Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1966/16.4T9GMR.G1
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: CRIME DE FALSIDADE DE TESTEMUNHO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
ELEMENTOS TÍPICOS DO ILÍCITO
ARTº 360º
Nº 1 DO CP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1) O bem jurídico protegido no crime de falsidade de testemunho é o da "realização ou administração da justiça como função de estado" e não o da preservação da verdade histórica.

2) Daí, que para que se cometa este crime, baste que o mesmo sujeito preste dois depoimentos antagónicos e que se excluem, no mesmo processo.

3) Com efeito e nestes casos, um deles será voluntariamente falso e tanto basta que se cometa o referido crime, preservando-se assim o bem jurídico que se visa acautelar, que é o da fidelidade e autenticidade do testemunho.
Decisão Texto Integral:
1 – Relatório

Por sentença de 16 de Março de 2 018 proferida nestes autos, foi o arguido J. R.:

- condenado pela prática de um crime de falsidade de depoimento, p.e p. pelo art.º 360º/1 C.P., na pena de 8 (oito) meses de prisão, com execução suspensa por 1 (um) ano;
- absolvido da prática de um crime de falsidade de depoimento, p. e p. pelo art.º 360º/1 e n.º 3), C.P.

Discordando desta condenação, da mesma interpôs recurso o arguido, peça em que apresenta as seguintes conclusões:

