Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
145339/14.7YIPRT.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: ERRO DE JULGAMENTO
NULIDADE DA SENTENÇA
INJUNÇÃO
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- O erro de julgamento (seja no que concerne à apreciação da matéria de facto, seja no que concerne à aplicação do direito) não constitui causa de nulidade da sentença, devendo ser atacado através de recurso, para que o tribunal de categoria hierarquicamente superior o colmate.

II- Na injunção inicial, de valor superior à alçada da Relação, que após a distribuição e por virtude da oposição deduzida, segue a forma de processo comum, nenhum obstáculo processual se coloca à admissibilidade da reconvenção, a qual deve ser admitida, verificadas que estejam as demais condições de admissibilidade.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: AA..

Recorrido: BB.

Tribunal Judicial de Vieira do Minho – Secção de Competência Genérica, J1.

AA., pessoa colectiva, com sem Pedome, apresentou requerimento de injunção contra BB, residente em Vieira do Minho, solicitando a notificação do requerido no sentido de lhe ser paga a quantia de €28.356,67, conforme a seguinte discriminação: capital (€26.799,34), juros de mora até à data da apresentação do requerimento (€1.404,33) e taxa de justiça paga (€153,00).

Indica, como causa de pedir, que, no exercício da sua actividade, em 03/01/2014, por encomenda do réu, prestou-lhe serviços e forneceu artigos da sua actividade de carpintaria, designadamente forneceu e aplicou soalho e rodapés, executou, forneceu e aplicou portas e armários, na habitação do réu, sita em Vieira do Minho, conforme consta das facturas com os n.ºs2014/1 e 2014/2, nos valores de €25.436,40 e €1.362,94, respectivamente, vencidas em 03/01/2014.

Ambas as facturas foram enviadas ao réu, que não pagou o montante em causa, que ascende ao valor total de €26.799,34, ao que acresce juros de mora à taxa legal comercial até efectivo e integral pagamento, e que, na data de 25/09/2014, ascendem ao valor de €1.404,43.

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 12º do Anexo ao Decreto-lei n.º269/97, de 01/09, o réu deduziu oposição, alegando que acordou verbalmente com o legal representante da autora a realização das obras de colocação de 225 m de rodapé, a colocação de 13 portas lisas interiores, armário no hall de entrada, três portas de entada com fechadura de segurança, 160m2 soalho em eucalipto, 7m de móvel de cozinha de 1,2m de largura, 21m de móvel de cozinha com 0,60 m de largura, pelo preço global de €19.000,00, com IVA incluído, numa habitação do réu, tendo ainda acordado que o início dos trabalhos para Abril/Maio de 2013, com a duração de 4/5meses.

Sucede que, a autora começou tais trabalhos em finais de Maio de 2013 e à medida que os trabalhos se iam realizando solicitou pagamentos, pelo que, em 17 de Junho de 2013, pagou a 1.ª prestação no valor de €7.500,00, em 28 de Agosto de 2013, a 2.ª prestação, no montante de €10.000,00 e em 13 de Outubro de 2013, a 3.ª prestação no montante de €1.500,00.

No decorrer dos trabalhos acordaram ainda verbalmente a colocação de 24m de soalho em eucalipto, como trabalho extra, no montante aproximado de €1.300,00, a liquidar no final da obra.

Permanece, assim, por pagar apenas o valor resultante dos trabalhos extra, que se venceria no momento da entrega da obra. No entanto, a partir de finais de Outubro de 2013, a autora não mais compareceu no local da obra, nem referiu que esta estava concluída.

Na segunda quinzena de Dezembro de 2013, o réu, através do seu representante, verificou que a obra estava mal executada, apresentando diversos defeitos, o que foi comunicado ao legal representante da autora.

Assim, em 06/01/2014, o legal representante da autora e um funcionário deslocaram-se à obra, constatando que esta apresentava vícios, que aquele se prontificou a eliminá-los, comunicando o representante do réu que o valor em falta relativo aos trabalhos extra só seria liquidado logo que os defeitos fossem corrigidos.

Como a autora não eliminou os defeitos, em 03/10/2014, o réu notificou-a para a situação de incumprimento, interpelando-a a concluir a obra e a reparar as irregularidades até 15/11/2014, mas a autora não respondeu nem voltou à obra.

Para além disso, durante a execução dos trabalhos, os funcionários da autora furaram e danificaram diversos tubos, tendo o réu de os mandar reparar, o que importou um custo de €180,00.

Em virtude da não reparação das deficiências, o réu está impedido de utilizar e usufruir os espaços afectados na sua totalidade, tratando-se de 3 apartamentos, com utilização autónoma entre si, passiveis de serem rentabilizados, o que tem causado prejuízos ao réu e continuará a causar até à sua eliminação. Além disso, toda esta situação tem causado enormes incómodos e inconvenientes de carácter pessoal ao réu, o que constituem danos morais merecedores da tutela jurídica.

Deduziu, assim, o réu pedido reconvencional, peticionando a condenação da autora a eliminar os defeitos da obra identificados no artigo 72º da contestação, no prazo razoável de dois meses, e, subsidiariamente, para o caso da autora não cumprir, que essa eliminação seja feita por terceiro à custa daquela; a condenação da autora a pagar ao réu a quantia de €180,00, referente aos danos provocados pela autora em diversos tubos da habitação aquando da realização dos trabalhos; a condenação da autora a indemnizar o réu pelos prejuízos que lhe causou e não se consideram compensados com a simples eliminação dos defeitos, indemnização essa a liquidar em execução de sentença; a condenação da autora a pagar ao réu a importância de €2.500,00, para ressarcimento de todos os danos não patrimoniais por ele sofrido, acrescidas de juros moratórios desde a data da notificação da reconvenção até integral pagamento.

