Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CRAVO | ||
Descritores: | ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO PRINCÍPIO DO PEDIDO PRESUNÇÃO DERIVADA DO REGISTO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/09/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – O tribunal está limitado pelo princípio do pedido (art. 609º/1 do CPC). II – Em acção de reivindicação, não se verifica a nulidade do acórdão, por condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, quando o tribunal, eventualmente, se baseia para a condenação no pedido, em nova certidão predial junta pela A. e oficiosamente determinada, que apure área diversa do prédio em questão. III – Nem tal se verifica quando o tribunal condene os RR. a “entregarem de imediato” o prédio em causa à A., quando esta apenas peticionava a sua restituição e não requereu a entrega em prazo determinado, já que tal apenas vem concretizar aquilo que foi pedido pelo A. IV – Na acção de reivindicação basta alegar a presunção derivada do registo para cumprir o ónus da alegação da propriedade, porque a inscrição no registo da aquisição em seu nome faz presumir que o direito registado lhe pertence – art. 7º do CRP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães * 1 – RELATÓRIOSociedade Agrícola A, S.A., com sede na Rua Dr. … Oeiras, vem intentar a presente acção (Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Valpaços – Juízo C. Genérica) de condenação em processo comum contra M. S. e esposa, M. M., residentes na Rua da …, Valpaços. Alega para o efeito ser dona e legítima possuidora do prédio que identifica no art. 1º a) da p.i., beneficiando da presunção derivada do registo, uma vez que está inscrita no registo em seu nome a aquisição do imóvel pela via sucessória, inscrição que faz presumir que o direito registado lhe pertence – art. 7º da CRP. Continua afirmando que os RR. ocupam uma parcela de 5.000 m2 do referido terreno, há mais de 15 anos, sem autorização da A., e sem que realizem o pagamento de qualquer contrapartida. Mais afirma ter interpelado o R. marido para desocupar o terreno em meados de Setembro de 2014, ao que estes não acederam, sendo que a sua ocupação é feita contra a vontade da A., causando aqueles prejuízos, uma vez que não o podem destinar ao cultivo, vendê-lo ou dá-lo em arrendamento. Continua alegando terem os RR., sem o consentimento da A., cortado diversas árvores do imóvel, o que lhe causou prejuízos. Mais afirma que os RR. abriram uma rodeira no prédio, sem o seu consentimento, e que fizeram uma plantação de oliveiras, pretendendo que o prédio lhe seja entregue sem as oliveiras plantadas e com a rodeira tapada. Regularmente citados os Réus não contestaram. De seguida, em 1-10-2015, foi proferido despacho, pelo qual foram considerados provados os factos articulados pela A. Cumprido o disposto no nº 2 do art. 587º do CPC, veio o R. marido apresentar alegações de direito. No final, foi proferida decisão que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, a) declaro o Autor proprietário de um prédio rústico, composto por terra de cultivo, figueiras, vinha e pinhal, com a área matriciada e registada de 83607 metros quadrados, sito na freguesia de …, concelho de Valpaços, o qual confronta matricialmente, pelo norte com A. P., pelo nascente com Rio …, pelo poente com herdeiros de A. A. e outros e pelo sul com M. C. e divisão com Possacos, inscrito da matriz sob o artigo ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Valpaços sob o n.º …/…; b) condeno os Réus a reconhecerem tal direito de propriedade e a entregaram de imediato o mesmo prédio ao Autor completamente livre e devoluto de pessoas e bens; c) condeno os Réus a pagar ao Autor indeminização tendo por base o prejuízo anual de quinhentos euros calculados em função do tempo de ocupação, bem como pelo valor das árvores cortadas no prédio, cujo apuramento se remete para liquidação em execução de sentença; d) absolver os Réus do pagamento da clausula pecuniária compulsória peticionada. As custas foram fixadas por A. e RR. na proporção de 1/6 e 5/6 respectivamente. Inconformado, o R. interpôs recurso de apelação. Por decisão singular deste Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de Novembro de 2016, julgando procedente a apelação, foi anulada a decisão recorrida, de molde a que o Senhor Juiz do tribunal recorrido, suprindo