Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
36/21.8T8MTR-C.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
ALTERAÇÃO SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Em acção destinada à alteração/cessação de obrigação alimentar pré-existente [acordada em sede de processo de divórcio] é ao A., obrigado, que, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 342º do Código Civil, incumbe a prova de que, por força de circunstâncias supervenientes, não está em condições de continuar a prestar os alimentos acordados, ou que o alimentando não carece de continuar a recebê-los.
II – Tendo-se apurado alteração na situação económica da R., que sofreu melhoramento, é admissível a redução em equidade da prestação de alimentos fixada.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

AA intentou em 06-02-2023 a presente acção[1] para alteração/cessação da pensão de alimentos contra BB e que foi fixada por acordo homologado por sentença em ../../2022 no processo de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge nº ...1....
Para tal, alegou que está obrigado a proceder ao pagamento da quantia mensal de € 225,00 à R., a título de alimentos, com início em Junho de 2022, tendo até à data efectuado sempre o pagamento da quantia em questão.
Mais alegou que, uma vez que a R. não entregou a casa de morada de família ao A. na data acordada, este teve de instaurar uma acção executiva a exigir a desocupação e entrega do imóvel, tendo incorrido em gastos excessivos com taxas de justiça, nomeadamente, três taxas, uma no valor de e 51,00, outra no valor de € 94,91, e a última no valor de € 502,65, pagas, respectivamente, em 12-09-2022, 15-09-2022 e 10-10-2022, tendo estas despesas, juntamente com o pagamento da pensão de alimentos, agravado a sua situação económica.
Alegou, ainda, que aquando da entrega da casa, constatou a falta de parte do recheio, o que o irá obrigar a comprar determinados bens, designadamente, panelas, pratos e televisão.
Alegou, por fim, que uma alteração da pensão de alimentos trará um alívio para as suas despesas mensais.

Em 24-04-2023, o A. veio juntar o comprovativo de pagamento da pensão de alimentos relativa aos meses de Fevereiro a Março, mais referindo que não efectuou o pagamento do mês de Abril por não ter condições para tal.

Realizada a conferência a que alude o art. 936º/3 do CPC, não foi possível o acordo das partes, pelo que foi notificada a requerida para contestar.

Na contestação apresentada, a R. alega que o A. não refere nenhum facto novo que consubstancie uma alteração das suas condições, para além de invocar que padeceu de doença grave que obrigou a R. a fazer uma intervenção cirúrgica de urgência no Centro Hospitalar ..., motivo pelo qual não entregou a casa de morada de família na data acordada, e que tem várias despesas mensais com medicação, alimentação, água e luz, no montante de cerca de € 350,00, e que o A. tem rendimentos que lhe permitem continuar a pagar a aludida pensão, impugnando, no mais, o alegado pelo A. e pugna pela improcedência da acção.

Das pesquisas realizadas às bases de dados da Segurança Social apurou-se que a R. é titular de uma pensão de velhice.
 
Por despacho proferido em 05-06-2023, tendo em consideração que não foi indicada prova testemunhal, o tribunal informou as partes dispor de todos os elementos para decidir do mérito da causa no saneador, notificando as partes para se pronunciarem quanto à dispensa da audiência prévia, tendo o A. anuído, e a R. requerido a realização da audiência prévia, tendo faltado à mesma.

Seguiu-se a prolação da sentença, que decidiu nos seguintes termos:

Atento o exposto, julgo a presente acção improcedente por não provada, e absolvo a ré do pedido formulado pelo autor.
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Custas pelo autor – art.º 527.º do Código de Processo Civil.
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Registe e notifique.
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Inconformada com essa sentença, apresentou o A. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