Por outro lado, mais alegou que a autora litiga com nítida má-fé, alterando deliberadamente a verdade dos factos, usando o presente processo com um fim de conseguir um objectivo ilegal e entorpecer a acção da justiça, razão pela qual deve ser condenada em multa e indemnização a favor do réu, cujo montante ficou ao prudente arbítrio do Tribunal.

Deduzida que foi oposição, foram os autos remetidos à distribuição como Acção Declarativa sobre a forma de Processo Comum.

À reconvenção deduzida pelo réu, a autora respondeu por meio do articulado réplica, reafirmando na íntegra o alegado no requerimento inicial, referindo que a autora cumpriu integral e atempadamente os trabalhos encomendados pelo réu, que foram concluídos sem qualquer vício ou defeito. Não é verdade que o réu tenha formulado qualquer reclamação até ao momento em que a autora lhe transmitiu que lhe iria emitir a factura dos serviços prestados.

Não há, pois, qualquer litigância de má-fé por parte da autora, que exerce um direito legítimo, ao invés do réu, que litiga contra a verdade que bem conhece, inventando falsos pretextos para não pagar, tentando enganar o Tribunal, o que importará a sua condenação por litigância de má-fé em multa e em indemnização a favor da autora nunca inferior a €3.000,00.

Prosseguindo os autos os seus trâmites, não se convocou audiência prévia, foi proferido despacho saneador, constante de fls.51-52 (ref.ª140224677), onde se admitiu liminarmente a reconvenção deduzida pelo réu BB, se fixou o valor da causa em €36.356,67 (trinta seis mil trezentos cinquenta seis euros e sessenta sete cêntimos), se afirmou a validade e regularidade da instância, se procedeu à identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova, se ordenou a gravação da audiência final, se admitiu a prova testemunhal arrolada pelas partes, e, por fim, se diligenciou pelo agendamento e programação da audiência final.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu nos seguintes termos:

- Julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
a) Condenar o réu BB a pagar à autora AA. a quantia de €1.362,94 (mil trezentos e sessenta dois euros e noventa quatro cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal para os créditos de que sejam titulares empresas comerciais, vencidos desde 04/01/2014 e vincendos até efectivo e integral pagamento.
b) Absolver o réu BB do demais peticionado.
c) Julgar improcedente o pedido de condenação como litigante de má-fé do réu BB.
- Julgar parcialmente procedente a reconvenção deduzida e, em consequência:
a) Condenar a autora AA. a eliminar os defeitos descritos nos factos provados n.ºs13 e 14, no prazo máximo de dois meses, a contar do trânsito em julgado da presente sentença.
b) Condenar a autora AA. a pagar ao réu/reconvinte BB a quantia de €180,00 (cento e oitenta euros), referente ao custo de reparação dos danos do tubo de água, do sistema de aquecimento, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos desde a data da notificação da contestação/reconvenção e vincendos até efectivo e integral pagamento.
c) Absolver a autora AA. do demais peticionado.
d) Julgar improcedente o pedido de condenação como litigante de má-fé da autora AA..

Inconformado com tal decisão, apela a Autora/Reconvinda, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

“1 – Desde logo, impõe-se concluir que, nos presentes autos, não é admissível reconvenção, conforme Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supra-citado.
2 – Por outro lado e para além da inadmissibilidade da reconvenção, a recorrente assenta a sua discordância quanto à sentença recorrida nos seguintes pontos:
* Alteração à decisão sobre a matéria de facto e reapreciação da prova gravada.
* Insuficiência e inaptidão da matéria de facto provada e dos meios probatórios para sustentar a sentença recorrida.
3 – Importa destacar que o recorrido não requereu prova pericial, o que torna inviável aferir da eventual existência dos danos reconvindos, da causa de tais supostos danos e do nexo de causalidade com alguma alegada actuação ou omissão da parte da recorrente.
4 – Os depoimentos testemunhas supra-transcritos a título meramente exemplificativo comprovam que a recorrente cumpriu integralmente as suas obrigações e que nada lhe pode ser imputado a título de eventual cumprimento defeituoso, incompleto ou imperfeito, considerando até os problemas de isolamento e de humidade que afectavam a casa do recorrido (e que não estão contidos na empreitada contratada).
5 - Impõe-se assim, concluir pela conclusão com perfeição dos trabalhos que competiam à recorrente.
6 - O recorrido tenta confundir defeitos com prazos de garantia.
7 - A ser como o recorrido alega (que não é), deveria ter pago o montante total do preço da empreitada contratada e exercer os direitos que lhe assiste no âmbito das garantias legalmente consagradas, não lhe assistindo, com esse fundamento, o direito de invocar a excepção de não cumprimento, tanto mais que os trabalhos estão concluídos, como resulta do facto provado nº 11.
8 - Por outro lado, e no que diz respeito ao preço da empreitada contratada entre recorrente e recorrido, importa referir que a esse propósito foi produzida a seguinte prova directa:
* Declarações de parte do representante legal da recorrente
* Orçamento junto com a réplica
* Factura junta com a réplica
Que confirmaram na íntegra que, ao montante de 19000 euros, acresce o Iva respectivo, como sempre a recorrente pugnou.
9 – É sintomático e esclarecedor que o recorrido, podendo prestar declarações de parte, optou por não o requerer, o que não o podendo prejudicar, também não o pode beneficiar.
10 – Assim, para além das declarações de parte credíveis e idóneas do representante legal do recorrente, impõe-se ainda recorrer à presunção de veracidade dos documentos da contabilidade ou seja à presunção de veracidade das facturas juntas aos autos, cuja veracidade não foi abalada pelo recorrido.
11 - Para além do representante legal da recorrente, ninguém demonstrou conhecimento directo e pessoal do circunstancialismo que rodeou a celebração e negociação da empreitada dos autos, que teve lugar entre o mencionado representante legal e o recorrido, pessoalmente, sendo certo que o recorrido optou por não prestar declarações de parte.
12 - Desta forma, os depoimentos supra-invocados, conjugados com os documentos juntos pela recorrente, cuja veracidade não foi posta em causa de forma válida e eficaz, nem a sua falsidade foi arguida, impõem que:
* Seja alterado o ponto 2 dos factos provados, passando a constar que o preço da empreitada é de 19 000 euros, a que acresce o Iva respectivo,
* Seja aditado um novo ponto aos factos provados que contenha que a causa do levantamento do soalho e do facto provado nº 13 reside na falta de isolamento da casa o que gerou humidade e provocou o mencionado levantamento.
13- Assim passando a reflectir a prova produzida nos autos e consequentemente revogando a sentença recorrida, no sentido desta passar a julgar procedente a acção e improcedente a reconvenção, para a qual, diga-se, inexiste factualidade provada que sustente a condenação da alínea b) (da reconvenção), face ao facto não provado j), para além da própria reconvenção não poder ser admitida, como já se disse.
14- A sentença recorrida viola, nomeadamente, o disposto nos arts. 3, 4, 5, 608, 609 e 615 CPC”.