a referida nulidade, profira despacho a ordenar a junção aos autos de meio de prova idóneo do invocado registo da propriedade do imóvel reivindicado a favor da autora, o qual, deve retractar a realidade do registo à data da instauração desta acção. Tendo os autos regressado à primeira instância. Ordenada a junção do meio de prova em causa e após cumprimento do contraditório subsequente à sua junção, foi novamente proferida decisão que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, a) declaro o Autor proprietário de um prédio rústico, composto por terra de cultivo, figueiras, vinha e pinhal, com a área matriciada e registada de 80225 metros quadrados, sito na freguesia de …, concelho de Valpaços, o qual confronta matricialmente, pelo norte com A. P., pelo nascente com Rio …, pelo poente com herdeiros de A. A. e outros e pelo sul com M. C. e divisão com Possacos, inscrito da matriz sob o artigo ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Valpaços sob o n.º …/…; b) condeno os Réus a reconhecerem tal direito de propriedade e a entregaram de imediato o mesmo prédio ao Autor completamente livre e devoluto de pessoas e bens; c) condeno os Réus a pagar ao Autor indeminização tendo por base o prejuízo anual de quinhentos euros calculados em função do tempo de ocupação, bem como pelo valor das árvores cortadas no prédio, cujo apuramento se remete para liquidação em execução de sentença; d) absolver os Réus do pagamento da clausula pecuniária compulsória peticionada. As custas foram fixadas por A. e RR. na proporção de 1/6 e 5/6 respectivamente. Inconformado com tal decisão, o R. interpôs recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: A) Em sede de recurso foi exarada decisão singular que declarou a nulidade da primeira sentença exarada nestes autos com fundamento no disposto no art.º 195.º/1 e 2 do CPC uma vez que foi proferida decisão de mérito, que declarou e condenou o Recorrente a reconhecer o peticionado direito de propriedade da Recorrida sobre o prédio objecto dos autos, o que fez apenas com fundamento no meio de prova documento particular informativo que apelidou de certidão de registo predial. Consequentemente foi ordenando que os autos baixassem à primeira instância para cumprir o que deveria ter sido cumprido em sede de despacho pré-saneador e nos termos do art.º 590.º/2, al. c) do CPC, ordenar à Requerida a junção de certidão do registo predial que retratasse a realidade do registo à data da instauração desta acção para prolação de nova sentença. B) Pela Recorrida foi junta aos autos a referida certidão da qual resultou que o prédio cuja propriedade para si é reivindica, à data da propositura da acção, quanto à descrição da área, apenas tinha 80225m2 e não os 83607m2 alegados no item 1 da P.I., requerendo esta parte processual que o Tribunal a quo procedesse à correcção da área do prédio e, consequentemente ao item 1 da P.I e do pedido. C) Exercido o contraditório e juntando certidão do registo predial obtida on line o Recorrente opôs-se à correcção da área do prédio quanto ao item 1 da P.I e do pedido em virtude de, das certidões juntas, ficar patente que à data da propositura da acção a Recorrida ter perfeito conhecimento que o prédio não tinha a área de 83607m2 dado em data recentemente anterior à propositura da acção ter realizado uma operação de destaque sobre este prédio, tendo-lhe desanexado a área de 3382m2, nada obstando que se conclua que a área reivindicada na presente acção se confunda com a área objecto do destaque. D) O Tribunal a quo exarou a segunda sentença, sob notificação com ref.ª 30887246, datada de 16/03/2017, da qual ora se recorre e, começando por indeferir a correcção de área do prédio requerida pela Recorrida quanto ao item 1 e pedido da P.I, com fundamento na não verificação de qualquer imprecisão na alegação da área que consubstanciasse lapso de escrita, deferiu a aludida correcção de área tacitamente, mais adiante na fundamentação de direito e na decisão que exarou, o que fez por considerar tratar-se de uma alteração meramente formal que já se encontrava contida na causa de pedir. E) E, com base na certidão de registo predial junta pela Recorrida na sequência do recurso intentado exarou a segunda sentença cuja decisão transcreve integralmente o teor da decisão da primeira sentença, alterando apenas a área do prédio objecto dos autos de 83607m2 para 80225m2. F) Assim, a decisão da sentença ora recorrida tem o teor seguinte: «III. Decisão Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: a) declaro o Autor proprietário de um prédio rústico, composto por terra de cultivo, figueiras, vinha e pinhal, com a área matriciada e registada de 80225 metros quadrados, sito na freguesia de …, concelho de Valpaços, o qual confronta matricialmente, pelo norte com A. P., pelo nascente com Rio …, pelo poente com herdeiros de A. A. e outros e pelo sul com M. C. e divisão com Possacos, inscrito na matriz sob artigo ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Valpaços sob o n.