I) - Não pode o recorrente conformar-se com a douta decisão, proferida nos presentes autos.
II) - Entende o recorrente que existe uma incorreta decisão quanto à matéria dada como provada no facto 10º.
III) - Isto porque, o tribunal “a quo”, dá como provado que a recorrida tem gastos com medicação, alimentação, água e luz.
IV) - Mas a recorrida junta aos autos, na sua contestação, apenas um documento, referente ao atestado médico, o qual apenas serve para provar o ponto 8º, dos factos provados.
V) - Pelo que, inexiste nos autos prova documental de suporte de que a recorrida tem efetivamente despesas com medicação, alimentação, água e luz.
VI) - Não basta alegar nos articulados, tem de se provar os factos, através de prova documental ou testemunhal.
VII) - Face ao supra exposto, o tribunal “a quo”, deveria ter dado como não provado o ponto 10º, dos factos provados.
VIII) - O ponto 9º, da matéria de fato dado como provado, implicava uma decisão diversa, ora auferindo atualmente a ré, uma pensão de velhice no montante de 437,73€, isso significa que o A. logrou fazer prova de uma circunstância superveniente, que na sua modesta opinião é suficiente para que seja cessado o direito a alimentos da recorrida, designadamente, a pensão de velhice.
IX) - O A. requereu ao tribunal que oficiasse, junto da segurança social, no sentido de apurar se a Ré, auferia alguma pensão de Velhice, desde quando e qual o seu montante e o tribunal a quo, fez duas pesquizas na base de dados da segurança social, a primeira em 05.06.2023, (v. referência eletrónica citius nº ...37),
X) - e na segunda pesquiza, em 12.07.2023, (v. referência eletrónica citius nº ...48), constata-se o montante de 437,73€, o que, salvo melhor entendimento, nos parece que está provado o circunstancialismo de uma alteração superveniente dos rendimentos da ré.
XI) - Rendimento este, que altera a sua situação económica, comparativamente com a data (01.06.2022), em que foi fixada a pensão de alimentos, uma vez que na altura, a ré não beneficiava de pensão de velhice.
XII) - Ora, provado está nos autos que a Ré, passou a receber pensão por velhice em data posterior à atribuição do direito a alimentos, em montante quase do dobro ao da pensão de alimentos e dada a inexistência de prova de que a mesma tem despesas mensais superiores à referida pensão,
XIII) - Subentende o A. que preenchidos se encontram os requisitos que a lei faz depender para a referida cessação.
XIV) - Além disso, a pensão de velhice, da ré teve um aumento, no mês de agosto, setembro e outubro, em relação a janeiro de 2023, pelo que, o montante que a mesma atualmente recebe é de 452,63€, informação que o Autor, apurou junto do Centro Nacional de Pensões, em 13.10.23 – cfr. doc. nº ..., cujo teor se dá aqui com integralmente reproduzido.
XV) - Esta junção de documento é feita com base no artigo 651º do CPC, só podendo ser feita neste momento por ter o Recorrente obtido a listagem de processados mensais, do Centro Nacional de Pensões, apenas em 13 de Outubro de 2023.
XVI) - Além disso, a junção deste documento torna-se também necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
XVII) - Mantendo-se a decisão recorrida, há um enriquecimento sem causa da ré, por cumprimento de uma obrigação que atualmente é inexistente.
XVIII) - Apesar da sentença transitada em julgado, que reconheceu o direito e a obrigação de prestar alimentos ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, com os limites da identidade de sujeitos, de pedido e da causa de pedir,
XIX) - certo é que, a pensão fixada por sentença pode ser julgada cessada ou ser alterada desde que se modifiquem as circunstâncias que determinaram a condenação, supervenientes ao caso julgado (vide arts. 619/1 e 2 e 282 do CPC; arts. 2012 e 2013 nº 1 b) do C. Civil) - vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17.11.22, processo nº 248/12.5TBCMN.D.G1, disponível em www.dgsi.pt ).
XX) - A obrigação de alimentos cessa, nomeadamente, “quando aquele que os recebe deixe de precisar deles”, o que sucedeu in casu.
XXI) - Nos termos do disposto no artigo 2016º - A nº 1 do Código Civil está estipulado:
“Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada á economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges ……”
XXII) - Fundamentando, o tribunal a quo, que tomou a sua decisão, após analisar os documentos juntos aos presentes autos, bem como os da ação principal e dos apensos.
XXIII) - Mal andou tal tribunal, desde logo, porque atendendo á diferença de idade entre os ex-cônjuges, tendo o A. 78 anos de idade, e a ré 67, deveria ter decidido de modo diverso, no sentido de ter cessado a obrigação de alimentos.
XXIV) - Por outro lado, atendendo ao estado de saúde do A., o qual, além da idade avançada que possui, é um doente oncológico, que teve de fazer radioterapia, no Centro Hospitalar ..., conforme referido no contraditório, na ação principal. (v. referência eletrónica citius nº ...88).
XXV) - Atento tudo o atrás vertido, deverá a sentença recorrida ser revogada pelo presente recurso e substituída por outra que julgue procedente o pedido feito nos autos pelo A., quanto á cessação da pensão de alimentos a seu favor, nos termos supra expostos.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da Douta Decisão nos exatos termos ora expostos, e em sua substituição proferindo-se Douto Acórdão que decida pela revogação da douta sentença, substituindo-a por outra que faça cessar a pensão de alimentos.
Assim decidindo, farão V. Ex.ª, como se espera, a habitual JUSTIÇA!
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Não resulta dos autos terem sido apresentadas contra-alegações.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir os interpostos recursos, providenciando pela subida dos autos.
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Foram facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos.
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Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende que:
I) - se altere a matéria de facto quanto ao decidido no ponto 10.º do elenco de factos considerados provados;
II) - se reaprecie a decisão de mérito.
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3 – OS FACTOS