*

O Apelado apresentou contra alegações concluindo pela improcedência da apelação interposta nas quais concluiu pela improcedência da apelação.

*

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*

II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Apreciar da existência de nulidade por falta de fundamentação, prevista no artigo 615, nº 1, al. b), do C.P.C.

- Apreciar da admissibilidade ou não do pedido reconvencional.

- Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada.

- Apreciar se, em qualquer hipótese, deverá ser ou não alterada a decisão recorrida.

*

III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida é a seguinte:

Factos Provados.

1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de carpintaria (requerimento injuntivo).

2. No âmbito do seu objecto social, em Fevereiro de 2013, o réu acordou verbalmente com a autora, a realização de trabalhos de carpintaria, na divisão da parte superior, em 3 apartamentos T0, do prédio urbano sito na freguesia de Eira Vedra, concelho de vieira do Minho, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo XXXº, pelo preço de €19.000,00, com IVA à taxa legal em vigor incluído (requerimento injuntivo e artigos 3º, 4º, 5º e 7º da contestação).

3. Os trabalhos acordados consistiam na colocação de 225m de rodapé, a colocação de 13 portas lisas interiores, armário no hall de entrada, 3 portas de entrada com fechadura de segurança, 160m2 soalho em eucalipto, 7m de móvel de cozinha 1,2m de largura, 21m de móvel de cozinha de 0,60m de largura (requerimento injuntivo e artigo 6º da contestação).

4. Mais acordaram que o preço seria pago em prestações, de acordo com o trabalho realizado, e o início dos trabalhos para Abril/Maio de 2013, com a duração de 4/5meses (artigos 7º [parcial] e 8º da contestação).

5. A autora começou a execução dos referidos trabalhos aproximadamente no mês de Junho de 2013 (artigo 9º da contestação).

6. À medida que os trabalhos iam sendo realizados, a autora foi solicitando ao réu pagamentos por conta do preço estipulado (artigo 10º da contestação).

7. Em 17/06/2013, o réu entregou ao legal representante da autora a quantia de €7.500,00, que a recebeu, correspondente à 1.ª prestação do preço acordado (artigo 11º da contestação).

8. Em 28/08/2013, o réu, através do seu representante, entregou ao legal representante da autora a quantia de €10.000,00, que a recebeu, correspondente à 2.ª prestação do preço acordado (artigo 12º da contestação).

9. Em 17/10/2013, o réu, através do seu representante, entregou ao legal representante da autora a quantia de €1.500,00, que a recebeu, correspondente à 3.ª prestação do preço acordado (artigo 14º da contestação).

10. No decurso da obra, entre a autora e o réu ficou acordado, como trabalho extra, a colocação de 24m de soalho eucalipto, pelo preço aproximado de €1.300,00, a liquidar no final da obra (artigo 13º da contestação).

11. A autora terminou a execução dos trabalhos acima referidos entre finais de Agosto/inícios de Setembro de 2013.

12. Em consequência, a autora emitiu a favor do réu a factura FT2014/1, com data de emissão e vencimento em 03/01/2014, no valor total de €25.436,40, e a factura FT2014/2, com data de emissão e vencimento em 03/01/2014, no valor total de €1.362,94 (requerimento injuntivo).

13. Em dia não concretamente apurado do mês de Janeiro de 2014, o réu verificou que, em duas cozinhas, o soalho estava levantado (artigos 23º e 25º da contestação).

14. E as massas de esquadria apresentam cores diferentes, não sendo uniformes (artigo 72º [parcial] da contestação).

15. O que comunicou verbalmente ao legal representante da autora (artigos 24º, 28º, 75º e 79º da contestação).

16. Após, o legal representante da autora e um funcionário deslocaram-se ao local, verificando o levantamento do soalho, que se prontificou a rectificar (artigos 25º, 26º, 76º e 77º da contestação).

17. As facturas acima descritas em 12 foram entregues ao réu, através do seu representante (artigo 36º da contestação).

18. Por carta datada de 24/03/2014, recepcionada em 25/03/2014, o réu devolveu as sobreditas facturas à autora, por «(…) as mesmas não se encontrarem correctas com o acordado e ainda porque a obra não se encontra concluída (…)» (artigo 38º da contestação) - cf. documentos de fls.12v.º-13, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

19. Com data de 02/04/2014, a autora, através do seu mandatário, remeteu carta ao réu, que a recepcionou, entre o mais, com o seguinte teor: «(…) A minha cliente AA. é sua credora, tendo-me incumbido de proceder à cobrança coerciva desse crédito.

Todavia, e no sentido de evitar os incómodos e desvantagens inerentes ao recurso à via judicial, venho conceder até ao próximo dia 7 de Abril de 2014 para efectuar o pagamento voluntário do valor em causa, após o que darei início a actuação judicial (…)» (artigo 39º da contestação) – cf. documento de fls.13v.º, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

20. Com data de 15/04/2014, o réu remeteu carta à autora, entre o mais, com o seguinte teor: «(…) Acuso a recepção da V/carta datada de 02/04/2014 e por mim recebida a 08/04/2014.