º …/…; b) Condeno os Réus a reconhecerem tal direito de propriedade e a entregarem de imediato o mesmo prédio ao Autor completamente livre e devoluto de pessoas e bens; c) Condeno os Réus a pagar ao Autor indemnização tendo por base o prejuízo anual de quinhentos euros calculados em função do tempo de ocupação, bem como pelo valor das árvores cortadas no prédio, cujo apuramento se remete para liquidação em execução de sentença; d) Absolver os Réus do pagamento da cláusula pecuniária compulsória peticionada. Custas por A. e RR. na proporção de 1/6 para o A. e 5/6 para os RR. Registe e notifique.» G) Impugna o Recorrente a matéria de Direito da decisão condenatória no que concerne às alíneas a) e b) da decisão supra transcrita em primeiro lugar porque da relação material controvertida tal como a Recorrida a configurou resulta que o objecto dos presentes autos trata-se da típica acção de reivindicação apenas sobre uma parcela de terreno de 5000m2 de um prédio rústico e não relativamente à totalidade de um prédio. H) O Tribunal a quo sustentou as condenações referidas alíneas a) e b) da decisão quanto à fundamentação de facto no efeito cominatório que dimana do art.º 568.º, al. c) do CPC pela ausência de contestação e quanto à fundamentação de direito com base na certidão de registo predial junta aos autos por força da decisão singular do primeiro recurso. I) Salvo o devido respeito, a fundamentação de facto aduzida não é susceptivel de conduzir ao resultado condenatório exarado na decisão porquanto, o efeito cominatório da confissão pelo Recorrente dos factos invocados na P.I. em virtude de não ter contestado não surte efeitos práticos dado que a Recorrida não alegou na P.I., como a tal estava obrigada, factos dos quais resultasse a aquisição originária do domínio sobre a parcela de 5000m2 ou factos demonstrativos da ligação da parcela o prédio integral cuja aquisição se encontra registada a seu favor na Conservatória do Registo Predial. J) E, também a fundamentação de direito era manifestamente insuficiente para conduzir à aludida condenação na medida em que a condenação referente à parcela de 5000m2 na posse do Recorrente não pode ser realizada com base na mera presunção da titularidade da totalidade do prédio que a Recorrida goza a seu favor, dado as descrições prediais não assegurarem a sua conformidade à realidade – cfr. art.º 7.º CRPred. K) Como não foram alegados factos na P.I. que permitam concluir que o substracto fáctico real é coincidente com aquele que brota do registo na Conservatória, apenas com base na certidão junta aos autos não poderia o Tribunal a quo ter condenado nos termos das alíneas a) e b) da decisão que exarou – assim já foi decidido no Douto Ac. TRG, datado de 15/09/2014, exarado no processo n.º 2183/12.8TBGMR.G1 e acessível in www.dgsi.pt. L) Em suma, o Tribunal a quo quando decidiu declarar a Recorrida como proprietária da totalidade do prédio objecto dos autos e, consequentemente, condenar o Recorrente a reconhecer tal direito de propriedade sobre a totalidade do prédio e a restituir-lho, fazendo-o apenas com fundamento na certidão do registo predial, condenou o Recorrente em quantidade superior à que por referência à relação material controvertida típica da acção de reivindicação configurada pela Recorrida podia o Tribunal a quo apreciar e condenar, sendo a sentença nula nos termos do disposto no art.º 609.º/1 e art.º 615.º/1, al. e) do CPC porque condenou o Recorrente a reconhecer o direito de propriedade integral e a restituir a totalidade do prédio quando o objecto da relação material controvertida tal como a Recorrida a configurou se cingia apenas a uma parcela de 5000m2 do prédio identificado no item 1 da P.I. M) Em segundo lugar, também a sentença exarada é nula pelos mesmos fundamentos legais – condenação em quantidade superior à peticionada nos termos do art.