Com relevância para a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1.º O autor e ré casaram no dia ../../2014, sob o regime imperativo de separação de bens, e, respectivamente, com 69 anos de idade e 58 anos de idade;
2.º Por decisão proferida no dia 25.01.2022 nos autos principais e transitada em julgado, em ../../2022, foi decretado o divórcio das partes;
3.º Por decisão proferida no dia 01.06.2022 nos autos principais, já transitada em julgado, foi fixada, por acordo judicialmente homologado, uma prestação alimentar na quantia de 225,00 € (duzentos e vinte e cinco euros) a favor da ré, a cargo do autor, a pagar no dia 15 de cada mês mediante transferência bancária;
4.º A casa de morada de família ficou atribuída ao autor até ao momento da partilha, devendo a ré proceder à sua entrega até ao dia ../../2022;
5.º O autor instaurou acção executiva para execução de sentença, que correu termos com o processo n.º 36/21...., para obter a entrega da casa de morada de família;
6.º Com o processo referido em 5.º, o autor despendeu, a título de taxas de justiça, e honorários, os montantes de 51,00 €, 94,91 €, e 502,65 €, pagos, respectivamente, em 12.09.2022, 15.09.2022, e 10.10.2022;
7.º A casa de morada de família foi entregue ao autor no dia 19 de Dezembro de 2022;
8.º A ré foi submetida a histeroscopia no dia 11.07.2022, na Unidade de Chaves do Centro Hospitalar ..., tendo sido submetida a histerectomia total com anexectomia bilateral por via laparotómica, no dia 03.11.2022, na Unidade de Vila Real do Centro Hospitalar ..., com alta do internamento ao sétimo dia de pós-operatório, com indicação médica para repouso e não fazer esforços durante quatro meses após cirurgia;
9.º A ré aufere uma pensão de velhice no montante de 437,73 €;
10.º A ré suporta despesas mensais com medicação, alimentação, água e luz.
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Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
Inexistem.
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A convicção do tribunal fundou-se no confronto dos documentos juntos aos presentes autos, assim como, da acção principal e dos apensos, com a posição assumida pelas partes nos articulados.
Dos documentos juntos aos autos apenas resulta que o autor teve despesas com as taxas de justiça e pagamento de honorários no âmbito da acção executiva com o processo n.º 36/21...., que a ré aufere uma pensão de velhice no montante de 437,73 €, e que teve um problema de saúde em Julho de 2022, com intervenção cirúrgica, que lhe determinou um período de repouso de cerca de quatro meses.