“1 – Não se conforma o recorrente com a douta decisão proferida de que ora se recorre que julgou provado a factualidade vertida nos pontos 7 e 8 dos factos provados, e que, em consequência decidiu condená-lo, pela prática, de um crime de falsidade de testemunho previsto e punido pelo artigo 360.º n.º 1 do Código Penal na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e, bem assim, nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em duas UC.
2 - O arguido não cometeu nenhum crime, pois, de toda a factualidade dada por provada – pontos 1 a 8 da factualidade provada – não resulta, de facto, qual dos acontecimentos, foi afinal verdadeiro, mas somente, e quando muito, sem prejuízo de tudo quanto infra se aduzirá, que o arguido, enquanto testemunha produziu, em dois momentos distintos, dois depoimentos diferentes, embora não antagónicos.
3 – Para que possa verificar-se o preenchimento do ilícito tipo do qual vinha acusado é necessário alegar e provar que o arguido conhecia a verdade dos factos e que, intencionalmente, a perverteu.
4 – Entende o recorrente que a douta sentença de que se recorre fez errada interpretação dos factos e, consequentemente, errada qualificação jurídica dos mesmos, uma vez que a análise da prova carreada aos autos impunha decisão bem diversa da proferida, ou seja, impunha a absolvição do arguido. Porquanto,
5 - Nenhuma prova se produziu em sede de audiência de julgamento, pois que, o arguido faltou e o Ministério Público, enquanto representante do Estado, nenhuma outra prova testemunhal aduziu no sentido de demonstrar e provar qual das duas declarações correspondia à realidade dos factos e, bem assim, que o arguido num desses momentos – fase de inquérito (15/02/2013) e fase de audiência de julgamento 1/10/2013) tinha efectiva consciência de que estava a praticar acto contrário ao direito e, consequentemente, ilícito.
6 - Da análise crítica da prova constante de fls. 2 a 14 e de fls. 37 a 68, quando muito, e sem prejuízo do que infra se aduzirá, apenas poderá concluir-se pela contraditoriedade das declarações prestadas pelo arguido numa e noutra fase processual.
7 – Pois, salvo melhor entendimento, nenhuma alegação e prova foi produzida que permitisse concluir, com um grau de certeza aceitável, que o arguido conhecia a verdade dos factos e que, intencionalmente, a desvirtuou.
8 – Para aferirmos, caso a caso, se uma determinada declaração é falsa, para efeitos de aplicação do artigo 360.º do Código Penal, é necessário que haja um termo de comparação, pois uma declaração só é falsa quando aquilo que se declara (conteúdo da declaração) diverge daquilo sobre o qual se declara (objecto da declaração).
9 – Portanto, para se concluir pela falsidade de testemunho do arguido, necessário será provar que o seu depoimento se afastou do que aconteceu na realidade, isto é, sobre o que o tribunal, em face da produção da prova, deu por acontecido.
10 - Preencher-se-á o ilícito típico de falsidade de testemunho quando, depois de um tribunal ter dado por provados determinados factos sobre os quais uma testemunha depôs de modo diferente, se vem a apurar que a testemunha conhecia a realidade que o tribunal deu por provada e que, provando-se que essa realidade era verdadeira, de livre vontade e intencionalmente, a mesma a ocultou.
11 - A verdade é que, o tribunal a quo deu por não provado que o arguido faltou à verdade em sede de audiência de julgamento e depois de ter sido ajuramentado.
12 - E, a nosso ver, deveria igualmente ter dado por não provado que, o arguido faltou à verdade em sede de inquérito e depois de ter sido ajuramentado, uma vez que, como bem resulta da motivação da convicção – (sic) - “ficou na penumbra o momento em que o arguido faltou à verdade”.
13 – Pois, se o tribunal a quo deu por provado que numa das duas vezes o arguido faltou à verdade, e quanto ao ponto dado por não provado entende que “ficou na penumbra o momento em que o arguido faltou à verdade”, ocorre a douta sentença proferida, salvo melhor entendimento, em contradição entre a fundamentação e a decisão – artigo 410.º n.º 2 al. b).
14 – Uma vez que o Ministério Público não afirmou nem provou quais eram os factos reais, e consequentemente, qual foi o depoimento falso, apenas se poderá concluir, que apesar de advertido das consequências penais a que se expunha com a prestação de depoimento, o arguido, quando prestava depoimento quer perante a autoridade, quer em sede de audiência de julgamento, agiu de forma deliberada e conscientemente.
15 – Como defende o Acórdão da Relação de Guimarães de 29/06/2009, Proc. n.º 840/08.2TABRG.G1, publicado em www.dgsi.pt, “a contradição entre o dito pela testemunha e a realidade objectiva, da qual tinha ciência e consciência; ou a contradição entre o dito pela testemunha e aquilo que ela viu, ouviu ou entender, é que configura o crime.”
16 – Pois, “a verdade que se busca para determinação do elemento típico do crime de falso testemunho não é a verdade formal, mas sim a que corresponde a um dado acontecimento histórico conhecido de quem depõe e que é intencionalmente negado, ou do conhecimento de um facto inexistente que intencionalmente se afirma como verdadeiro. Levar a incriminação, sem mais, às situações em que as testemunhas dizem coisas diferentes em momentos distintos (e sabe-se, às vezes, em que circunstâncias!!!), era fazer com que, por absurdo houvesse crimes de falso testemunho às centenas, todos os dias, por esses tribunais fora”.
17 – Continua o aresto, “Falso é, aqui, contrário de verdadeiro, ou seja, para se dizer que um depoimento é falso é preciso confrontá-lo com os factos verdadeiros, não bastando que uma testemunha preste depoimentos contraditórios (um ou mais!!) entre si: sem aquele confronto, há apenas depoimentos divergentes mas não necessariamente contrários à verdade.” Sem prescindir Caso assim não se entenda, o que não se concede mas por mera hipótese académica se concede,
18 - Sufragando-se entendimento contrário ao supra vertido, designadamente no sentido acolhido pelo Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 30/10/2013, relator Fernando Chaves, proc. n.º 802/11.2TAPBL.C1, impõe-se, porém, como já se aflora em 17 das presentes conclusões, que os depoimentos prestados pelo arguido sejam, além de contraditórios, absolutamente inconciliáveis, e por isso, um deles necessariamente falso.
19 – Ora o que resulta do depoimento do aqui arguido/recorrente, então testemunha, prestado em sede de audiência de julgamento - cujos trechos se encontra transcritos nas motivações de recurso -, analisado à luz das invocadas regras da experiência e normalidade do acontecer, isto é analisado à luz daquilo que o homem médio com a sua experiência de vida e das coisas apreenderia e se daria conta, é conciliável e convergente com as declarações prestadas em sede de inquérito.
20 - Haverá de ter-se em consideração que quanto ao depoimento prestado em sede de inquérito, o mesmo não foi gravado, não sendo possível fazer uma transcrição absolutamente fiel e fidedigna das declarações da testemunha, aqui arguido/recorrente, do mesmo modo que o foi em sede de audiência de julgamento.
21 - Não pode a nosso ver, concluir-se da análise de ambos dos depoimentos, que os mesmos sejam absolutamente díspares, incompatíveis ou inconciliáveis entre si e que, qualquer um deles seja falso e não coincidente com o outro. .
22 – Dizer-se que, nunca se adquiriu droga ao arguido A ou B, mas que por pelo menos duas vezes na companhia de C e D, se deslocou ao local Y e Z, para com aqueles comprar droga, local esse onde viu chegar, em momentos diferentes e sozinhos, os arguidos A e B, e que, tendo ficado de ambas as vezes dentro do veículo, os sujeitos C e D, após saírem do veículo para se encontrarem com os arguidos A e B, regressaram com seis ou sete pacotes de heroína ou cocaína, permite, que o tribunal, lançando mão regras da experiência e normalidade do acontecer, isto é analisado à luz daquilo que o homem médio com a sua experiência de vida e das coisas de que se apreenderia e se daria conta, possa concluir, que a testemunha esteja a declarar que C e D adquiriram droga a A e B.
23 - Em face do exposto existe “convergência” em ambas as declarações da testemunha, aqui arguido, e, consequentemente, entende-se não ficar preenchido o tipo legal de crime em questão, devendo absolver-se, o arguido do crime de que vem acusado.
24 – E esta é a conclusão a que deveria ter chegado o tribunal a quo, lançando mão das regras da experiência.
25 – Ao decidir como decidiu a sentença de que se recorre violou os artigos 360.º do Código Penal, o artigo 127.º do CPP, padecendo o vício a que alude do artigo 410.º n.º 2 al b) do CPP - contradição entre a fundamentação e a decisão.”

Contra-alegou, ainda em 1ª instância, o M.P. No seu entender, o arguido teve depoimentos contraditórios em Inquérito e em julgamento, sendo que um deles será desconforme com a realidade, não sendo necessário que conste da sentença qual dos depoimentos é falso. Considera assim, que o recurso não deve merecer provimento.

neste Tribunal da Relação, a Dignm.ª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido de que não importa que não conste da sentença em que momento o arguido faltou à verdade, pelo que se deverá manter a condenação. Defende pois, a total improcedência do recurso.
Notificado nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., o arguido nada disse.
O recurso vai ser julgado em conferência, como o impõe o art.º 419º/3, c), C.P.P.