º 609.º/1 e 615.º/1, al. e) do CPC – dado que a Recorrida peticionou a condenação do Recorrente «b) A restituírem à A. o mesmo prédio, livre e desocupado de pessoas e coisas.» e o Tribunal a quo voltou nesta segunda sentença exarada a decidir «b) condeno os Réus a reconhecerem tal direito de propriedade e a entregarem de imediato* o mesmo prédio ao Autor completamente livre e devoluto de pessoas e bens;», pelo que, não tendo sido peticionada a entrega imediata do prédio/da parcela, excedeu o órgão jurisdicional os limites da condenação a que está legalmente vinculado e, consequentemente, violou o princípio do dispositivo (art.º 5.º do CPC) e o princípio de o trânsito em julgado das decisões apenas ocorrer quando a decisão seja insusceptível de impugnação, nomeadamente, através de recurso ordinário (art.ºs 619.º/1 e 628.º do CPC). N) Por último, a sentença exarada também é nula, desta feita por condenação em objecto diverso do pedido – cfr. art.ºs 609.º/1 e 615.º/1, al. e) do CPC – porquanto a Recorrida quando intentou a acção alegou no item 1 da P.I. que o prédio objecto dos autos tinha determinadas características, nomeadamente a área de 83607m2 e peticionou a condenação do Recorrente a reconhecê-la proprietária do prédio com as características por si descritas no item 1 e a restituí-lo. O) Em virtude do provimento do recurso intentado e da junção da certidão de registo predial retratando a realidade do registo à data da instauração dos autos que a Recorrida foi instada a juntar, bem como da certidão de registo predial que o Recorrente juntou em sede de contraditório ao requerimento da correcção da área do prédio no item 1 da P.I. e no pedido, ficou patente nos autos que aquela já tinha perfeito conhecimento por força da operação de destaque que realizou cerca de mês e meio antes de intentar os autos que a realidade física e jurídica do prédio era de apenas 80225m2, pelo que, nos termos do art.º 5.º/1 do CPC estava legalmente obrigada a alegar que a área do prédio era de 80225m2 e não de 83607m2 que alegou e, por força do princípio da estabilidade da instância (260.º e segs do CPC) sem a concordância do Recorrente a requerida correcção de área do prédio no item 1 e no pedido da P.I. já não podia operar. P) Sucede que, sem atentar nos referidos princípios e sem atentar que a presunção que dimana do art.º 7.º do CRPred. não abrange nomeadamente a área dos prédios, o Tribunal a quo atendo-se em sede de fundamentação de direito à certidão de registo predial que a Recorrida juntou, decidiu declarar e condenar o Recorrente a reconhecer o direito de propriedade do prédio sobre uma área «matriciada e registada» de 80225m2 e a restituir-lho. Todavia, o órgão jurisdicional omitiu o meio de prova certidão matricial junta sob Doc. 1 da P.I. que indica que o prédio tem uma área de 83607m2 e, como tal, não existindo coincidência de área entre a certidão matricial e a certidão predial, não poderia ter dado por provado e consequentemente não poderia ter decidido nos termos da alínea a) e b) da decisão que exarou. Q) Assim, estabilizada a instância quanto ao pedido deduzido pela Recorrida na condenação do Recorrente no reconhecimento do direito de propriedade daquela sobre o prédio objecto dos autos com a área de 83607m2 e a sua restituição, estes pedidos integram os pressupostos da típica acção de restituição. R) Porém, o Tribunal a quo com base na certidão de registo predial decidiu, para além do peticionado, acerca da extensão/delimitação da área do prédio em 80225m2 e este facto objecto de decisão de mérito integra, outrossim pressuposto da acção de demarcação dado que é a acção adequada quando a questão respeita à extensão/área do prédio, pelo que se conclui que que o Tribunal a quo conheceu em objecto diverso do pedido, sendo, consequentemente, nula a sentença exarada. S) Pelo que invoca para todos os efeitos legais as supra elencadas nulidades de condenação em quantidade superior e em objecto diverso do peticionado, o que faz, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.s 609.º/1 e 615.