Cumpre-me informá-los que o V/cliente transmitiu-vos informações erradas e estranha-se o facto de referirem que ela tem um crédito sobre mim e não indicarem o respectivo valor.

De facto, contratei com o Sr. Filipe Antunes a remodelação da minha casa, cujo montante final acordado pelos serviços a prestar foi de €19.000,00, naturalmente já com todos os impostos incluídos.

Este valor foi pago em 3 tranches, €7.500,00 em 17/06/2013, €10.000,00 em 28/08/2013 e €1.500,00 em 17/10/2013.

Sucede que, no decorrer da obra foram contratados trabalhos extras, cujo valor ainda não foi pago.

No entanto, a obra também se encontra por concluir pelo V/constituinte, não tendo sido entregue.

Assim, aguardo a conclusão da obra pela empresa V/cliente e que me seja entregue, para de seguida pagar o valor que ainda se encontra por saldar. (…)» (artigo 40º da contestação) - cf. documento de fls.14, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

21. Com data de 03/10/2014, recepcionada pela autora em 10/10/2014, o réu remeteu àquela carta, entre o mais, com o seguinte teor: «(…) Como é do V/conhecimento, foi celebrado entre nós um contrato de empreitada para remodelação de habitação, sita no lugar de Ranha, freguesia de Eira Vedra, concelho de Vieira do Minho, pelo valor total de €19.000,00, que actualmente se encontra liquidado.

Acresce que, foram contratadas no decorrer da obra trabalhos extras, designadamente a colocação de 24 metros de soalho.

Sucede que, V. Exa. iniciou os trabalhos na habitação mas ainda não os terminou e outros apresentam irregularidades, designadamente ao nível do soalho, armário, portas, massas com cores diferentes, rodapés não conformes, fechaduras que não funcionam, faltam amortecedores nas portas das cozinhas, faltam as torneiras nas cozinhas.

Esta situação de incumprimento contratual, pois a obra já deveria estar concluída, está a causar-me graves prejuízos, além de imensos transtornos, pelo facto de não poder utilizar convenientemente a habitação. Ora, a responsabilidade por esta situação não poderá deixar de ser atribuída a V. Exa.

Serve a presente para convidar V. Exa. a terminar a obra e a repara as irregularidades existentes decorrentes dos trabalhos que lhe foram adjudicados até ao dia 15 do mês de Novembro de 2014.

A falta de conclusão e regularização dessa situação até à data referida, levar-me-á a perder interesse na execução da obra por parte de V. Exa., com todas as consequências daí resultantes. (…)» (artigos 41º e 79º da contestação) – cf. documentos de fls.15v.º-16, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

22. Aquando da realização dos trabalhos acima descritos, os funcionários da autora rebentaram tijoleiras na cozinha, que não repuseram (artigo 72º [parcial] da contestação).

23. Na aplicação do soalho não foi colocada película de polietileno expandido de, pelo menos, 3 mm (artigo 72º [parcial] da contestação).

24. Na execução dos trabalhos, os funcionários da autora furaram e danificaram um tubo de água, do sistema de aquecimento (artigo 73º [parcial] da contestação).

25. O réu mandou reparar esse tubo, cujo custo suportou (artigo 73º [parcial] da contestação).

26. Os três apartamentos onde foram executados os trabalhos acima descritos são passíveis de serem rentabilizados pelo reu, em termos turísticos, de arrendamento ou proveito próprio (artigo 86º da contestação).

Factos não provados.

Todos os demais alegados pelas partes e para além dos não mencionados, por serem conclusivos ou conterem conceitos de direito, não se provou nomeadamente que:

a) No âmbito do acordo referido em 2 dos “factos provados”, mais ficou estipulado que na aplicação do soalho seria colocada película de polietileno expandido de, pelo menos, 3 mm (artigo 72º [parcial] da contestação).

b) No âmbito do acordo referido em 2 dos “factos provados”, mais ficou estipulado que as portas e a esquadria seriam de madeira maciça (artigo 72º [parcial] da contestação).

c) O réu comunicou à autora as circunstâncias descritas em 13 dos “factos provados” também por correio electrónico (artigo 34º da contestação).

d) A autora não realizou os seguintes trabalhos, que haviam sido acordados:

I. Colocação de duas portas na cozinha, no lugar das máquinas;

II. Amortecedores nas portas e gavetas das cozinhas;

III. Torneiras nas bancas (artigo 72º [parcial] da contestação).

e) As portas de ligação aos apartamentos não fecham em três pontos (artigo 72º [parcial] da contestação).

f) Os armários têm cores diferentes (artigo 72º [parcial] da contestação).

g) As portas e a esquadria colocadas são de madeira prensada (artigo 72º [parcial] da contestação).

h) As deficiências descritas em 13 e 14 dos “factos provados” reduzem consideravelmente o valor dos trabalhos (artigo 68º da contestação).

i) Para além das deficiências acima referidas, existem outras que só serão detectadas com a destruição de parte da obra, designadamente quanto aos materiais utilizados no soalho (artigo 70º da contestação).

j) O custo da reparação mencionada em 25 dos “factos provados” ascendeu ao montante de € 180,00 (artigo 73º [parcial] da contestação).

k) A não reparação das deficiências referidas em 13 e 14 dos “factos provados” impedem o réu de utilizar e usufruir os espaços afectados na sua totalidade, o que lhe causa prejuízos (artigos 85º e 87º [parcial] da contestação).

l) Toda esta situação tem causado enormes incómodos e inconvenientes, de carácter pessoal, ao réu, agravados pelo facto de muitas pessoas quando o visitam comentarem o estado de abandono da habitação (artigo 89º da contestação).

m) O réu opôs-se a que a autora facturasse os trabalhos executados (artigo 9º da réplica).