[transcrição dos autos].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

Apreciemos as questões suscitadas nas conclusões formuladas pelo apelante.
E fazendo-o, comecemos pela questão relativa à impugnação da matéria de facto (I).

Aludindo a ter sido incorrectamente julgado, diverge o apelante A. da decisão da matéria de facto quanto ao decidido no ponto 10.º do elenco de factos considerados provados. Para tanto, invoca inexistir nos autos prova documental de suporte de que a recorrida tem efetivamente despesas com medicação, alimentação, água e luz.
Quid iuris?

Como decorre do disposto no nº 1 do art. 640º do CPC, a parte que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve, sob pena de rejeição do recurso, especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Ainda em honra dos princípios da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, que enformam aquele dever, incumbe também à parte recorrente, igualmente sob pena de imediata rejeição do recurso, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, no caso de os meios probatórios terem sido gravados, como lho impõe a alínea a) do nº 2 daquele art. 640º.
A parte recorrida deverá, ainda que sem qualquer cominação se o não fizer, indicar os concretos meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e indicar, com igual exactidão, as passagens da gravação em que se funda, nos termos referidos na alínea b) do nº 2, do mencionado art. 640º.
No caso em apreço, consideramos que se mostram cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC (cfr. as três alíneas do n.º 1).
Cumpre, pois, apreciar.
O art. 662º do actual CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto de uma forma mais ampla que o art. 712º do anterior Código, configurando-a praticamente como um novo julgamento.
Assim, a alteração da decisão sobre a matéria de facto é agora um poder vinculado, verificado que seja o circunstancialismo referido no nº 1, quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A intenção do legislador foi, como fez constar da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto.
Assim, mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos referidos na alínea c), do nº 2, e sem prejuízo de se ordenar a devolução dos autos ao tribunal da 1ª. Instância, reconheceu à Relação o poder/dever de investigação oficiosa, devendo realizar as diligências de renovação da prova e de produção de novos meios de prova, com vista ao apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
As regras de julgamento a que deve obedecer a Relação são as mesmas que devem ser observadas pelo tribunal da 1ª Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções judiciais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cfr. arts. 466º/3 e 607º/4 e 5 do CPC, que não contrariam o que acerca dos meios de prova se dispõe nos arts. 341º a 396º do CC.
Deste modo, é assim inequívoco que a Relação aprecia livremente todas as provas carreadas para os autos, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua convicção.
Provar significa demonstrar, de modo que não seja susceptível de refutação, a verdade do facto alegado. Nesse sentido, as partes, através de documentos, de testemunhas, de indícios, de presunções etc., demonstram a existência de certos factos passados, tornando-os presentes, a fim de que o juiz possa formar um juízo, para dizer quem tem razão.
Como dispõe o art. 341º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.
E, como ensina Manuel de Andrade[2], aquele preceito legal refere-se à prova “como resultado”, isto é, “a demonstração efectiva (…) da realidade dum facto – da veracidade da correspondente afirmação”.
Não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objetivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a “um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida”.
Quem tem o ónus da prova de um facto tem de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como escreve Antunes Varela[3].
O julgador, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas normalmente acontece, interpreta os factos provados e conclui que, tal como naquelas, também nesta, que está a apreciar, as coisas se passaram do mesmo modo.
Como ensinou Vaz Serra[4] “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência”.
Ou seja, o juiz, provado um facto e valendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto revela a existência de outro facto.
O juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – cfr. art. 607º/5 do CPC, cabendo a quem tem o ónus da prova “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como refere Antunes Varela[5].
Se se instalar a dúvida sobre a realidade de um facto e a dúvida não possa ser removida, ela resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, de acordo com o princípio plasmado no art. 414º do CPC, que, no essencial, confirma o que, sobre a contraprova, consta do art. 346º do CC.
De acordo com o que acima ficou exposto, cumpre, pois, reapreciar a prova e verificar se dela resulta, com o grau de certeza exigível para fundamentar a convicção, o que o apelante pretende neste recurso.
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Como já referido supra, pretende o apelante a alteração da matéria de facto, com vista a dar-se como não provado o ponto 10.º dos factos provados.
Passemos, então, ao aludido facto.
Na contestação, em 15., a R. alegou que gasta em média € 150,00 mensais em medicação, mais de € 100,00 mensais em alimentação, (…) paga a água e a luz das casas dos seus familiares que ambos se comprometeram de cuidar, e que representam um gasto de aproximadamente € 100,00 mensais, (…) as despesas inerentes aos cuidados com o animal de estimação de ambos e que ficou ao cuidado da R. Todavia, não juntou ou indicou qualquer prova (documental ou testemunhal).
A Meritíssima Juiz a quo considerou provado que:
10.º A ré suporta despesas mensais com medicação, alimentação, água e luz.
Nada constando em concreto da motivação, para além da menção genérica à posição assumida pelas partes nos articulados.
Que dizer?