º/1, al. e) do CPC, devendo, consequentemente, os Venerandos Desembargadores declararem nula a sentença recorrida e consequentemente, absolverem o Recorrente dos pedidos principais decididos nas alíneas a) e b), bem como do da alínea c) dado tratar-se de pedido acessório, complementares ou dependente dos pedidos principais. Foram apresentadas contra-alegações, pugnando a recorrida pela improcedência do recurso. A Exmª Juíz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto e providenciou pela sua subida. Já neste Tribunal da Relação, constatando-se ter sido omitido o despacho previsto no art. 617º/1 do CPC face à invocação de nulidades da sentença no recurso, foi determinada a baixa dos autos ao tribunal recorrido para ser proferido o despacho a que se refere a referida norma do CPC. O que já se mostra feito. * Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIRComo resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende que: - se declare nula a decisão recorrida, com fundamento em condenação em quantidade superior e em objecto diverso dos peticionados, com a consequente absolvição do recorrente dos pedidos; - se reaprecie a decisão de mérito da acção. * 3 – OS FACTOS A. FACTOS PROVADOS 1. Encontra-se registado a favor do Autor, na Conservatória do Registo Predial de Valpaços, sob a inscrição G-1, matriz artigo ….º e descrito sob o n.º …/…, o prédio rústico, composto por terra de cultivo, figueiras, vinha e pinhal, com área matriciada e registada de 80225m2, sito na freguesia de …, concelho de Valpaços, o qual confronta a norte com A. P., a nascente com Rio …, a poente com Herdeiros de A. A. e outros, e a sul com M. C.; 2. Os réus ocupam uma parcela de terreno com cerca de 5000 m2 do prédio referido em 1), há mais de quinze anos, sem autorização do Autor e pagamento de qualquer contrapartida; 3. A partir de meados de Setembro do ano de 2014 o Autor notificou o Réu marido para que desocupasse o terreno, o que estes recusaram; 4. A ocupação do prédio identificado em 1) causa prejuízos ao Autor, impedindo-o designadamente de o cultivar, vender, ou dar em arrendamento; 5. Tais prejuízos cifram-se em montante não inferior a quinhentos euros anuais; 6. Os Réus, sem o consentimento do Autor, cortaram diversas árvores, tais como sobreiros e pinheiros, do imóvel, os quais venderam a terceiros ou cortaram para lenha; 7. Os Réus abriram uma rodeira que permite melhor acesso ao terreno, e nele fizeram uma plantação de oliveiras, sem consentimento do Autor e contra a sua vontade. B. FACTOS NÃO PROVADOS Resultam não provados, nomeadamente os seguintes factos: 1. Que o prédio identificado em 1. dos factos provados tenha a área matricial registada de 83607m2. * A demais matéria alegada não foi consignada como provada ou não provada por se tratar de matéria de direito ou sem relevo para a boa decisão da causa.C. MOTIVAÇÃO Atenta a falta de contestação do réu, consideram-se confessados os factos articulados pelo Autor, nos termos do art.º 567.º do Código de Processo Civil. Foi ainda tida em consideração a certidão da Conservatória de Registo Civil no que se reporta ao facto n.º 1 da matéria de facto provada. No que concerne ao facto não provado n.º 1, o mesmo resulta com base na análise da certidão junta a fls. 140 a 144 dos autos, por contraposição com o documento anteriormente junto a fls. 7. [transcrição de fls. 152vº a 153]. * 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO I) Da nulidade da sentença, por condenação em quantidade superior e em objecto diverso dos peticionados – art. 615º/1, e) do Código de Processo Civil Entende o recorrente que a decisão em causa no recurso é nula por ter havido condenação em quantidade superior e em objecto diverso dos peticionados. Vejamos, pois, a nulidade em causa. Assim o prescreve o art. 615°/1, e) do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. A questão, nesta perspectiva, tem cariz essencialmente adjectivo e implica com um dos princípios que enformam o direito processual civil: o princípio do dispositivo ou da disponibilidade objectiva e, mais concretamente, com uma das suas principais manifestações – o princípio do pedido. Ensinava Manuel de Andrade que "o processo só se inicia sob o impulso da parte, mediante o respectivo pedido"; "as partes é que circunscrevem o thema decidendum. O juiz não tem de saber se, porventura, à situação das partes conviria melhor outra providência que não a solicitada, ou se esta poderia fundar-se noutra causa petendi. Alguns (Calamandrei) falam aqui de correspondência entre o requerido e o pronunciado"(1). Compreendem