2 – Relatório

Para uma melhor análise do recurso interposto, transcrever-se-á, de seguida, a decisão recorrida:

“I. RELATÓRIO:

O Ministério Público deduziu acusação, para julgamento em processo comum, com intervenção de Tribunal Singular, contra:

- J. R., filho de … e de …, natural da freguesia de ..., concelho de ..., nascido a ..-..-1973, solteiro, residente na Rua ..., imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360º nº 1 e 3, do Código Penal.
*
O arguido deduziu contestação, oferecendo o merecimento dos autos.

Não arrolou testemunhas.
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Procedeu-se a julgamento com as devidas formalidades, embora na ausência do arguido que, regularmente notificado, não compareceu nem justificou a sua falta, tendo então sido decidido não ser imprescindível a sua presença desde o início da audiência de julgamento, nos termos do artigo 333º, nº 1 e 2, do CPP.
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A instância mantém a validade e regularidade nela oportunamente aferidas, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito da causa.
*
II. OS FACTOS:

A. FACTOS PROVADOS:

Da acusação:

1) No dia 15 de Fevereiro de 2013, cerca das 15h45, no Estabelecimento Prisional de Guimarães, foi o arguido inquirido na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos de inquérito nº 27/12.0GAGMR, que correu termos nos extintos Serviços do Ministério Público de Guimarães.
2) Nessa inquirição, foi o arguido expressamente advertido das consequências penais em que incorreria caso se recusasse a depor ou faltasse à verdade.
3) Nessa diligência referiu o aqui arguido que “a heroína que lhe foi apreendida pela GNR de ... há um ano e pouco atrás, na zona de ..., Guimarães, tinha-a acabado de comprar no Porto, local onde se deslocou juntamente com a sua amiga F. de alcunha "T." e com o seu amigo A. P., fazendo-se transportar no carro do pai da "T.", de marca BMW de cor branca. Inquirido, declara que, embora tenha conhecimento que o "FR." vendia heroína e cocaína à sua amiga "T." e ao A. P., o depoente nunca lhe adquiriu estupefaciente. Declara que tanto a "T." como ao A. P., compram diariamente heroína e cocaína ao "FR." há pelo menos um ano, ou seja, desde os inícios de 2012, sendo que, o A. P. começou a comprar-lhe primeiro que a "T.". Declara que por diversas vezes presenciou a "T." e o A. P. a comprar heroína e cocaína ao "FR.", sendo que, por regra compravam-lhe entre 2 a 3 gramas de cada vez, uma a duas vezes ao dia, estupefaciente que era para o consumo de ambos, sendo que, em algumas ocasiões também o depoente consumiu heroína e cocaína que os mesmos adquiriram ao "FR.". Inquirido, declara que o "FR.", por norma, ia vender a heroína e a cocaína à "T." e ao A. P. na zona de ... - Guimarães, nomeadamente na rotunda da auto-estrada e junto da capelinha à beira da casa dos pneus, sendo que, em algumas ocasiões, também lhe foi vender a heroína e a cocaína a casa da "T.". Mais refere que, nos primeiros tempos, ou seja, nos inícios de 2012, quando a "T." estava chateada com o A. P. e este morava em …, Caldas de ..., presenciou algumas vendas de heroína e cocaína por parte do "FR." ao A. P., vendas que ocorriam numa rotunda perto da casa do A. P. em Vilar, .... Inquirido, declara que o "FR." costumava andar num veículo Seat, modelo Leon, preto, de matrícula …, num Seat Ibiza de cor vermelho, num Smart de cor cinza e preto e, ultimamente, andava num Fiat de cor cinzento, veículos que utilizava para se deslocar aos locais onde vendia a heroína e a cocaína à "T." e ao A. P.. Inquirido relativamente à pessoa do "FR.", declara que o conhece há bastante tempo, ou seja, desde 2005, sabe mora em ..., mais precisamente nas …, junto à clínica ... Médica, tem um filho e uma filha, está separado da mulher e, em tempos, foi empresário do ramo têxtil. Inquirido, declara que tem conhecimento que o "FR." tinha um empregado para as vendas de heroína e cocaína, o qual se trata de um indivíduo que conhece há bastantes anos pela alcunha de "PP.", este que mora com a mãe em …, Guimarães e é irmão do indivíduo a quem, há uns anos saiu o euromilhões. Inquirido relativamente aos factos que lhe permitem dizer que o "PP." é empregado do "FR." na atividade de tráfico de heroína e cocaína, declara: Que como conviveu muito tempo com a "T." e com o A. P., estes, por vezes comentavam que o "FR." ia mandar o empregado trazer-lhes a heroína e a cocaína, sendo que, de seguida, presenciava que, de facto, quem lhes vinha trazer a heroína e a cocaína era o "PP.". Inquirido, declara que também presenciou, pelo menos por duas vezes o "PP." a vender heroína e cocaína à "T." e ao A. P., o que ocorreu nos finais de 2012, sendo que, numa dessas vezes o "PP." circulava no veículo Smart do "FR.".”
4) Sucede, porém, que, no dia 1 de Outubro de 2013, pelas 11:44 horas, no âmbito da audiência de julgamento nos autos de Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 27/12.0GAGMR, que correu termos na extinta 1º Vara de Competência Mista de Guimarães, agora 2ª Secção Criminal – J4, da Instância Central de Guimarães da Comarca de Braga, sita na Rua …, área desta instância local de Guimarães, foi, de novo, o aqui arguido chamado a prestar depoimento, na qualidade de testemunha.
5) Nessa inquirição, foi o arguido ajuramentado e expressamente advertido das consequências penais em que incorreria caso se recusasse a depor ou faltasse à verdade.
6) De seguida, o arguido referiu que nunca viu os seus amigos A. P. e F., de alcunha “T.”, a adquirir produto estupefaciente aos ali arguidos C. R. e P. A.. Referiu que apenas acompanhou os seus amigos por duas vezes à zona de ... quando eles se deslocaram para comprar produto estupefaciente, sendo que numa das vezes viu que foram falar com o ali arguido C. R. e noutra com o também ali arguido P. A., de alcunha PP., contudo, nessas alturas, não viu se os mesmos lhes venderam qualquer produto estupefaciente.
7) O arguido, não obstante expressamente advertido das consequências penais a que se expunha com a prestação de depoimento falso, quis, numa das duas vezes em que prestou depoimento, faltar à verdade.
8) Agiu de forma livre, deliberada e consciente, numa das duas vezes em que prestou depoimento, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Da situação pessoal do arguido:

