra si intentada por X Portugal Unipessoal, Lda, alegando que os bens não lhe pertencem e, sem prescindir, que já pagou a quantia exequenda.
Percorrido o elenco dos fundamentos legalmente previstos para a admissibilidade do incidente – art. 784º, nº 1, als. a) a c), do Cód. Proc. Civil - constata-se que o fundamento invocado pelo executado não é subsumível a qualquer um deles.
(…).
Quanto ao fundamento subsidiário - os pagamentos – deve o mesmo ser alegado e provado em sede de embargos de executado (cfr. art. 728º do Cód. Proc. Civil).-
Indefere-se, pois, sem necessidade de acrescidas considerações, o presente incidente”.
Desse despacho não foi interposto recurso, pelo que o mesmo tem força de caso julgado, ou seja, tem força obrigatória dentro do processo, não podendo a questão decidida vir a ser decidida em termos diferentes.

Daí que na decisão recorrida, como questão prévia, o Tribunal recorrido tenha explicitado:
Conforme já exposto no despacho que indeferiu o incidente de oposição no apenso B, a inexistência da obrigação exequenda não é fundamento para a oposição à penhora –cfr. art. 784º, nº 1, do Cód. Proc. Civil.
Pelo exposto, os presentes autos versam apenas quanto ao alegado excesso de penhora da pensão de reforma do executado”.

Ora, o caso julgado formal não só obsta, no presente processo, a que o Tribunal possa voltar a conhecer e decidir sobre essa questão (processual) nele já definitivamente decidida, além de que essa primeira decisão (proferida no apenso B) vincula o Tribunal (e as partes) ao que nela foi definido ou estabelecido (art. 620º, n.º 1, do CPC) e daí que seja de secundar o explicitado (e decidido) em sede de questão prévia da decisão recorrida.
Na apelação interposta denota-se, aliás, uma confusão entre os dois meios de oposição, já que o recorrente ora faz apelo à inadmissibilidade da penhora, por excessiva, o que ofende o princípio da proporcionalidade, nos termos do disposto pelo art. 784.º, n.º 1, al. a) do CPC – o que se compagina com o meio de oposição à penhora –, ora invoca o pagamento (extrajudicial) da quantia exequenda para concluir ser ilegal “continuar indefinidamente a penhorar a pensão de reforma do executado para além do montante acordado e, entretanto, liquidado, sem qualquer fundamento” – o que constitui um fundamento próprio da oposição à execução.
Como se disse, se o executado pretendia reagir contra a existência da obrigação exequenda, nomeadamente com fundamento no seu pagamento extrajudicial no decurso da ação executiva, deveria ter deduzido tempestivamente os pertinentes embargos de executado (18), mormente embargos de executado supervenientes nos termos estabelecidos no art. 728º, n.º 2 do CPC, o que não fez. Não pode por isso escudar-se num típico fundamento de oposição à execução – não comprovado e cuja invocação está precludida – para reagir contra a penhora da pensão decretada.
Constata-se, por outro lado, que o recorrente alicerça grande parte da motivação do recurso na fundamentação do acórdão da Relação de Évora de 05/12/2019 (relatora Maria da Conceição Ferreira), peticionando, inclusivamente, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que, admitindo liminarmente a oposição, ordene o prosseguimento dos ulteriores termos, quando, no caso objeto dos autos, não estamos perante um indeferimento liminar, mas sim ante uma decisão proferida já após a fase dos articulados.
De qualquer modo, carece o recorrente de fundamento na invocação que faz do referido aresto, visto que os pressupostos fácticos dele subjacentes não são coincidentes com os verificados nos presentes autos de execução.