Atendendo ao alegado pela R. e ao teor do facto provado ora em análise, bem como a respectiva motivação, a impugnação do A. é absurda.
Com efeito, foi dado como provado que a R. suporta despesas mensais com medicação, alimentação, água e luz, o que é inerente à vida humana na actualidade em Portugal. Sendo que não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral (cfr. art. 412º/1 do CPC).
Ora, é do conhecimento geral que uma pessoa carece de alimentação, água e luz para viver. E, tratando-se de uma pessoa com 68 anos de idade e que até foi submetida a uma cirurgia há cerca de 2 anos com internamento, é da natureza das coisas que tome medicação. Logo, não se tratando de bens livres, os mesmos implicam o dispêndio regular de dinheiro, que o necessitado tem de suportar. Essas despesas não se encontram quantificadas como alegado, pois não foi feito prova de valores. Mas que a R. suporta tais despesas é patente.
Como assim, e sem necessidade de mais considerações, por desnecessárias, entende-se nada haver aqui a corrigir.
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Passemos, agora, à questão da Reapreciação da decisão de mérito (II).

Entende o recorrente que o ponto 9.º da matéria de facto dado como provado, implicava uma decisão diversa, pois a pensão de velhice que a R. actualmente aufere, no montante de € 437,73, altera a sua situação económica, tendo, pois, o A. logrado fazer prova de uma circunstância superveniente, que na sua modesta opinião é suficiente para que seja cessado o direito a alimentos da recorrida. Incorrendo, pois, a sentença em erro de julgamento.
Quid iuris?