9) A última remuneração declarada pela entidade patronal do arguido reporta-se ao mês de Agosto de 2017, sendo o seu vencimento de € 511,19.
10) O arguido não tem registado em seu nome quaisquer veículos.
11) O arguido sofreu as seguintes condenações:

a) Processo Comum (Tribunal Singular) nº 155/03.2GEGMR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, pela prática, a 02-04-2003, de um crime de ofensa à integridade física simples, tendo-lhe sido aplicada, por decisão de 26-11-2004, transitada a 02-06-2005, pena de 280 dias de multa, à taxa diária de €4,00;
b) Processo Sumaríssimo nº 793/10.7GEGMR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, pela prática, a 30-12-2010, de um crime de furto qualificado, tendo-lhe sido aplicada, por decisão de 02-04-2012, transitada a 23-04-2012, pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;
c) Processo Sumaríssimo nº 1044/11.2TAGMR, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, pela prática, a 09-02-2011, de um crime de falsidade de testemunho, tendo-lhe sido aplicada, por decisão de 16-05-2012, transitada a 16-05-2012, pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €5,00;
d) Processo Sumaríssimo nº 544/12.1GEGMR, do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, pela prática, a 02-11-2012, de um crime de injúria agravada, tendo-lhe sido aplicada, por decisão de 15-05-2013, transitada a 15-05-2013, pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;
e) Processo Comum (Tribunal Singular) nº 758/13.7GEGMR, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo Local Criminal de Felgueiras, pela prática, a 03-11-2013, de um crime de ameaça agravada e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, tendo-lhe sido aplicada, por decisão de 31-03-2016, transitada a 02-05-2016, pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e 100 dias de multa, a taxa diária de €5,00;

B. FACTOS NÃO PROVADOS:

a) Que o arguido faltou à verdade em sede de audiência de julgamento e depois de ter sido ajuramentado.

III MOTIVAÇÃO:

O Tribunal formou a sua convicção apreciando de forma crítica o conjunto da prova produzida em audiência, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal.

Assim, foi considerada a certidão de fls. 2 a 14, na qual se encontra a acta da audiência de julgamento e auto de inquirição do arguido na fase de inquérito (que não foi posto em causa), documentos dos quais resulta que o arguido prestou previamente juramento e, bem assim, o CD das declarações prestadas pelo mesmo em audiência de julgamento no processo em causa, estando a sua transcrição a fls. 37 a 68, sendo que do confronto das declarações prestadas numa e outra fase processual, facilmente se constata a contraditoriedade das mesmas, conforme consta do libelo acusatório.

No que concerne ainda ao aspecto subjectivo da conduta, ponderou-se, assim, o iter criminis do arguido, ou seja a acção objectiva apurada, apreciada à luz de critérios de razoabilidade e bom senso e das regras de experiência da qual se extrai a sua intenção, sendo manifesto que o mesmo não podia deixar de saber que estava a prestar declarações contraditórias e que, actuando assim, estava a praticar acto contrário ao direito, logo, ilícito, sendo certo que não foi produzida qualquer prova susceptível de contrariar tal entendimento ou conclusão.

No que concerne aos factos referidos em 9) e 10), atendeu-se à informação de fls. 171/175.

Os antecedentes criminais resultam da análise do CRC junto aos autos.

Quanto ao facto não provado, resulta da falta de prova uma vez que ficou na penumbra o momento em que o arguido faltou à verdade.

IV. APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:

Vem o arguido acusado pela prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360º, nº 1 e 3 do Código Penal.

Dispõem os nºs 1 e 3 do artigo 360º do Código Penal que: “ 1. Quem como testemunha, perito, técnico, tradutor ou interprete, perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução, prestar depoimento, apresentar relatório, der informação ou fizer traduções falsos, é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias. (...)

3. Se o facto referido no n.º 1 for praticado depois de o agente ter prestado juramento e ter sido advertido das consequências penais a que se expõe, a pena é de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias."

Estamos perante um dos crimes contra a realização da justiça, em que a falsidade é o étimo essencial.