Ali estava em causa uma situação que configurava indiciariamente uma penhora excedentária em contradição com o princípio da proporcionalidade, cuja eventual violação justificaria que a executada pudesse socorrer-se do incidente de oposição à (continuação da) penhora com o fundamento na 2ª parte da al. a) do art. 784º do CPC – posto que, aquando da penhora reforçada ordenada em 03/05/2019, o montante penhorado à executada, através dos descontos no seu vencimento, atingia já o montante de € 8.200,56, sendo reforçado em € 977,31 por mais descontos efetuados nos meses de junho, julho e agosto de 2019 e a dívida total (dívida exequenda e despesas prováveis) era, então, de € 8.074,25 –, situação essa que não se mostra evidenciada nos presentes autos.
As considerações antecedentes não invalidam, porém, que se aprecie se a penhora (da pensão) decretada (e a decisão recorrida) respeita, ou não, os limites de impenhorabilidade fixados no art. 738º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil – o que foi, deficientemente, invocado pelo executado/recorrente na apelação interposta (19) –, visto tal questão ter direta atinência com o fundamento de oposição à penhora previsto no art. 784º, n.º 1, al. a) do CPC.

Nos termos do art. 738.º (“Bens parcialmente penhoráveis” (20)) do CPC:
«1 - São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.
2 - Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.
3 - A impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.
4 - O disposto nos números anteriores não se aplica quando o crédito exequendo for de alimentos, caso em que é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo.
5 - Na penhora de dinheiro ou de saldo bancário, é impenhorável o valor global correspondente ao salário mínimo nacional ou, tratando-se de obrigação de alimentos, o previsto no número anterior.
6 - Ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excecionalmente e a requerimento do executado, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de penhora.
(…)».
O n.º 1 do citado normativo, pondo fim à querela doutrinal e jurisprudencial, é inequívoco ao prescrever que a regra geral da impenhorabilidade de dois terços dos rendimentos periódicos do executado (pessoa singular) é calculada em função da parte líquida [isto no pressuposto de que realizam uma função alimentar (“subsistência do executado”)]. E o n.º 2 do mesmo artigo clarifica que, no apuramento da parte líquida das prestações periódicas, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios (e não já os descontos facultativos).
Por contraponto, será penhorável um terço da parte líquida dos rendimentos periódicos do executado.

Contudo, o montante impenhorável previsto no n.º 1 do art. 738º do CPC afere-se, nos termos do n.º 3, com base em dois limites:
- um limite máximo medido pelo montante equivalente a três salários mínimos nacionais (1.800,00€ em 2019 e 1905,00€ em 2020) (21) à data de cada apreensão; e
- um limite mínimo, se o executado não tiver outros rendimentos, em função do montante equivalente a um salário mínimo nacional (600,00€ em 2019 e 635,00€ em 2020, nos termos do Dec. Lei n.º 117/18, de 27/12, e n.º 167/19, de 21/11, respetivamente).
O legislador, no seguimento da jurisprudência do Tribunal Constitucional (22), estabeleceu que se torna imprescindível garantir esse mínimo de subsistência do ser humano que é intrínseco ao princípio da “dignidade da pessoa humana” (condensado no art. 1.º da Constituição da República Portuguesa - CRP) e que tal mínimo deveria ser aferido pelo montante equivalente ao salário mínimo nacional (23).
Aproveitou-se o facto do salário mínimo nacional conter em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e por ter sido concebido como o “mínimo dos mínimos”, para utilizar esse valor, sujeito a atualizações, como aquele, a partir do qual, qualquer afetação porá em risco a subsistência condigna de quem vive de uma qualquer prestação periódica (24).
Desse modo, o equilíbrio entre o direito do credor à satisfação do seu crédito e o direito do devedor à garantia de um mínimo de subsistência dele próprio e do seu agregado familiar deve ser encontrado na referência ao salário mínimo nacional, estabelecido nos termos do art. 59.º, 2, al. a) da CRP (25). O mesmo é dizer que o mínimo de dignidade do executado prevalece sobre o direito à execução do devedor (26).
Por último, assinale-se que, na falta de prova de outros rendimentos ou de bens, parte-se do princípio de que o executado só tem esse salário ou pensão (27).