estas afirmações os dois sentidos do aludido princípio: o princípio da iniciativa ou impulso processual da parte e, no que nos interessa, o princípio da correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a decisão; não se concebe, na verdade, que, na jurisdição contenciosa cível, não haja correspondência entre o conteúdo da decisão e a vontade expressa pela parte no pedido formulado. Correspondência que, na questão aqui analisada, se discute apenas quanto ao limite quantitativo que resulta da petição inicial, problema que, diga-se, não tem gerado controvérsia (2). O princípio do pedido tem consagração inequívoca no art. 3º/1 do CPC: o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (…). É ao autor que, naturalmente, incumbe definir a sua pretensão, requerendo ao tribunal o meio de tutela jurisdicional adequado a satisfazê-la. Será na petição inicial que o autor deve formular esse pedido – art. 552º/1, e) do CPC –, dizendo "com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a acção" (3). É o pedido, assim formulado, que vinculará o tribunal quanto aos efeitos que pode decretar a final. Com efeito, como dispõe o art. 609º/1 do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir. Assim, quanto ao conteúdo, a sentença deve ater-se aos limites definidos pela pretensão formulada na acção, o que é considerado "núcleo irredutível" do princípio do dispositivo (4). É a essa pretensão assim definida que o tribunal está adstrito, não podendo decretar um outro efeito, alternativo, apesar de legalmente previsto. Como afirma Paula Costa e Silva, "o acto (postulativo) tem não só uma eficácia vinculante para o tribunal, como também uma função delimitadora da actuação do tribunal"; esse acto tem uma "função constitutiva insubstituível" (5). É o princípio do pedido, como sublinha a mesma Autora, que "determina que o tribunal se encontra vinculado, no momento do proferimento da decisão, ao decretamento das consequências que o autor do acto postulativo lhe requerera. Não pode decidir-se por um maius, nem por um aliud" (6). A violação da referida regra – se o juiz condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido – determina a nulidade da sentença, nos termos do art. 615º/1, e) do CPC. "Ao autor incumbe formular e definir a pretensão. É direito que lhe assiste mas, ao mesmo tempo, é um ónus que sobre si impende e cuja insatisfação – total ou parcial – contra si reverte" (7). Assim, se o autor não actua em conformidade, não exercitando, em toda a sua virtualidade, o aludido princípio, não pode mais tarde, ultrapassada a fase em que seria processualmente admissível a ampliação (cfr. art. 265º/2 do CPC), pedir ao tribunal que supra a sua omissão, nem este o pode fazer oficiosamente. Se o fizer, estará a ferir de nulidade a sentença, nos termos referidos (8). Aliás, se o tribunal o fizer incorre também em excesso de pronúncia, por apreciar questão não suscitada pelas partes, o que é igualmente causa de nulidade, nos termos do art. 615º/1, d) do CPC (9). Será de acrescentar que esta vinculação do tribunal aos termos em que o pedido foi formulado, que caracteriza o princípio do pedido, sendo ditada por razões de certeza e segurança jurídicas, tem subjacentes também a disponibilidade da relação material e os princípios da liberdade e da autonomia da vontade das partes e da auto-responsabilidade destas. Mas não só. Como flui do que se disse, também tem por escopo essencial a tutela da posição do demandado, permitindo-lhe que se defenda em relação ao conteúdo concreto daquele pedido. Só assim se assegura e cumpre o princípio do contraditório (cfr. art. 3º do CPC) que aquele princípio igualmente visa preservar (10). No caso dos autos, alega o recorrente que a decisão é nula pelo facto de a sentença proferida ter condenado os RR. a “entregarem de imediato” o prédio em causa à A., quando esta apenas peticionava a restituição do mesmo prédio. Ocorrendo aqui excesso dos limites da condenação. Ora, quanto a esta questão, entende-se que não assiste razão ao recorrente. Com efeito, o recurso à expressão “de imediato” na sentença proferida não implica um excesso de pronúncia. É certo que a A. não especificou no seu pedido que a entrega fosse feita de imediato. Contudo, é correcta a opção de ordenar a restituição imediata, numa situação em que é pedido ao tribunal a restituição do prédio livre e