Conforme informa MEDINA DE SEIÇA, “ O bem jurídico protegido pelo crime de falso testemunho (…) é essencialmente a realização ou a administração da justiça como função do Estado. Quer dizer: o interesse público na obtenção de declarações conformes à verdade no âmbito de processos judiciais ou análogos, na medida em que constituem suporte para a decisão

O bem jurídico protegido é, em primeira essência, a realização ou administração da justiça como função do Estado, traduzindo-se no interesse público existente na obtenção de declarações conformes à realidade no âmbito de processos judiciais (cfr, neste sentido MEDINA DE SEIÇA, in “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, página 460)

Se bem atentarmos na estrutura do preceito legal supra transcrito, temos um tipo matricial previsto no n.º 1 e um tipo de ilícito agravado, o comummente chamado perjúrio, previsto no n.º 3.

Ambos os ilícitos consubstanciam crimes de perigo abstracto, pois que não é necessário que a declaração falsa prejudique o esclarecimento da realidade dos factos, sendo o fundamento do ilícito a própria declaração falsa, independentemente da consideração da sua efectiva influência na decisão. Mais, traduzem-se em crimes de mera actividade pois que "o comportamento ilícito esgota-se precisamente na efectivação da conduta proibida (...) não exigindo a lei qualquer resultado decorrente desse conduta e dela autonomizável." (Cfr. Medina Seiça, in obra citada, página 462).

Proceder-se-á agora à análise dos elementos do tipo de ilícito simples e agravado, previsto nos n.º 1 e 3 do artigo 360º do Código Penal:

- o agente deverá assumir uma particular e precisa função processual determinada pelo direito processual respectivo, deverá actuar como testemunha, arguido, perito, etc.;
- a conduta típica é a da prestação de declaração falsa, no sentido de que aquando do depoimento, relatório, informação ou tradução, e estando vinculado pelo dever processual de verdade e de completude, o agente declara num sentido que sabe ser perfeitamente contrário à verdade dos factos;
- por fim e para que haja a agravação inerente ao perjúrio é necessário que tenha havido juramento, e que o agente tenha sido advertido por autoridade com competência para as consequências penais a que se expõe por via da prestação de declarações.

Para além destes elementos que integram o tipo objectivo de ilícito, é ainda necessário que o agente aja com dolo, visto que se exige a consciência da falsidade das declarações prestadas. Para além do mais, exige-se que o dolo abranja todas as circunstâncias integradoras do tipo de ilícito supra referidas, desde o dever de declarar com verdade até à competência do tribunal ou de outro funcionário para receber como meio de prova a declaração.

Como se defende no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, nº 19/11.6TAFAL.E1, de 07/02/2012, in www.dgsi.pt, “Pratica o crime de falsidade de testemunho p.p. pelo artº 360º, nº 1 do Código Penal, aquele que, na qualidade de testemunha, presta dois depoimentos contraditórios entre si, em duas distintas fases do processo, ainda que se não apure em qual delas mentiu.

(…)
São, como é evidente, dois depoimentos contraditórios entre si.

E aqui, uma de duas: ou ambos os depoimentos são falsos ou, pelo menos, um deles é falso. O que é manifestamente impossível, mesmo com recurso à melhor retórica, é afirmar que um depoimento é verdadeiro e o seu contrário também.

Ora, elemento típico do crime de falsidade de testemunho é que alguém, numa das qualidades enunciadas no artigo 360º, nº 1 do Código Penal, preste depoimento, apresente relatório, dê informações ou faça traduções falsos. Dúvidas não podem, pois, restar sobre a verificação desse elemento típico: no âmbito do processo de onde foi extraída a certidão que está na origem destes autos, o arguido prestou falso depoimento: ou em 25/9/2008, quando foi ouvido em sede de inquérito, ou em 12/5/2009, quando foi ouvido em sede de julgamento (ou, eventualmente, em ambas as ocasiões…). Saber em que momento processual foi produzido o falso testemunho é algo de absolutamente irrelevante, a não ser para efeitos prescricionais (que, no caso, atento o prazo de prescrição do procedimento criminal e as datas em que foram produzidas as declarações, é questão que não se coloca) [3]. Subscrevemos, por isso, sem qualquer hesitação, as considerações contidas no Ac. RP de 22/11/2006 (rel. Isabel Pais Martins), www.dgsi.pt: “A não fixação da data de consumação do crime não impõe nem a absolvição da recorrente, por apelo ao princípio in dubio pro reo, nem traduz uma qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, no sentido de tornar impossível um juízo seguro de condenação. O juízo seguro de condenação decorre da prova de que o recorrente, sujeito a um dever processual de verdade e de completude, prestou, em dois momentos processuais, depoimentos divergentes sobre a mesma realidade. O facto de o tribunal não ter logrado apurar a verdade objectiva, conhecida do recorrente (e, daí, não ter conseguido determinar em que momento foi cometida a falsidade) não prejudica uma convicção de certeza sobre a acção típica. A certeza sobre a data de consumação do crime não é um requisito indispensável ao preenchimento do tipo-de-ilícito. A incerteza sobre a data de consumação do crime só poderá relevar para certos efeitos jurídicos, v.g., de consideração de uma eventual prescrição do procedimento criminal ou de aplicação de uma hipotética lei de amnistia, devendo, para esses efeitos, a incerteza sobre a data de consumação sempre ser valorada a favor do recorrente, pela aceitação daquela que lhe seja mais favorável”. E neste mesmo sentido se pronunciaram, entre outros, os Acs. RP de 21/2/2007 (rel. Cravo Roxo) e de 30/1/2008 (rel. José Carreto), bem como os Acs. RC de 18/5/2011 (rel. Jorge Jacob) e de 28/9/2011 (rel. Paulo Guerra), todos in www.dgsi.pt.”