Revertendo à situação sub judice, o Tribunal recorrido deu como provado que o executado auferia, mensalmente, no ano de 2019, a quantia de € 702,00 a título de pensão de reforma e que o CNP o notificou de que, a partir de dezembro de 2019, seria deduzida mensalmente, da referida pensão, para efeitos da penhora e apreensão à ordem dos presentes autos, a quantia de € 145,06.
Por ser relevante para a decisão da causa importa desde logo fazer uma correção aos enunciados factos provados, o que se impõe ao abrigo do disposto no art. 662º, n.º 1, do CPC, posto resultar da informação objecto do ofício do CNP, ref.ª 500.119, de 22.11.2019, que o executado auferia, mensalmente, no ano de 2019, da pensão de reforma a quantia ilíquida de € 702,53 (cfr. ref.ª/citius 9490163).
Como vimos, o critério legal para determinar a impenhorabilidade dos dois terços dos rendimentos periódicos do executado é a parte líquida, cuja demonstração não está feita nos autos.
Por outro lado, não obstante a lei prever a impenhorabilidade de dois terços da parte líquida das prestações periódicas pagas a título de reforma ao executado, certo é que o montante impenhorável não pode ser inferior ao salário mínimo nacional (600€ no ano de 2019 e 630€ no ano de 2020).
Ora, no caso, os elementos até agora apurados inculcam que esse limite mínimo não foi respeitado, porquanto, mesmo se tivermos em consideração a parte ilíquida da pensão – exercício este que vale apenas para efeitos de exposição argumentativa, visto que o critério legal deverá ser aferido em função do valor líquido da pensão mensal –, o remanescente da pensão a favor do executado, no mês de dezembro de 2019, corresponderia à quantia de 556,40€ (€ 702,00 - € 145,06), que é inferior ao limite mínimo de impenhorabilidade correspondente ao salário mínimo nacional vigente em 2019 (600€).
Não constando dos autos o valor da pensão mensal líquida auferida pelo executado, torna-se inviável determinar se foram, ou não, respeitados os limites da impenhorabilidade previstos no art. 738º, n.º 3 do CPC, o que tem relevância para efeitos de inadmissibilidade da penhora da pensão ou da extensão com que a mesma foi realizada (art. 784º, n.º 1, al. a) do CPC). Importa, por conseguinte, apurar da extensão da ilegalidade da penhora da pensão decretada, ou seja, se a penhora da pensão do executado objeto da presente oposição deve ser integral ou parcialmente levantada, de modo a salvaguardar o limite mínimo de impenhorabilidade medido em função do montante equivalente ao salário mínimo nacional. Com efeito, por força do estatuído no art. 738º, n.º 3 do CPC, se o executado auferir apenas rendimentos periódicos iguais ou inferiores ao salário mínimo nacional, nenhuma parte poderá ser penhorada.
A alínea c) do n.º 2 do art. 662º do CPC estipula que a Relação deve, oficiosamente, «anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta».
A decisão pode manifestar-se total ou parcialmente deficiente, obscura ou contraditória, por via da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, inviabilizando uma consistente integração jurídica do caso em apreço.
A anulação da decisão de 1ª instância apenas deve ser decretada se não constarem do processo todos os elementos probatórios relevantes, pois que os mencionados vícios poderão ser supridos pela apreciação oficiosa da Relação, desde que constem dos autos os elementos em que o tribunal a quo se fundou.
Trata-se de uma faculdade que não está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objetiva de factos relevantes (28).
Como se disse, não dispõe esta Relação dos elementos necessários para fixar os dados factuais em falta, porquanto não se mostra apurado nos autos o valor líquido da pensão mensal auferida pelo executado nos anos de 2019 e 2020.