Fundamentação de direito.

Como é consabido, entre as nulidades da sentença (cujas causas se mostram taxativamente enumeradas no art. 615º, nº 1 do C.P.C.) não se inclui o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário.

Efectivamente, pode a decisão estar afectada por vícios que inquinem o seu valor com meio de composição da lide (ou de um seu aspecto), havendo porém que destrinçar entre o erro na apreciação da matéria de facto ou na aplicação do direito aos factos – o chamado error in iudicando – do erro proveniente da inobservância das regras do procedimento – o designado error in procedendo –, conduzindo o error in iudicando ao proferimento de uma decisão injusta, sem que necessariamente padeça de qualquer error in procedendo, enquanto este segundo determina a “prolação de uma decisão viciada, cujo desvalor é independente da eventual justiça da decisão” .

O erro de julgamento (seja no que concerne à apreciação da matéria de facto, seja no que concerne à aplicação do direito) não constitui causa de nulidade da sentença, devendo ser atacado através de recurso, para que o tribunal de categoria hierarquicamente superior o colmate.

Causa de nulidade da decisão será, assim, qualquer um dos erros de procedimento enumerados nas alíneas do nº 1), do art. 615º do C.P.C..

Invocam as apelantes a nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação (art. 615º, nº 1, b) do C.P.C.),.

Estruturalmente, na arquitectura do nosso ordenamento jurídico, a fundamentação das decisões constitui a sua verdadeira e válida fonte de legitimação, e por isso tal específico dever se encontra constitucionalmente plasmado (art. 205º, nº 1 da C.R.P., ao prescrever que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas na forma prevista na lei).

Tal dever de fundamentação cumpre, em geral, duas funções: uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação de controle crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação, e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, juízo concordante ou divergente; outra, de ordem extraprocessual, que procura tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão.

A necessidade de fundamentação radica quer na função dos tribunais como órgãos de pacificação social, o que torna necessária a explicitação dos fundamentos das decisões como forma de persuasão das partes sobre a legalidade da solução encontrada (procurando o convencimento das partes mediante a argumentação dialéctica própria da ciência jurídica), quer na recorribilidade das decisões judiciais, o que implica a necessidade da parte vencida conhecer os fundamentos em que o julgador se baseou para os poder impugnar devidamente.

Tal exigência de fundamentação – garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático e do direito fundamental de recurso, que com essa justificação modela a fórmula constitucional e o conteúdo de tal exigência – está expressamente consagrada, em termos gerais, no art. 154º do C.P.C., mostrando-se ainda patente em vários preceitos processais civis – vejam-se o art. 607º, nº 4 do C.P.C. (quanto à exigência de fundamentação do despacho que decida da matéria de facto controvertida), o art. 607º, nº 3 do C.P.C. (relativo à exigência de fundamentação da sentença) e o próprio art. 615º, nº 1, b) do C.P.C. (que comina com a nulidade os despachos ou sentenças que não observem o dever de fundamentação).

Para que a decisão careça de fundamentação “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.

Na situação vertente alega a Recorrente que não tendo logrado demonstrada materialidade constante da alínea j), dos factos não provados, referente ao valor dos tubos, inexiste materialidade demonstrada que suporte a sua condenação da alínea b), da reconvenção, ou seja, no valor desses mesmos danos.

Ora, a fundamentar eta condenação refere a decisão recorrida o seguinte:

(…)

Já relativamente ao tubo de água, do sistema de aquecimento, apurou-se que o réu mandou reparar o mesmo, até porque tal reparação era fundamental ao prosseguimento dos trabalhos a que a autora se vinculou no contrato celebrado com este, suportando o respectivo custo. Todavia, ficou por provar que esse custo ascendeu ao montante de €180,00 (cf. alínea j) dos factos não provados).

Ora, não se averiguando o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, é o que resulta da doutrina do artigo 566º, n.º3, do Cód. Civil.

Entendemos, assim, ser de fixar, equitativamente, como compensação pelo prejuízo sofrido decorrente da reparação do tubo de água do sistema de aquecimento a quantia de € 180,00 (cento e oitenta euros), peticiona pelo réu, que se nos afigura razoável, atendendo aos materiais e à mão-de-obra necessários à sua reposição.

(…)

Ora, desta fundamentação como evidente resulta que a condenação nesta parte do pedido reconvencional teve precisamente em consideração a ausência de prova do valor concreto dos danos, ou seja, adoptou-se mesmo uma construção jurídica fundamentadora dessa condenação que assentou mesmo na circunstância de se não ter demonstrado o valor concreto dos danos, sendo essa a razão por que se recorreu à equidade.

E assim sendo, nunca se poderia falar da existência de uma nulidade por falta de fundamentação, por indemonstração do valor dos danos, pois que, a decisão recorrida foi proferida nos termos em que o foi, tendo mesmo como fundamento ou pressuposto a indemonstração do valor dos danos.

O que verdadeiramente poderia ter sido atacado nessa decisão nunca poderia ser a indemonstração do facto em que a própria decisão se alicerçou, mas antes a questão de saber se, com fundamentos nos factos positivos em que se alicerçou, poderia ou não ter condenado o Réu no pagamento do valor desses danos, estando-se, assim, perante um eventual erro de julgamento.

Na situação vertente, não foram demonstrados factos que permitam concluir pelo valor exacto do dano, o que impõe se recorra ao disposto no art. 566º, nº 3 do C.C., tendo-se fixado a indemnização de acordo com a equidade, segundo juízos de verosimilhança e probabilidade, em atenção ao curso normal das coisas e de harmonia com as circunstâncias do caso concreto.

Equidade não significa arbitrariedade, devendo em tal juízo considerar-se a particular situação do caso concreto e do dano que importa reparar – a impossibilidade advinda para o lesado de utilizar veículo de sua propriedade nas suas deslocações.