Também o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, nº 802/11.2TAPBL.C1, de 30.10.2013, in www.dgsi.pt, defende “A circunstância de não ter ficado provado em qual dos dois momentos temporais a arguida faltou à verdade, se quando foi inquirida durante o inquérito, se quando foi inquirida em julgamento, quando é certo que os dois depoimentos por ela prestados são contraditórios e absolutamente inconciliáveis e, por isso, um deles é necessariamente falso, não obsta a que se considere preenchido o crime de falsidade de testemunho, já que a certeza sobre a data de consumação do crime não é um requisito indispensável ao preenchimento do tipo-de-ilícito.”

Com efeito, aderimos aos argumentos expendidos nestes arestos e bem assim à teoria subjectiva, por ser a mais consentânea, a nosso ver e salvo o devido respeito por opinião contrária, com o dever da testemunha relatar o resultado das suas percepções ao longo do processo de forma idêntica e já não de forma contraditória quando perante diversas fases processuais e sujeitos. Como defende Paulo Brandão, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 3/2010, p. 477-504, “Essa falta de fidelidade à verdade, traduzida num desvio da declaração em relação à realidade apreendida pelo próprio declarante e descortinada através de uma visão integrada de toda a sua conduta processual, é por si só suficiente para implicar a prática de um ilícito-típico objectivo de falsidade de depoimento (…)”.

Ora do acervo fáctico provado resulta que efectivamente o arguido praticou um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360º, n.º 1, do Código Penal, uma vez que não ficou apurado que as declarações falsas correspondem efectivamente às prestadas na fase de julgamento e após ter prestado juramento e sido advertido das consequências penais.

Com efeito, o arguido prestou depoimento que sabia não corresponder à verdade, aliás totalmente contrário ao já por si prestado no mesmo processo mas em fase processual anterior, facto de que tinha conhecimento, actuando de forma livre e voluntária, consciente de que assim actuava de modo contrário ao direito, estando assim preenchidos os elementos objectivos e subjectivo da referida infracção.

Inexistindo qualquer causa de exclusão da culpa ou da ilicitude, deverá o arguido ser condenado pela prática do crime.

ESCOLHA E MEDIDA DA PENA:

O crime de falsidade de depoimento previsto no artigo 360º nº 1, do Código Penal é punível com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.

A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que a medida da pena não poderá exceder a medida da culpa - artigo 40º, nº1 e 2, do Código Penal.

Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 70º do Código Penal. Quer isto dizer, que sempre que o tribunal entender que as finalidades de prevenção geral e especial se encontram suficientemente acauteladas com a simples pena de multa, deve esta ser aplicada em detrimento da pena de prisão.

Com efeito, são as finalidades exclusivamente preventivas, especiais e gerais, que justificam a preferência por uma pena alternativa à de prisão (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora 2005, pág. 331).

Aliás, conforme Figueiredo Dias, são as necessidades de prevenção especial de socialização que prevalecem sobre a escolha do tipo de pena aplicar e que justificam, numa perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra as penas privativas da liberdade (página 332, obra citada). Só nas situações em que o tribunal considerar que a pena de prisão se revela necessária ou conveniente à ressocialização do arguido é que deverá afastar a aplicação da pena de multa.

Quanto à prevenção geral na determinação do tipo de pena a aplicar, ela apenas actuará sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico. Isto é, sempre que das circunstâncias do caso resultar que a aplicação de uma pena não detentiva é possível, ela só não será aplicada caso se entenda que a pena de prisão é absolutamente necessária à protecção de bens jurídicos e à estabilização das expectativas da comunidade na validade das normas.

No presente caso, as exigências de prevenção geral são significativas, na medida em que a prática deste crime é frequente, sendo cada vez maior o despudor com que os testemunhos falsos são prestados perante autoridades policiais e judiciárias (contribuindo para uma maior dificuldade na administração da justiça), o que definitivamente faz elevar as exigências de prevenção geral.

Quanto às finalidades de prevenção especial, importa salientar que elas são manifestamente acentuadas. Com efeito, o arguido já tem averbadas no seu CRC várias condenações, tendo sido já condenado pela prática de idêntico crime, em pena de multa, sendo de notar que os factos objecto dos presentes autos ocorreram já após ao trânsito em julgado da condenação em causa, o que revela que a multa não foi suficiente dissuasora da prática de novo crime da mesma natureza, denotando-se assim, por parte do arguido, um profundo desrespeito pelas sucessivas condenações que em nada o impeliram a mudar o seu comportamento desviante, denotando igualmente que o arguido apresenta prementes necessidades de ressocialização, necessidades essas que não serão cabalmente colmatadas com a simples pena de multa, pelo que, embora reconhecendo que a pena de prisão deve ser a ultima ratio, opta-se pela pena de prisão por esta ser a única que se afigura adequada às exigências preventivas do presente caso.
*
Chegados ao momento de determinar a concreta medida da pena, impõe-se considerar que aquela determinação é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (cfr. artigo 71º, nº 1, do Código Penal), ou dito de outro modo, a prevenção geral positiva ou de integração é a finalidade primordial, entendida esta como reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança, face à violação da norma.