Assim, impor-se-á a baixa dos autos à 1ª instância a fim de, no âmbito dos seus poderes/deveres inquisitórios (art. 411º do CPC), o Tribunal recorrido indagar o valor líquido da pensão mensal do executado por referência ao ano de 2019 e ao ano civil em curso, para, uma vez obtida essa informação, formular um juízo sobre a legalidade dos limites da penhora decretada, e, sendo o caso, fazer o respetivo movimento corretivo, aumentando o valor da parte impenhorável até se situar no valor do salario mínimo nacional (29) ou – no caso de o montante da pensão mensal líquida ser inferior ou igual ao salário mínimo nacional – concluir pela inviabilidade da realização dessa penhora.
Em consequência, impõe-se anular a decisão recorrida, devendo o Tribunal “a quo” praticar os atos instrutórios omitidos, averiguando o valor líquido da pensão mensal auferida pelo executado nos anos de 2019 e 2020, a fim de ficar habilitado a proferir um juízo sobre a observância, ou não, do limite mínimo da impenhorabilidade prescrito no art. 738º, n.º 3 do CPC.
Nestes termos, procede a apelação.
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Das custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito., acrescentando o n.º 2 que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
Uma vez que a pretensão recursória do apelante merece provimento, as custas da apelação ficam cargo da exequente/apelada, parte vencida no recurso.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC)

I – A oposição à penhora consiste num incidente declarativo enxertado na execução, que corre por apenso (art. 732º, n.º 1 “ex vi” do art. 785º, n.º 2, ambos do CPC), constituindo um meio processual próprio para o executado reagir contra penhoras objetivamente ilegais, através do qual visa obter a declaração da ilegalidade da penhora e alcançar o seu levantamento (total ou parcial) – cfr. art. 785º, n.º 6, do CPC.
II – A regra geral da impenhorabilidade de dois terços dos rendimentos periódicos do executado (pessoa singular) é calculada em função da parte líquida, para a qual apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios (art. 738º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
III – O montante impenhorável previsto no n.º 1 do art. 738º do CPC, como resulta do n.º 3 do citado normativo, tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, se o executado não tiver outros rendimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.
IV – Não constando dos autos o valor da pensão mensal líquida auferida pelo executado, ao abrigo do disposto no art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC, impõe-se a baixa dos autos à 1ª instância a fim de, no âmbito dos seus poderes/deveres inquisitórios (art. 411º do CPC), o Tribunal recorrido indagar o referido elemento e, após, proferir nova decisão sobre se a penhora da pensão decretada respeita, ou não, o limite mínimo da impenhorabilidade prescrito no art. 738º, n.º 3 do CPC.
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VI. – DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em anular a decisão impugnada e, em consequência, ordenar a devolução do processo ao Tribunal recorrido, a fim deste praticar os atos instrutórios omitidos de modo a averiguar o valor líquido da pensão mensal auferida pelo executado nos anos de 2019 e 2020, e, após, proferir nova decisão sobre o incidente da oposição à penhora.
Custas a cargo do apelado (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 17 de dezembro de 2020

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Cfr. Rui Pinto, A Acão Executiva, AAFDL, 2018, p. 538.
2. Cfr. Ac. da RL de 14/07/2011 (relatora Maria Amélia Ribeiro), in www.dgsi.pt.
3. Cfr. Acção Executiva Singular, Lisboa, Lex, 1998, pp. 33 e 34.
4. Cfr. Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 642.
5. Cfr. Estudos (…), p. 642.
6. Isto sem embargo das normas legais imperativas que estabelecem exceções ao regime regra previsto no n.º 1 do art. 751º, designadamente a norma prevista no art. 752º do CPC (bens onerados com garantia real e bens indivisos).
7. Cfr. Ac. da RL de 3/03/2020 (relatora Micaela Sousa), in www.dgsi.pt.
8. Cfr. José lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, p. 321; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., Gestlegal, pp. 195/196, J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum À Face do Código Revisto, Almedina, pp. 149/150 e Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, p. 195.