E foi recorrendo à equidade, partindo da situação concreta (a equidade mais não é do que a justiça do caso concreto) e das suas especificidades próprias e seguindo depois trilhos de normalidade (o apelo a critérios de equidade tem em vista encontrar no caso concreto a solução mais justa – aquela é sempre uma forma de justiça), que o tribunal recorrido considerou adequado, proporcionado e justo o montante indemnizatório fixado na decisão recorrida, nada tendo sido aduzido pelo Recorrente passível de pôr em causa a adequação desse mesmo critério e do concreto valor fixado.

Improcede, assim, nesta parte a presente apelação.

Alega a Recorrente que seguindo a acção subsequente a um procedimento de injunção os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de trabalho, nela não é admissível reconvenção.

No que concerne a este aspecto começaremos por referir que, conforme salienta o Recorrido, a Recorrente, por meio de réplica, contestou a reconvenção, foi proferido despacho saneador que a admitiu liminarmente, analisando da verificação dos seus requisitos de admissibilidade, sendo que a Recorrente não arguiu quaisquer nulidades nem interpôs quaqluer recurso subordinado, conformando-se, assim, com a decisão.

De quaqluer forma e não obstante, esta questão não foi tratada nos vários Acórdãos dos Tribunais Superiores que vêm admitindo ou não a reconvenção consoante o valor da causa exceda o valor da alçada da Relação (anteriormente da 1.ª instância), ou não exceda esse valor.(1)

Assim, tem-se entendido que a melhor solução será a que considera que a injunção inicial, de valor superior à alçada da Relação, se transformou, após a distribuição e por virtude da oposição deduzida, em processo comum, pelo que, se estamos perante um processo comum e já não perante um processo especial, nenhum obstáculo processual se coloca à admissibilidade da reconvenção, a qual deve ser admitida, verificadas que estejam as demais condições de admissibilidade.(2)

Improcede, assim, nesta parte a presente apelação.

Cumpre agora apreciar se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto

Neste âmbito alega o Apelante que, por que está incorrectamente julgados, deve ser alterado o facto ínsito sob o ponto 2, dos provados, e ainda aditado o facto novo, aos factos provado.

Assim, em seu entender, deve a factualidade tida como demonstrada ser alterada de molde a que:

- Seja alterado o ponto 2 dos factos provados, passando a constar que o preço da empreitada é de 19 000 euros, a que acresce o Iva respectivo;

- Seja aditado um novo ponto aos factos provados que contenha que a causa do levantamento do soalho e do facto provado nº 13 reside na falta de isolamento da casa o que gerou humidade e provocou o mencionado levantamento.

Na base de sustentação desta impugnação alinha duas ordens de considerações, a saber:

- Por um lado, não tendo sido requerida a prova pericial, não se afigura viável aferir da existência dos danos invocados na reconvenção alegadamente resultantes de actuação ou omissão da parte do Recorrente;

- Por outro lado, dos depoimentos Ricardo Vieira e Fernando Dalot, resulta que os trabalhos foram concluídos com perfeição pela Recorrente

- Acresce que, no que diz respeito ao preço da empreitada, das declarações de parte do representante legal da Recorrente, do orçamento junto e da factura junta com a réplica, resulta que ao montante de 19.000,00 €, acresce o IVA respectivo.

Passemos então à análise de toda a argumentação aduzida pela Recorrente em sustentação da sua pretensão impugnatória, em ordem a aquilatar da sua consistência e relevância enquanto suporte dos efeitos jurídicos que dela pretendem ver extraídos.

Como é consabido, a prova pericial tem por fim a percepção ou a apreciação de factos por serem necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (artigo 388º do CC) - o que nos reporta para o campo da tecnicidade, de um universo onde uma conscienciosa avaliação e escrutínio dos factos pressupõe o domínio de certos conhecimentos de carácter técnico que escapam ao juiz comum.

Por um lado, mesmo quando produzida a prova pericial, não é indiscutível o juízo dos peritos, poi que, conforme se estipula na legislação aplicável, a força probatória das respostas deles é fixada livremente pelo tribunal (artigos 389º do CC e 489º do CPC).

Por outro lado, daí também não decorre que esses factos sobre os quais é produzida prova pericial, de tecnicidade específica, apenas possam ser demonstrados exclusivamente através de produção dessa prova.

Isto considerado, e sem questionar a particular adequação da prova pericial para a determinação da causa dos defeito em referência nos autos, ela não será, no entanto, o único meio probatório com idoneidade para o apuramento de tais factos, sendo perfeitamente apuráveis esses defeitos e inerentes causas, através de observação directa efectuada por pessoa com conhecimentos das elementares regras de construção.

Assim sendo, e reportando à situação em referência, esta prova pericial não foi requerida e realizada, nem se revelava imprescindível que o tivesse sido, e nessa medida nada obstava a que o Tribunal Recorrido, para fundamentação da factualidade impugnada, se tivesse socorrido de outros elementos probatórios e, designadamente, da prova testemunhal, fazendo a sua exegese e análise critica, como de facto veio a sucede.

O Recorrente sustenta sua impugnação nos depoimentos das duas testemunhas supra referidas, dos quais resulta, em seu entender, que os trabalhos realizados foram concluídos com perfeição e que a causa de levantamento do soalho resultou da falta de isolamento da casa que gerou a humidade e provocou o levantamento.

Ora, salvo o muito e devido respeito, não poderemos deixar de começar por referir da análise de toda a prova produzida na audiência de discussão e julgamento, com relevância para este aspecto, de modo algum se pode extrair a referida conclusão sobre perfeição dos trabalhos efectuados.

Na verdade, analisada a motivação da matéria de facto da decisão recorrida, constata-se que, a propósito da factualidade tida como demonstrada, atinente aos defeitos da obra, que foi objecto de impugnação, aí se referiu o seguinte:

(…)

Para dar como provada a matéria contida nos factos provados n.ºs 13-16 e 22-25 ponderou-se os depoimentos de CC, DD, EE, FF e GG, que depondo de modo sincero, coincidente e coerente em si e entre si, demonstraram possuir conhecimento directo desta factologia.