Conforme JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, in “As Consequências Jurídicas do Crime”, Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 227 e ss.), a pena deve ser determinada no interior de uma moldura de prevenção geral positiva, cujo limite é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral positiva, a medida da pena será encontrada em função das exigências de prevenção especial positiva, ou seja, de ressocialização do agente. No entanto, a culpa do agente será sempre o limite inultrapassável da medida concreta da pena (cfr. artigo 40º, nº 2, do Código Penal).

A medida da necessidade da tutela de bens jurídicos terá que ser encontrada em concreto, segundo as circunstâncias do caso em análise e não em abstracto, já que o carácter abstracto dessa necessidade foi previamente definido pelo legislador penal ao determinar a moldura penal abstracta aplicável.

Em conformidade com o disposto no artigo 71º, nº 2, do Código Penal, atender-se-á a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, exemplificando aquele normativo alguns factores concretos que relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção.

No presente caso, é de realçar o seguinte:

- o dolo reveste a sua modalidade mais grave - dolo directo;
- a ilicitude e a culpa são medianas.

As exigências de prevenção geral são, como já se disse, elevadas e as necessidades de prevenção especial são elas também prementes, atendendo-se aos antecedentes criminais do arguido.

Tudo ponderado, entende o tribunal, por ser adequado e proporcional face às circunstâncias supra descritas, aplicar uma pena de 8 (oito) meses de prisão.
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Seguindo a ordem de apreciação das penas substitutivas de prisão sugerida pelo Acórdão da Relação do Porto, de 20-04-2009, publicado em www.dgsi.pt, urge agora, face ao teor do disposto no artigo 43º nº 1 do Código Penal (na redacção anterior à Lei 94/2017, de 23/08, pois que tal normativo passou a estar previsto no artigo 45º) debruçarmo-nos sobre a questão da substituição da pena de prisão por multa. debruçarmo-nos sobre a questão da substituição da pena de prisão por multa.

Enquanto no artigo 70º, do Código Penal se acolhe um critério de conveniência para a escolha da pena, o artigo 43º nº 1, impõe-nos um juízo de necessidade, isto é, só se deixará de converter a pena de prisão em pena de multa, se se revelar que a prisão é mais adequada em face das exigências de prevenção, sobretudo do ponto de vista da prevenção especial.

Ora, atendendo ao caso concreto e sem prejuízo de o legislador ser avesso às penas curtas de prisão, a verdade é que, in casu, atentas necessidades de prevenção geral e especial, designadamente, a necessidade de prevenir a prática futura de novos crimes, a pena de multa não assume virtualidade suficiente para atingir esse desiderato.

Na verdade, considerando os antecedentes criminais do arguido, reveladores de que as penas em que foi condenado não surtiram os pretendidos efeitos preventivos, obviamente que a referida substituição da pena de prisão por multa, só por si, não é suficiente para o afastar da delinquência.
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Dispõe o artigo 50º, do Código Penal que “O tribunal suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão da execução da pena de prisão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. Decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência» - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime, páginas 343 e seguintes.

Para que se possa decidir pela suspensão da execução da pena de prisão é necessário que se formule um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido, ou seja, que se possa prever que aquele não cometerá no futuro outros crimes e que a ameaça da prisão realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Assim, apesar da gravidade da conduta do arguido e, bem assim, dos antecedentes criminais que apresenta, cremos que é possível concluir que a censura do facto e a ameaça da prisão serão suficientes para realizarem de forma adequada as finalidades da punição e para afastar o arguido da prática de novos crimes.

Será ainda de realçar que a reprovação pública inerente à pena suspensa e o castigo que ela envolve aplicada num processo-crime e em audiência satisfazem o sentimento jurídico da comunidade e, consequentemente, as exigências de prevenção geral de defesa da ordem jurídica, atendendo ainda ao espírito legislativo implementado pela recente reforma do Código Penal de alargamento do âmbito de aplicação desta pena substitutiva da pena de prisão como forma de promover a reintegração social do condenado.

Assim, o período de suspensão da execução da pena de prisão será pelo período de um ano – artigo 50º, nº 5 do Código Penal (na redacção anterior à Lei 94/2017, de 23/08).
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Sucede que com a entrada em vigor da Lei 94/2017, de 23/08, que alterou o Código Penal, ocorre uma sucessão de leis penais no tempo que implica a necessidade de ponderar qual o regime mais favorável a aplicar ao arguido, de modo a respeitar o disposto no artigo 2º, nº 4, daquele diploma.

Com efeito, o referido diploma introduziu alterações ao artigo 50º do Código Penal, passando o mesmo, no seu nº 5, a determinar que o período da suspensão da execução da pena de prisão é fixado entre um e cinco anos quando, na redacção anterior, a suspensão tinha a duração igual à pena aplicada.

Assim, à luz do referido actual artigo 50º, nº 5 do Código Penal, o arguido, atentas as circunstâncias em que actuou, veria a sua pena de prisão suspensa pelo período de 15 (quinze) meses, pelo que facilmente se intui que o regime mais favorável é sem dúvida o que se encontrava em vigor à data da prática dos factos.

V. DISPOSITIVO:

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a acusação e, consequentemente, decide-se:

a) Absolver o arguido J. R. da prática de um crime de falsidade de depoimento, p. e p. pelo artigo 360º, nº 1 e 3, do Código Penal.
b) Condenar o arguido J. R., pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360º nº 1, do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.
c) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC – artigos 513º e 514º, do CPP e artigo 8º, nº 5 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique
Após trânsito em julgado, remeta boletim ao Registo Criminal.
Proceda ao depósito – artigo 372º nº 5 do CPP.”