9. O ato de penhora pode revelar-se objetiva ou subjetivamente excessivo. A penhora é objetivamente excessiva quando atinge bens ou direitos que, embora pertencentes ao executado, não devam responder pela satisfação do crédito exequendo; a penhora é subjetivamente excessiva quando tiver por objeto bens ou direitos que não são do executado. No primeiro caso, a penhora é objetivamente ilegal; no segundo é-o apenas subjetivamente [cfr. Acs. da RC de 20-06-2012 (relator Henrique Antunes), de 16-04-2013 (relator Henrique Antunes) e da RL de 3/03/2020 (relatora Micaela Sousa), todos disponíveis in www.dgsi.pt.]
10. Cfr. J.P. Remédio Marques, A Penhora e Reforma do Processo Civil, em especial a penhora de depósitos bancários e do estabelecimento, Lex, 2000, p. 106.
11. Cfr. Paulo Pimenta, In Acções e Incidentes Declarativos na Pendência da Execução, Revista Themis, Ano V, n.º 9, 2004, p. 82, Rui Pinto, obra citada, pp. 677/678 e Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva (…), p. 295.
12. Cfr. obra citada, p. 676.
13. Cfr. Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2.ª Ed., 2004, Almedina, p. 99 e o Ac. da RL de 25/06/2009 (Ondina Carmo Alves), in www.dgsi.pt. Diversamente, Rui Pinto defende tratar-se de uma ação constitutiva extintiva de um ato processual (cfr. obra citada, pp. 677).
14. Presentemente, no âmbito da execução comum sumária, consumada a penhora e citado para a execução e, em simultâneo, notificado do ato de penhora, a oposição à penhora pode ser cumulada com os embargos de executado que o executado pretenda também deduzir, conforme decorre do disposto no art. 856º, n.º 3 do CPC.
15. Cfr., Marco Carvalho Gonçalves, obra citada, p. 32, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, p. 178, Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva (…), p. 296 e Ac. da RL de 14/07/2011 (relatora Maria Amélia Ribeiro), in www.dgsi.pt., sendo que neste aresto pode ver-se uma recensão das divergências registadas na doutrina e a jurisprudência sobre esta questão.
16. Abrange também os casos em que, tendo a execução sido movida contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, tenham sido penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, ou uma parte especificada do bem indiviso (art. 743º, n.º 1 do CPC).
17. Cfr. Ac. da RL de 14/06/2010 (relator Tomé Gomes), in www.dgsi.pt. e Rui Pinto, obra citada, p. 683.
18. No caso vertente, o oponente foi citado para os termos da execução já em 7/05/2013, sem que tenha deduzido oposição à execução.
19. Essa questão foi expressamente invocada nos arts. 16º a 21º do requerimento de oposição à penhora, constituindo o cerne principal da alegada ilegalidade da penhora.
20. Bens parcialmente penhoráveis são aqueles que apenas podem ser penhorados em parte ou relativamente aos quais existem limites legalmente fixados.
21. O que significa que acima desse valor o remanescente é penhorável mais de um terço.
22. De que são exemplo os Acs. do TC n.ºs 62/2002, 177/2002 e 318/1999.
23. cfr. Ac. do TC n.º 770/2014, de 12/11/2014 (relatora Ana Guerra Martins), in www.dgsi.pt.
24. cfr. Voto de vencido de João Cura Mariano no Ac. do TC n.º 770/2014, de 12/11/2014 (relatora Ana Guerra Martins), in www.dgsi.pt.
25. Cfr. Ac. da RC de 14/02/2006 (relator Coelho de Matos), in www.dgsi.pt. .
26. Cfr. Rui Pinto, obra citada, p. 495.
27. Cfr. Ac. da RP de 23/02/2012 (relatora Anabela Luna Carvalho), in www.dgsi.pt. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, obra citada, p. 105.
28. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 294.
29. Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, quando a aplicação do critério da penhorabilidade de 1/3 do vencimento implicar que o rendimento disponível para o executado se cifre em montante inferior ao salário mínimo nacional, a parte impenhorável de rendimento eleva-se até coincidir com o valor do salário mínimo nacional (cfr. obra citada, p. 106).