Com efeito, CC referiu que, durante a aplicação do soalho, furaram um tubo de água do aquecimento, o que comunicaram a DD, que era quem acompanhava a obra. Essa situação foi resolvida e continuaram com a execução dos trabalhos. Depois de concluída a obra, o soalho colocado levantou em dois sítios, na parte traseira dos apartamentos, sendo que um dos locais dizia respeito ao sítio onde furaram o tubo da água. Na aplicação do soalho foi colocado isolamento, mas não película de polietileno, tendo-lhe sido comunicado que esta não foi pedida nem acordada. Desconhece os termos do acordo estabelecido entre autora e réu, nada sabendo quanto às torneiras, amortecedores nas portas e gavetas nem sobre as massas de esquadria.

Por sua vez, DD sustentou que, na primeira semana de Janeiro do ano seguinte, deu conta que o soalho estava levantado em duas cozinhas, o que comunicou ao réu e este, por seu turno, ao legal representante da autora, que se deslocou à obra e verificou o soalho levantado, sendo que, numa das cozinhas as tábuas do soalho estavam ressoadas, apresentando vestígios de humidade. Além disso, noutra cozinha parte das tijoleiras estavam partidas. Acrescentou ainda que, na execução dos trabalhos, furaram um tubo de água, que foi reparado pelo picheleiro, cujos custos foram suportados pelo réu. Desconhece os concretos termos do acordo firmado entre autora e réu, confirmando apenas que as portas colocadas não eram de madeira maciça, não foram colocadas torneiras nas cozinhas nem portas no sítio dos electrodomésticos.

Também EE, com conhecimento directo decorrente da circunstância do seu filho, a pedido da autora, ter efectuado o polimento do soalho, afirmou que na colocação do soalho não foi aplicada a tela que habitualmente é posta, tendo sido aplicadas apenas esferas de esferovite, desconhecendo, no entanto, o acordo feito entre autora e réu. Depois de concluída a obra, deslocou-se ao local uma vez e verificou que, parte do soalho, nas cozinhas, na zona junto à cerâmica tinha levantado. Por outro lado, o soalho fez pressão, o que levou a que a cerâmica da cozinha rebentasse.

FF, funcionário da autora que colocou as três cozinhas, sufragou que, cerca de 15 dias/um mês depois da conclusão da obra, foi substituir, numa das cozinhas, o soalho que tinha inchado com a humidade. Na substituição colocou isolamento com espuma de polietileno, porém, esta não foi aplicada no restante soalho. Os acabamentos em massa dos armários não estavam à mesma cor, as torneiras da cozinha não foram colocadas e as fechaduras colocadas nas portas de entrada dos apartamentos são consideradas de segurança, pois têm canhão de chave por pontos.

Por fim, GG, desconhecendo os termos do acordo estabelecido entre autora e réu, mencionou apenas que, quando foi ao local da obra, na parte traseira, verificou existir soalho levantado, com esferovite por baixo, e tijoleira partida. Nos móveis da cozinha faltavam as portas na parte dos electrodomésticos, assim como amortecedores nas portas da cozinha.

Naturalmente que, por apresentar compatibilidade e sintonia com estes depoimentos, valoraram-se ainda as declarações prestadas pelo legal representante da autora, HH, na medida em que admitiu que o soalho colocado, em duas cozinhas, levantou, por duas vezes, o que o réu lhe comunicou pouco tempo depois da conclusão da obra, assim como se queixou que as massas de esquadria das portas dos armários não estavam na mesma tonalidade – o que aliás verificou quando se deslocou ao local da obra -, e que havia tijoleira partida na cozinha. Referiu ainda que não ficou estipulada a colocação de portas nos armários da cozinha na zona dos electrodomésticos, nem amortecedores nas portas da cozinha, nem a aplicação de isolamento acústico ou tela de polietileno no soalho. Assim como, o orçamento discutido e aprovado também não incluía as torneiras da cozinha.

Ora, deste conjunto de meios de prova, podemos cogitar, sem margem para qualquer dúvida, que o soalho aplicado levantou em duas cozinhas, rebentaram tijoleiras numa cozinha e as massas de esquadria não apresentam cor uniforme, o que foi comunicado verbalmente pelo réu ao legal representante da autora, dado que a prova testemunhal produzida foi unânime e coerente nesse conspecto. Aliás, o legal representante da autora confessou, em declarações de parte, tal realidade.

De igual modo, dos depoimentos acabados de descrever somos levados a concluir que na aplicação do soalho não foi colocada película de polietileno – daí a resposta positiva à factualidade vertida nos factos provados n.º 23 -, no entanto, idêntico juízo já não se pode fazer relativamente à circunstância da mesma estar prevista no orçamento aprovado entre as partes. Isto porque, por um lado, o legal representante da autora negou que esse tipo de isolamento tivesse sido acordado e, por outro, o réu não logrou produzir, conforme lhe competia de acordo com as regras de repartição do ónus da prova previstas no artigo 342º, do Cód. Civil, prova circunstanciada e consistente sobre os concretos trabalhos englobados no acordo estabelecido com a autora, assim se explicando a materialidade dada como não provada nas alíneas a), b) e d) dos “factos não provados”.

(…)

Ora, de todo este substrato probatório, integrado por depoimentos de pessoas com conhecimentos de construção civil, com linear clareza resulta que as anomalias do soalho, de falta de tela, e a folga entre a tijoleira e o soalho nas duas cozinhas, não terão resultado de humidade da casa, resultante de falta de isolamento, mas sim humidade da madeira e do facto de se não se ter dado folga para o crescimento da madeira.

Mais alega a Recorrente, no que diz respeito ao preço da empreitada, que as declarações de parte do representante legal da Recorrente, o orçamento junto e a factura junta com a réplica, permite concluir que ao montante de 19.000,00 €, deverá acrescer o IVA respectivo.