2.1. – Questões a Resolver

2.2. – Do Crime de Falsidade de Testemunho e da Ausência de Referência ao Testemunho que foi Verdadeiro

2.3. - Do Crime de Falsidade de Testemunho e da Ausência de Referência ao Testemunho que foi Verdadeiro

Como se sabe, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas no mesmo.

É uma única, a questão que está em causa nos autos – a de saber se constitui crime de falsidade de depoimento apenas o facto de a testemunha ter prestado dois depoimentos antagónicos no Proc.º ou se é ainda necessário que se refira qual deles foi o verdadeiro ou de acordo com a realidade.

Nos termos do disposto no art.º 360º/1 C.P., quem como testemunha (…), perante Tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova depoimento (…) falso é punido com pena de prisão de seis meses a três anos ou com pena de multa não inferior a 60 (sessenta) dias.

Constituem pois, elementos do tipo:

- o facto de se prestar depoimento falso;
- fazê-lo de forma voluntária e sabendo-se que isso se está a fazer e com essa intenção.

Sustenta o recorrente, que o tipo de crime exige que se refira ainda na sentença qual dos depoimentos é o verdadeiro, citando o Acórdão da Relação de Guimarães de 29/6/2 009, Fernando Anselmo, em “www.dgsi.pt”.

Neste, referiu-se, em caso idêntico

“Ora, não é assim: apenas se prova que o arguido prestou dois depoimentos contraditórios, mas não se provou desconformidade entre a palavra e a verdade histórica, pois não se diz qual ela foi”.

Conclui que, para que haja mentira é necessário conhecer-se a verdade histórica, pelo que no caso em análise se revogou a sentença condenatória da 1ª instância e se absolveu o arguido.

Como diz Medina de Seiça, em “Comentário Conimbricense do Código Penal”, “Coimbra Editora”, Tomo 3, pág. 460,
“O bem jurídico protegido pelo crime de falso testemunho, falsa perícia, etc., é essencialmente a realização ou administração da justiça como função do Estado”.

Outra corrente, mais recente, é a que se espelha no Acórdão da Relação de Coimbra de 30/10/2 013, Fernando Chaves (atualmente Desembargador, neste Tribunal da Relação de Guimarães), também acessível em www.dgsi.pt.

Aí se diz, que “A certeza sobre a data de consumação do do crime não é um requisito indispensável ao preenchimento do tipo de ilícito.

(…) O requisito material ou objetivo que condiciona a verificação do tipo legal previsto no art.º 360º/1 C.P., na vertente do depoimento testemunhal, é a prestação de depoimento falso, elemento que está indesmentivelmente comprovado, já que tendo o recorrente prestado declarações díspares naquelas duas ocasiões, não restam dúvidas de que num dos depoimentos faltou à verdade.”

Também neste sentido se pronunciaram, de entre outros, os Acórdãos desta Relação de Guimarães de 7/11/2 016, relatado pela aqui Juíza Auxiliar Ausenda Gonçalves, da Relação de Évora de 7/2/2 012, a Decisão Sumária do Tribunal da Relação do Porto de 18/5/2 011, Jorge Jacob e o Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 2/5/2 016, Lee FR..

É neste sentido que se pronuncia, fundamentadamente, a decisão recorrida.

E é este o entendimento que se perfilha, pois o bem jurídico protegido é o da fidelidade do testemunho, como forma de realização da justiça e não o princípio da assunção da verdade histórica.

Ora, no caso dos autos o arguido recorrente referiu, nos autos de Inquérito n.º 27/12.0GAGMR, que o “FR.” vendia heroína e cocaína à sua amiga “T.” e ao A. P., diariamente, por regra 2 (duas) a 3 (três) gramas de cada vez, uma a duas vezes ao dia. Por várias vezes presenciou essas compras, da “T.” e A. P., ao “FR.”. Referiu ainda que o “PP.” é empregado do “FR.” na venda de estupefacientes, sendo que por duas vezes o viu a vender droga aos referidos “T.” e A. P. – ponto 2, da matéria de facto.

Porém e em julgamento, no dia 1 de Outubro de 2 013, inquirido como testemunha, referiu que nunca viu os seus amigos A. P. e F. a comprarem estupefacientes aos arguidos C. R. (o “FR.”) e P. A. (de alcunha “PP.”) – ponto 6, da matéria de facto.

Não obstante o arguido tente defender o contrário, a verdade é que estes dois depoimentos são nitidamente antagónicos e contraditórios, pelo que pelo menos um deles será falso.

E tanto basta para, como se disse, estar preenchida a previsão do art.º 360º/1 C.P. – crime de falsidade de testemunho.

Pelo que se deve manter o juízo de condenação, proferido em 1ª instância, improcedendo pois, na íntegra, o recurso interposto pelo arguido J. R.
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Termos em que, se decide

3 –Decisão

a) julgar totalmente improcedente, o recurso interposto pelo arguido FR., por via disso se mantendo a decisão recorrida.
b) Custas pelo recorrente, com 3 (três) U.C.`s de taxa de justiça – arts.º 513º C.P.P., 8º/9 e tabela 3), anexa ao R.C.P.
c) Notifique.

(Pedro Cunha Lopes)
(Ausenda Gonçalves)