Diga-se, desde já, e antecipando a decisão, que aqui assiste razão ao recorrente, não tendo o Tribunal a quo ponderado a referida circunstância superveniente.
Com efeito, concordando-se com o enquadramento legal efectuado pelo Tribunal a quo quanto à obrigação de alimentos, seus pressupostos e no que concerne à sua alteração, que assenta em operações intelectuais válidas com respeito pelas normas processuais aplicadas e não foi questionado, aqui se dando por reproduzido a fim de evitar repetições, e sendo assertiva a sentença recorrida relativamente à invocada incapacidade financeira superveniente do A. de prestar alimentos, quando refere que este não fez qualquer prova nos presentes autos que permita alcançar tal conclusão, porquanto não é a mera junção do comprovativo de pagamento de taxas de justiça e honorários, num total de 648,56 €, pagos entre Setembro e Outubro de 2022, que comprova que houve uma alteração de condições na vida do autor que afectem a sua capacidade de prestar alimentos à ré, sendo certo que não emerge da factualidade apurada, nem em bom rigor se encontra alegada, a disponibilidade financeira do autor quando foi decretado o divórcio, que permita ajuizar se ocorreu ou não a respectiva degradação, nem tão pouco agora, e era a ele que competia (cfr. art. 342º do CC) alegar e provar que aquando do divórcio dispunha de rendimentos (que deveria ter quantificado e identificado pela respectiva proveniência) que, entretanto, ou deixou de auferir ou deixaram de ser suficientes para fazer face às suas necessidades básicas para levar uma vida condigna, o que não fez, limitando-se a alegar que teve às despesas supra mencionadas, que teria de realizar outras despesas com a compra de determinados bens para a casa de morada de família, que a ré, entretanto, lhe entregou, e que com a alteração da pensão de alimentos, não teria esse encargo mensal, e teria um alívio nas suas restantes despesas mensais, já o mesmo não se pode dizer relativamente ao pressuposto da necessidade dos alimentos devidos à ré, pois, contrariamente ao afirmado na sentença, se verifica que resultava dos arts. 11º e 12º da p.i, a alegação de factos que permitiam concluir que a situação económica da R. podia ter melhorado, pois tinha agora direito a beneficiar de uma pensão de velhice da Segurança Social, tendo sido logo requerido que o Tribunal diligenciasse em conformidade, vindo a apurar-se que a R. dispõe actualmente de uma pensão de velhice no montante mensal de € 437,73.
Não sendo, pois, exacto, como concluído pelo Tribunal a quo, que nada permite concluir que as condições de vida da ré, em termos económicos, tenham melhorado desde o divórcio, e que não se encontra comprovada qualquer circunstância superveniente, anteriormente não considerada, susceptível de justificar a alteração/cessação da prestação alimentar judicial fixada.
Perante o exposto, apesar do imperfeito conhecimento geral da situação económica das partes, quanto aos seus concretos rendimentos e despesas, a alteração das circunstâncias apurada - pensão social de velhice que a R. passou entretanto a ter direito[6] -, justifica a redução da pensão de alimentos estabelecida.
Com efeito, nada mais se tendo apurado quanto à situação económica das partes, nem sendo conhecida a situação económica dos ex-conjuges à data da fixação da pensão de alimentos, apura-se a circunstância superveniente da R. ter passado a beneficiar de uma pensão de velhice no montante mensal de € 437,73, o que não é inócuo, justificando assim esta apurada alteração superveniente das circunstâncias, a redução da pensão de alimentos definida.
Assim, entendemos adequado que a pensão de alimentos fixada de € 225,00 seja reduzida, com recurso a juízo de equidade, para a quantia mensal de € 100,00, sendo certo que não ficou demonstrada a incapacidade de o requerente a prestar.

Procede, pois, parcialmente, a apelação.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação parcialmente procedente e por isso vai revogada a decisão recorrida, que é substituída por outra com o seguinte teor:
Atento o exposto, condena-se a R. a ver reduzida a medida da prestação de alimentos a pagar pelo A., que passa a ser de € 100,00 (cem) mensais, a partir da introdução da acção em juízo.

Custas nas duas instâncias pelo A. em 1/3 e pela R. em 2/3.
Notifique.
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Guimarães, 07-03-2024

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Ana Cristina Duarte)



[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca ..., ... - Juízo C. Genérica
[2] In “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, págs. 191 e 192.
[3] In “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420.
[4] In B.M.J. nº 112, pág. 190.
[5] Cfr. obra supracitada.
[6] por ter logrado reunir as respectivas condições: segundo o ePortugal.gov.pt, têm que estar reunidas à data do requerimento, as seguintes condições: ter idade normal de acesso à pensão - 66 anos e 4 meses em 2024 e 66 anos e 7 meses em 2025 - e ser residente nacional em Portugal.