desocupado de pessoas e coisas, prédio esse que os RR. ocupam sem a autorização da A. e sem qualquer contrapartida, causando-lhe prejuízos. Não se ignorando que o R. marido já havia sido notificado anteriormente para desocupar o terreno, recusando-se os RR. a fazê-lo. Acresce que o recurso à expressão “de imediato” apenas vem concretizar aquilo que foi peticionado pelo A., pois se este não requereu a entrega em prazo determinado, conclui-se que pretende a entrega imediata. Pelo exposto, daqui decorre que não houve por parte do tribunal qualquer excesso de pronúncia. Alega, igualmente o recorrente que a decisão é nula pelo facto de, na sentença proferida após a baixa do processo por parte deste Tribunal da Relação de Guimarães, ter sido referida a área do prédio de 80.225 m2, e não de 83.607 m2, como constava da petição inicial. Ora, a este propósito decidiu-se no Ac. do STJ de 27-04-2017 (11), que “Como elemento identificador da ação, o pedido é, na terminologia do artigo 581º, nº 3, do CPC, “o efeito jurídico que se pretende obter com a ação”, ao passo que a causa de pedir, de acordo com a teoria da substanciação, adotada pelo artigo 581º, nº 4, 2ª parte, do mesmo diploma legal, é o facto jurídico genético do direito, ou seja, o acontecimento concreto, correspondente a qualquer “fattispecie” jurídica que a lei admita como criadora de direitos.” No caso dos autos, tendo a A. formulado o pedido, na parte que aqui importa considerar, de “condenação dos réus a reconhecerem que a A. é dona plena e exclusiva e legítima possuidora do prédio identificado no art. 1º da p.i.”, verifica-se que a sentença proferida em 1ª instância julgou procedente esse pedido, tendo condenado os RR. em tal reconhecimento, ainda que por referência ao prédio com área diversa da indicada na p.i., o que decorreu da actualização da mesma imposta pela nova certidão predial junta pela A., em obediência à baixa do processo primeiramente determinada. É que decorreu de tal certidão área diversa da que inicialmente constava do documento junto a fls. 7 pelo Autor, pelo que a Srª Juiz da 1ª instância que proferiu a sentença se limitou a conhecer de questão que se lhe impunha atento o novo documento junto. Pelo exposto, agiu a Srª Juiz do tribunal a quo em cumprimento de decisão deste Tribunal da Relação, não conhecendo de quantidade superior ou objecto diverso do peticionado, apenas se impondo a referida correcção de área em virtude do novo documento constante dos autos. Tanto basta para se poder seguramente concluir que a decisão recorrida não padece das invocadas nulidades. II) Reapreciação da decisão de mérito da acção Pretende também o recorrente nas suas conclusões I) a K) que a fundamentação de facto aduzida não é susceptível de conduzir ao resultado condenatório exarado na decisão porquanto, o efeito cominatório da confissão pelo Recorrente dos factos invocados na P.I. em virtude de não ter contestado não surte efeitos práticos dado que a Recorrida não alegou na P.I., como a tal estava obrigada, factos dos quais resultasse a aquisição originária do domínio sobre a parcela de 5000m2 ou factos demonstrativos da ligação da parcela ao prédio integral cuja aquisição se encontra registada a seu favor na Conservatória do Registo Predial. Ora, na acção de reivindicação pressupõe-se uma situação material incompatível com o direito, que se analisa na circunstância de a coisa se encontrar não na posse do seu proprietário, ou de quem a detenha com permissão deste, mas na de terceiro, sendo, pois, proposta pelo proprietário não possuidor, contra o detentor ou possuidor, não proprietário. A causa de pedir nela são os factos concretos de que decorreu a aquisição pelo reivindicante do domínio sobre a coisa. Ao reivindicante, para fazer a prova de que adquiriu a propriedade, não basta alegar que a adquiriu por contrato realizado com o transmitente, insuficiência que decorre do facto de bem poder suceder que este não fosse o proprietário para lhe poder transmitir tal propriedade, exigindo-se que prove as aquisições dos sucessivos alienantes, na cadeia ininterrupta que se mostre existir até que termine na aquisição originária de um deles. Porque essa prova será as mais das vezes extremamente difícil, é entendimento comum doutrinário e jurisprudencial, o de que ao reivindicante basta alegar a presunção derivada do registo para cumprir o ónus da alegação