Analisada a motivação da decisão recorrida, a propósito desta factualidade tida como demonstrada, atinente ao valor da obra que foi objecto de impugnação, aí se referiu o seguinte:

“(…)

Assim, a prova dos factos relativos à actividade comercial da autora (factos provados n.º1), ao acordo celebrado entre autora e réu, mais precisamente trabalhos acordados, preço estipulado, modalidade de pagamento e o início e o termo dos trabalhos (factos provados n.ºs2-4), assentou na confissão expressa das partes feita nos articulados, dos factos que lhes são desfavoráveis (cf. artigos 352º, 355º e 356º, n.º1, do Cód. Civil), no admitido por acordo das partes decorrente da falta de impugnação (cf. artigo 574º, n.º2, do Cód. Proc. Civil), nos documentos que compõem fls.12v.º-13 e 14 e nos depoimentos produzidos por DD e GG, que, não oferecendo qualquer dúvida, se afiguraram isentos e imparciais, merecendo, por essa razão, um juízo de credibilidade por banda do Tribunal.

O primeiro, na qualidade de representante (de facto) do réu [residente na Suíça], perante a autora, prestou um depoimento que se nos reputou como isento e objectivo, dando mostras de possuir conhecimento directo dos factos em discussão. Referiu que acompanhou a execução da obra e apesar de não ter presenciado as negociações estabelecidas entre autora e réu, a esse propósito, o réu disse-lhe que tinha negociado a carpintaria da casa com uma empresa de Vila Nova de Famalicão, pelo preço global de € 19.000,00, tudo incluído.

No tocante ao preço estipulado, o teor deste depoimento é reforçado pelo testemunho de GG, carpinteiro de profissão, que apresentou um orçamento ao réu para a realização da mesma obra, pelo preço de €21.000,00, acrescido de IVA, porém não chegaram a fechar negócio, pois o réu comunicou-lhe que tinha um orçamento mais barato entre € 1.000 a € 2.000.

A coerência de sentido entre estes depoimentos, em articulação com os documentos de fls. 12vº-13, 14 e 15vº-16, levou o tribunal a considerá-los credíveis, motivo pelo qual se valoraram. Daí podermos raciocinar-se com um juízo de probabilidade prevalecente que o preço acordado foi de € 19.000, com IVA incluído.

É certo que quanto aos termos do negócio entabulado entre as partes, mormente o preço acordado – o que, no fundo, constitui o nó górdio do presente litígio -, DD e GG explicitaram o seu conhecimento por via das confidências do réu, no entanto, a circunstância de se tratar de depoimentos indirectos não reduz o respectivo juízo de credibilidade, isto porque, foi a própria parte – aquele que vivenciou a realidade das coisas – quem transmitiu os factos a estas testemunhas e num tempo em que, apesar de tudo, as relações ainda não eram litigiosas, não se antevendo, ainda então, o confronto no processo judicial que veio a ter lugar. É natural que o réu fizesse as apontadas referências à pessoa que deixou a representá-lo perante a autora, bem como, a um concorrente da autora a quem também havia solicitado um orçamento para a mesma obra.

Por outro lado, o orçamento de fls. 39 não abalou a convicção que se formou no nosso espírito nesse conspecto, uma vez que esse documento (particular) não está assinado pelo réu e, como tal, está desprovido de força probatória plena e sujeito à livre apreciação do Tribunal (cf. artigo 366º, do Cód. Civil).

Para além disso, assentando nas regras do normal acontecer e da experiência comum, a versão defendida pelo réu relativamente ao preço acordado apresenta-se em consonância com as práticas comerciais, dado que, como é do senso comum, ao consumidor final – como é o caso do réu – apenas lhe interessa o preço final, pelo que cremos seriamente que o preço negociado entre as partes – de €19.000 – já incluía os impostos devidos.

Para que não haja precipitações na apreciação da prova cumpre referir, em abono deste nosso raciocínio lógico-dedutivo, que a autora e réu estão de acordo que o preço dos trabalhos extraordinários que, no decurso da obra, estipularam, de aproximadamente € 1.300,00, já incluía o IVA – pois existe sintonia entre a factura de fls.42 e a versão militada pelo réu a esse propósito -, o que, desde logo, aponta no sentido de que os preços negociados eram os preços finais com os inerentes impostos incluídos.

(…)

Ora, considerado o teor de tal motivação, e designadamente, os depoimentos das aludidas testemunhas, que demonstraram conhecimentos dos factos (o primeiro acompanhou as obras e o segundo apresentou um orçamento para a sua realização), foram prestados de uma forma coerente e consistente e em perfeita articulação com os documentos de fls. 13 a 17, dos autos, bem como, com a forma de pagamento dos trabalhos extraordinários efectuada entre as partes, que incluiu o IVA, tudo em perfeita sintonia com as regras da experiência comum e com as práticas comerciais, que vão no sentido de o preço ao consumidor final incluir o IVA devido, à evidência resulta a demonstração de que o preço foi acordado com IVA incluído, sendo uma tal conclusão não poderá ser infirmada apenas por um depoimento de parte, sem quaqluer outro suporte que corrobore o seu teor, já que, que como é óbvio, inquina de alguma parcialidade, sendo que orçamento junto aos autos que não foi assinado pelo Réu, e por decorrência, está desprovido de força probatória plena.

E assim sendo, improcede também nesta parte a presente apelação.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Apelante.

Guimarães, 16/ 02/ 2017.

Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

Jorge Alberto Martins Teixeira

José Fernando Cardoso Amaral.

Helena Gomes de Melo.

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1 Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 14/05/2012, processo n.º 176189/11.1YIPRT-A.P1, in www.dgsi.pt.
2 Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 15/05/2014, proferido no processo nº 30585/13.9YIPRT-A.G1, in www.dgsi.pt.