da propriedade na acção de reivindicação, porque a inscrição no registo da aquisição em seu nome faz presumir que o direito registado lhe pertence – art. 7º do CRP. Porém, utilizando o reivindicante apenas esta presunção fica numa situação relativamente frágil, pois pode suceder que o demandado elida tal presunção, alegando e demonstrando que o A. nunca foi proprietário, ou já o não é, ou que a caracterização do prédio tal como resulta da descrição não é a real; ou pode suceder que este demandado beneficie também de presunção, e que a mesma se venha a revelar como prevalecente sobre aquela outra, como é o caso da presunção derivada da posse nos termos da 2ª parte do nº1 do art. 1268º do CC. Ocorre que no presente caso, estando em causa uma acção de reivindicação como já referido, temos que a A. se limitou a invocar a presunção derivada do registo para cumprir o ónus da alegação da propriedade. O que é suficiente para fazer a prova de que adquiriu a propriedade, já que os RR. não lograram ilidir tal presunção. Também, aqui, não assistindo, pois, razão ao recorrente. No mais, resta aderir à apreciação jurídica da causa nos seus precisos termos, que aqui se dão por reproduzidos a fim de evitar repetições, uma vez que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis. O recorrente sucumbe no recurso. Deve por essa razão, satisfazer as custas dele (art. 527º/1 e 2 do CPC). * 5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC) I – O tribunal está limitado pelo princípio do pedido (art. 609º/1 do CPC). II – Em acção de reivindicação, não se verifica a nulidade do acórdão, por condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, quando o tribunal, eventualmente, se baseia para a condenação no pedido, em nova certidão predial junta pela A. e oficiosamente determinada, que apure área diversa do prédio em questão. III – Nem tal se verifica quando o tribunal condene os RR. a “entregarem de imediato” o prédio em causa à A., quando esta apenas peticionava a sua restituição e não requereu a entrega em prazo determinado, já que tal apenas vem concretizar aquilo que foi pedido pelo A. IV – Na acção de reivindicação basta alegar a presunção derivada do registo para cumprir o ónus da alegação da propriedade, porque a inscrição no registo da aquisição em seu nome faz presumir que o direito registado lhe pertence – art. 7º do CRP. * 6 – DISPOSITIVO Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida. Custas pelo recorrente. Notifique. * Guimarães, 09-11-2017 (José Cravo) (António Figueiredo de Almeida) (Raquel Baptista Tavares) 1. Noções Elementares de Processo Civil (1976), 372. No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Vol., 2ª ed., 52 e segs.; cfr. também, Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 121 e segs. 2. Cfr., entre os estudos mais recentes, Lopes do Rego, O princípio do dispositivo e os poderes de convolação do juiz no momento da sentença, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, 788; Miguel Mesquita, A flexibilização do princípio do dispositivo do pedido à luz do moderno Processo Civil, em RLJ 143-141; estudos que se inserem em tendência que preconiza uma "mitigação" ou "flexibilização "do princípio do pedido "em prol da efectividade do processo", mas não quanto ao limite quantitativo do pedido. No sentido dessa flexibilização, o Acórdão do STJ de 11.02.2015, em www.dgsi.pt. 3. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 234, nota (2). 4. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Ob. Cit., 657. 5. Acto e Processo, 263. Cfr. também Lebre de Freitas, Ob. Cit., 129: "Constitui monopólio das partes a conformação da instância nos seus elementos objectivos e subjectivos". 6. Ob. Cit., 583. Como referem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª ed., 682, "o objecto da sentença coincide assim com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido". 7. Fundamentação do Assento de 15.10.1996. 8. Neste sentido, os Acórdãos do STJ de 13.09.2011 (Revista nº 3196/04) e de 16.10.2012 (Revista nº 5943/07), com sumários publicados no Boletim Anual de Sumários do STJ de 2011 (pg. 661) e de 2012 (pg. 692), respectivamente. 9. Cfr. Acórdão do STJ de 01-07-2010 (Revista nº 6359/05), no referido Boletim Anual, ano de 2010 (pg. 608). 10. Neste sentido, Paula Costa e Silva, Ob. Cit., 587. 11. Vd. proc. nº 685/03.6TBPRG.G1.S1, in dgsi.pt. |